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Acórdão
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Certificado digitalmente por: ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.632.509-8, DE TOLEDO 1ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA. APELANTES: ANTONIO ESPONTÃO GAMELO E OUTRA APELADO : BANCO ITAÚ S/A RELATORA : DESª. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA (ARTIGO 1.242 DO CÓDIGO CIVIL) POSSE AD USUCAPIONEM DEMONSTRADA PELO PERÍODO DE MAIS DE 10 (DEZ) ANOS COM JUSTO TÍTULO E BOA-FÉ ACESSÃO DE POSSE COMPROVADA ARTIGO 1.243 DO CÓDIGO CIVIL POSSE MANSA, PACÍFICA E SEM OPOSIÇÃO DO ATUAL E ANTERIORES POSSUIDORES REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS SUCUMBÊNCIA OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA CAUSALIDADE E INTERESSE. 1. O possuidor pode, para fins de usucapião, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, nos termos do artigo 1.243 do Código Civil, prevalecendo sempre a de menor qualidade. 2. A posse qualificada pelo justo título e boa-fé permite a redução do prazo de prescrição aquisitiva de bem imóvel para dez anos (usucapião ordinária), conforme artigo 1.242 do Código Civil. 3. A imprescindibilidade do ajuizamento da ação de usucapião, na vigência do Código de Processo Civil revogado, não está na resistência à pretensão autoral (ou seja, na existência de lide propriamente dita, muito embora esta possa, de fato, existir), mas na própria natureza do direito postulado. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.632.509-8, de Toledo, 1ª Vara Cível e da Fazenda Pública, em que figuram como Apelantes Antonio Espontão Gamelo e Luci Gazolla Gamelo e como Apelado Banco Itaú S/A.
Antonio Espontão Gamelo e Outra ajuizaram a presente Ação de Usucapião1, autuada sob nº 0008518- 45.2014.8.16.0170 em face de Banco Itaú S/A tendo por objeto "01 (um) lote urbano nº 10 da quadra 15, com área de 600,00 m² (seiscentos metros quadrados), nº 500, situado no Loteamento Central da cidade de São Pedro do Iguaçu (na época pertencente ao Município de Toledo)".
Sustentam que vêm mantendo a posse do bem de forma mansa e pacífica, com animus domini, pois adquiriram- no em 02 de janeiro de 2009 por meio de Contrato Particular de Compra e Venda que confere justo título à posse.
Alegam que adimpliram todo o valor acordado. Por quatro anos alugaram a casa, motivo pelo qual o IPTU permaneceu com o nome do ex-proprietário. Defendem que exercem a posse ad usucapionem há mais cinco anos.
Descreve que "a requerida vendeu originariamente referido imóvel à João Epifânio em 1985 (contrato anexo), que o vendeu a Severina Maria Santiago e João Maria Santiago em 1995 (contrato anexo), estes por sua vez venderam a Olga Maria da Conceição Epifânio (sem contrato, que o repassou através de permuta a João Baram Filho e Josiane Grazilio Baram em 2007 (contrato anexo), os quais o venderam para Claudemir Azevedo Neves e Sirlene Ferreira da Silva Azevedo Neves em 2008 (contrato anexo), que finalmente venderam para os
requerentes em 2009". Assim, conclui que somando o período dos anteriores possuidores, a posse é exercida há mais de 30 anos. Pede o reconhecimento da usucapião com fundamento no artigo 1.242 do Código Civil.
Os confinantes Cláudia Pereira de Souza, Zenaide Gibbert Moacir Cardoso, Eva Schuk e o Município de São Pedro do Iguaçu foram citados2.
O Município de São Pedro do Iguaçu informou não possuir interesse na demanda3. Houve publicação de edital para intimação de eventuais interessados4. O Estado do Paraná também manifestou a ausência de interesse na causa5, assim como a União6, que requereu a intimação do INCRA em razão do município se encontrar na faixa de fronteira.
Itaú Unibanco S/A se manifestou no feito7, informando que não se opõe ao pedido inicial, pois o contrato originário foi quitado, requerendo o afastamento de eventual condenação a título de sucumbência.
O Ministério Público deixou de intervir no feito8.
Foi realizada audiência de conciliação, instrução e julgamento, colhendo-se os depoimentos das testemunhas arroladas9.
