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Certificado digitalmente por: IVANISE MARIA TRATZ MARTINS TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.569.655-0, DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE PONTA GROSSA APELANTES: JOSÉ TONICO DO PRADO E MAURÍCIO DE CAMARGO APELADOS: JOSÉ MARIA FERREIRA MENDES E TEREZINHA DE FÁTIMA MENDES RELATORA: DES.ª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. DUAS AÇÕES JULGADAS ATRAVÉS DA MESMA SENTENÇA. AÇÃO DE RESILIÇÃO UNILATERAL DE CONTRATO E AÇÃO RESOLUTÓRIA DE CONTRATO C/C PERDAS E DANOS E MANUTENÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESILIÇÃO E IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESOLUÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE PONTO COMERCIAL. INSURGÊNCIA PELO ADQUIRENTE DO PONTO. 1. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO. PROVIMENTO. CONTRATO DE EXECUÇÃO INSTANTÂNEA. INVIABILIDADE DE EXTINÇÃO DA AVENÇA POR VONTADE UNILATERAL. 2. PEDIDO DE RESCISÃO DO CONTRATO POR INADIMPLEMENTO PARCIAL DA AVENÇA. DESCUMPRIMENTO MÍNIMO. ABUSO DE DIREITO. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E DA BOA-FÉ. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE RESCISÃO. PRECEDENTES DO STJ. CONDENAÇÃO DO INADIMPLENTE AO PAGAMENTO DO SALDO DEVEDOR. 3. REDISTRIBUIÇÃO DOS ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, DE ACORDO COM O DECAIMENTO SOFRIDO PELAS PARTES. 1. "A resilição unilateral pode ocorrer somente nas obrigações duradouras, contra a sua renovação ou continuação, independentemente do não cumprimento da outra parte, nos casos permitidos na lei (p. ex., denúncia prevista nos arts. 6º, 46, § 2º e 57 da Lei n. 8.245, de 18-10- 1991, sobre locação de imóveis urbanos) ou no contrato." (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais, v. 3, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 203-205). 2. "O inadimplemento mínimo impede a adoção do remédio resolutório em situações caracterizadas pelo cumprimento de substancial parcela do contrato pelo devedor que não tenha suportado adimplir pequena parcela da obrigação. O desfazimento do contrato acarretaria sacrifício desproporcional comparativamente à sua manutenção, sendo coerente que o credor procure a tutela adequada à percepção das prestações inadimplidas. Destarte, em tais situações de lesão ao princípio da boa-fé objetiva, é possível atender ao pedido subsidiário de cumprimento, evitando o sacrifício excessivo do devedor em face do pequeno vulto do débito." (Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 9 ed. ver. e atualiz. Barueri, SP: Manole, 2015, p. 505-506.) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível sob o nº 1.569.655-0, em que figura como Apelantes JOSÉ TONICO DO PRADO E MAURÍCIO DE CAMARGO e como Apelados JOSÉ MARIA FERREIRA MENDES E TEREZINHA DE FÁTIMA MENDES. I RELATÓRIO Trata-se de duas demandas julgadas através de única sentença. Os autos nº 0011254-67.2015.8.16.0019 cuidam de "Ação de Resilição Unilateral de Contrato por Prazo Indeterminado" proposta pelos
Apelados em face dos Apelantes, e os autos 0015077-49.2015.8.16.0019 cuidam de "Ação Resolutória de Contrato c/c Perdas e Danos c/c Cautelar de Manutenção de Posse", proposta pelos Apelantes contra os Apelados. O Juízo de origem julgou procedente o pedido dos Apelados e improcedente o pedido dos Apelantes, nos seguintes termos: "3.1 DOS AUTOS PRINCIPAIS Ante o exposto, extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil e JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por JOSÉ MARIA FERREIRA MENDES e TEREZINHA DE FÁTIMA FERREIRA MENDES em face de JOSÉ TONICO DO PRADO e MAURICIO NEVES DE CAMARGO, para fins de declarar rescindido o contrato de compromisso de compra e venda entabulado entre as partes; e determinar a reintegração de posse do imóvel, objeto do contrato de compromisso de compra e venda em favor da parte autora, com prazo de desocupação voluntária de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desta sentença e, esgotado o prazo, expedindo-se mandado de reintegração de posse. Outrossim, condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 3.800,00 (três mil e oitocentos reais), nos termos do artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil.
