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Acórdão
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Certificado digitalmente por: LILIAN ROMERO REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.632.529-0 (NPU 0006965-09.2016.8.16.0035), DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS Relatora: Desembargadora LILIAN ROMERO Impetrados: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCACAO DE SÃO JOSE DOS PINHAIS Impetrante: L. M. DOS S. REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EDUCAÇÃO INFANTIL. VAGA EM CRECHE DA REDE MUNICIPAL. DIREITO ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART. 208, IV. DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO. ORDEM DE DISPONIBILIZAR VAGA EM CRECHE À CRIANÇA IMPETRANTE CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário nº 1.632.529-0, da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, nos autos de Mandado de Segurança em que figuram como impetrados o município de São José dos Pinhais e a Secretaria Municipal de Educação, a ele vinculada, e como impetrante L. M. DOS S. I. Relatório Trata-se de Reexame Necessário da sentença1 que concedeu a ordem pleiteada em mandado de segurança nos seguintes termos: __ 1 Sentença disponibilizada no sistema Projudi em 12.09.2016 (M. 28.1), e lida pelos impetrados em 22.09.2016
(M. 36) e pela parte impetrante na mesma data (M. 35). Considerar-se-á, no exame do recurso, as disposições do CPC vigente à data da prática dos atos processuais, na forma do art. 14 do NCPC: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em liminar inicialmente deferida, que determinou à municipalidade a inclusão da impetrante em Centro Municipal de Educação Infantil situado próximo à sua residência e enquanto sua idade for compatível com a aludida instituição educacional, sendo em período integral enquanto creche, respeitando, após, o sistema de turnos implantando pelo Município de São José dos Pinhais. Consoante súmula nº 512 do STF e súmula nº 105 do STJ, não há condenação em honorários advocatícios. Sem custas, nos termos da Lei nº 8069/90.
Decorrido o prazo legal não houve interposição de recurso pelos impetrantes e nem pelos impetrados (M. 37, 38 e 39.1) O Ministério Público de primeiro grau teve ciência dos termos da sentença (M. 33.1). Remetidos os autos a esta Corte, nesta instância a PGJ manifestou-se pela confirmação da sentença em sede de reexame necessário. II. Voto Do cabimento do Reexame Necessário Conforme previsão expressa do art. 14, §1º da Lei 12.016/2009, cabível o duplo grau obrigatório. Dos fatos É incontroverso que a impetrante, nascida em 26.08.2014 e com 1 ano e 7 meses de idade à época da impetração do mandamus, buscou administrativamente vaga e matrícula em creche da rede pública de ensino. Contudo, o ente público impetrado inseriu a criança impetrante em fila de espera em razão da ausência de vaga. Comprova tal fato o documento M. 1.5. A liminar pretendida foi deferida (M. 9.1) Do mérito A concessão da segurança requer a presença dos seguintes requisitos: (a) ato (comissivo ou omissivo) de autoridade; (b) ilegalidade ou abuso de poder de tal ato; (c) lesão ou ameaça de lesão; e (d) direito líquido e certo (não amparado por habeas corpus ou habeas data). No caso, é incontroversa a prática do ato (omissivo) consistente na não inserção imediata da criança impetrante em CMEI. Cabe, então, aferir se a criança impetrante tinha o direito líquido e certo à inserção imediata na creche e consequentemente sofreram lesão ou ameaça de lesão a tal direito e, por fim, se houve ilegalidade ou abuso de poder da autoridade impetrada. Do dever estatal quanto à educação infantil. Da legitimidade da intervenção do Judiciário. Dispõe o art. 208 da Constituição Federal que:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II (...) IV educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (...) §1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. §2º. O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. §3º. Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.
Como se vê, a Constituição Federal dispôs expressamente que o acesso ao ensino é direito público subjetivo que "é o direito exigível, é o direito integrado ao patrimônio do titular, que lhe dá o poder de exigir sua prestação se necessário, na via judicial (...) oponível ao Poder Público, direito que cabe ao Estado satisfazer" (AFONSO DA SILVA, José. Comentário Contextual à Constituição. 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 794/795). A educação infantil é direito social fundamental e não mera norma programática. Por isso, impõe uma atuação positiva e prioritária do Estado para a sua efetivação. A respeito, o STF já assentou que:
"(...)A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Esta prerrogativa jurídica, em consequência, impõe ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das `crianças até 5 (cinco) anos de idade' (CF, art. 208, IV) o efetivo acesso a atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral inadimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. (...)" (STF-2ª Turma, Agravo Regimental no RE 639.337, Relator Min. Celso de Mello, j. 23/08/2011, DJe-177)
No caso, a atuação prioritária recai sobre o Município, por expressa disposição constitucional:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. (...) § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
perscrutar a demanda em seu Município por vagas na educação infantil, a fim de atendê-la, inclusive prevendo dotação de recursos para tal finalidade. A respeito disso, vale transcrever outro excerto do mesmo julgado do STF acima invocado:
"Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná- la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À "RESERVA DO POSSÍVEL" E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS "ESCOLHAS TRÁGICAS". A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá- los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente
causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras "escolhas trágicas", em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. A noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). (STF-2ª Turma, Agravo Regimental no RE 639.337, Relator Min. Celso de Mello, j. 23/08/2011, DJe-177)
Dos demais requisitos do mandado de segurança Ao serem colocadas na fila de espera por vaga, ao invés de prontamente serem inseridas em estabelecimento de educação infantil, a criança impetrante teve o seu direito subjetivo público líquido e certo violado. A ilegalidade do ato da autoridade impetrada decorreu, justamente, do descumprimento do preceito constitucional fundamental e da sua não efetivação, o que importa em sua supressão no plano concreto. Conclui-se, deste modo, pela presença dos requisitos necessários à concessão da ordem, sendo escorreita a sentença proferida. Voto Voto, assim, no sentido de manter a sentença, em sede de Reexame Necessário, em seus integrais termos. III. Dispositivo ACORDAM os integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em manter as disposições da sentença, em Reexame Necessário, nos termos do voto da Relatora. Votaram com a Relatora o Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Joscelito Giovani Ce e o Desembargador Renato Lopes de Paiva, em Sessão de Julgamento presidida pelo Desembargador Carlos Eduardo Andersen Espínola. Curitiba, 14 de março de 2017.
LILIAN ROMERO Desembargadora Relatora
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