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Acórdão
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Certificado digitalmente por: PAULO EDISON DE MACEDO PACHECO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.597.066-4 JUÍZO ÚNICO DA COMARCA DE SANTA MARIANA RECORRENTE: ELIZABETE DO CARMO RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: MACEDO PACHECO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL, SOB A ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. DOLO HOMICIDA NÃO EVIDENCIADO MESMO QUE POR INDÍCIOS. DESCLASSIFICAÇÃO QUE SE IMPÕE. EXTENSÃO AO CORRÉU. EXEGESE DO ARTIGO 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 1.597.066-4, do Juízo Único da Comarca de Santa Mariana, em que é recorrente Elizabete do Carmo e recorrido o Ministério Público do Estado do Paraná.
O Ministério Público do Estado do Paraná, por meio de seu representante, denunciou ELIZABETE DO CARMO e SIDNEI DA SILVA como incursos nas sanções do art. 121, caput, c.c art. 14, inc. II, do Código Penal e art. 148, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
"FATO 1 No dia 14/12/2010, por volta das 17h00min, na residência situada na Rua Mario Francisco de Almeida, nº 56, Distrito
Panema, neste Município e Comarca de Santa Mariana, Estado do Paraná, os denunciados SIDNEI DA SILVA e ELIZABETE DO CARMO, com consciência e vontade, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, mancomunados entre si, um aderindo à conduta delituosa do outro, imbuídos de `animus necandi' e munidos com 02 (duas) facas de cozinha e 01 (um) facão para uso de corte de cana (cf. auto de exibição e apreensão de fl. 14) atacaram a vítima CLAUDINEI DA SILVA (irmão do primeiro denunciado), desferindo-lhe golpes com as mencionadas armas. Os denunciados somente não lograram êxito em matar a vítima porque esta pegou uma cadeira e a usou para se defender e fugir, saindo ileso do local, circunstâncias estas alheias à vontade daqueles. FATO 2 Logo após os fatos acima narrados, na mesma data, os denunciados SIDNEI DA SILVA e ELIZABETE DO CARMO retornaram à residência situada na Rua Mario Francisco de Almeida, nº 56, Distrito Panema, neste Município e Comarca de Santa Mariana, Estado do Paraná, e, com consciência e vontade, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, mancomunados entre si, um aderindo à conduta delituosa do outro, mediante grave ameaça, consistente em apontar para a vítima DIVINA APARECIDA DOS SANTOS ANDRADE 02 (duas) facas de cozinha e 01 (um) facão para uso no corte de cana (cf. auto de exibição e apreensão de fl. 14), privaram esta de sua liberdade, mediante sequestro, mantendo-a como refém, sob a exigência de que o marido desta (CLAUDINEI DA SILVA) retornasse ao local."
A denúncia foi recebida em 31.12.2010 (pág. 55) e, após regular tramitação do feito, sobreveio decisão que pronunciou os acusados como incursos nas sanções do art. 121, caput, c.c art. 14, inc. II, e art. 29, (1º fato) e art. 148, caput, (2º fato), c.c art. 29, todos do Código Penal, na forma do art. 69, da referida Lei (pág. 154/176). Devidamente intimados, apenas a ré Elizabete do Carmo recorreu da decisão. Nas razões, a defesa da acusada pretende a desclassificação do delito de tentativa de homicídio para o delito de lesão corporal, aduzindo que ela não agiu imbuída de animus necandi (pág. 258/260). A Dra. Promotora de Justiça apresentou as contrarrazões, pleiteando o desprovimento da insurgência recursal (pág. 273/288) e a decisão foi mantida em sede de juízo de retratação (pág. 292). Nesta instância, a Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo zeloso e culto Procurador de Justiça, Dr. CARLOS ALBERTO BAPTISTA, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, com a exclusão, de ofício, da menção aos art. 29 e art. 69, ambos do Código Penal, na decisão de pronúncia (fls. 321/334). É o relatório. A defesa da acusada pretende a desclassificação da conduta atribuída à ré, para o delito de lesão corporal, aduzindo que não agiu imbuída de animus necandi. Inicialmente, importante esclarecer que as decisões de pronúncia são revestidas do simples juízo de probabilidade, competindo ao magistrado verificar apenas a viabilidade da acusação a partir da constatação
