Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.
Certificado digitalmente por: PAULO EDISON DE MACEDO PACHECO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.606.667-2 JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, VARA DE CRIMES CONTRA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS E DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS DA COMARCA DE CASCAVEL RECORRENTE: ELOI GRANDO RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: MACEDO PACHECO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. NÃO ACOLHIMENTO. EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA NÃO EVIDENCIADA DE FORMA CABAL. DÚVIDA A SER DIRIMIDA PELOS JURADOS. QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL NÃO CONFIGURADA. AFASTAMENTO. QUALIFICADORA DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. MANTIDA. EXISTÊNCIA DE INDICATIVOS A AMPARAR A SUA INCLUSÃO NA PRONÚNCIA. SUPRESSÃO SOMENTE VIÁVEL QUANDO EMERGE A TODA EVIDÊNCIA E DE FORMA INEQUÍVOCA DA PROVA CARREADA AOS AUTOS A SUA NÃO OCORRÊNCIA. EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, DA MENÇÃO À AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, "f", DO CÓDIGO PENAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 413-§1º E 492-I- "B" E "C" (2ª PARTE), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº. 1.606.667-2, da Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Vara de Crimes Contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Comarca de Cascavel, em que é recorrente ELOI GRANDO e recorrido o Ministério Público do Estado do Paraná.
O representante do Ministério Público em exercício na Vara Criminal da Comarca de Cascavel, denunciou ELOI GRANDO como incurso no art. 121, §2º, incs. II e IV c/c art. 14, inc. II e art. 61, inc. II, alínea `f', todos do Código Penal, pela prática do seguinte fato:
"No dia 20 de agosto de 2006, por volta das 21 horas e 15 minutos, no interior da residência, localizada na Rua Tapajós, nº 598, Bairro Santo Onofre, neste Município e Comarca de Cascavel PR, o denunciado ELOI GRANDO, agindo com consciência e vontade livres, dirigidas à prática conduta criminosa, a seguir descrita, com intenção de matar, prevalecendo-se das relações domesticas, e imbuído por motivo fútil, consistente em mera desavença familiar, decorrente de ciúmes motivado utilizando-se de recurso que dificultou e impossibilitou qualquer ato de defesa da vítima Cacilda Harmatiuk, sua companheira, vez que no momento em que o acusado investiu contra a vítima, esta estava no sofá amamentando o bebê do casal, fazendo-o com emprego de arma branca, tipo faca (apreendida às fls. 04), desferiu golpes contra sua barriga, pernas e braços, além disso o mesmo lhe agrediu mediante chutes e socos no rosto, agressões estas que ocasionaram nela as lesões descritas no Laudo de Lesões Corporais (fls. 86) quais sejam: (1) Cicatriz abdominal de laparotomia. (2) Cicatriz em região inguinal esquerda. (3) Cicatriz em face volvar de antebraço direito. (4) Cicatriz de face posterior de braço esquerdo. (5) Cicatriz em face posterior da coxa direita. Dando assim, início à prática dos atos
tendentes a dar causa a morte da vítima, fato este que somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, vez que a vítima conseguiu pegar a faca, e logrou êxito em fugir, e pedir por socorro, obrigando o denunciado a cessar os golpes e empreender fuga, ficando a vítima internada por dois dias no Hospital Universitário de Cascavel, onde foi submetida a uma cirurgia, a qual foi bem sucedida, evitando assim a morte da vítima. Consta ainda deste inquérito policial, que quando a vítima conseguiu se desvencilhar do acusado, o mesmo pegou outra faca, com o intuito de continuar ameaças com a mesma, bem como exigia que pedisse perdão à ele, momento em que o filho mais velho do casal conseguiu pegar a segunda faca do mesmo, obrigando-o a empreender fuga".
A denúncia foi recebida em 21.10.2014 (fls.130) e após regular tramitação do feito sobreveio a decisão que pronunciou ELOI GRANDO como incurso nas sanções do art. 121, §2º, incs. II e IV c/c art. 14, inc. II e art. 61, inc. II, alínea "f", todos do Código Penal (fls.462/476).