3.2 DOS AUTOS EM APENSO Quanto aos autos em apenso sob o nº 0015077- 49.2015.8.16.0019, extingo-os com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por JOSÉ TONICO DO PRADO e MAURICIO NEVES DE CAMARGO em face de JOSÉ MARIA FERREIRA MENDES e TEREZINHA DE FÁTIMA FERREIRA. Deste modo, condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil." Irresignados, os Apelantes requerem, em suas razões recursais, a reforma da sentença julgando-se pela improcedência total dos pedidos da Ação Declaratória de Resilição Unilateral do Contrato por Prazo
Indeterminado sob autos nº 0011254-67.2015.8.16.0019 e reconhecendo a procedência dos pedidos da Ação Resolutória de Contrato c/c Perdas e Danos c/c Medida Cautelar de Manutenção de Posse sob autos nº 0015077- 49.2015.8.16.0019, invertendo-se os ônus sucumbenciais para condenar os Apelados ao Pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios. Intimados, os Apelados apresentaram contrarrazões. É o relatório. II FUNDAMENTAÇÃO O Recurso preenche os requisitos de admissibilidade, comportando conhecimento. Cumpre asseverar que para decisões publicadas até 17 de março de 2016, período anterior ao início da vigência do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2016), devem ser aplicadas as regras de admissibilidade recursais insertas no CPC-73, conforme Enunciado Administrativo emitido pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual adoto: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até, então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça." Conforme se extrai da análise dos autos, em 2009 as partes celebraram contrato de compra e venda de um depósito de Gás GNV juntamente com duas linhas telefônicas (...) 01 moto, 40 cascos de gás e 17 frascos de água de 20 litros, em que os Apelados figuraram como
promitentes vendedores e os Apelantes como promitentes compradores. O preço total ajustado foi de R$ 29.421,00 (vinte e nove mil, quatrocentos e vinte e um reais), que seria pago através da entrega de um caminhão no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), sendo que o promitente vendedor, na hora em que vendesse o veículo, teria que restituir o valor de R$ 5.579,00 (cinco mil, quinhentos e setenta e nove reais), referente à diferença entre o preço avençado e o valor do caminhão, ao promissário comprador. Os promitentes vendedores (Apelados), na petição inicial da Ação de Resilição Unilateral do Contrato, narraram que a avença tinha por objeto o fundo de comércio (depósito de gás GNV e água). Disseram que referido contrato foi celebrado por prazo indeterminado e ficou avençado que os autores não poderiam cobrar dos réus aluguel do imóvel em que se encontra estabelecido o depósito de gás e água vendidos até o seu encerramento. Verifica-se, portanto, que apesar da alienação do ponto comercial, as partes não avençaram a que título os adquirentes exerceriam a posse sobre o imóvel em que funciona o estabelecimento comercial objeto do negócio, de propriedade dos alienantes, convencionando apenas que não seria cobrado aluguel, mantendo uma espécie de comodato tácito1. Os Apelados narraram que em 2015 (cerca de seis anos após a negociação do ponto comercial), resolveram explorar financeiramente o imóvel, e notificaram os Apelantes para que esses informassem se possuíam interesse na celebração de contrato de aluguel
do imóvel. Estes, contudo, responderam negativamente, consignando que no contrato de aquisição do ponto restara expressamente afastada a possibilidade de cobrança de alugueis. Diante das circunstâncias, os Apelados propuseram demanda (autos nº 0011254-67.2015.8.16.0019) requerendo seja declarada judicialmente a resilição do contrato firmado entre as partes, determinando-se aos réus que desocupem o imóvel de propriedade dos autores, sob pena de aplicação de multa diária. A parte Apelante, por sua vez, sustentando que a obrigação assumida pelos Apelados não teria sido integralmente cumprida, propôs demanda para o fim de resolver o contrato estabelecido pelas partes, condenando ainda os Requeridos à devolução do valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) aos Requerentes, bem como para que sejam condenados ao pagamento de indenização por perdas e danos no valor de R$ 4.659,26. O