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Acórdão
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Certificado digitalmente por: CLAYTON COUTINHO DE CAMARGO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº. 1.653.408-6, DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1ª VARA CRIMINAL. RECORRENTE: DEIVID DE MORAES NASCIMENTO RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RELATOR: DES. CLAYTON CAMARGO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE (ART. 121, §2º, INCISO I, DO CP) DECISÃO DE PRONÚNCIA RECURSO DA DEFESA PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA IMPOSSIBILIDADE TESE DE LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA NOS AUTOS DE FORMA CABAL QUESTÃO A SER ANALISADA PELO TRIBUNAL DO JÚRI PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DE MOTIVO TORPE INADMISSIBILIDADE DECISÃO MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº. 1.653.408-6, do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 1ª Vara Criminal em que é Recorrente DEIVID DE MORAES NASCIMENTO e Recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. 1. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito em face da decisão (mov. 39.1) que admitiu a acusação e pronunciou o réu pelo crime previsto no artigo 121, §2º, incisos I, do Código Penal (homicídio qualificado por motivo torpe), submetendo-o a julgamento perante o Tribunal do Júri. Os fatos foram assim narrados na denúncia:
"Em data de 20 de outubro de 2003, por volta das 23h30min, na via pública denominada Rua Cláudio Pereira da Cruz, em frente ao numeral 1670, em São José dos Pinhais, Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, PR, o denunciado DEIVID DE MORAIS NASCIMENTO, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com animus necandi, ou seja, imbuído da intenção de matar, portando o denunciado 01 (uma) arma de fogo (arma esta não apreendida), desferiu 03 (três) disparos de arma de fogo contra a vítima MARCELO DE FRANÇA, causando-lhe os ferimentos que foram a causa eficiente de sua morte, consoante laudo de necropsia de folhas 12-13. Saliente-se que o crime acima descrito foi perpetrado por motivo torpe, ou seja, como ato de vingança pelo fato de o denunciado acreditar que a vítima teria furtado sua bicicleta".
Em suas razões recursais única (mov. 51.1), pretende sua absolvição sumária, afirmando que agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa putativa. Subsidiariamente, pretendeu o afastamento da qualificadora relativa ao motivo torpe, por ausência de comprovação da presença de tal circunstância e a consequente desclassificação do delito para homicídio simples. O Ministério Público apresentou contrarrazões ao recurso (mov. 54.1), pugnando pelo desprovimento do recurso e, em juízo de retratação, a decisão recorrida foi mantida, sendo os autos remetidos a este Tribunal (mov. 57.1).
A douta Procuradoria Geral de Justiça, através de Parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça, Doutor SONIA MARIA DE OLIVEIRA HARTMANN, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 13/22 - TJPR).
É o relatório.
2. O recurso deve ser conhecido, pois preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade recursal.
Passa-se a análise das razões recursais.
A presente insurgência recursal se refere à decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que, nos autos de ação penal sob n.º 0000735-68.2004.8.16.0035 pronunciou o réu como incurso nas sanções no artigo 121, §2º, inciso I, do Código Penal (homicídio qualificado por motivo torpe), a fim de submetê-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Pois bem.
A pronúncia corresponde a um simples juízo de admissibilidade da acusação, a fim de que o réu seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, que detém a competência para a análise meritória exauriente nos crimes dolosos contra a vida. E para que o réu seja pronunciado é necessário que haja prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria ou de participação.
Depreende-se dos autos que a sentença de pronúncia se legitima nos elementos constantes dos autos e deve ser mantida tal como foi lançada, pois proferida em conformidade com os ditames constitucionais e em observância aos mandamentos processuais penais.
O Código de Processo Penal, ao tratar do procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, dispõe que:
"Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. §1º. A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena(...)".
No caso em voga, a ocorrência do crime está devidamente comprovada através do laudo de exame de necropsia (mov. 1.11), aliado as demais provas constantes dos autos.
