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Acórdão
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Certificado digitalmente por: ANTONIO LOYOLA VIEIRA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.602.230-9, DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPO MOURÃO. RECORRENTE: DEVANIR FAUSTINO DE OLIVEIRA. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RELATOR: DES. ANTONIO LOYOLA VIEIRA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - ALEGAÇÃO DE QUE O ACUSADO AGIU AMPARADO PELA EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA - AVERIGUAÇÃO DE POSSÍVEL EXCESSO NA SUPOSTA LEGÍTIMA DEFESA - PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO - INVIABILIDADE - CARÊNCIA DE RESPALDO PROBATÓRIO SÓLIDO DA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI - TESES QUE DEVEM SER SUBMETIDAS À APRECIAÇÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA - INDÍCIOS SUFICIENTES PARA PRONÚNCIA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Para que se acolha a tese de legítima defesa, em sede de juízo de admissibilidade da acusação, em que se constitui a pronúncia, é necessário que esteja cabalmente provada a alegada excludente de ilicitude prevista no artigo 25, do Código Penal. 2. Havendo indícios de autoria e do propósito homicida, deve o julgamento do Acusado ser remetido ao Tribunal do Júri, competente para a resolução de conflitos probatórios e valoração do tipo subjetivo. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso Crime em Sentido Estrito nº 1.602.230-9, da 1ª Vara Criminal de Campo Mourão, em que é Recorrente Devanir Faustino de Oliveira e Recorrido Ministério Público do Estado do Paraná. O representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Devanir Faustino de Oliveira como incurso nas penas do artigo 121, caput, do Código Penal Brasileiro, pela seguinte prática delituosa: "No dia 05 de setembro de 2013, por volta das 20h40min, em via pública, na Rua Higienópolis, nº 1185, Jardim Pio XII, nesta cidade e Comarca de Campo Mourão/PR, o denunciado DEVANIR FAUSTINO DE OLIVEIRA, vulgo "Polaco" dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com intenção de matar, utilizando de objeto perfuro cortante (faca) (cf. auto de exibição e apreensão de f. 16), desferiu diversos golpes contra a vítima Luciano Osadczuk, provocando-lhe as lesões descritas no laudo de exame cadavérico de f. 98, as quais foram a causa efetiva de sua morte." Após o tramite regular do feito, sobreveio Decisão (mov. 81.1) para o fim de pronunciar o Réu nos termos da denúncia. Em face dessa decisão, a Defesa do Acusado interpôs, tempestivamente, Recurso em Sentido Estrito (mov. 85.1), objetivando, em breve síntese, a absolvição sumária do Recorrente em razão dele ter praticado os fatos em flagrante situação de legítima defesa, eis que estava tranquilamente confraternizando com seus companheiros em um bar, quando de repente surgiu a vítima e começou a ameaça-lo, fruto de desentendimento anterior, portando uma garrafa de vidro para agredi-lo; sustenta que agiu de maneira moderada. Outrossim, caso não entenda a c. Câmara Criminal pela absolvição sumária do Réu, requer a desclassificação do crime que lhe é imputado para o do tipo penal previsto no artigo 129, Código Penal, pois o Acusado agiu sem o dolo de matar a vítima, e sim para se defender. Aduz que a região abdominal não é considerada como sendo das mais vulneráveis, bem como os ferimentos sofridos pela vítima foram de natureza leve. Apresentadas as Contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo conhecimento e não provimento do Recurso interposto (mov. 97.1). Em sede de juízo de retratação, mov. 100.1, o Magistrado singular manteve a decisão por seus próprios fundamentos, bem como recebeu o Recurso interposto pelo Réu. Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça Alfredo Nelson da Silva Baki, opinou pelo conhecimento e desprovimento do Recurso (fls. 33/37). É o relatório. Cuida a espécie de Recurso em Sentido Estrito nº 1.602.230-9 interposto por Devanir Faustino de Oliveira contra Decisão de Pronúncia, que julgou procedente a pretensão punitiva conforme a inicial acusatória (artigo 121, caput, do Código Penal). A partir da análise das razões recursais extrai-se que as teses sustentadas pelo Recorrente recai no pleito de reconhecimento de que agiu amparado pela excludente da legítima defesa, de modo que faz jus a sua absolvição sumária, ou, não sendo este o entendimento, pela desclassificação do delito para lesões corporais. No entanto, em que pese o esforço da Defesa, não visualizo, nesta fase processual, possibilidade de acolher o pleito de irresignação. Pois bem. Para a decisão aqui debatida é suficiente a existência de indícios, posto que a pronúncia não se traduz em julgamento, mas sim, em mero juízo de admissibilidade da acusação. Desta forma, a teor do artigo 413, do Código de Processo Penal, em processos crimes de competência do Tribunal do Júri, realizada a