Juízo de origem, após a instrução dos feitos, que tramitaram apensados, julgou procedente o pedido dos Apelados, e improcedente o pedido dos Apelantes, declarando rescindido o contrato de compromisso de compra e venda entabulado entre as partes e determinando a reintegração de posse do imóvel, objeto do contrato de compromisso de compra e venda em favor da parte autora (ora Apelada), com prazo de desocupação voluntária de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da sentença, sob pena de expedição de mandado de reintegração de posse. Lastreou seu entendimento na regra prevista no art. 473, caput, do Código Civil: A resilição unilateral, nos casos em que a lei
expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Consignou, ainda, que não haveria prova suficiente acerca do descumprimento da obrigação assumida pelos alienantes do ponto comercial (Apelados), razão pela qual não procederia a tese defendida pelos adquirentes. Pois bem. Feito esse breve registro, passa-se à análise do pedido recursal deduzido pelos Apelantes. Deve-se consignar, inicialmente, que diferentemente do entendimento assentado pelo Juízo de origem, o negócio jurídico expressamente celebrado entre as partes não constitui contrato de execução continuada, mas de execução instantânea. Carlos Roberto Gonçalves define tais espécies de avenças da seguinte forma: "A classificação enunciada leva em consideração o momento em que os contratos devem ser cumpridos. São de execução instantânea ou imediata ou ainda de execução única os que se consumam num só ato, sendo cumpridos imediatamente após a celebração, como a compra e venda feita à vista, por exemplo. Cumprida a obrigação, exaurem- se. A solução se efetua de uma só vez e por prestação única, tendo por efeito a extinção cabal da obrigação. (...). Contratos de trato sucessivo ou de execução continuada são os que se cumprem por meio de atos reiterados. São exemplos: compra e venda a prazo, prestação permanente de serviços, fornecimento periódico de mercadorias, dentre outros. Caso típico é a locação, em que a prestação do aluguel não tem efeito liberatório, a não ser do débito correspondente ao período, visto que o contrato continua até atingir o seu termo ou ocorrer uma outra causa extintiva."2 (destaquei) Após realizar a classificação, o Autor esclarece que mais do que interesse acadêmico, a diferenciação tem utilidade prática, nos seguintes termos: "Há interesse prático na aludida classificação, por diversas razões: a) a teoria da imprevisão, que permite a resolução do contrato por onerosidade excessiva, disciplinada nos arts. 478 a 480 do novo Código Civil, só se aplica aos contratos de execução diferida e continuada; b) o princípio da simultaneidade das prestações só se aplica aos de execução instantânea; por conseguinte, não se permite, em contrato de execução diferida ou de trato sucessivo, que o contratante, que deve satisfazer em primeiro lugar sua prestação, defenda-se pela exceptio non adimpleti contractus, alegando que a outra parte não cumpriu a dela (...) No caso dos autos, as partes celebraram contrato de compra e venda de ponto comercial, cujo preço foi pago de uma só vez através da entrega de um caminhão no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). Verifica-se, desta forma, que se trata de contrato de execução instantânea, não havendo falar-se em trato sucessivo. Feita esta constatação, verifica-se a impossibilidade de extinguir o contrato em questão, de compra e venda de ponto comercial, através da resilição unilateral, como proposto e acolhido pelo Juízo de origem, eis que referida modalidade de extinção da avença, pelas suas características, pode ocorrer somente nas obrigações duradouras, de trato sucessivo, quando uma das partes não tem interesse em sua renovação, conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves, nos seguintes termos: "A resilição não deriva de inadimplemento contratual, mas unicamente da manifestação de vontade, que pode ser bilateral ou unilateral. Resilir, do latim resilire, significa, etimologicamente, `voltar atrás'. A resilição bilateral denomina-se distrato, que é o acordo de vontades que tem
