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Acórdão
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Certificado digitalmente por: JUCIMAR NOVOCHADLO Apelação Cível nº 1.651.762-7, de Paranavaí, 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública Apelante: HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo Apelados: M.I da Silva e Cia Ltda Relator: Desembargador Jucimar Novochadlo APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTA CORRENTE. 1. PRETENSÃO DE REVISAR AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, AO PRINCIPIO DA PACTA SUNT SERVANDA, À FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. 2. JUROS REMUNERATÓRIOS. SENTENÇA QUE APLICA A TAXA MÉDIA. PEDIDO DE LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO. DECISÃO EXTRA PETITA. NULIDADE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 1013, §1º, NCPC. MANUTENÇÃO DA TAXA PRATICADA. 3. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DA PACTUAÇÃO E DA COBRANÇA COM OUTROS ENCARGOS DA MORA. EXPURGO AFASTADO. 1. Diante da mitigação do princípio pacta sunt servanda em face de práticas contratuais abusivas vedadas pelo nosso ordenamento jurídico, é possível a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, bem como a intervenção do Poder Judiciário nas relações jurídicas travadas entre particulares, visando restabelecer o equilíbrio contratual. 2. Deve ser reconhecida a nulidade da sentença na parte em que concede ao autor tutela diversa da pleiteda, posto proferida fora dos limites do pedido. 3. A abusividade da taxa de juros deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período. Não demonstrada a abusividade, mantém-se a taxa praticada. 4. Não havendo prova da pactuação, tampouco da cobrança, descabida a adequação da cláusula ou mesmo a determinação de expurgo. Apelação Cível parcialmente provida. Cível nº 1.651.762-7, de Paranavaí, 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública, em que figuram como Apelante HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo e Apelado M. I. da Silva e Cia Ltda. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto por HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo em face da sentença que julgou parcialmente procedente ação revisional ajuizada por M. I. da Silva e Cia Ltda, e condenou a parte autora ao pagamento de 30% das custas processuais e honorários advocatícios, restando os réus responsáveis pelos 70% restantes. Os honorários advocatícios foram arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, observada a proporção estabelecida para a sucumbência.
Inconformado, HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo interpôs o presente recurso sustentando, em síntese, a) não há onerosidade excessiva que justifique a revisão do contrato; b) deve ser observado o princípio da pacta sunt servanda; c) as relações contratuais têm como base o princípio da boa-fé contratual; d) é pacífico no Superior Tribunal de Justiça entendimento no sentido que a Lei de Usura não se aplica aos contratos bancários, razão pela qual deve ser reforma a sentença no ponto que estabeleceu a aplicação de juros remuneratórios em 12% ao ano; e) não há óbice a cobrança da comissão de permanência com juros de mora, multa e correção monetária.
Não foram apresentadas contrarrazões.
2. O recurso deve ser parcialmente provido.
Possibilidade de revisão do contrato
Alega o apelante a) a impossibilidade de revisar as cláusulas contratuais ante a inexistência de fato superveniente e imprevisto apto a causar onerosidade excessiva no decorrer da relação jurídica; b) a inocorrência de abusividade das cláusulas pactuadas tão somente por se tratar de contrato de adesão; c) que os contratos firmados pelas partes atendem à função social e, portanto, a intervenção estatal deve ocorrer apenas quando a liberdade de contratar atentar contra a regularidade e levem a aviltar os fundamentos das relações privadas, as garantias e os valores sociais; d) que devem ser aplicados os princípios da pacta sunt servanda e da autonomia da vontade das partes; e) que a pretensão revisional viola o princípio da boa-fé objetiva, porquanto a parte pretende se furtar ao cumprimento de suas obrigações. Está pacificado pela Súmula 297 do STJ que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras", de modo que a ampla análise constitui direito básico inserido no art. 6º, V, da Lei consumerista, que com sua vigência passou a coibir cláusulas contratuais abusivas ou que importem em excessiva onerosidade, possibilitando modificação ou revisão dos contratos, pois não se pode convalidar o nulo (TJPR. Acórdão 31104. Rel. Hamilton Mussi Correa. DJ. 16/07/2012)
Consoante dispõe o artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor, é permitida a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais para as partes contratantes, devendo o Poder Judiciário intervir nas relações em busca do equilíbrio contratual e satisfação dos interesses das partes contratantes, relativizando o princípio da autonomia da vontade.