Irresignado, o réu interpôs recurso em sentido estrito, alegando que agiu em legítima defesa, pois apenas revidou as injustas agressões perpetradas pela vítima, pleiteando a sua absolvição sumária, com fundamento no art. 415, inc. IV, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, pede o afastamento das qualificadoras do motivo fútil e do recurso que dificultou a defesa da ofendida (fls.496/497).
O recurso foi contrarrazoado (fls.501/507).
Em sede de juízo de retratação, foi mantida a pronúncia (fls.511).
Nesta instância, a Douta Procuradoria Geral de Justiça, através de seu ilustrado representante, Dr. ALFREDO NELSON DA SILVA BAKI, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, a fim de excluir a qualificadora do motivo fútil e, de ofício, opinou pelo afastamento da menção à agravante prevista no art. 61, inc. II, alínea "f", do Código Penal na decisão de pronúncia.
É o relatório.
Inicialmente é válido destacar que para o réu ser submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença, o Juiz a quo deverá se convencer da existência do fato e de indícios de que aquele seja o seu autor, dando os motivos do seu convencimento, na decisão de pronúncia (art. 413, do CPP, com redação dada pela Lei nº. 11.689/08), desde que não desclassifique o crime para o de outro Juízo competente (art. 419 do CPP, com redação dada pela Lei nº. 11689/08), ou reconheça a existência de circunstância que exclua o crime, ou o isente de pena, hipóteses nas quais poderá absolver sumariamente (art. 415, inc. IV do CPP, com redação dada pela Lei nº. 11689/08).
Na decisão de pronúncia, que tem caráter declaratório de admissibilidade, ou não, da acusação para julgamento pelo Tribunal do Júri, (art. 5º, XXXVIII, "d", CF/88), havendo indícios de autoria, o réu deve ser pronunciado, pois nessa fase processual vige o princípio `in dubio pro societate', ou seja, na dúvida o réu deve ser submetido a julgamento pelos jurados.
A sentença de pronúncia pelas palavras de José Frederico Marques, "(...) não é decisão de mérito e sim de caráter estritamente processual" (A Instituição do Júri, 1º vol., pág. 229), limitando-se a declarar admissível a acusação para posterior julgamento pelo Júri, sendo que, relativamente à autoria, contenta-se a lei processual com indícios.
No presente caso, a materialidade do crime restou consubstanciada pelos laudos de exames de lesões corporais (fls.11, 115/116 e 204), auto de exibição e apreensão (fls.12), boletim de ocorrência (fls.28/29) e pela prova testemunhal.
No tocante à autoria, o réu confessou em juízo que desferiu os golpes de faca contra a vítima, justificando, porém, que o fez em legítima defesa. Relatou que mantinha uma relação conturbada com a ofendida, a qual frequentemente lhe agredia com tapas e chutes, além de lhe humilhar com xingamentos. Disse que no dia dos fatos chegou em casa embriagado, iniciando uma discussão com a vítima, aduzindo que ela teria lhe oferecido a faca, o desafiando a golpeá-la, dizendo que "não era homem", recordando-se que desferiu os golpes contra ela, sem a consciência de que atentava contra a vida de sua convivente (mídia anexa à contracapa dos autos).
Roseli Fátima Schliek, irmã do réu, aduziu que ele foi para sua casa logo após o fato, destacando que ele estava muito assustado, tendo ele dito que havia bebido muito e cometido uma grande besteira, porque a vítima teria lhe ofendido (mídia anexa à contracapa dos autos).
Fernando Grando, filho do casal, relatou que recorda-se que o réu pegou o bebê e o atirou no sofá e, em seguida, segurou uma faca, enquanto sua mãe sangrava (mídia anexa à contracapa dos autos).
Elvis Leandro Grando, esclareceu que acionou a Polícia Militar assim que as agressões iniciaram e, quando retornou para casa viu o réu se evadindo do local pela janela da sala, enquanto sua mãe estava caída no sofá ensanguentada (mídia anexa à contracapa dos autos).
A vítima Cacilda Harmatiuk, relatou que as discussões com o réu eram frequentes e o comportamento dele era imprevisível. Disse que no dia dos
fatos ao retornar do bar e, sem motivo aparente, o réu adentrou na residência, pegou o seu filho mais novo, o qual estava amamentando, atirando o contra o sofá e, em seguida, pegou uma faca e começou a golpeá-la por diversas vezes, fugindo, na sequência, pela janela. Disse que não sabe porque o réu agiu daquela maneira, aduzindo, apenas, que dias antes eles haviam discutido a respeito do filho mais velho, o qual não estava contribuindo para o sustento da casa (mídia anexa à contracapa dos autos).