por fim extinguir um contrato anteriormente celebrado. A unilateral pode ocorrer somente em determinados contratos, pois a regra é a impossibilidade de um contraente romper o vínculo contratual por sua exclusiva vontade. (...) A resilição, como já se disse, não deriva de inadimplemento contratual, mas unicamente da manifestação de vontade. O fundamento para a sua efetivação seria assim a vontade presumida. Outras vezes, o contrato se baseia na confiança e só perdura enquanto esta existir entre as partes. Por último, os próprios sujeitos reservam-se o direito de arrependimento, sujeitando-se à perda ou pagamento em dobro das arras penitenciais. A resilição unilateral pode ocorrer somente nas obrigações duradouras, contra a sua renovação ou continuação, independentemente do não cumprimento da outra parte, nos casos permitidos na lei (p. ex., denúncia prevista nos arts. 6º, 46, § 2º e 57 da Lei n. 8.245, de 18-10-1991, sobre locação de imóveis urbanos) ou no contrato. Obrigação duradoura é aquela que não se esgota em uma só prestação, mas supõe um período de tempo mais ou menos largo, tendo por conteúdo ou uma conduta duradoura (cessão de uso, arrendamento, locação), ou a realização de prestações periódicas (como no pagamento dos alugueis e no fornecimento de gás, de alimentação, de energia, de mercadorias etc. por prazo determinado. Nesses casos, a resilição denomina-se denúncia"3 No caso concreto, não poderia o vendedor do ponto comercial, após pago o preço convencionado, simplesmente informar que não mantém mais interesse no negócio. Isso porque, como dito, em se tratando de contrato de execução instantânea, já houve o aperfeiçoamento, sendo inviável a extinção pela vontade unilateral de um dos contratantes. Não se olvide que as partes mantêm, como já dito, comodato tácito em relação ao imóvel em que funciona o ponto comercial, já que apesar de terem negociado o estabelecimento, deixaram de convencionar, expressamente, a que título o adquirente manteria sua
posse sobre o imóvel do alienante, limitando-se a consignar que não haveria cobrança de alugueis. Com relação ao comodato, mostra-se possível a resilição unilateral da avença, desde que seja feito pedido certo a este respeito, oportunizando o contraditório e a análise judicial das regras legais incidentes, especialmente aquela prevista no art. 581 do Código Civil: "Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado." Nestas condições, diante da impossibilidade de resilir unilateralmente contrato instantâneo de compra e venda de ponto comercial, impõe-se o acolhimento, nesta parte, do pedido recursal deduzido pelos Apelantes, para reformar a sentença e julgar improcedente a pretensão dos Apelados. Resta analisar o pedido recursal dos Apelantes em relação à rescisão do contrato por inadimplemento da obrigação assumida na avença. Conforme alegação dos Adquirentes/Apelantes, as cláusulas do contrato tidas por inadimplidas foram: a) cláusula segunda - os Apelados não repassaram aos Apelantes a diferença de R$ 5.579,00 após a venda do caminhão e não entregaram os "40 cascos de gás", sendo que entregaram aos Requerentes tão somente 27 (vinte e sete) dos itens; b) cláusula sétima. Pela qual renunciaram em favor dos Apelante a cobrança de aluguel pelo imóvel do fundo de comercio, mas descumprindo
o avençado, encaminharam-lhes interpelação extrajudicial notificando-os para que a respeito da celebração de contrato de locação do imóvel; c) a cláusula seta do contrato, pois os Apelados notificaram novamente os Apelantes em 22/04/2015 para que desocupassem o imóvel no prazo de 60 dias, demonstrando sua intenção em resolver a avença originalmente pactuada, violando a estipulação de irretratabilidade e irrevogabilidade a que se obrigaram. A este respeito, impõe-se consignar, inicialmente, que não houve efetiva cobrança de aluguel, mas tão somente tratativas a respeito da possibilidade, o que não caracteriza o descumprimento contratual, até porque, como dito, os Apelantes permanecem no imóvel há cerca de 6 (seis) anos sem pagar aluguel. Igualmente, não há prova nos autos acerca da inadimplência acerca da entrega dos botijões de gás. Por outro lado, verifica-se o parcial inadimplemento dos Apelados no que se refere à devolução da diferença entre o preço acertado e o valor de venda do caminhão entregue como pagamento. Conforme se extrai da análise dos autos, o preço convencionado entre as partes foi de R$ 29.421,00. Como pagamento, os Apelantes entregaram aos Apelados um caminhão no valor R$ 35.000,00. Em função da diferença de valores, os Recorridos se comprometeram a devolver a diferença tão logo vendessem o caminhão (R$ 5.579,00). Contudo, os Apelantes alegaram na inicial que tal valor não foi pago, tendo ocorrido o inadimplemento da obrigação, o que daria ensejo à rescisão do contrato. Os Apelados, citados, trouxeram aos autos recibos que comprovam o pagamento de R$ 3.300,00. Afirmaram, ainda, que gastaram
