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Acórdão
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Certificado digitalmente por: LAERTES FERREIRA GOMES HABEAS CORPUS Nº 1.668.102-2, DO FORO REGIONAL DE PIRAQUARA DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA VARA CRIMINAL IMPETRANTES: MARA CATARINA MESQUITA LOPES LEITE E OUTROS (ADVOGADOS) PACIENTES: ENIO CARLOS GRECA e LUIZ EDUARDO GRECA RELATOR: DES. LAERTES FERREIRA GOMES HABEAS CORPUS. CRI ME CO NT RA A FLORA. ART IGO 38 DA LEI 9.60 5/98. REC EBIMENTO DA EXORDI AL AC USATÓRIA. ARGUMENTAÇÃO DE I NÉPCI A DA DENÚNCI A. VIABILID ADE. F AT OS NARR ADO S QUE NÃO INDIVIDUALIZ AM QUAISQUER COND UTAS CO NCR ET AS PRAT ICADAS PELOS SÓCIOS DA PESSOA J URÍ DICA, SEQUER IND ICA QUEM EXERCIA A ADMINI ST RAÇÃO DA EMPRESA. I NEXIST ÊNCI A D E I NDI C AÇÃO DE INDÍCIO S MÍ NI MOS DE LI AME SUBJET IVO. CO NDIÇÃO DE SÓCIO S QUE NÃO REDUNDA NA AUT OMAT ICA RESPONSABI LIZAÇÃO PENAL. CONSTRANGI MENT O ILEGAL CO NFIG UR AD O. ORDEM CONCEDI DA PARA DET ERMI NAR O T RANC AMENT O DA AÇ ÃO PENAL. I - Não se pode presumir a responsabilidade criminal daquele que, por simplesmente se achar no contrato social de uma sociedade empresária, somente por revestir-se desta condição, tenha sido denunciado por crime ambiental praticado pela empresa que constituiu. É necessário constar na denúncia, ainda que de forma breve e suscita, o necessário liame subjetivo mínimo da atuação dos sócios, como administradores ou diretores da empresa denunciada, no que teriam eles contribuíram ao menos em tese para a prática do delito ambiental perpetrado, o que no caso, não se demonstrou ter ocorrido. II - Reporte-se que segunda operosa jurisprudência das Cortes superiores, a descrição das condutas dos acusados na denúncia nos denominados crimes societários não necessita cumprir todos os rigores do art. 41 do CPP, devendo-se, por certo, firmar nas particularidades da atividade coletiva da sociedade empresaria, o que contudo não desobriga que a peça acusatória especifique, ao menos com o mínimo de elementos, sucintamente, os fatos concretos que fazem com que os sócios sejam responsabilizados pela conduta das sociedades, de modo a possibilitar o pleno exercício da ampla defesa. Assim, o fato é que no caso a denúncia apesar de ter individualizado a conduta praticada pela sociedade empresária, não delineou com exatidão a atuação dos dois sócios da Construtora Itaú LTDA na prática dos crimes ambientais, ora pacientes, olvidando-se até mesmo de especificar qual dos sócios, se um apenas ou outro, possui segundo contrato social a incumbência de administração da sociedade empresária, motivo pelo qual deve ser trancada a ação penal por inépcia da inicial, sem prejuízo de que outra denúncia seja ofertada pelo órgão ministerial. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Crime nº. 1.668.102-2, do Foro Regional de Piraquara da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Vara Criminal, em que são impetrantes MARA CATARINA MESQUITA LOPES LEITE E OUTROS (ADVOGADOS) e pacientes ENIO CARLOS GRECA e LUIZ EDUARDO GRECA. I Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado por MARA CATARINA MESQUITA LOPES LEITE, GUILHERME BRENNER LUCCHESI, LUCIANA PEDROSO XAVIER e WILLIAM SOARES PUGLIESE (ADVOGADOS) em favor de ENIO CARLOS GRECA e LUIZ