A incidência do Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública, torna relativa a aplicação do princípio da autonomia das vontades, sem, contudo, ofendê-lo.
Sobre a relativização do princípio, oportuna é a lição de Claudia Lima Marques:
"[...] a vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juízes para interpretar um instrumento contratual. A evolução doutrinária do direito dos contratos já pleiteava uma interpretação teleológica do contrato, um respeito maior pelos interesses sociais envolvidos, pelas expectativas legítimas das partes, especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré - elaborados."1
Neste sentido já se posicionou a jurisprudência:
AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL - MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS CONTRATADA EM PERIODICIDADE MENSAL - FINANCIAMENTO CONTRAÍDO COM TAXA DE JUROS ANUAL SUPERIOR AO DUODÉCUPLO DA MENSAL - CONTRATO PACTUADO EM 15/08/2011, APÓS
1 Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 227.
OBTIDO EM VALOR CERTO, COM ENCARGOS PRÉ-FIXADOS - PARCELAS MENSAIS FIXAS - ACEITAÇÃO PELO MUTUÁRIO E BOA-FÉ CONTRATUAL - AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE - REFORMA DA SENTENÇA, COM A INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PRECEDENTES. Apelação parcialmente provida.(TJPR - 15ª C.Cível - AC - 1507465-0 - Curitiba - Rel.: Elizabeth M F Rocha - Unânime - - J. 04.05.2016)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO.ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. I - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE DE EXCLUSÃO. DECISÃO QUE NÃO DETERMINA A EXCLUSÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. II II - REVISÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE.RELATIVIZAÇÃO DO PACTA SUNT SERVANDA. III - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PACTUAÇÃO NA CÉDULA DE CRÉDITO. EXPURGO INDEVIDO.SÚMULA 541 SO STJ. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO COMPROVAÇÃO DE PACTUAÇÃO NA CONTA CORRENTE. EXPURGO MANTIDO. IV - RESTITUIÇÃO RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE.VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE. V - INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. IMPOSSIBILIDADE.I - "Falta interesse recursal ao apelante que se insurge contra determinação não imposta na sentença" (TJPR - 15ª CCív. - ApCív. 690376-8 - Rel. Des. Luiz Carlos Gabardo - j. 15.09.2010 - DJ 01.10.2010).II - A possibilidade de revisão de contratos bancários constitui direito básico inserido no art.6º, V, do Código do Consumidor que passou a proibir cláusulas contratuais abusivas ou que ocasionem onerosidade excessiva ao consumidor, não implicando em ofensa ao princípio pacta sunt servanda.III - "[...] .APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDA. (TJPR - 15ª C.Cível - AC - 1506446-1 - Curitiba - Rel.: Shiroshi Yendo - Unânime - - J. 20.04.2016)
Existindo cláusulas contratuais abusivas e, portanto, irregularidades no contrato, possível a sua revisão, relativizando o princípio da autonomia das vontades, sem que isso configure violação ao princípio da boa-fé objetiva por parte do contratante. É evidente que nesses casos a intervenção estatal é admitida, sem caracterizar afronta à função social do contrato.
cláusulas pactuadas por se tratar, única e exclusivamente, de contrato de adesão, mas sim, porque estava presente a abusividade em suas cláusulas.
E, por último, cumpre ressaltar que a revisão do contrato não está restrita à hipótese de demonstração de fatos supervenientes que o tornem excessivamente oneroso. A ocorrência de abusividade superveniente está prevista, de modo alternativo, na segunda parte do dispositivo mencionado (art. 6, V, do CDC).2
Assim, não merece provimento o recurso nestes tópicos.
Juros remuneratórios
O apelante pede pela reforma da sentença na parte em que determinou a aplicação da taxa legal de 12% ao ano. Afirma que há entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não se aplica a Lei de Usura aos contratos bancários.
Não obstante, há questão preliminar que deve ser apreciada, qual seja, a nulidade da sentença por julgamento ultra petita.