outros R$ 700,00 (setecentos reais) na pintura do muro do imóvel, o que teria revertido em favor dos Apelantes, e que o restante (R$ 1.579,00) teria sido aplicado na reforma do caminhão depois de acordo verbal celebrado entre as partes. Entretanto, o gasto com a pintura do imóvel não se presta ao adimplemento da obrigação, eis que conforme convenção das partes, tal valor seria repassado diretamente aos adquirentes. Ainda, não há prova nos autos quanto à alegada avença verbal para utilização dos R$ 1.579,00 na reforma do caminhão, de modo que resta configurado o inadimplemento parcial dos Apelados (R$ 2.279,00). Nestas condições, em tese, nos termos do art. 475 do Código Civil, poderia a parte lesada pelo inadimplemento (Apelantes) pedir a resolução do contrato ou exigir-lhe o cumprimento, requerendo, também, em qualquer dos casos, perdas e danos. Todavia, no caso dos autos, em observância aos princípios da boa-fé e da função social do contrato, e tendo em vista que o descumprimento da obrigação assumida pelos Apelados se deu em parcela mínima, incide a teoria do adimplemento substancial, segundo a qual, em hipóteses com esta, caracterizaria abuso de direito a resolução da avença pela contraparte. A este respeito, Nelson Rosenvald, comentando o art. 475 do Código Civil, na obra coordenada por Cezar Peluso, esclarece: "Tradicionalmente te, a doutrina não discutia a possibilidade de imposição de limites ao exercício de direitos subjetivos e potestativos. Porém, a doutrina do abuso de direito demonstra que o exercício do direito pode manifestar
motivações ilegítimas e ofensivas à função para a qual ele fora concedido pelo ordenamento. (art. 187 do CC). O inadimplemento mínimo impede a adoção do remédio resolutório em situações caracterizadas pelo cumprimento de substancial parcela do contrato pelo devedor que não tenha suportado adimplir pequena parcela da obrigação. O desfazimento do contrato acarretaria sacrifício desproporcional comparativamente à sua manutenção, sendo coerente que o credor procure a tutela adequada à percepção das prestações inadimplidas. Destarte, em tais situações de lesão ao princípio da boa-fé objetiva, é possível atender ao pedido subsidiário de cumprimento, evitando o sacrifício excessivo do devedor em face do pequeno vulto do débito."4 Sobre o tema, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO (LEASING). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E SEIS PARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS DIANTE DO DÉBITO REMANESCENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. 1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a
resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença. 4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título. 5. Recurso especial não conhecido. (REsp 1051270/RS Min. Luis Felipe Salomão Quarta Turma DJe 05/09/2011) RECURSO ESPECIAL. LEASING. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CARRETAS. EMBARGOS INFRINGENTES. TEMPESTIVIDADE. MANEJO ANTERIOR DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA A DECISÃO. CORRETO O CONHECIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES. INOCORRÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL E DA EXCEÇÃO DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. Ação de reintegração de posse de 135 carretas, objeto de contrato de "leasing", após o pagamento de 30 das 36 parcelas ajustadas. (...) Correta a decisão do tribunal de origem, com aplicação da teoria do adimplemento substancial. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. O reexame de matéria fática e contratual esbarra nos óbices das súmulas 05 e 07/STJ. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1200105/AM Min. Paulo de Tarso Sanseverino Terceira Turma DJe 27/06/2012) (destaquei) Nestes termos, verifica-se que ocorreu o inadimplemento de parcela mínima da prestação assumida pelos Apelados, já que estes efetivamente entregaram o estabelecimento comercial aos Apelantes, com toda a estrutura contratada, e devolveram a maior parte do saldo verificado entre o preço pago no negócio e o valor venal do caminhão. Além disso, os Apelantes somente ajuizaram a presente