Diante do conjunto probatório, em especial a confissão do recorrente, não é possível aferir, com a segurança necessária, que a vítima tenha praticado injusta agressão contra o acusado, atual ou iminente, tampouco que eventual discussão entre eles pudesse determinar ação em legítima defesa, na intensidade que veio a ser exercida.
Ao contrário disso, um segmento amparado na versão apresentada pelo próprio réu, pela vítima e testemunhas fornece suporte idôneo à pronúncia, no sentido de que a vítima não portava arma no momento dos fatos, além do que estava amamentando o filho menor do casal, quando foi atingida por diversos golpes de faca no abdômen, nos braços e na perna direita, o que constitui ao menos um indício de que o acusado pode não ter usado moderadamente dos meios necessários para repelir a alegada injusta agressão contra a sua pessoa.
Aliás, no Laudo do Exame de Lesões Corporais (fls.11) constatou-se as seguintes lesões na vítima:
"(1) Ferimento pérfuro-cortante na face posterior da coxa direita, suturado, com 4cm. (2) Ferimento pérfuro-cortante na região hipogástrica esquerda, com 4cm. (3) Incisão cirúrgica, suturada na região umbílico púbica para laparotomia exploratória, com hematoma de mesocólon à descrição cirúrgica. (4) Incisão cirúrgica, suturada na
face posterior do braço esquerdo, medindo 4cm. (5) Escoriações alongadas, situadas em região torácica dorsal, medindo entre 5 e 10x4cm nos maiores eixos. (6) Ferimento pérfuro-cortante, na face anterior do antebraço direito, com 4cm de extensão. (7) Incisões cirúrgicas, suturadas na face palmar do dedo indicador direito e base do polegar esquerdo". Desta feita, dúvidas subsistem acerca da excludente invocada, pois ainda que se admita que a vítima tenha praticado alguma injusta agressão contra o acusado, é certo que o modo, o meio de execução e também o número e sede das lesões são circunstâncias que, ao menos nesta fase, impedem o reconhecimento da legítima defesa, porquanto há incerteza sobre os requisitos da atualidade da agressão sofrida e também quanto à moderação do meio utilizado para eventual repulsa.
Assim, tem-se que a tese de legítima defesa, nesta fase processual, não restou satisfatoriamente comprovada, inviabilizando a pretensão absolutória. É que o acolhimento da excludente invocada somente é possível se comprovada a presença concomitante de todos os requisitos do art. 25, do Código Penal, quais sejam, injusta agressão, atual ou iminente, a um bem juridicamente tutelado, além da necessidade e moderação dos meios empregados.
E, havendo dúvida quanto à presença da causa de antijuridicidade, o feito deve ser submetido ao crivo do soberano Corpo de Jurados, órgão competente para apreciar a matéria.
A doutrina e jurisprudência têm-se mostrado uníssonas no sentido de que, comprovada a materialidade e indícios de autoria, inadmissível a absolvição sumária quando a tese invocada não transparece estreme de dúvidas, impedindo seu reconhecimento nesta fase processual.
Nesse sentido, a lição de FERNANDO CAPEZ: "(...) para que não haja ofensa ao princípio da soberania dos veredictos, a absolvição sumária somente poderá ser proferida em caráter excepcional, quando a prova for indiscutível. Havendo dúvida a respeito da causa excludente ou dirimente, o juiz deve pronunciar o réu". ("Curso de Processo Penal", 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 612).
A respeito, destaco precedentes desta Egrégia Primeira Câmara Criminal.
"PRONÚNCIA TENTATIVA DE HOMICÍDIO LEGÍTIMA DEFESA INEXISTÊNCIA DE PROVA CABAL - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA INADMISSÍVEL - APRECIAÇÃO PELO JÚRI. O reconhecimento da legítima defesa na fase do art. 413 do Código de Processo Penal reclama prova cabal; não emergindo, desde logo, a excludente da ilicitude, inadmissível a absolvição sumária. RECURSO DESPROVIDO." (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE 851100-0 - União da Vitória - Rel.: Des. Telmo Cherem - Unânime - J. 12.04.2012).
