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Acórdão
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Certificado digitalmente por: PAULO EDISON DE MACEDO PACHECO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.582.578-6 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE UMUARAMA RECORRENTE: JURACI RODRIGUES DOS SANTOS RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: MACEDO PACHECO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL, SOB A ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. INVIABILIDADE. TESE QUE DEVE SER SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 1.582.578-6, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Umuarama, em que é recorrente Juraci Rodrigues dos Santos e recorrido o Ministério Público do Estado do Paraná.
O Ministério Público do Estado do Paraná, por meio de seu representante, denunciou JURACI RODRIGUES DOS SANTOS como incurso nas sanções do art. 121, caput, c.c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, em razão do seguinte fato:
"No dia 15 de abril de 2007, por volta de 01h45min, em via pública, próximo ao "Bar do Jorge", Distrito de Serra dos Dourados, município e Comarca de Umuarama-PR, JURACI RODRIGUES DOS SANTOS, ora denunciado, ciente da ilicitude
e reprovabilidade de sua conduta, com a intenção de matar, utilizando-se de um estilete, desferiu três golpes contra a vítima Osmarin Gonçalves dos Santos, atingindo-a na região abdominal e braço esquerdo, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo de exame de lesões corporais de fls. 38, cujo homicídio não se consumou porque a vítima entrou em luta corporal com o denunciado e recebeu ajuda de amigos, fazendo com que o denunciado se evadisse do local e, ainda, porque os golpes não atingiram região vital e a vítima recebeu imediato socorro médico, circunstâncias estas alheias à sua vontade." A denúncia foi recebida em 23.06.2009 (pág. 51/52) tendo sido determinada a suspensão do processo e do prazo prescricional em razão do acusado não ter sido localizado. Com a citação pessoal do denunciado, foi determinado o prosseguimento do feito e, após regular tramitação, sobreveio decisão de lavra do culto e laborioso Juiz de Direito, Dr. Adriano Cezar Moreira, que pronunciou o réu como incurso nas sanções do art. 121, caput, c.c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal (pág. 278/287). Irresignada, a defesa do réu interpôs recurso em sentido estrito. Nas razões, pretende a desclassificação do delito de tentativa de homicídio para o delito de lesão corporal, aduzindo que ele não agiu imbuído de animus necandi (pág. 297/301). O Dr. Promotor de Justiça apresentou as contrarrazões, pleiteando o desprovimento da insurgência recursal (pág. 318/329) e a decisão foi mantida em sede de juízo de retratação (pág. 333/334).
Nesta instância, a Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pela culta Procuradora de Justiça, Dra. SONIA MARIA DE OLIVEIRA HARTMANN, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 389/394). É o relatório. A defesa do acusado pretende a desclassificação da conduta atribuída ao réu, para o delito de lesão corporal, aduzindo que não agiu imbuído de animus necandi. Inicialmente, importante esclarecer que as decisões de pronúncia são revestidas do simples juízo de probabilidade, competindo ao magistrado verificar apenas a viabilidade da acusação a partir da constatação da materialidade do crime e de indícios de autoria, atendo-se ao caráter declaratório de admissibilidade, que vigora nesta fase processual. Desta forma, eventuais dúvidas sobre os fatos legitimam a pronúncia, para que as incertezas sejam submetidas à análise pelo Juízo Natural da causa, em homenagem ao princípio in dubio pro societate que vigora nesta fase, pois do contrário haveria antecipação do veredicto acerca do mérito, o qual é de competência exclusiva do Tribunal do Júri. No caso dos autos, a materialidade restou consubstanciada através do boletim de ocorrência (pág. 07/09), prontuário médico (pág. 12/14) e laudo de exame de lesão corporal (pág. 44/45). Existem, também, indícios de autoria, cingindo-se a controvérsia, quanto à intenção do acusado no intento tido como criminoso. Assim, necessário se faz a análise da prova testemunhal.