demanda em junho de 2015, portanto, 6 anos após a celebração do contrato e cerca de dois anos após o pagamento parcial do preço (mov. 28.10), situação que reforça a caracterização do abuso do direito no pedido concernente à rescisão do contrato por inadimplemento. Deve-se, consignar, contudo, que apesar de não ser possível a resolução do contrato na hipótese, não poderia a parte inadimplente se locupletar em prejuízo da contraparte, razão pela qual impõe-se sua condenação ao pagamento da diferença entre a prestação efetiva cumprida e aquela contratada (R$ 2.279,00), devidamente corrigido pelo índice ofício deste Tribunal (IGP/INPC), e com a incidência de juros de mora legais (1%), desde 09 de setembro de 2013 (data do pagamento/restituição da última parcela mov. 28.10). Portanto, nesta parte, pedido recursal dos Apelantes comporta parcial provimento, para condenar os Apelados ao pagamento do valor acima referido. Convém ressaltar, ainda, que diferentemente do que alegam os Apelados, não há julgamento extra petita no caso em apreço, pois tal condenação é reflexo da impossibilidade de acolhimento, no caso, do pedido dos Apelantes quanto à rescisão do contrato. Por fim, não comporta provimento o pedido recursal para que os Apelados sejam condenados a ressarcir aos Apelantes pelo valor equivalente àquela dispendido durante a utilização do imóvel, eis que tais gastos foram realizados em seu próprio interesse, para aperfeiçoar a atividade comercial desenvolvida no imóvel. Impõe-se, desta forma, a redistribuição das verbas de sucumbência, em função do parcial provimento concedido ao pedido recursal dos Apelantes. Sendo assim, deverão os Apelados arcar com a
integralidade das custas e despesas processuais referentes aos autos nº 0011254-67.2015.8.16.0019 (de "Ação de Resilição Unilateral de Contrato por Prazo Indeterminado ajuizada pelos Recorridos), e com 70% (setenta) daquelas concernentes aos autos nº 0015077-49.2015.8.16.0019 (de "Ação Resolutória de Contrato c/c Perdas e Danos c/c Cautelar de Manutenção de Posse" ajuizada pelos Recorrentes), impondo-se aos Apelantes o pagamento dos 30% (trinta por cento) restantes. Quanto aos honorários advocatícios de sucumbência, mantem-se os valores arbitrados pelo Juízo de origem (R$ 3.800,00 para os autos nº 0011254-67.2015.8.16.0019 e R$ 3.000,00 para os autos nº 0015077-49.2015.8.16.0019), devendo-se, contudo, observar a repartição na mesma proporção atribuída à divisão das custas processuais no parágrafo anterior. III - VOTO Diante de todo o exposto, voto por conhecer e conceder parcial provimento ao pedido recursal, para julgar improcedente o pedido deduzido pelos Apelados nos autos nº 0011254-67.2015.8.16.0019, e para julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelos Apelantes nos autos nº 0015077-49.2015.8.16.0019, condenado os apelados ao pagamento de R$ 2.279,00, com juros legais e correção monetária incidentes desde 09 de setembro de 2013, nos termos da fundamentação. IV DISPOSITIVO ACORDAM os integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em
conhecer e conceder parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. O julgamento foi presidido por esta Relatora, e dele participaram os Excelentíssimos Desembargadores Luis Espíndola e Mario Luiz Ramidoff. Curitiba, 12 de abril de 2017.
DESª. IVANISE MARIA TRATZ MARTINS Relatora
-- 1 Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.
-- 2GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. F. 152
-- 3GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Fs. 203/205.
-- 4Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência/ coordenador Cezar Peluso. 9ª ed. ver. e atualiz. Barueri, SP: Manole, 2015, fs. 505/506.
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