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Acórdão
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Certificado digitalmente por: MIGUEL KFOURI NETO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N.º 1628648-1, DA COMARCA DE UMUARAMA 2.ª VARA CRIMINAL Recorrente: RAFAEL DOS SANTOS FRANCISCO Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Relator: DES. MIGUEL KFOURI NETO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, INC. IV, C.C. ART. 14, INC. II, AMBOS DO CP). ALMEJADA DESPRONÚNCIA. DESACOLHIMENTO. MATERIALIDADE COMPROVADA E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA NÃO CARACTERIZADA. REQUISITOS DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE INDEMONSTRADOS. PLEITO SUBSIDIÁRIO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE DOLO. INVIABILIDADE. APRECIAÇÃO AFETA AO CONSELHO DE SENTENÇA. REQUERIMENTO DE CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito n.º 1628648-1, da Comarca de Umuarama 2.ª Vara Criminal, em que é recorrente RAFAEL DOS SANTOS FRANCISCO e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ofereceu denúncia contra RAFAEL DOS SANTOS FRANCISCO, pela prática,
em tese, do delito previsto no art. 121, § 2.º, inc. IV, c.c. art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, pelos fatos assim descritos na inicial (mov. 1.2): "No dia 07 de setembro de 2013, por volta das 15h20min, a vítima Claudison Marques dos Santos encontrava-se do lado de fora do estabelecimento comercial denominado `Bar da Judite', localizado na Avenida Paraná, nº 403, na cidade de Maria Helena/PR, quando foi surpreendido pelo denunciado RAFAEL DOS SANTOS FRANCISCO, o qual ciente da ilicitude de sua conduta e imbuído da intenção de matar, mediante surpresa, agrediu a vítima pelas costas impossibilitando-a de se defender, desferindo vários golpes com faca causando-lhe ferimentos consistentes em 02 (duas) feridas incisas no braço esquerdo medindo 03 (três) cm cada, 01 (uma) ferida incisa na região do ombro direito medindo 03 (três) cm, 01 (uma) ferida incisa na região do ombro direito medindo 05 (cinco) cm e 01 (uma) incisa cicatrizada na face, iniciando, assim, a execução de um crime de homicídio qualificado que não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, posto que a pessoa de Wagner Lopes Espontom socorreu a vítima e imediatamente a encaminhou ao Hospital desta cidade e Comarca, onde recebeu imediato atendimento e recuperou-se". Vencido o itinerário procedimental pertinente, sobreveio a r. sentença de mov. 91.1, que pronunciou o réu como incurso nas sanções do art. 121, § 2.º, inc. IV, c.c. art. 14, inc. II, ambos do Código Penal mantida a prisão cautelar do acusado. Inconformado, recorre o pronunciado (mov. 101.1). Nas razões (mov. 115.1), pugna pela despronúncia, ao argumento de inexistirem indícios suficientes da materialidade e autoria. Pede, também, seja absolvido sumariamente, dada a excludente da ilicitude pela legítima defesa. Subsidiariamente, alega ausência da intenção de matar, pleiteando a desclassificação da imputação inicial para lesão corporal. Requer, ainda, a concessão do benefício da justiça gratuita. Contra-arrazoado o recurso (mov. 118.1), a decisão recorrida foi mantida na oportunidade do juízo de retratação (mov. 122.1). Subiram os autos a esta Corte. A douta Procuradoria Geral de Justiça exarou o r. parecer de fls. 11/24, subscrito pelo Dr. Carlos Alberto Baptista, pelo desprovimento do recurso.
É a síntese do essencial.