EDUARDO GRECA, em razão de constrangimento ilegal perpetrado pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal do Foro Regional de Piraquara da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, contra a decisão que recebeu a denúncia em desfavor dos pacientes. Sustentaram, em síntese, que a denúncia em relação aos pacientes narram que eles, na condição de sócios da empresa Construtora Itaú Ltda., teriam conscientemente, sem autorização do órgão ambiental competente, danificado vegetação nativa, mediante desmatamento mecanizado, provocado o corte de árvores e outras vegetações naturais, incorrendo na destruição de 0,0556 hectares de área de vegetação de preservação permanente (área adjacente ao leito de rio). Afirmou que houve aplicação de multa pecuniária pelo órgão fiscalizatório a qual já foi paga, e que não poderia ter sido recebida a denúncia, nem indeferido o pedido de absolvição sumária dos acusados. Que a denúncia é flagrantemente inepta, não descreve com acuidade as condutas dos denunciados, não indica qualquer contribuição causal de cada um dos envolvidos, sendo flagrante a falta de justa causa. Houve inobservância do artigo 41do CPP; que não fora oportunizado SURSIS processual ao paciente Luiz pelo simples fato de ele estar respondendo a outro processo, no qual sequer foi ainda citado. Que há nulidade na decisão que não absolveu sumariamente os acusados por ausência de fundamentação, pois afirmou que a imputação foi individualizada quando não foi. Não houve demonstração da conduta dos acusados, não podendo ser admitida hipótese de responsabilidade pena objetiva. Que o fato narrado foi supostamente praticado pela Construtora Itaú, não tendo qualquer relação com os pacientes. Requerem ao final o trancamento da ação penal nº 0003238-21.2011.8.16.0034 em sede liminar, com a confirmação da ordem em definitivo pelo colegiado (fls. 04/28). A liminar foi deferida às fls. 393/397.
A douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer no sentido de concessão da ordem, a fim de ser trancada a ação penal (fls. 407/414). É o relatório. Presentes os requisitos legais de admissibilidade o presente writ merece ser conhecido. Compulsando o caderno processual, constata-se que o Ministério Público do Estado do Paraná, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia em face de ENIO CARLOS GRECA e LUIZ EDUARDO GRECA, em razão da prática, em tese, de crime ambiental, tipificado no artigo 38, caput, da Lei nº 9.605/98, conforme os fatos narrados na peça acusatória encartada na ação penal nº 0003238-21.2011.8.16.0034, cujo teor foi este:
"No dia 12. de maio de 2009, em horário não determinado nos autos, na localidade conhecida como Medianeira, neste Município e Foro Regional de Piraquara/PR, os denunciados LUIZ EDUARDO GRECA e ENIO CARLOS GRECA, sócios da empresa CONSTRUTORA ITAÚ LTDA, conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, em comunhão de esforços e vontades, sem autorização do órgão ambiental competente, danificou vegetação nativa, mediante desmatamento mecanizado provocando o corte e árvores e outras vegetações naturais, de uma área de 0,0556 hectares, área esta considerada de preservação permanente -- APP, eis que próxima às margens do Rio Piraquara, com infringência das normas de proteção, conforme oficio n° 237/2014 de fls. 05/06 (não numeradas), Relatório de Vistoria Ambiental de fls. 07 (não numerada), Auto de Infração de fls. 09 e de fia 22/23, Relatório de Fiscalização de fls. 19/20, fotografias de fls. 21." Os impetrantes defendem a tese de que muito embora a exordial acusatória tenha sido recebida, não há justa causa para deflagrar a persecução penal, dada a inépcia da acusatória, na medida em que os pacientes, apenas figuram como sócios das empresas, e não foi narrado absolutamente nenhum liame capaz de delinear atuação concreta na participação da conduta capitulada, pretendendo, assim, o trancamento da ação penal.