instrução, se o Juiz se convencer da existência do crime e de indícios de autoria, deverá pronunciar o Réu. Ou seja, bastam a prova da materialidade do crime e os indícios suficientes de autoria. No caso dos autos, importante salientar que a materialidade delitiva se comprova com o Auto de Prisão em Flagrante (mov. 7.1), Auto de Exibição e Apreensão (mov. 7.7), Boletim de Ocorrência (mov. 7.9), Auto de Levantamento de Local de Morte (mov. 7.11), Fotografias (mov. 7.12), Laudo (mov. 7.38), Laudo do Exame de Necropsia (mov. 7.41) e Certidão de Óbito (mov. 34.1), bem como, a autoria resta demonstrada de modo suficiente, eis que o próprio Recorrente assumiu ter golpeado a vítima, contudo, alega ter agido amparado na excludente de ilicitude da legítima defesa. Cediço para que a tese de legítima defesa possa ser acolhida ao final da fase do judicium accusationis, é indispensável que a Defesa comprove de maneira cabal e estreme de dúvidas a presença dos seus requisitos, sob pena de se estar subtraindo dos jurados, indevidamente, a competência constitucional que lhes é assegurada. Neste sentido, a 1ª Câmara Criminal se posiciona:
"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. I. LEGÍTIMA DEFESA - INEXISTÊNCIA DE PROVA CABAL - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA INADMISSÍVEL - DESCLASSIFICAÇÃO - INVIABILIDADE - INDÍCIOS DE "ANIMUS NECANDI" - APRECIAÇÃO AFETA AO CONSELHO DE SENTENÇA. Ausente na fase do iudicium accusationis prova cabal da alegada excludente de ilicitude, mostra-se inadmissível a absolvição sumária, devendo o julgamento do acusado, ante a constatação de indícios de propósito homicida, ser remetido ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa. (...) RECURSO DESPROVIDO" (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1563253-2 - Piraí do Sul - Rel.: Telmo Cherem - Unânime - J. 16.02.2017). "RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DUPLA TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRELIMINAR DE NULIDADE POR FALTA DE EXAME PERICIAL. AFASTAMENTO. PERÍCIA REQUERIDA PELA ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DEFENSIVO. ADEMAIS, EXAME QUE PODE SER SUPRIDO POR OUTROS MEIOS DE PROVA NESTA FASE DO PROCEDIMENTO DO JÚRI. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA POR LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA NÃO EVIDENCIADA DE FORMA CABAL. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA DISPARO DE ARMA DE FOGO. INVIABILIDADE NESTA FASE PROCESSUAL. CARÊNCIA DE RESPALDO PROBATÓRIO SÓLIDO DA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. APRECIAÇÃO AFETA AO TRIBUNAL DO JÚRI. QUALIFICADORA DA SURPRESA. MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PELA SUA EXCLUSÃO. INEXISTÊNCIA DE VERTENTE PROBATÓRIA A AMPARAR SUA INCLUSÃO NA PRONÚNCIA. SUPRESSÃO QUE SE FAZ NECESSÁRIA. RECURSO DESPROVIDO, COM A EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, DA QUALIFICADORA DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA.1. A absolvição sumária, consubstanciada na legítima defesa, exige prova cabal e incontestável para a sua aplicação, o que não se verifica no caso vertente. 2.
A alegação de ausência de dolo de matar constitui tese que exige perquirição do animus do agente, ingressando em competência constitucional privativa do Júri. É inviável, desta forma, acolher a pretendida desclassificação, pois teríamos que adentrar na análise exauriente das provas que instruem o processo, o que é vedado na fase de admissibilidade da acusação. (...)" (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1547013-8 - Curitiba - Rel.: Macedo Pacheco - Unânime - J. 24.11.2016). Neste contexto, das provas carreadas aos autos não se verifica de pronto e inequivocamente que o Acusado tenha agido para defender a si ou outra pessoa, repelindo injusta agressão atual ou iminente e tampouco tenha usado moderadamente dos meios necessários. Do interrogatório do Réu em Delegacia (mov. 7.5), este negou a prática do delito que lhe é imputado, alegando que estava em casa quando os fatos ocorreram. Contudo, em juízo, apresentou versão diversa. Em resumo, alega que estava tranquilamente confraternizando com seus companheiros em um bar, quando de repente surgiu a vítima e começou a ameaça-lo, fruto de desentendimento anterior, o que, inclusive, acarretou prisão da vítima dias antes do fato aqui perseguido. Relata que estava no comércio e lá viu seus filhos e conversava com Nerli, tudo tranquilo, momento em que essa tia passou por Gaúchinho, estavam conversando, e depois falou para o Interrogado se cuidar porque Gaúchinho falou que ia dar cinquenta facadas nele, porque o Acusado é mais forte e Gaúchinho não pode com ele no braço, e depois ia dar trinta facadas em Senhor Lacerda sentado no banco do bar, porque ele o levou preso, mas o Interrogado disse que não ligou para a ameaça. Que, decorrido uns vinte minutos, Gauchinho (vítima), que estava cheirando tíner e ouvindo música, momento em que o Recorrente