FUNDAMENTAÇÃO E VOTO
Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por RAFAEL DOS SANTOS FRANCISCO, em que postula a reforma da r. decisão que o pronunciou pela prática, em tese, do crime de tentativa de homicídio qualificado, de que foi vítima Claudison Marques dos Santos (art. 121, § 2.º, inc. IV, c.c. art. 14, inc. II, ambos do CP). Pede seja despronunciado, ao argumento de inexistirem indícios suficientes da materialidade e autoria. Pugna, também, pela absolvição sumária, uma vez que agiu em legítima defesa. Subsidiariamente, alega ausência da intenção de matar, pleiteando a desclassificação para lesão corporal. Como sabido, a sentença de pronúncia consubstancia mero juízo de admissibilidade, a fim de que materialidade e autoria delitivas sejam concretamente decididas pelo Tribunal do Júri. No caso, a materialidade comprova-se pelo Boletim de Ocorrência (mov. 1.1 e 1.2 IP) e Laudo do Exame de Lesões Corporais (mov. 1.1 IP). Já a autoria é suficientemente indicada pela prova oral. No interrogatório policial (mov. 1.1 IP), o réu confessa ter dado os golpes de faca em Claudison, alegando, contudo, que agiu em legítima defesa. Eram amigos. No entanto, depois de, juntos, terem agredido terceira pessoa, "o interrogado disse a Claudison que não queria mais manter amizade com ele. Claudison não gostou e desde então, ele já lhe agrediu por três vezes. Em todas as ocasiões, ele simplesmente chega e lhe agride". No dia dos fatos, o interrogado chegou ao "Armazém da Judite", onde "pegou uma faquinha que fica em cima do balcão, para abrir a latinha de pescado". Sentou-se. Quando abria a lata, a vítima chegou "e já quis lhe agredir". Conseguiu desviar o soco, "mas se embolaram". Claudison deu um soco nas costas do interrogado, que, para se defender, pegou a faquinha e efetuou alguns golpes de faca na vítima, não sabendo precisar quantos. "Como ele parou de lhe agredir, foi embora do local. Alega que não tinha intenção nenhuma de agredir ou esfaquear Claudison, mas como em todas as vezes, ele sempre chega lhe agredindo e dessa vez, como a faca estava próxima, efetuou alguns golpes para fazê-lo parar com as agressões".
Em juízo, não sendo localizado para intimação, foi decretada a revelia do acusado (mov. 76.1). Claudison Marques dos Santos, ora vítima, declara em juízo (mov. 76.1 CD-ROM) que estava com o réu no bar, bebendo, e discutiram "por causa de cachaça". Empurrou o réu e foi embora. Ficou sabendo que o réu também foi embora, mas depois voltou, procurando o depoente. Eram amigos. Depois de duas semanas, foi ao bar novamente. Viu que o réu estava no bar, então dirigiu-se à mercaria em frente. Isso para evitar contato com ele. Sentou e, enquanto tomava uma cerveja, o réu o surpreendeu por trás. O réu já chegou com uma faca grande, "daquelas de açougue". Caiu após a primeira facada, no pescoço. Depois ele virou e o réu o perfurou mais seis vezes. Diz que perguntou ao réu: "Você é louco, rapaz? O que você está fazendo?". O réu respondeu: "Eu vou te matar!" e xingou o depoente. O depoente conseguiu levantar, fugir e ir embora, direto para o hospital. Chegou a ser perseguido por RAFAEL. O socorro foi imediato. Ficou internado. Diz, ainda, que depois da ocorrência o réu pediu desculpas e "ficaram amigos de novo". Claudicia Marques dos Santos, irmã da vítima, informa em juízo (mov. 76.1 CD-ROM) que não presenciou o fato, apenas viu Claudison ensanguentado e o acompanhou ao hospital. Conta que, duas semanas antes, estava na casa da tia e o réu foi procurar seu irmão, dizendo que iria matá-lo quando o encontrasse, pois haviam discutido no dia anterior. Maria Cecilia de Abreu Silva Santana e Maria Judite da Silva, donas da mercearia onde ocorreu o fato, dizem em juízo (mov. 76.1 CD- ROM) que não houve discussão prévia nem briga, ao contrário, "foi de repente e rápido". Em seguida, "todo mundo lá fora sumiu". O bar estava cheio. Há, portanto, indicativos bastantes de que o recorrente foi autor do suposto crime de tentativa de homicídio qualificado pelo recurso que impossibilitou a defesa da vítima, já que, em tese, agrediu-a pelas costas com uma faca, desferindo golpes no braço esquerdo, ombros e pescoço, sendo que o ofendido somente não veio a óbito porque recebeu socorro imediato não havendo falar, ao menos neste momento processual, em despronúncia. Demais disso, em oposição à alegada excludente de ilicitude da legítima defesa, o conjunto probatório não elimina a hipótese de ocorrência do delito tal qual narrado na denúncia. Consoante dicção do art. 25, Código Penal, a legítima defesa consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiro, utilizando os meios necessários e moderados.