Ao ajuizar a ação revisional, o apelado pleiteou pela "d) LIMITAÇÃO dos juros remuneratórios em 1% ao mês, devido à falta de fixação nos contratos, conforme prevê o Código Civil, diante da necessidade de impor parâmetros para restabelecimento do equilíbrio contratual"3.
A sentença, por sua vez, determinou a aplicação da taxa média de mercado diante da negativa do banco em juntar o contrato aos autos.
Logo, concedeu tutela diversa da pleiteada, razão pela qual deve ser decotado este ponto da decisão.
Por outro lado, faz-se necessária a apreciação do pedido em segundo grau, nos termos do artigo 1013, §1º, do Código de Processo Civil4. 2 (TJPR - 15ª C.Cível - AC - 1539650-6 - Curitiba - Rel.: Hamilton Mussi Correa - Unânime - - J. 15.06.2016) 3 Movimento 1.1, folha 15 4 Artigo 1013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. §1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
entendimento de que os contratos bancários não se submetem, necessariamente, a taxa legal de 12% ao ano.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que tais juros cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF.
Assim, a abusividade da taxa de juros deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos. A propósito:
4. Quanto aos juros remuneratórios, as instituições financeiras não se sujeitam aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), em consonância com a Súmula 596/STF, sendo inaplicáveis, também, os arts. 406 e 591 do CC/2002. Além disso, a simples estipulação dos juros compensatórios em patamar superior a 12% ao ano não indica abusividade. Para tanto, é necessário estar efetivamente comprovado nos autos a exorbitância das taxas cobradas em relação à taxa média do mercado específica para a operação efetuada, oportunidade na qual a revisão judicial é permitida, pois demonstrados o desequilíbrio contratual do consumidor e a obtenção de lucros excessivos pela instituição financeira9.
Ressalte-se o disposto no enunciado n° 382 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade".
Desse modo, ainda que tivesse sido demonstrada eventual abusividade na taxa de juros praticada, o que não ocorreu, não seria o caso de modificação da taxa praticada para 12% ao ano, razão pela qual deve ser julgado improcedente o pedido, mantendo-se a taxa praticada.
Comissão de permanência
Defendeu o apelante a possibilidade de cobrança da comissão de permanência cumulada com outros encargos.
Embora não seja possível a acolhida do recurso pelo fundamento apresentado, nota-se que também não há nos autos prova de que houve a cobrança cumulada da comissão de permanência com permanência.
Sendo assim, não há motivo para determinar a adequação da cláusula que prevê a cobrança cumulada da comissão de permanência com encargos da mora, tampouco para deferir a devolução de valores cobrados como comissão de permanência, eis que ausente prova da pactuação e da cobrança.
Nesse sentido:
Revisional. Cédula de crédito bancário. Financiamento de veículo com garantia de alienação fiduciária. Parcelas fixas. Aplicação do CDC e inversão do ônus da prova. Irrelevância no caso. Comissão de permanência. Inexistência da pactuação e da cobrança da cumulação com outros encargos de mora. Repetição de indébito. Impossibilidade. Sentença mantida. Honorários advocatícios. Majoração. Art. 85, § 11, do CPC/2015.Apelação não provida. (TJPR - 15ª C.Cível - AC - 1622527-3 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Hamilton Mussi Correa - Unânime - - J. 15.02.2017)
Sucumbência
Com as mudanças operadas com o julgamento do recurso, nota-se que a parte autora logrou êxito apenas no tocante ao expurgo da capitalização mensal de juros, questão essa que sequer foi objeto da apelação. A revisional foi improcedente nos demais tópicos.
Assim, considerando que houve reforma com relação aos juros remuneratórios e a comissão de permanência, impõe-se à parte autora o ônus de arcar com 60% da sucumbência e a parte ré aos 40% restantes, mantidos os honorários advocatícios.
3. Do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso para manter a taxa de juros remuneratórios praticada e afastar o expurgo da comissão de permanência, restando a sucumbência redistribuída na proporção de 60% para o autor e 40% para o réu, nos termos da fundamentação supra.
Em face do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por
termos da fundamentação.
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Carlos Gabardo, sem voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Hamilton Mussi Corrêa e Hayton Lee Swain Filho.
Curitiba, 12 de abril de 2017. Jucimar Novochadlo Relator
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