Após a apresentação de alegações finais10, foi proferida sentença de improcedência11, sob o fundamento principal de
que não restou comprovada a posse pelo prazo necessário, pois não foi possível considerar a acessio possessionis no período anterior à 21/12/2007, porque não foi comprovada a aquisição do imóvel da senhora Olga Maria da Conceição Epifânio, ante a ausência de prova documental ou testemunhal suficiente para tal.
Condenou a parte Autora a pagar custas e honorários advocatícios ao procurador do Requerido no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Os embargos de declaração opostos foram parcialmente acolhidos12 apenas para se retificar a fundamentação, mantendo-se o resultado do julgamento.
Inconformados, os Requerentes apelaram13, pleiteando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso14, requerendo a reforma da sentença sob os fundamentos de que: a) que não foi colhido depoimento da testemunha Jonas, conforme restou reconhecido na decisão dos embargos de declaração; b) as testemunhas Marcos Pozzebon e Pedro Ferreira deixaram claro que a senhora Olga Epifânio era esposa do senhor João Epifânio, conforme comprovante de casamento anexo; c) a sentença ignorou este casamento, que foi o motivo pelo qual Olga vendeu o imóvel para João Baram, o que é suficiente para comprovar a posse por período superior a vinte anos.
Por tais razões, requer a reforma da sentença recorrida e a procedência da ação de usucapião.
Não foram apresentadas contrarrazões15.
É o relatório.
Presentes os requisitos de admissibilidade, de rigor o conhecimento do recurso.
Da usucapião ordinária
Os Recorrentes sustentam que restou comprovada a posse do imóvel por período superior a 20 anos e, portanto, deve ser reconhecida a usucapião. Defendem a aplicabilidade soma dos períodos de posse dos antecedentes.
A insurgência recursal prospera.
Pela análise da prova documental e testemunhal, verifica-se que a ordem da realização dos sucessivos contratos de compra e venda não se deu da maneira narrada pelos Apelantes. Contudo, apesar desta circunstância, a tese de acessão das posses comporta acolhimento.
Ao se manifestar nos autos, o Banco Itaú não se opôs ao pedido de usucapião na medida em que o contrato de compra e venda que realizou foi quitado. Juntou "Declaração de venda e cessão de direitos"16 e duas minutas de escritura pública de compra e
venda17. Embora não correspondam à efetiva escritura pública lavrada pelo tabelionato, na medida em que foram juntados pelo proprietário registral e são idênticas às juntadas pelos Autores, possuem credibilidade pois estavam em poder do antigo Banco Banestado (proprietário registral conforme certidão18).
A efetiva ordem sucessória dos contratos de compra e venda foi a seguinte:
1) Banco do Estado do Paraná S/A vendeu para Severina Maria Santiago os lotes nº 09 e 10 da quadra 15, ambos localizados na Rua Vitória19;
2) Severina Maria Santiago e seu marido João Maria Santiago, em 06 de junho de 1995, venderam o lote nº 10 (objeto da usucapião) para o senhor João Epifânio, autorizando o Banco do Estado do Paraná S/A a lhe outorgar a competente escritura definitiva de compra e venda20;
3) João Epifânio era casado com a senhora Olga Maria da Conceição Epifânio, conforme extrato21 juntado em apelação e confirmado pelo depoimento da testemunha Marcos
Pozzebon. João Epifânio faleceu. Por este motivo constou o nome da viúva Olga Maria da Conceição Epifânio ao transferir mediante contrato de permuta22 para João Baram Filho e Josiane Grazilio Baram o lote nº 10 em 21 de dezembro de 2007;
4) João Baram Filho e Josiane Grazilio Baram venderam o imóvel para Claudemir Azevedo Neves e Sirlene Ferreira da Silva Azevedo Neves em 24 de fevereiro de 200823;
5) Por fim, os Apelantes Antônio Espontão Gamelo e Luci Gazolla Gamelo compraram o imóvel de Claudemir Azevedo Neves e Sirlene Ferreira da Silva Azevedo Neves em 02 de janeiro de 200924.
A testemunha Pedro Ferreira de Andrade confirma esta sequência de negócios e o efetivo exercício da posse ao afirmar que "O seu Antonio [Apelante] mora desde 2009. Antes foi o Claudemir, antes o João Baram. Antes a Olga Epifânio. Antes o Antônio Carlos [filho da
Severina]". Laurindo Furlanetto afirma "primeiro morou o Antonio Carlos [...], depois João Baram, Claudemir Neves, passou várias pessoas
pela propriedade". Explica que Antônio (Apelante) mora no local há uns
3 ou 4 anos. O Claudemir morou por uns 2 anos.