Tal tese, entretanto, não reúne condições de acolhimento nesta fase processual. Não estão demonstrados, por meio de prova estreme de dúvida, incontroversa, límpida, todos os seus requisitos. Embora o réu negue a intenção de matar a vítima, alegando que queria apenas se proteger de Claudison, este relata que estava sentado, ingerindo bebida alcóolica, oportunidade em que o réu o surpreendeu por trás com uma facada no pescoço (região vital). O réu continuou golpeando a vítima, que conseguiu levantar e fugir a tempo de ser socorrida. De fato, extrai-se do laudo técnico (mov. 1.1 IP) que houve ofensa à integridade física da vítima, produzida por instrumento perfuro cortante (faca), da qual resultaram as seguintes lesões: "01) duas feridas incisas em braço esquerdo medindo 3cm cada. 02) ferida incisa na região do ombro direito medindo 3cm no maior diâmetro. 03) ferida incisa na região do ombro direito medindo 5cm no maior diâmetro. 04) ferida incisa cicatrizada na face posterior do pescoço cicatrizado". Aparentemente, portanto, Claudison não representava perigo atual ou iminente para RAFAEL, até mesmo porque não há notícias de que estivesse armado. Ademais, as donas do estabelecimento em que ocorreu o fato esclarecem que não ouviram discussão nem viram briga antes, ou seja, é possível que as facadas tenham sido dadas de inopino. Há vertente de prova a indicar, portanto, que inexistiu agressão injusta, atual ou iminente, a justificar a reação que se sucedeu. Aliás, é impossível concluir, neste momento processual, que a reação de RAFAEL foi moderada. Tais elementos, por si sós, já afastam a possibilidade de ser o réu absolvido sumariamente nesta fase processual, pois remanescem dúvidas quanto aos requisitos da excludente de ilicitude da legítima defesa. Análise probatória que cabe constitucionalmente ao Conselho de Sentença (TJPR, 1.ª C. Crim., RSE 1526182-8, Rel. Antonio Loyola Vieira, j. em 15/9/2016; RSE 1526675-8, Rel. Telmo Cherem, j. em 4/8/2016; RSE 1488941-1, Rel. Macedo Pacheco, j. em 28/7/2016). Afigura-se descabido também, por ora, o pedido de desclassificação para lesão corporal, em razão da alegada ausência de animus necandi. Diante das circunstâncias narradas pelo réu, vítima e testemunhas, bem como levando-se em conta o instrumento utilizado (faca), quantidade de golpes (cinco) e regiões atingidas (pescoço, ombros e braço),
não se pode afirmar, com a certeza necessária nesta fase, que o réu não queria ceifar a vida da vítima. Logo, compete ao Conselho de Sentença apreciar eventual ausência de intento homicida, sob pena de usurpar, indevidamente, a soberania de seus vereditos e a competência do Tribunal do Júri para apreciar delitos dolosos contra a vida princípios constitucionalmente assegurados (TJPR, 1.ª C. Crim., RSE 1569950-0, Rel. Macedo Pacheco, j. em 8/12/2016; RSE 1582368-0, Rel. Antonio Loyola Vieira, j. em 10/11/2016). Portando, sendo legítima a decisão de pronúncia, é de rigor a remessa da causa para julgamento popular. O requerimento de concessão da justiça gratuita, a seu turno, não merece sequer conhecimento, pois cabe ao Juízo da Execução apreciar a miserabilidade do apelante (TJPR, 1.ª C. Crim., AC 1162888-3, Rel. Naor R. de Macedo Neto, j. em 13/2/2014; AC 1093662-0, Rel. Marcos S. Galliano Daros, j. em 31/10/2013). À face do exposto, define-se o voto pelo conhecimento parcial do recurso e, na parte conhecida, por seu desprovimento.
DISPOSITIVO
ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer parcialmente do recurso e, na parte conhecida, negar-lhe provimento. Participaram do julgamento, votando com o relator, os eminentes Desembargadores Antônio Loyola Vieira (Presidente) e Macedo Pacheco.
Curitiba, 30 de março de 2017.
MIGUEL KFOURI NETO Relator
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