"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO SIMPLES. ART. 121, CAPUT, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRONÚNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA. INDÍCIOS SUFICIENTES PARA PRONÚNCIA. RECURSO DESPROVIDO NESTA PARTE. - Para que se acolha a tese de legítima defesa, em sede de juízo de admissibilidade da acusação, em que se constitui a pronúncia, é necessário que esteja cabalmente provada a alegada excludente de ilicitude prevista no art. 25 do Código Penal. Recurso em Sentido Estrito nº 837378-6. (...)" (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE 837378-6 - Foro Regional de Fazenda Rio Grande da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Jesus Sarrão - Unânime - J. 03.05.2012).
Nesta senda, inexistindo prova cabal da dirimente, o feito deve ser submetido ao Conselho de Sentença, por imperativo constitucional.
Outrossim, merece provimento o pleito recursal de exclusão da qualificadora prevista no inc. II, §2º do art. 121, do Código Penal. Consta na denúncia que o crime foi praticado por motivo fútil, consistente em mera desavença familiar, decorrente de ciúmes. Contudo, dos depoimentos do réu, da vítima e das demais testemunhas, não extrai-se em momento algum que o suposto crime foi cometido por ciúmes, sendo que a própria ofendida declarou que desconhece sua motivação. Assim, tal qualificadora, pela descrição da denúncia, além de não restar configurada, ela não ficou comprovada por qualquer outro motivo. Desta feita, a qualificadora do motivo fútil merece ser afastada. Ademais disso, eventual ocorrência de prévia discussão entre o réu e a vítima é considerada como futilidade indireta ou mediata, incapaz de ensejar o aumento da pena, não caracterizando, por consequência, a referida qualificadora. Sobre o tema, oportuno mencionar a lição de Guilherme de Souza Nucci, afirmando que somente a futilidade direta ou imediata, "serve para qualificar o homicídio", sendo que a futilidade indireta ou mediata, "não faz nascer o aumento da pena." (Código Penal Comentado, 7ª edição, São Paulo, 2007, fls. 549), A propósito, esta Câmara Criminal já decidiu nesse sentido:
"PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL. 1. LEGÍTIMA DEFESA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 2. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL. DISCUSSÃO NÃO CARACTERIZA A QUALIFICADORA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. 1. Incabível a absolvição do réu sob alegação de excludente de ilicitude, fundamentada em legítima defesa, posto que a prova dos autos não é absoluta nesse sentido. 2. A ocorrência de discussão entre o acusado e a vítima, momentos antes dos fatos não caracteriza, o motivo fútil, qualificador do crime de homicídio, deve ser afastado da pronúncia". (RSE 0527838-8, 1ª C. Criminal do TJPR, Relator Des. Mário Helton Jorge, Julgado em 19.02.2009). "PRONÚNCIA HOMICÍDIO QUALIFICADO. I LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO INEXISTÊNCIA DE PROVA CABAL ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA INADMISSIBILIDADE APRECIAÇÃO PELO JÚRI. O reconhecimento da legítima defesa na fase do art. 413 do Código de Processo Penal reclama prova cabal; não emergindo desde logo a excludente da ilicitude, inadmissível a absolvição sumária. II MOTIVO FÚTIL EXCLUSÃO. Evidenciada preexistente animosidade entre o agente e a vítima, a imputação da qualificadora prevista no art. 121- §2º-II do Código Penal caracteriza inadmissível excesso de acusação. RECURSO DESPROVIDO, COM A EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, DA QUALIFICADORA IMPUTADA." (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE 792214- 3 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Telmo Cherem - Unânime - J. 06.10.2011). No que tange ao pleito de exclusão da qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima tem-se que ela somente pode ser excluída da pronúncia quando inexistirem elementos de convicção para mantê-la e,