Marcos Pozzebon conta que "se recorda do seu Claudemir, João Baram, o falecido seu João, já passou vários anteriores. O Claudemir morou um bom tempo. O João Baram morou uns 2 ou 3 anos. Quem mais morou no local foi o seu João, não recorda o tempo. A Olga é a esposa do
falecido senhor João, Epifânio o nome dele." Veja-se que a prova testemunhal coincide com a sequência de contratos realizados pelos possuidores do imóvel. O fato dos Autores terem alugado o imóvel, conforme descrito na inicial, não implica na perda posse, pois a exerciam na forma indireta. No caso dos autos, cabível a incidência da acessio possessionis prevista no artigo 1.243 do Código Civil que assim dispõe:
"Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé."
Comentando o artigo 1.207 do Código Civil JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA e FÁBIO CALDAS DE ARAÚJO25, explicam que:
"É lícito ao possuidor realizar a junção das posses, seja por ato inter vivos, ou causa mortis. A previsão está retratada não apenas no art. 1.207, mas também do 1.243, CC brasileiro. Há que ser diferenciada, contudo as formas de união da posse. Na sucessio possessionis, de acordo com o que já foi exposto, ocorre uma transmissão automática de direitos. O sucessor assume a posse com os mesmos vícios e qualidade originais. Na acessio possessionis, existe uma transmissão inter vivos da posse. Na acessio possessionis não existe junção automática das posses, tratando-se de transmissão inter vivos. A acessão é sempre facultativa. O dispositivo expressa claramente que a união de posses a título singular é uma facultas agendi. A escolha caberá ao possuidor atual, que deverá observar se há interesse em invocá-la. Se sua posse for de boa-fé e titulada, e a do alienante de má-fé, não obterá nenhuma vantagem na junção das posses, porque na junção das posses sempre prevalecerá a posse de menor qualidade."
Devidamente comprovado o preenchimento dos requisitos legais, a acessão de posses é aceita pela jurisprudência:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. REQUISITOS COMPROVADOS. D EMANDA PROCEDENTE. POSSE MANSA, PACÍFICA E CONTÍNUA POR PRAZO S UPERIOR A 20 ANOS COM A ACESSÃO À POSSE DO ANTECESSOR. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ADEQUADAMENTE FIXADOS. S ENTENÇA MANTIDA. RECURSO C ONHECIDO E N ÃO PROVIDO."26
"APELAÇÃO C ÍVEL - A ÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - AUTORA QUE ADQUIRE A POSSE DE IMÓVEL POR CESSÃO DE POSSE E DIREITOS POSSESSÓRIOS - INVOCAÇÃO DA ACESSÃO DE POSSES PARA APERFEIÇOAMENTO DO R EQUISITO T EMPO - CÓDIGO CIVIL DE 2002, ARTIGO 1.207 - C OMPROVAÇÃO QUE O POSSUIDOR ANTECEDENTE, APESAR DE DESPROVIDO DE TÍTULO INQUESTIONÁVEL, ESTEVE NA POSSE DO IMÓVEL POR T EMPO SUFICIENTE, ELE PRÓPRIO, À DECLARAÇÃO DE USUCAPIÃO DE LONGO TEMPO - ANÁLISE DE TÍTULOS QUE, ANTE A POSSE BASTANTE, É DESINFLUENTE PARA O RESULTADO DA DEMANDA. POR MAIORIA, CONDENA A RÉ AO PAGAMENTO DAS CUSTAS E HONORÁRIOS DO CURADOR ESPECIAL. R ECURSO CONHECIDO E PROVIDO."27
"APELAÇÃO C ÍVEL. A ÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DECLARADA, COM APROVEITAMENTO DE POSSE ANTERIOR. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PRESENTES. COMPROVAÇÃO DA PRESCRIÇÃO T EMPORAL. ARTIGOS 492, 496, 550 E 552, TODOS DO CÓDIGO CIVIL/16. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. - Ao tempo de posse dos autores, contigua à do transmitente, agrega-se o tempo de posse exercido pelos proprietários anteriores, ocorrendo a acessão da posse, nos termos dos artigos 492, 496, 550 e 552, todos do Código Civil de 1916, então vigente."28
A situação dos autos se subsume à hipótese prevista no artigo 1.242 do Código Civil, que prevê a modalidade do usucapião ordinário29, desde que presentes os requisitos legais: o prazo prescricional, o justo título a justificar a posse com animus domini, contínua e incontestadamente e a boa fé.
