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Acórdão
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Certificado digitalmente por: MIGUEL KFOURI NETO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.628.300-6, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA AUTOR: GOVERNADOR DO ESTADO INTERESSADO:ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA RELATOR: DES. MIGUEL KFOURI NETO CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 24-A DA LEI ESTADUAL Nº 11.580/1996, QUE DISCIPLINA A CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO EM ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO NO CONFAZ. ANTINOMIA COM O DISPOSTO NO ART. 130 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, QUE IMPÕE A OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 155, § 2º, XII, DA CF. PRECEDENTES DO STF NESTE SENTIDO (ADI 3803 E ADI 1247), RECONHECENDO A INCONSTITUCIONALIDADE. GOVERNO DO ESTADO APONTA QUE O BENEFÍCIO IMPORTARÁ EM CONSIDERÁVEL REDUÇÃO DA RECEITA ESTADUAL. PRESENTE O FUMUS BONI IURIS E O PERICULUM IN MORA NECESSÁRIOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ARTIGO 24-A DA LEI ESTADUAL Nº 11.580/1996, COM EFICÁCIA EX NUNC.
Vistos, relatados e discutidos, estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade sob nº 1.628.300-6, do Foro Central da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é autor o Governador do Estado e interessada a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Governador do Estado, buscando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 24-A da Lei Estadual nº 11.580/1996, cuja redação foi acrescida pelo artigo 6º da Lei nº 18.879/2016, que disciplina a concessão de crédito presumido em ICMS.
Alega a inconstitucionalidade do dispositivo em razão da concessão de tal benefício não ter sido precedida de convênio no CONFAZ, contrariando o disposto no art. 130 da Constituição Estadual, que impõe a observância do disposto no artigo 155, § 2º, XII da Constituição Federal.
Pugna o autor pela suspensão da eficácia do referido diploma legal alegando que o benefício fiscal instituído importa em renúncia de receita, que segundo estimativas da Secretaria da Fazenda ocasionará prejuízos no montante de R$ 12.000.000,00 à receita estadual.
A Assembleia Legislativa do Estado do Paraná prestou informações às fls. 68/72, nas quais consta que a Lei Estadual nº 18.879/2016 decorreu do Projeto de Lei nº 419/2016, iniciado pelo Poder Executivo e que o dispositivo impugnado decorreu de emenda proposta e aprovada pela Casa Legislativa, cujo texto veio a ser vetado pelo Governador do Estado e posteriormente derrubado o veto pela Assembleia. É a síntese do essencial.
FUNDAMENTAÇÃO E VOTO
O dispositivo inquinado de inconstitucional da Lei Estadual nº 11.580/1996, cujo texto foi acrescido pelo artigo 6º da Lei nº 18.879/2016, tem a seguinte redação:
"Art. 24-A. O crédito presumido, para as seguintes mercadorias, quando em sua operação de saída interna, por parte de seus fabricantes e industrializadores, produzidas em território paranaense, dentro dos limites estabelecidos: Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
I em percentual que resulte em carga tributária de 12% (doze por cento):
a) NCM 2207.20.20 e 2208.40.00;
b) NCM 2203, restrito aos estabelecimentos fabricantes cuja produção anual correspondente ao somatório da produção de todos os seus estabelecimentos, inclusive de coligadas ou controladas, mesmo que localizados em outras unidades federadas, não seja superior a cento e trinta milhões de litros no ano civil; c) NCM 2202, exceto os Ex 01 e Ex 02 da posição 2202.90.00, limitado à saída de quarenta e oito milhões de litros no ano civil;" Acrescentado o art. 24A pelo art. 6º, da Lei n. 18.879, de 27.9.2016, produzindo efeitos a partir de 16.12.2016 (publicação da promulgação de parte vetada).
O autor alega a inconstitucionalidade do dispositivo em razão da concessão do benefício fiscal ter se dado sem a prévia celebração de Convênio com o Conselho Nacional de Política Fazendária CONFAZ, em desacordo com o exigido no artigo 155, § 2º, inciso XII alínea "g", 1da Constituição Federal.