Da mesma forma, foram acostados nos autos elementos que indicam, de forma contundente, a autoria do crime por meio da prova oral e demais elementos colhidos durante a instrução criminal, albergando, nesta fase, indicativos satisfatórios da responsabilidade do réu na descrita prática criminosa.
No interrogatório judicial (mov. 22.1 e mídia em anexo) o réu DEIVID MORAIS NASCIMENTO confessou haver realizado os disparos de arma de fogo contra vítima; que o fez, porém, para se defender de uma possível agressão da parte do ofendido; que acreditou que poderia ser agredido pela vítima na data dos fatos, pois o ofendido é conhecido na região pela sua periculosidade e envolvimento com tráfico de drogas, o que lhe impingia medo, bem como por haver suspeitas de que a fosse a vítima quem furtou sua bicicleta meses antes dos fatos.
A versão apresentada pelo réu, a priori, não merece crédito em especial por se fazer conflitante com os relatos apresentados pelas demais testemunhas durante a instrução processual.
A informante e irmã da vítima, JOSÉLI FÁTIMA FRANÇA, em juízo (mov. 1.50 e mídia em anexo), confirmou a ocorrência de um entrevero anterior entre o ofendido e o réu, referente ao furto de uma bicicleta, chegando inclusive a ocorrência de vias de fato entre ambos; que na data dos fatos escutou o réu batendo palmas no portão e chamando pela vítima; que a vítima foi então ao encontro do réu; que a depoente ouviu um disparo de arma de fogo e, em seguida, se dirigiu para fora da casa ver o que estava ocorrendo; que ao chegar presenciou o réu disparando contra a vítima, vindo essa a cair no chão; que não houve nenhuma discussão entre ambos na data dos fatos; que o réu simplesmente chegou e disparou contra a vítima.
Dessa forma, impõe-se manter a pronúncia, de modo que a tese suscitada pela defesa deve ser examinada pelo Tribunal do Júri, a quem cabe decidir sobre o crime e suas circunstâncias.
Nesse sentido, o posicionamento desta colenda 1ª Câmara Criminal: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, INC. I, CP). PRONÚNCIA. 1) PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA OU, SUBSIDIARIAMENTE, DE DESPRONÚNCIA. ALEGADA NEGATIVA DE AUTORIA. DESACOLHIMENTO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE QUE O ACUSADO É AUTOR DO FATO NARRADO NA DENÚNCIA. 2) PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA. INVIABILIDADE. REQUISITOS DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE NÃO COMPROVADOS. MATÉRIA CUJO DESLINDE INCUMBE AO JÚRI POPULAR. 3) PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. DESACOLHIMENTO. INDÍCIOS DE QUE O ACUSADO AGIU MOTIVADO PELO DESEJO DE VINGANÇA, EM RAZÃO DE DESENTENDIMENTO ANTERIOR. CIRCUNSTÂNCIAS QUE, NO CASO, PODEM CARACTERIZAR A QUALIFICADORA DA MOTIVAÇÃO TORPE. QUESTÃO A SER ANALISADA E DECIDIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI, COMPETENTE PARA O JULGAMENTO DA CAUSA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE nº 1415409-5 - Rel.: Miguel Kfouri Neto - DJ 09.12.2015)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA. INOCORRÊNCIA. PLEITO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL. IMPOSSIBILIDADE.PRECEDENTES. ART. 413 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUBMISSÃO DO RECORRENTE A JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. MANUTENÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE nº 1398498-6 - Rel.: Naor R. de Macedo Neto - DJ. 04.12.2015)
No tocante a pretensão de reconhecimento de que o réu agiu recoberto pela excludente da ilicitude da legítima defesa, verifica-se que não merece prosperar.
Senão vejamos.
Caberá absolvição sumária, nos termos do disposto no artigo 415 do Código de Processo Penal quando:
"Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I provada a inexistência do fato; II provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III o fato não constituir infração penal; IV demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime."