A vítima Osmarin Gonçalves dos Santos relatou em fase extrajudicial que: "(...) no dia dos fatos encontrava-se no Bar do Jorge, no Distrito de Serra dos Dourados, município de Umuarama, juntamente com sua esposa, ESTEFANE BORDIN BRAGA, com 15 anos de idade, onde pretendiam adquirir um lanche para comer em casa, local em que também estava um amigo de infância, conhecido por "VOZINHO", chamado JURACY, residente naquele distrito, o qual encontrava-se ingerindo bebida alcoólica e já estava embriagado. Que referida pessoa veio por trás do declarante, derramando-lhe um copo de cerveja por dentro da camisa, oportunidade em que se desentenderam, quando sua esposa entrou para separar e não deixou que brigassem. Que aguardaram a preparação do lanche e já estavam saindo, oportunidade em que JURACY ameaçou de agredir fisicamente sua esposa, quando então o declarante entrou na frente para impedir, momento em que JURACY retirou uma arma da cintura, tratando-se de um estilete, sendo agredido fisicamente pelo mesmo por um golpe na região da barriga e outro no braço esquerdo, quando então tentou perseguir o agressor, mas acabou desmaiando, tendo o mesmo evadido-se do local. Diz ainda que foi socorrido por moradores daquela localidade e encaminhado ao hospital, onde permaneceu internado por cerca de dois dias, não tendo sido perfurado seus órgãos internos. " (pág. 25/26). Jorge Gonçalves narrou em fase extrajudicial que: "(...) possui um estabelecimento comercial na localidade do Distrito de Serra dos Dourados, conhecido por Bar do Jorge, recordando-se que na data dos fatos a pessoa de Osmarin compareceu no local acompanhado da esposa, os quais pediram lanche para comer em casa, sendo preparado o lanche e entregue a referidas pessoas, os (sic) quais pagaram e saíram do estabelecimento, sendo que dali alguns minutos ficou sabendo que a pessoa de JURACI, conhecido por `VOZIN', havia desferido golpes com um canivete na vítima, (...)" (pág. 29).
Em juízo confirmou ser proprietário de um bar, esclarecendo que Osmarin foi até seu estabelecimento comercial para comprar um salgado e saiu com o produto. Narrou não ter presenciado o momento das agressões, contudo, ficou sabendo que o acusado esperava a vítima próximo dali, momento em que agrediu-a. Disse que não se aproximou deles depois do acontecido (mídia acostada à contracapa dos autos). Geremias do Nascimento narrou em juízo não ter presenciado os fatos, contando apenas ter visto uma discussão entre os envolvidos, nada mais esclarecendo (mídia acostada à contracapa dos autos). O réu Juraci Rodrigues dos Santos relatou em fase extrajudicial que: "(...) havia chegado do serviço e decidiu dirigir-se até o estabelecimento denominado Bar do Jorge, Distrito de Serra dos Dourados, onde também se encontrava a vítima acompanhada da esposa, sendo que tanto o interrogando quanto a vítima encontravam-se embriagados, quando a esposa da vítima passou a flertar com o interrogando, fato que aborreceu referida pessoa, motivo pelo qual entraram em vias de fato, tendo ambos se agredido com socos e chutes, sendo separados pelas pessoas que ali estavam, quando então decidiu ir embora mas foi seguido pela vítima, o qual ameaçou agredir o interrogando, razão pela qual apanhou um estilete que trazia consigo no bolso da calça, com o qual desferiu cerca de três golpes na vítima, acertando um na barriga, outro no braço e um outro na região das costelas. Que os amigos da vítima ameaçaram agredi-lo, motivo pelo qual saiu correndo em desabalada carreira em direção a sua casa. (...)" (pág. 27/28). Em juízo narrou que, na data dos fatos, chegou no Bar do Jorge e viu o ofendido no local, acompanhado da esposa. Afirmou que Osmarin iniciou uma discussão com o interrogando, mas este disse que não queria confusão e saiu do bar, aduzindo que a vítima o seguiu com a intenção de agredi-lo
fisicamente. Questionado sobre o início da briga, esclareceu que Osmarin iniciou uma discussão, por acreditar que o acusado tinha envolvimento com sua esposa. Contou que o ofendido deu um chute nas suas costas, razão pela qual deu um golpe em Osmarin, para se defender. Asseverou que carregava sempre consigo o estilete usado para desferir os golpes, pois o utilizava para descascar frutas. Disse que depois de dar os golpes, os amigos da vítima aproximaram-se, razão pela qual decidiu deixar o local. Por fim, afirmou que não estava embriagado naquele dia (mídia acostada à contracapa dos autos). A defesa pretende a desclassificação da conduta para o delito de lesão corporal. Cediço que a desclassificação de crime de competência do Tribunal do Júri só pode ser realizada quando houver prova límpida de que o agente não atuou com animus necandi. Não havendo prova nesse sentido, cabe aos jurados, no exercício de sua competência constitucional (art. 5.