Consoante afirma a doutrina:
"Usucapião ordinária é a que exige posse continua e incontestada, durante certo lapso de tempo com justo título e boa-fé. Esses requisitos suplementares caracterizam-na porque, exigidos, o lapso de tempo é abreviado. (RA) A usucapião ordinária, por sua vez, recebeu alteração no diploma de 2002, visto que o prazo cogente reduziu-se para 10 anos quando o adquirente possuir justo título e boa-fé (RA)."30
No mesmo sentido:
"Encontra-se no mandamento em análise uma exigência especial: a presença de justo título. Considera-se como tal aquele que se mostra viável, em abstrato, para operar a transferência da propriedade, mas que padece de vício intrínseco capaz de impedir a produção do aludido efeito. Embora maculado pelo defeito, o título se apresenta com tamanha aparência de perfeição que tem o condão de tornar menos extenso o tempo de posse para fins de usucapião da coisa. Ao contrário do que preconiza uma das correntes de pensamento jurídico, justo título não é necessariamente aquele que está transcrito no registro imobiliário, pois, seria exagero impor tão rigoroso pressuposto como condição para considerar justa a titulação. Basta, para tanto, que cumpra as formalidades extrínsecas e demonstre as qualidades internas suficientes para, não fosse o vício que o padece, transferir o domínio. 3. Diante da construção do dispositivo em estudo, pode-se afirmar que os requisitos para a aquisição da propriedade imóvel por usucapião ordinário são os seguintes: a) posse pacífica durante 10 anos; b) que a posse seja contínua, isto é, não sofra interrupção ao longo de seu transcurso; c) que a posse não seja contestada, situação verificada sempre que o possuidor não for alvo de demandas procedentes em torno da posse exercida; d) existência de justo título, consoante salientado na nota anterior; e) boa-fé do possuidor, requisito que se preenche a partir do momento em que se tem a plena convicção de ser o dono ou de estar no exercício legítimo do direito."31
No caso, estão presentes todos os requisitos previstos no artigo 1.242 do Código Civil, confira-se:
- o decurso do prazo de 10 anos mediante a soma da posse dos antecessores desde 1995, com a posse de João Epifânio e Olga Maria da Conceição Epifânio, a partir de 2007 João Baram Filho e Josiane Grazilio Baram, a partir de 2008 Claudemir Azevedo Neves e Sirlene Ferreira da Silva Azevedo Neves e pelos próprios Apelantes a partir de 2009, e ainda levando-se em conta o ajuizamento da ação no ano de 2014;
- o justo título evidenciado pelos documentos acima mencionados no início da fundamentação, originários do próprio proprietário registral;
- a boa-fé, que é presumida quando a posse se dá mediante justo título, nos termos do parágrafo único do artigo 1.201 do Código Civil32 e que não foi objeto de questionamento nos autos;
- a posse mansa e pacífica pelos próprios Apelantes e seus antecessores, nos termos do artigo 1.243 do Código Civil33.