da materialidade do crime e de indícios de autoria, atendo-se ao caráter declaratório de admissibilidade, que vigora nesta fase processual. No caso dos autos, a materialidade restou consubstanciada através do boletim de ocorrência (pág. 28/35), termos de representação (pág. 19/20) e auto de exibição e apreensão (pág. 27). Existem, também, indícios de autoria, cingindo-se a controvérsia, quanto à intenção da acusada no intento tido como criminoso. Assim, necessário se faz a análise da prova testemunhal. A vítima Claudinei da Silva, irmão do acusado Sidnei, relatou em juízo que: "Que tinha boa relação com seu irmão; que acredita que o motivo da briga é porque seu pai que morava com o seu irmão Sidnei ajudava na casa; que os réus ganhavam bem menos que seu pai; que na primeira vez que Elizabete foi até a casa do depoente esta deu mais ou menos três voltas na varanda apontando a faca para o depoente; que nesse período seu irmão estava do lado de fora do portão; que acredita que se sua cunhada tivesse chance o teria matado; que foi somente por conta de Elizabete as ameaças com a faca na mão; que não pode dizer que seu irmão teria uma participação nessa situação; que o depoente pediu a que seu irmão tirasse a sua mulher daqui (sic), o qual foi prontamente e tirou; Que eles saíram da casa devagar conversando em tom baixo; (...) que na primeira situação era uma faca de cozinha grande de cortar carne; que depois que chamou a polícia demorou mais ou menos vinte minutos para voltar em casa e neste momento escutou o povo comentando que estava acontecendo alguma coisa na casa de Claudinei, ou seja, do depoente; Que no momento em que sua esposa ficou trancada dentro da casa com seu irmão e sua cunhada, estes não disseram que queriam matá-los, somente disseram que queriam o depoente; que o depoente acredita realmente que na data Elizabete
queria e se pudesse teria o matado; que acredita que seu irmão caso saia da cadeia não venha a ameaça-lo novamente; (...) que acredita que eles poderiam inclusive ter agredido, espancado sua esposa, mas não matado, porque ele entende que eles queriam era matá-lo; que sua esposa contou que ficou sentada na cozinha enquanto cada um dos acusados carregava a faca; que uma das facas era por eles trazida e a outra eles encontraram na casa do depoente; que após a primeira briga o casal foi a casa do pai do depoente e pegaram o facão de cortar cana do mesmo antes de retornarem a casa do depoente; que acredita que na segunda vez ao menos os acusados foram na sua casa para matá-lo; que ficaram com muito medo que até hoje continuam com muito medo; que Elizabete está solta e não fez nenhum tipo de ameaça a eles, apenas o olhou "por baixo" meio brava; (...); Que na primeira vez que Elizabete agrediu o depoente ela falava que "agora você me paga" empunhando uma faca apontando ao depoente; que disse também "agora seu pai mora com você então", isso enquanto ela ainda estava apontando a faca para o depoente; que esclarece que sempre ajudou seu irmão financeiramente; Que acredita que o réu entrou no embalo da ré, ou seja, somente fez o que fez porque foi influenciado por ela; (...)". (pag. 90/91). Divina Aparecida dos Santos relatou em juízo que: "(...) a briga ocorreu porque seu marido aconselhou o pai dele e do réu Sidnei a não morar mais com o casal acusado; que devido a isso os réus ficaram excessivamente bravos, talvez porque o dinheiro de seu sogro era importante para o sustento do casal; que não acha que o motivo para o casal ficar tão irritado com a saída de seu sogro foi afeto dos réus pelo pai de Sidnei e Claudinei; que o sogro narrou a ela que o casal tirava dinheiro dele quando este morava na casa dos acusados; que o sogro trabalha na roça e com isso tem uma renda diária; que lembra do dia em que ocorreu os fatos imputados aos réus que os réus adentraram a sua casa atrás de Claudinei; que Elizabete, no portão, já levantou a faca em direção a Claudinei; que Elizabete chegou munida de uma faca de cozinha grande de
cortar carne claramente com a intenção de agredir seu esposo; que Claudinei foi esquivando-se andando para traz e Elizabete sempre apontando a referida faca até que ele conseguiu pegar uma cadeira e salvar-se do ataque; que toda essa situação ocorreu na área da casa da depoente; que Sidnei depois que Claudinei gritou por ajuda catou sua esposa e levou-a embora, que depois Claudinei saiu a procura de um telefone para chamar a polícia; que neste interstício o casal réu retornou a casa da depoente atrás de seu marido Claudinei trazendo consigo a mesma faca de cozinha e um facão de cortar cana; que para Elizabete entrar na casa desferiu vários chutes na porta vindo a arrombar a porta e que a fechadura ficou danificada e teve que ser consertada, ou melhor toda a porta teve que ser trocada; que o casal ficou procurando Claudinei em casa e como não acharam quedaram-se com a Divina na cozinha com as armas na mão; que a depoente permaneceu com o casal nessa situação por mais ou menos 30 minutos até que um dos seus vizinhos abriu a porta e expulsou o casal da casa da vítima; que a vítima não conseguiu conversar com os réus enquanto eles estavam a mantendo na cozinha, porque estava com muito medo; que desde os fatos nunca foi procurada nem ameaçada pela acusada que encontra-se solta; que a faca que o casal trouxe é a de cabo de madeira, a de cabo branco foi a que a acusada pegou de dentro da gaveta da pia; que sentiu mais medo de Elizabete, pois a que invadiu