º, inc. XXXVIII, alínea "d", da Constituição Federal), apreciar a matéria. As circunstâncias fáticas delineadas não permitem afastar de plano, sem exame mais aprofundado do conjunto probatório (o que é incabível na fase de pronúncia) da inexistência do dolo na ação em tese perpetrada pelo réu. Na espécie, a prova da ausência da intenção de matar não se encontra cristalina, segura, irretorquível e estreme de dúvidas, sendo importante destacar o contido no laudo de lesão corporal (pág. 44/45), do qual consta: "(...) (1) ferida incisa (cirúrgica) em forma de letra `R minúscula' em região epigástrica, englobando ferida incisa produzida por instrumento pérfuro cortante; (2) ferida incisa em terço médio do braço esquerdo, medindo 20mm, produzida por objeto cortante", sendo importante registrar que a vítima foi atingida na região do braço
e da barriga, sendo esta potencialmente vital e, além disso, verifica-se do laudo de lesões corporais (pág. 44/45) que as lesões causaram incapacidade para as atividades habituais por período superior a 30 (trinta) dias. Além disso, o próprio recorrente confirmou que amigos do ofendido se aproximaram, no momento em que ele era agredido, razão pela qual decidiu deixar o local, sendo oportuno destacar, como bem pontuado pela d. Procuradora de Justiça que: "(...) considerando que as agressões praticadas pelo recorrente, com golpes de estilete contra a vítima, somente cessaram porque ele foi interrompido, observa-se indícios de que agiu com animus necandi, e não, com animus laedendi." (fls. 393). E, a alegação de ausência de dolo, de cunho puramente subjetivo, exige perquirição do animus do agente, ingressando em competência constitucional privativa do Júri (art. 5.º, inc. XXXVIII, alínea "d", da Constituição Federal), motivo pelo qual é inviável modificar a decisão vergastada, pois teria que se adentrar na análise exauriente das provas que instruem o processo, o que é vedado na fase de admissibilidade da acusação.
Assim, não há como acolher este pedido, pois cediço que a desclassificação de crime de competência do Tribunal do Júri só pode ser realizada quando houver prova límpida de que o agente não atuou com intenção homicida.
A propósito, importante destacar o ensinamento de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, Vol. V, 6ª edição, Forense, 1981. pág. 49): "Como reconhecer-se a voluntas ad necem? Trata-se de um factum internum, e desde que não é possível pesquisá-lo no "foro intimo" do agente, tem-se de inferi-lo dos elementos e circunstâncias do fato externo. O fim do agente se traduz, de regra, no seu ato. O sentido da ação (ou omissão) é, na
grande maioria dos casos, inequívoco. Quando o evento "morte" está em íntima conexão com os meios empregados, de modo que ao espírito do agente não podia deixar de apresentar-se como resultado necessário, ou ordinário, da ação criminosa, seria inútil com diz IMPALLOMENI alegar-se que não houve o animus occidendi: o fato atestará sempre, inflexivelmente, que o acusado, a não ser que se trate de um louco, agiu sabendo que o evento letal seria a consequência de sua ação e, portanto, quis matar. É sobre pressupostos de fato, em qualquer caso, que há de assentar o processo lógico pelo qual se deduz o dolo distintivo do homicídio".
Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 8ª edição, São Paulo, 2008, pág. 750) explica que: "O juiz somente desclassificará a infração penal, cuja denúncia foi recebida como delito doloso contra a vida, em caso de cristalina certeza à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, §1º, do CPP (homicídio doloso, simples ou qualificado; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio ou aborto), sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida."
Neste sentido destaco:
"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA PELA LEGÍTIMA DEFESA - AFASTADA - NÃO COMPROVADA DE FORMA CABAL - PRESENTES INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVAS DA MATERIALIDADE DO FATO - EXCULPAÇÃO POR EMBRIAGUEZ - IMPROCEDÊNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL CULPOSA LEVE - IMPOSSIBILIDADE - PRESENÇA DE FORTES INDÍCIOS A SINALIZAR O ANIMUS NECANDI - RECURSO DESPROVIDO." (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1404232-7 -
Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá - Rel. Des. Antonio Loyola Vieira - Unânime - J. 10.12.2015).
Por tais fundamentos, o voto é pelo desprovimento do recurso.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.
Participaram do Julgamento os Desembargadores Telmo Cherem e Antonio Loyola Vieira.
Curitiba, 06 de abril de 2017.
Macedo Pacheco Relator
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