Necessário ainda esclarecer que, pelos documentos anexados aos autos, é possível realizar todo o encadeamento das compras e vendas realizadas e formalizadas por termos de cessão de direitos conforme descrito anteriormente
Neste sentido, precedentes desta Corte de Justiça:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA. JULGADA IMPROCEDENTE. [...] REQUISITOS DO ART. 1.242 DO C ÓDIGO CÍVIL. PREENCHIDOS. DEMONSTRADO O E XERCÍCIO DA POSSE CONTÍNUA E INCONTESTADAMENTE, COM JUSTO TÍTULO E BOA-FÉ, POR MAIS DE D EZ A NOS. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. PROCEDÊNCIA DO USUCAPIÃO ORDINÁRIO. S ENTENÇA R EFORMADA. Apelo parcialmente provido."34
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO C ÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA. IMPROCEDÊNCIA EM 1º GRAU. IMÓVEL URBANO. COMPROMISSO DE C OMPRA E V ENDA FIRMADO H Á MAIS 30 ANOS, QUITADO. T ÍTULO HÁBIL À USUCAPIÃO ORDINÁRIA. CÓDIGO CIVIL, ART. 1.242. POSSE MANSA, PÚBLICA, CONTÍNUA, COM JUSTO TÍTULO E BOA-FÉ, POR MAIS DE TRÊS DÉCADAS, SOBRE L OTE DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO E REGISTRADO. EVENTUAL POSSE OU DETENÇÃO, PELO PRESCRIBENTE, DE O UTRO IMÓVEL, AINDA QUE PÚBLICO E CONTÍGUO, NÃO IMPEDE A USUCAPIÃO DO LOTE DE DOMÍNIO PRIVADO, POR S EREM IMÓVEIS D ISTINTOS E N ÃO EXISTIR RESTRIÇÃO NO DIREITO POSITIVO. PRECEDENTES. RECURSO C ONHECIDO E PROVIDO."35
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA - EXTINÇÃO DO FEITO SEM R ESOLUÇÃO DO MÉRITO - A RT. 267, VI, DO CPC - INSURGÊNCIA - (I). PRELIMINAR [...] (II). R EQUISITOS D O ART. 1.242, DO CÓDIGO C IVIL - PREENCHIMENTO - EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS A EMBASAR A PRETENSÃO A QUISITIVA - PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL QUE D EMONSTRAM O JUSTO TÍTULO E O LAPSO TEMPORAL MAIS DO QUE S UFICIENTE PARA OS FINS ALMEJADOS NA MODALIDADE DECENIAL ORDINÁRIA - POSSE CINQUENTENÁRIA DOS AUTORES E ANTECESSORES - B OA-FÉ QUE SE EXTRAI DO PEDIDO DE OBTENÇÃO DE ÁREA A MENOR DAQUELA REGISTRADA POR TRANSCRIÇÃO E DA AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PELOS CONFRONTANTES OU A NTIGOS PROPRIETÁRIOS - PROTEÇÃO POSSESSÓRIA ESPECIAL A DMITIDA - PRECEDENTES E D OUTRINA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO."36 "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL (A RTIGO 269, I, DO CPC). 1. USUCAPIÃO ORDINÁRIA. PREENCHIMENTO DOS R EQUISITOS DO ART. 1.242, DO CC. POSSE MANSA E PACÍFICA POR MAIS DE 10 ANOS. A QUISIÇÃO ONEROSA. E XISTÊNCIA DE J USTO TÍTULO E BOA- FÉ. CADEIA POSSESSÓRIA COMPROVADA. SENTENÇA CORRETAMENTE LANÇADA E MANTIDA NESTA INSTÂNCIA R ECURSAL. 2. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO .3. MANUTENÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO Ô NUS DE S UCUMBÊNCIA. R ECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO."37 Desta forma, o recurso comporta provimento para reformar a sentença com a finalidade de se julgar procedente o pedido inicial e declarar a aquisição da propriedade pela via da usucapião do imóvel de matrículas 13.508 do Registro de Imóveis de Toledo referente ao Lote nº 10 da Quadra nº 15 situado no Loteamento Central da Cidade de São Pedro do Iguaçu, Comarca de Toledo38.
Da sucumbência
Não obstante o provimento do recurso, com a procedência do pedido de usucapião, esta circunstância não importa necessariamente a inversão da sucumbência.
O Requerido da ação, Itaú Unibanco S/A, sucessor do proprietário registral do imóvel, não se opôs à pretensão dos Autores, assim não deve ser condenado à sucumbência.
Com efeito, o processo de usucapião tem por finalidade regularizar, perante o registro imobiliário, a titularidade do domínio, revestindo-a de publicidade.
A imprescindibilidade do ajuizamento da ação de usucapião, na vigência do CPC revogado39, portanto, não está na resistência à pretensão autoral (ou seja, na existência de lide propriamente dita, muito embora esta possa, de fato, existir), mas na própria natureza do direito postulado.