Em que pese a antinomia resida na inobservância do disposto na Carta Constitucional Federal, e que o único parâmetro de controle admissível nesta via seja a Constituição Estadual, observa-se que o artigo 1302, deste diploma faz remissão ao dispositivo mencionado da Carta Federal:
"Art. 130. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido
1 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: XII - cabe à lei complementar: 2 g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
mediante lei específica estadual ou municipal que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2o, XII, da Constituição Federal." (Redação dada pela Emenda Constitucional 7 de 24/04/2000) grifo não original.
Destarte, havendo a remissão expressa a dispositivo contido na Constituição Federal, ocorreu a incorporação formal para efeitos de parametricidade de controle, de modo que conheço a presente ação direta, consoante vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, verbis:.
"A "REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE" NO ÂMBITO DOS ESTADOS-MEMBROS (CF, ART. 125, § 2º) A QUESTÃO DA PARAMETRICIDADE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS, DE CARÁTER REMISSIVO, PARA FINS DE CONTROLE CONCENTRADO DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS, PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DOUTRINA PRECEDENTES RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O único instrumento jurídico revestido de parametricidade, para efeito de fiscalização concentrada de constitucionalidade de lei ou de atos normativos estaduais e/ou municipais, é, tão somente, a Constituição do próprio Estado- membro (CF, art. 125, § 2º), que se qualifica, para esse fim, como pauta de referência ou paradigma de confronto, mesmo nos casos em que a Carta Estadual haja formalmente incorporado ao seu texto normas constitucionais federais que se impõem à observância compulsória das unidades federadas. Doutrina. Precedentes. Revela-se legítimo invocar, como referência paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo que, inscrita na Constituição Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
Estadual, remete, diretamente, às regras normativas constantes da própria Constituição Federal, assim incorporando-as, formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento constitucional do Estado-membro. Com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da expressa referência a elas feita, o "corpus" constitucional dessa unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2º, da Constituição da República, a própria norma constitucional estadual de conteúdo remissivo. Doutrina. Precedentes." (Rcl 5690 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 24/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-074 DIVULG 20-04-2015 PUBLIC 22-04-2015)
A norma impugnada institui benefício fiscal, relativo a concessão de crédito presumido em ICMS, que ocasionará um desconto real no pagamento do imposto. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal a concessão de tal benefício somente pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75:
"INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 15.182/2006, do Estado do Paraná. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS. Benefícios fiscais. Concessão de crédito presumido, por Estado-membro. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada "guerra fiscal". Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra "g", da CF. Ação julgada, em parte, procedente. Precedentes. Não Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ."
(ADI 3803, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-181 DIVULG 20-09-2011 PUBLIC 21-09-2011 EMENT VOL-02591-01 PP-00033)
"Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 12, caput e parágrafo único, da Lei estadual (PA) nº 5.780/93. Concessão de benefícios fiscais de ICMS independentemente de deliberação do CONFAZ. Guerra Fiscal. Violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, "g", da Constituição Federal. 1. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal de que são inconstitucionais as normas que concedam ou autorizem a concessão de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento) independentemente de deliberação do CONFAZ, por violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal, os quais repudiam a denominada "guerra fiscal". Precedente: ADI nº 2.548/PR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 15/6/07. 2. Inconstitucionalidade do art. 12, caput, da Lei nº 5.780/93 do Estado do Pará, e da expressão "sem prejuízo do disposto no caput deste artigo" contida no seu parágrafo único, na medida em que autorizam ao Poder Executivo conceder diretamente benefícios fiscais de ICMS sem observância das formalidades previstas na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
Constituição. 3. Ação direta julgada parcialmente procedente." (ADI 1247, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16- 08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00001)
Diante do contido nos precedentes citados, conclui-se que há sérios indícios de inconstitucionalidade no dispositivo impugnado.