Para que seja acolhida a tese de legítima defesa, nos moldes pretendidos pela defesa, é indispensável a comprovação cabal e estreme de dúvidas da presença dos requisitos de referida excludente de ilicitude.
Cumpre destacar que na apuração de crimes dolosos contra a vida, inexistindo prova inequívoca da excludente de criminalidade, qualquer dúvida razoável deve ser resolvida em favor da sociedade, remetendo-se o caso à apreciação do seu juiz natural, qual seja, o Tribunal do Júri.
No caso, a tese de legítima defesa não encontra amparo nos elementos probatórios dos autos, pois inexiste comprovação plena de que os disparos de arma de fogo, em tese, desferidos pelo réu contra a vítima visavam repelir suposta violência a que estava sendo submetido.
Ao contrário, há vertente probatória indicativa de que a vítima foi atingida sem a ocorrência de prévia discussão ou ameaça e/ou injusta agressão de sua parte, não havendo indícios suficientes no sentido de que estivesse o réu agindo em sua defesa.
Portanto, não resta demonstrado de forma indubitável que a ação do réu se fez recoberta pela alegada causa de justificação, sendo incabível o reconhecimento da legítima defesa, pelo menos em julgamento singular.
Relativamente à exclusão da qualificadora de motivo torpe, também não merece acolhida nesta fase processual, uma vez que o contexto probatório dos autos revela carência de suporte para tal desiderato.
Ao contrário, há indícios suficientes de incidência da referida qualificadora.
Conforme apontado pelo pronunciamento ministerial (fls. 20), "analisando a prova oral aos autos, constata-se que o próprio réu confirmou que a desconfiança pelo furto da bicicleta recaía na pessoa do ofendido. Também, como visto, a informante Joseli declarou em Juízo que mais ou menos uma semana antes do crime, seu irmão Marcelo lhe confidenciou que havia discutido na rua com Deivid, chegando em agressões físicas, pois Devid o acusava pelo roubo de uma bicicleta". (com grifos no original)
Dessa forma, como a decisão de pronúncia não forma convicção definitiva acerca dos fatos criminosos e as circunstâncias qualificadoras só devem ser excluídas quando manifestamente improcedente e sem qualquer suporte nos autos, o que não é o caso, não há como afastar neste momento a qualificadora de motivo torpe.
Nesse sentido:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, INC. II, C.C. O ART. 14, INC. II, AMBOS DO CP - POR DUAS VEZES). PRONÚNCIA. RECURSO DOS RÉUS.PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL. DESACOLHIMENTO. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA DIRIMIR A CONTROVÉRSIA.REQUERIMENTO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PELA APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. PROCEDÊNCIA. VERBAS ARBITRADAS EM R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1498845-7 - Carlópolis - Rel.: Miguel Kfouri Neto - Unânime - - J. 23.06.2016).
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA - PEDIDO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - INADMISSIBILIDADE - EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS HÁBEIS A CONFIGURÁ-LA - RECURSOS DESPROVIDOS. 1. Havendo indícios suficientes de autoria ou participação, é de rigor a submissão a julgamento pelo Tribunal do Júri, o competente para julgar os crimes dolosos contra a vida.2. Para se promover a exclusão das qualificadoras da pronúncia, há necessidade de que elas sejam absolutamente improcedentes e sem qualquer apoio nos autos. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE nº 1299741-4 - Rel.: Campos Marques - DJ. 13.05.2015).
Impõe-se, portanto, negar provimento ao presente Recurso em Sentido Estrito.
3. Ex positis:
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador ANTONIO LOYOLA VIEIRA (sem voto) e dele participaram o Excelentíssimo Senhor Desembargador MIGUEL KFOURI NETO e o Excelentíssimo Senhor Juiz Substituto em 2º Grau NAOR R. DE MACEDO NETO, ambos acompanhando o Relator.
Curitiba, 27 de abril de 2017. Des. CLAYTON CAMARGO Relator
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