saiu pela porta do comércio e a vítima meteu a mão na cinta e gritou "Polaco", sendo que quando escutou o grito já viu a vítima vindo com a faca Tramontina enferrujada; o Interrogado `catou' todas as cadeiras que estavam ao seu redor e `quebrou na cabeça de Gauchinho', pois estava com medo e sabia que ele era perigoso, "catei a faca e revidei nele"; que a faca era da própria vítima; quando desferiu os golpes a vítima já estava de pé; que a vítima saiu andando, não estava em óbito quando ele foi embora; não sabe quantas facadas deu, não se lembra, pois se empolgou, ficou nervoso e com medo da vítima; o Acusado disse que estava `são'. A Policial Civil Karina de Amorim Pires em juízo (mídia em anexo) disse que diversas pessoas telefonaram para a polícia militar e indicaram a pessoa conhecida como "Polaco - Devanir" como o autor do homicídio; ao realizar buscas nas proximidades do local do crime, entrou em um outro bar onde estava o Réu e este se apresentou como "Polaco", inclusive, noticiou que ao realizar buscas na residência dele, encontrou peças de roupas com sangue no chão do banheiro; não se recorda se havia sinal de agressão além das facadas no corpo da vítima; que o Recorrente naquele momento negou os fatos, inclusive negou a autoria na Delegacia. Da mesma maneira foi o depoimento do Policial Civil Adhemar de Lima Isso (mídia me anexo). A Informante Tainá de França Pereira, esposa do Réu, contou que não estava presente na ocasião dos fatos, mas ficou sabendo pelo próprio marido quando ele chegou em casa; que ele contou que matou um `cara' em legítima defesa; disse que ele não entrou em detalhes; que o marido não apresentou nenhuma lesão. Por fim, a testemunha Rubens Lacerda dos Santos, ouvida em Juízo (mídia em anexo), declarou que tem um barzinho, mas não presenciou a agressão do Réu em relação a vítima; que esta não estava armada de alguma forma, mas estava embriagado, pois andava um pouco torto, demonstrava dificuldade de equilíbrio e a língua um pouco enrolada; que ele era baixinho e magro. Falou que populares falaram que o Réu tinha matado a vítima; que a vítima reagiu e o ora Recorrente agiu em legítima defesa. Diante do quadro apresentado conjuntamente ao artigo 25, do Código Penal, em que pese a tese de legítima defesa, esta não está evidenciada de forma inequívoca, muito menos de que o Recorrente tenha usado moderadamente dos meios necessários que tinha a disposição, pois ao contrário do alegado, o laudo cadavérico comprova que a vítima tinha equimoses na região periorbital bilateralmente e 09 (nove) ferimentos perfurocortantes (mov. 7.41), inclusive, as facadas aplicadas à vítima envolveram tanta violência que se entortou a lâmina (fotografias de mov. 7.12). Logo, no momento, o contexto que faz crer que o Réu não se utilizou moderadamente dos meios que tinha a disposição, pois poderia ter repelido eventual agressão injusta da vítima de modo mais ameno, eis que possuía porte físico mais avantajado, já havia derrubado a vítima e tomado sua faca, como também estava sóbrio e a vítima embriagada. Assim, como bem observado pelo Magistrado singular, não estando cabalmente demonstrada a hipótese de excludente de ilicitude, inadmissível a absolvição sumária do Réu, sendo que a existência de eventual excesso na suposta legítima defesa deve ser submetida ao exame do Conselho de Sentença, o qual poderá examinar o caso com maior amplitude de exame probatório. Em relação ao pleito de desclassificação do delito para lesões corporais, também sem razão o Recorrente. Primeiro porque tratando-se de alegações que envolvem elemento de cunho puramente subjetivo (perquirição do animus do agente), sua análise nesta fase processual poderá atrair indesejável violação à competência constitucional privativa do Júri; segundo porque a natureza, número e localização dos ferimentos (equimoses na região periorbital bilateralmente e nove ferimentos perfurocortantes nas regiões abdominal, peito, costas, pescoço e face) exteriorizam, a princípio, o intuito homicida. Ao contrário do alegado pela Defesa, as lesões sofridas pela vítima não foram de natureza leve. Portanto, como restam dúvidas acerca da tese sustentada pelo Acusado, imprescindível a pronúncia, tal como lançada em Primeiro Grau, cabendo ao juiz natural da causa (Tribunal do Júri), a quem compete o exame de fatos dessa natureza, consoante disposto no artigo 5.º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, apreciar as provas e lançar o veredicto. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito, conforme fundamentação. ACORDAM, os Senhores Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao Recurso, nos termos do voto. Participaram do julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador TELMO CHEREM e o Excelentíssimo Senhor Juiz BENJAMIM ACACIO DE MOURA E COSTA, ambos acompanhando o Relator. Curitiba, 20 de abril de 2017. Des. ANTONIO LOYOLA VIEIRA Presidente e Relator
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