YUSSEF SAID CAHALI enfatiza que nem sempre a distribuição dos ônus decorrentes da propositura da ação se pauta pelo princípio da sucumbência. Com efeito, existem situações que demandam, como no caso, a aplicação de princípio subsidiário, qual seja, o princípio do interesse. Confira-se:
"Ainda em função da insuficiência do princípio do sucumbimento, e, mesmo, da causalidade, como instrumento capaz de resolver todos os casos de responsabilidade pelas despesas do processo, a doutrina preconiza um princípio subsidiário diverso, que não aparece expresso em qualquer norma, mas que tem a sua aplicabilidade: o princípio do interesse, aplicado com variações. Pajardi, depois de apontar o princípio da causalidade como sendo aquele que não sofre limitações, divisa-lhe uma única exceção, constituída pelo processo necessário: a derrogação tem em vista o caso especialíssimo em que o processo é inevitável. No seu magistério, estamos frente não à normalidade da vida jurídica espontaneamente atuável por parte dos sujeitos, sem a necessidade, seja apenas teórica, de recorrer ao taglio chirurgico, representado pelo processo na sua função reparadora do direito violado, através da tutela in primis do sujeito lesado pela violação: por um obstáculo insuperável sem o processo, obstáculo que mesmo a vontade da parte, ainda que com intenção expressa de fazer atuar espontaneamente o direito objetivo, reconhecendo os recíprocos direitos e deveres, não tem condições de superar. Trata-se de processo, ou de categorias de processos nas quais, direta ou indiretamente, em maior ou menor medida, faz-se sentir o princípio da ordem pública. Não são destinados a tutelar de modo exclusivo o interesse privado, mas se destinam ao resguardo de interesse de fundo intensamente publicístico; em outros termos, é o ordenamento que, no interesse da sociedade, quer evitar que tais processos sejam completamente deixados à disponibilidade das partes, exceto, embora não sempre, quanto à liberdade de instaurá-los ou não."40
No presente caso, impõe-se a aplicação de tal princípio, especialmente no que tange às custas e demais despesas processuais, cujo pagamento decorreu da inafastabilidade do processo. Assim, os Requerentes devem arcar com as custas e despesas processuais, afastando-se apenas a condenação em honorários de sucumbência.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso de Apelação, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA, com voto, e dele participou o Senhor Desembargador TITO CAMPOS DE PAULA.
Curitiba, 26 de abril de 2017.
ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN Desembargadora Relatora
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1 Mov. 1.1.
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2 Mov. 35.1.
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3 Mov. 37.1. 4 Mov. 42.1 e 42.2. 5 Mov. 47.1. 6 Mov. 48.1. 7 Mov. 52.1. 8 Mov. 62.1. 9 Mov. 101.1. 10 Mov. 102.1 e 106.1. 11 Mov. 115.1.
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12 Mov. 131.1. 13 Mov. 138.3 14 Mov. 138.4.
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15 Mov. 154.0.
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16 Mov. 52.4. 17 Mov. 52.5 e 52.6. 18 Mov. 1.6. 19 Conforme minuta de escritura de compra e venda (mov. 52.6). 20Conforme "Declaração de venda e cessão de direitos" (mov. 52.4) e minuta de escritura pública (mov. 52.5). 21 Mov. 138.5.
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22 Mov. 1.13. 23 Contrato de compra e venda (mov. 1.14). 24 Contrato de compra e venda (mov. 1.15).
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25MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Código Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 746-747.
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26TJPR - 18ª C.Cível - AC - 977856-9 - Terra Boa - Rel.: Marco Antonio Antoniassi - Unânime - J. 19.06.2013. 27 TJPR - 18ª C.Cível - AC - 882463-5 - Paranavaí - Rel.: Luis Espíndola - Unânime - J. 19.06.2013. 28 TJPR - 17ª C.Cível - AC - 683042-6 - Curitiba - Rel.: Stewalt Camargo Filho - Unânime - J. 22.09.2010.
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29Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. 30 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 185.
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31 MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. São Paulo: LTr, 2013, p. 782. 32Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.
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33 Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé. 34 TJPR - 18ª C.Cível - AC - 1496401-7 - Araucária - Rel.: Pericles Bellusci de Batista Pereira - Unânime - J. 24.08.2016. 35 TJPR - 18ª C.Cível - AC - 1429680-9 - Toledo - Rel.: Luis Espíndola - Unânime - J. 17.08.2016.
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36TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1390359-2 - Campo Largo - Rel.: Fabian Schweitzer - Por maioria - J. 09.12.2015. 37 TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1342002-1 - Pitanga - Rel.: Luis Sérgio Swiech - Unânime - J. 19.08.2015. 38 Conforme certidão de mov. 1.6.
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39Tendo em vista a instituição pelo CPC/2015 do procedimento de usucapião extrajudicial, por seu artigo 1.071, inexistente no regime anterior.
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40 "Honorários Advocatícios", 3ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, pp. 44/45.
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