ocorrendo ao contrário, havendo indícios, cabe ao Conselho de Sentença examinar a imputação. A qualificadora do inc. IV, do § 2º, do art. 121, do Código Penal, deve ser mantida, pois analisando as provas carreadas aos autos verifica-se que supostamente o réu, de forma inesperada, chegou em casa embriagado e, desferiu vários golpes de faca contra a vítima, enquanto essa amamentava o filho menor, impossibilitando-lhe qualquer reação. Assim, havendo nos autos uma versão de que a vítima foi colhida de surpresa, ou seja, havendo indicativos de que possa ter o réu agido de modo que dificultou a sua defesa, deve ser mantida, pelo menos nessa fase do judicium accusationis, a referida qualificadora em face do princípio in dubio pro societate, devendo a dúvida ser dirimida pelo Conselho de Sentença: "HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO FÚTIL. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. PRONÚNCIA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Em respeito ao princípio do juiz natural, somente é cabível a exclusão das qualificadoras na sentença de pronúncia quando manifestamente improcedentes e descabidas, porquanto a decisão acerca da sua caracterização ou não deve ficar a cargo do Conselho de Sentença, conforme já decidido por esta Corte. 2.(...).4. Ordem denegada". (STJ, HC 111.552/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 26/04/2010) "DIREITO PROCESSUAL PENAL - PRONÚNCIA HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO - PLEITO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E ELMENTO SURPRESA - QUESTÃO QUE SOMENTE
PODERÁ SER ANALISADA PELO TRIBUNAL DO JÚRI, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO JUIZ NATURAL - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Deve ser mantida a decisão de pronúncia nos moldes como se encontra, pois foi devidamente demonstrada a materialidade dos delitos e indícios de autoria, bem como a presença das qualificadoras, identificados à partir de elementos do conjunto probatório formado ao longo da instrução jurisdicional do processo 2. O afastamento de qualificadora na fase da pronúncia somente se justifica quando manifestamente improcedente, pois, havendo indícios de sua presença, ainda que duvidosa, impõe sua manutenção, em obediência ao princípio do in dubio pro societate. No presente caso, nota-se que há referências cognitivas do motivo fútil bem como do uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, circunstâncias que, em tese, alicerçam sua manutenção". (Recurso em Sentido Estrito n.º 806454-8, da 1ª Câmara Criminal do TJPR, Relator Juiz Subst. 2º Grau Marcos S. Galliano Daros. Julgado em 15.12.2011). Por fim, é de rigor que se exclua da decisão de pronúncia a referência à agravante prevista agravante artigo 61, II, letra "f", do Código Penal, pois, consoante dispõe o § 1º, do art. 413, do Código de Processo Penal, na decisão de pronúncia deve "o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena", não sendo possível, portanto, a inclusão de circunstância agravante na decisão de pronúncia, que se relaciona com a aplicação da pena. Nesse sentido, colhem-se alguns arestos desta Câmara Criminal: [...] DEVE SER EXCLUIDA DA IMPUTAÇÃO A REFERÊNCIA A AGRAVANTE DO ART. 61, II, `E', DO CÓDIGO PENAL QUE DEPENDE DE DECISÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO INC. LVII DO ART. 5.º DA CONSTITUIÇÃO, DOS ARTS. 25, E 121, § 2.º IV DO CÓDIGO PENAL E DO ART. 413 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO". (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE 0624881-9 - Londrina - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Francisco Cardozo Oliveira - Unânime - J. 20.05.2010). "[...] II AGRAVANTE MENÇÃO INDEVIDA. Em atenção ao disposto nos arts. 413-§1º e 492-I-"b" e "c" (2ª parte), da lei processual penal, deve ser excluída da pronúncia referência a circunstância agravante, pois, relacionando-se com a eventual aplicação da pena, mostra-se estranha à competência deliberativa dos jurados. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO, COM EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, DA MENÇÃO À AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, "e", DO CÓDIGO PENAL". (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE 0637214-3 - Cruzeiro do Oeste - Rel.: Des. Telmo Cherem - Unânime - J. 11.03.2010).
Posto isso, voto pelo parcial provimento do recurso, para afastar a qualificadora do motivo fútil e, de ofício, excluir a referência à agravante prevista no artigo 61, II, letra "f" do Código Penal inserida na pronúncia. Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento do recurso, para afastar a qualificadora do motivo fútil e, excluir, de ofício, a referência à agravante prevista no artigo 61, II, letra "f" do Código Penal inserida na pronúncia.
Participaram do Julgamento os Desembargadores Telmo Cherem e Antonio Loyola Vieira.
Curitiba, 06 de abril de 2017.
Macedo Pacheco
Relator
|