Observa-se, ainda, que a aplicação das disposições do mencionado artigo ocasionará redução na arrecadação estadual, com sérias repercussões no orçamento do Poder Executivo, tendo a Inspetoria Geral de Fiscalização da Coordenação da Receita do Estado informado que a medida em questão importa em: "renúncia anual de receita na ordem de R$ doze milhões de reais" (fls. 46).
Destarte, entendo preenchidos os requisitos para a concessão da medida cautelar, mostrando-se necessária a suspensão de eficácia do dispositivo impugnado.
Assim vem entendendo este Órgão Especial: "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR - LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 938/2013 - LEI DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO QUE IMPORTOU NA REDUÇÃO DO IPTU E NA ISENÇÃO DA COSIP DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA LEI IMPUGNADA - FUMUS BONI IURIS RETIRADO DA EXEGESE DO ART. 133, INCISOS II E III, DA CE/PR - MATÉRIAS QUE IMPLICAM NA ALTERAÇÃO DO ORÇAMENTO ANUAL DO MUNICÍPIO - PERICULUM IN MORA VISLUMBRADO NA LIMITAÇÃO ORÇAMENTÁRIA OCASIONADA PELA NORMA EDITADA - PRECEDENTES DESTE ÓRGÃO ESPECIAL EM CASOS SEMELHANTES - MEDIDA CAUTELAR Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
CONCEDIDA PARA O FIM DE SUSPENDER, COM EFICÁCIA EX TUNC, OS EFEITOS DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 938/13, DE MARINGÁ" (TJPR - Órgão Especial - AI - 1055685-9 - Curitiba - Rel.: Denise Kruger Pereira - Unânime - - J. 18.08.2014)
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PEDIDO LIMINAR - LEI MUNICIPAL Nº 10794/2012 DO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA - AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES DE ISENÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA PREVISTAS NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL - PROJETO LEGISLATIVO DE INICIATIVA DE VEREADOR - FUMUS BONI JURIS CONFIGURADO - NORMA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - VÍCIO FORMAL - NÃO DEMONSTRADO ATENDIMENTO AO ART. 14, DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL - VÍCIO MATERIAL - REDUÇÃO DE RECEITA PÚBLICA SEM PREVISÃO DE ESTIMATIVA DO IMPACTO ORÇAMENTÁRIO- FINANCEIRO - PERICULUM IN MORA CONSISTENTE NOS REFLEXOS NOCIVOS AO ORÇAMENTO PÚBLICO - LIMINAR DEFERIDA PARA SUSPENDER A EFICÁCIA DO ATO NORMATIVO ATÉ JULGAMENTO FINAL DA DEMANDA." (TJPR - Órgão Especial - AI - 962671-3 - Curitiba - Rel.: Paulo Roberto Vasconcelos - Unânime - - J. 17.12.2012)
Ante essas considerações, define-se o voto pela concessão da medida cautelar, suspendendo-se a eficácia do artigo 24-A, da Lei Estadual nº 11.580/1996, com eficácia ex nunc. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1628300-6
DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em conceder a medida cautelar, suspendendo-se a eficácia do artigo 24-A, da Lei Estadual nº 11.580/1996, com eficácia ex nunc. Presidiu o julgamento o eminente Desembargador Renato Braga Bettega (com o relator) e dele participaram votando com o relator, os eminentes Desembargadores Carvilio da Silveira Filho, Paulo Cezar Bellio, Telmo Cherem, Octavio Campos Fischer, Ruy Cunha Sobrinho, José Sebastião Fagundes Cunha, Marques Cury, Hayton Lee Swain Filho, Jorge Wagih Massad, Sônia Regina de Castro, Rogério Kanayama, Luiz Carlos Gabardo, Paulo Roberto Vasconcelos, Arquelau Araujo Ribas, Fernando Antonio Prazeres, Carlos Mansur Arida, Nilson Mizuta, Hamilton Mussi Correa, Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, José Augusto Gomes Aniceto, vencido o eminente Desembargador Jorge de Oliveira Vargas,
Curitiba, 20 de março de 2017.
MIGUEL KFOURI NETO Relator
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