Pois bem. A argumentação apresentada se mostra consistente e merece ser acolhida. Como é cediço, o habeas corpus é um remédio constitucional de rito célere, não admitindo dilação probatória, haja vista que a prova deve ser pré-constituída, ou seja, as alegações deduzidas no mandamus precisam ser comprovadas de plano. Assim, o trancamento da ação penal é medida de natureza excepcional, a ser concedida somente nos casos em que houver comprovação imediata e cabal de que a conduta praticada é atípica, de que existe causa de extinção da punibilidade, ou ainda da inexistência de indícios suficientes de autoria ou prova da materialidade do crime, sem que para tanto seja necessária a emissão de juízo de valor a respeito do conjunto fático-probatório. Na hipótese dos autos, constata-se, consoante bem ponderado pelo escorreito parecer ministerial, que os pacientes estão sendo processados unicamente pelo fato de figurarem como sócios da empresa Construtora Itaú Ltda, não tendo sido delineado nenhum liame concreto capaz de indicar qualquer atuação concreta dos pacientes, sendo vedado pelo ordenamento a responsabilidade penal objetiva. Verifica-se que apesar de as denúncias criminais nos crimes societários não necessitarem delinear com estrita observância os elementos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, no caso em concreto, tendo sido imputada a prática aos pacientes, em tese, dos crimes de destruição de vegetação pertencente a área de preservação permanente, previsto no artigo 38-A da Lei 9.605/98, e de danificar floresta considerada de preservação permanente, tipificado no artigo 38 da mesma legislação, seria necessário que descrevesse com mais exatidão o modo e a maneira como que os sócios poderiam ser responsáveis pela administração ou gerência da sociedade empresária que praticou a conduta
vedada, circunstância que, de fato, se não impede ao menos dificulta, o pleno exercício da defesa em juízo na amplitude que lhe é garantida pela Carta Magna. Conforme bem reportado pelo parecer ministerial, "é de fácil percepção que a denúncia oferecida ficou aquém do mínimo exigido para sua validade, faltando-lhe indispensáveis requisitos, na medida em que, na exposição narrativa e demonstrativa do fato não se apontou qual fora a participação dos pacientes no delito indicado, não se explicou como teriam praticado a ação referente ao desmatamento mecanizado que provocou o corte de árvores e outras vegetações naturais, como por exemplo, se foram eles mesmos que promoveram a seus empregados que assim procedessem, ou se encomendaram tal corte". Na realidade, ainda na esteira do escorreito parecer, a denúncia não expôs como se sucedera o suposto fato criminoso e, portanto, não ofereceu substrato bastante para a persecução penal, sem prejuízo de restarem ausentes os elementos objetivos e subjetivos do tipo, ensejando dificuldades ao pleno exercício da defesa. Reporte-se que segunda operosa jurisprudência das Cortes superiores, a descrição das condutas dos acusados na denúncia nos denominados crimes societários não necessita cumprir todos os rigores do art. 41 do CPP, devendo-se, por certo, firmar nas particularidades da atividade coletiva da sociedade empresaria, o que contudo não desobriga que a peça acusatória especifique, ao menos com o mínimo de elementos, sucintamente, os fatos concretos que fazem com que os sócios sejam responsabilizados pela conduta das sociedades, de modo a possibilitar o pleno exercício da ampla defesa. Assim, o fato é que in casu a denúncia apesar de ter individualizado a conduta praticada pela sociedade empresária, não delineou com exatidão a atuação dos dois sócios da Construtora Itaú LTDA na prática dos crimes ambientais, ora pacientes, olvidando-se até mesmo de especificar qual dos sócios,
se um apenas ou outro, possui segundo contrato social a incumbência de administração da sociedade empresária. Ressalte-se que, de fato, há precedentes nas Cortes superiores no sentido de ser inepta a denúncia que não descreve a conduta criminosa praticada pela pessoa física, mencionando apenas sua condição de sócio de empresa, notadamente quando deixa de tecer os necessários delineamentos para compreendê-lo como o efetivo responsável pela atividade que culminou na suposta prática dos delitos contra o meio ambiente. E repita-se da inicial não consta efetivamente qual dos sócios assumiu a função de administrador da sociedade, ou de que forma teriam eles deliberado pela prática da conduta imputada à sociedade, somente assim podendo-se presumir sua incisiva cooperação na deliberação da prática da conduta narrada na inicial. Portanto, tem-se que não se pode presumir a responsabilidade criminal daquele que, por simplesmente se achar no contrato social de uma sociedade empresária, somente por revestir-se desta condição, sendo necessário constar na denúncia, ainda que de forma breve e suscita, o necessário delineamento da atuação dos sócios, como administradores ou diretores da empresa denunciada, no que teriam eles contribuíram ao menos em tese para a prática do delito ambiental perpetrado, o que no caso, não se demonstrou ter ocorrido. A jurisprudência das Cortes superiores não destoa:
"PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. SUPOSTOS CRIMES CONTRA A FLORA E CONTRA A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL (ARTS. 46, 68 E 69 DA LEI 9.605/1998 E 180, 288, 299 E 304 DO CP). INDÍCIOS DE AUTORIA EM RELAÇÃO À PESSOA JURÍDICA QUE NÃO PODEM SER ATRIBUÍDOS AUTOMATICAMENTE AOS SEUS SÓCIOS.(...) RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO, PEDIDO DE EXTENSÃO NÃO CONHECIDO E AGRAVO REGIMENTAL MINISTERIAL NÃO CONHECIDO. 1. O art. 225, § 3º, da CF/88, ao prever a possibilidade de responsabilização penal de pessoas jurídicas (As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados), absolutamente não instaurou regime de responsabilidade penal objetiva dos seus sócios. 2. A responsabilidade penal da pessoa jurídica não representa, automaticamente, a de seus sócios, sob pena de se ver esvaziada a regra básica e civilizatória da intranscendência subjetiva das sanções. Por conseguinte, não se deve admitir que os "indícios" de autoria da pessoa jurídica redundem na prisão processual de seu sócio, sem que em relação a ele haja, igualmente, "indícios" de autoria em relação aos delitos investigados. 3. (...) (STJ, RHC 71.923/PA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 26/09/2016)
PROCESSUAL PENAL. CRIME SOCIETÁRIO. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO GENÉRICA. LIAME SUBJETIVO. INEXISTÊNCIA. INÉPCIA. OCORRÊNCIA. 1 - Não obstante o entendimento desta Corte, no sentido de tolerar, nos crimes societários, descrição genérica da conduta dos envolvidos, há de ser demonstrado um mínimo de liame subjetivo, sob pena de apresentar-se inepta a denúncia, como ocorre, in casu, onde a única constatação que liga os pacientes aos fatos delituosos é a condição de proprietários (os quatro primeiros) e gerente (o último) do estabelecimento comercial. Precedente desta Corte. 2 - Recurso provido. (STJ, RHC 11.611/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2001, DJ 04/02/2002, p. 550)
HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA PARCIAIS. OCORRÊNCIA. 1. A denúncia que, em parte, sobre desatender o artigo 41 do Código de Processo Penal, não descrevendo a conduta de cada qual dos denunciados, vem desacompanhada de um mínimo de prova que lhe assegure a viabilidade, autoriza e mesmo determina o julgamento de falta de justa causa para a ação penal. 2. Ordem parcialmente concedida. (STJ, HC 37.695/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 12/04/2005, DJ 26/09/2005, p. 464)
Dentro desse contexto, constata-se de forma cristalina a inépcia da inicial acusatória, não podendo permitir a instauração de processo penal por conduta genérica, eis que prejudicada o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.
Diante do exposto, configurado o constrangimento ilegal ante a inépcia da inicial acusatória, dessumindo-se a impropriedade de deflagração da persecução penal, vota-se no sentido de conceder a ordem, para determinar o trancamento da Ação Penal autuada sob nº 0003238-21.2011.8.16.0034, sem prejuízo para que nova denúncia seja ofertada. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conceder a ordem, para determinar o trancamento da ação penal, nos termos do voto. Acompanharam o relator os Desembargadores Luís Carlos Xavier (Presidente) e José Mauricio Pinto de Almeida. Curitiba, 04 de maio de 2017. DES. LAERTES FERREIRA GOMES Relator LFG/rc
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