primeiro e apontando a arma para a vítima; (...)" (pág. 88/89). O policial militar Domingos Henrique Assunção esclareceu, em juízo, que: "A primeira situação ocorreu na casa de dona Divina e do Claudinei quando apareceu Sidnei e Elizabete e iniciou uma briga; que Claudinei e Sidnei são irmãos; que nesta briga Elizabete levantou uma faca ameaçando Claudinei, o qual defendeu-se com uma cadeira, por isso saiu ileso da tentativa de homicídio; que após o ocorrido os acusados foram embora; que logo depois foi chamado pelo número 190 a polícia que neste instante deslocou-se até a residência da vítima; que durante o transporte dos policiais até a casa da vítima ocorreu nova situação entre a vítima Divina e o casal réu; que quando chegou
ao local conversou com a senhora Divina a qual disse que teria acontecido uma briga e que os agressores evadiram-se do local; que os dois instrumentos foram trazidos pelos acusados a casa da vítima; que a vítima narrou a ele que foi presa e trancada na cozinha com os acusados que seguravam uma faca e um facão, mas não sabe dizer se os acusados apontavam as armas para a vítima ou se somente seguravam as mesas de forma ostensiva; que o objetivo dos acusados era esperar que Claudinei chegasse a residência, entretanto um vizinho invadiu a casa para ajudar os moradores fazendo com que os acusados fugissem do local deixando as armas brancas; que o depoente prendeu em flagrante o acusado de fronte a casa da vítima poucos minutos depois do acontecido; que o depoente estava sozinho e não pode sair no encalço de Elizabete; que desconhece se na primeira situação o casal foi armado até a casa da vítima ou se utilizou de uma faca lá existente, entretanto na segunda situação as vítimas informaram que os réus entraram na casa de Dona Divina já armados com um facão e uma faca, além de utilizar-se de uma terceira faca encontrada na residência; (...)." (pág. 64) A testemunha Rogério Pinheiro de Lima relatou em juízo que: "(...) é vizinho de Divina; que no dia dos fatos, os réus já estavam dentro da casa, sendo que sua esposa disse que "corre porque o Paraguainho e a Bete estão dentro da casa de Claudinei com faca querendo matar eles"; que o depoente saiu correndo e chegou lá e os portões estavam trancados, e que teve que pular o portão e encontrou um facão de cortar cana que estava jogado na área da casa perto da porta de entrada que dá acesso a cozinha; que nesta hora olhou pela fresta da porta e viu que a vítima Divina estava sentada em uma cadeira com a cabeça abaixada e percebeu que os acusados estavam perto dela munidos de faca; Que o sogro dela também estava na cozinha nesta ocasião; que o depoente decidiu invadir a casa tendo dado um chute na porta que já estava danificada; que foi em direção ao acusado Sidnei e desferiu-lhe um golpe com o facão no rosto e também o agrediu fisicamente com chutes; que também segurou a
acusada Elizabete e deu um chute nela para que saísse da casa; que Sidnei tentou se defender fazendo uso de sua faca, mas o facão com qual o depoente estava armado era maior; que haviam muitas pessoas próximas da casa na rua, na ocasião, e o depoente chegou a perguntar porque não tinham feito nada, ao que os vizinhos responderam que os acusados gritaram de dentro da casa que se os vizinhos tentassem alguma coisa, tal como invadir a casa, eles iriam matá- los; que com sua atitude o depoente conseguiu fazer com que os acusados se evadissem; que Paraguainho pulou o muro; que a acusada o depoente segurou por algum tempo, ocasião em que a acusada começou a se dizer inocente e dizer que Sidnei a havia obrigado a entrar armada na residência; que depois de algum tempo soltou a acusada porque achou que a Polícia não ia vir (sic); que a acusada então saiu correndo da residência; que chegou a saber através da própria vítima Claudinei, que um pouco antes no mesmo dia aconteceu uma briga envolvendo os acusados e as vítimas, ocasião em que Elizabete armada de faca teria tentado atingi-lo e ele se defendeu com uma cadeira; que segundo a vítima nesta ocasião apenas Elizabete tentou agredi-lo e Paraguainho veio a tirar Elizabete de cima de Claudinei depois que ele se defendeu com a cadeira; que o pai da vítima Claudinei se encontrava muito embriagado na ocasião e chegou a afirmar para o depoente que não se lembrava de nada do que havia ocorrido naquele dia; (...) que o depoente presenciou o momento em que o policial prendeu o acusado Sidnei, momento em que este confessou que entrou com ignorância na casa do irmão." (pág. 86/87). O corréu Sidnei da Silva narrou em fase extrajudicial que: "(...) em data de hoje, 14/12/2010, o seu irmão CLAUDINEI DA SILVA ofendeu a sua mulher ELIZABETE DO CARMO dizendo que ela era da zona, que o interrogado tinha tirado a sua mulher da zona, o interrogado se estressou com o irmão e muito nervoso foi tirar satisfação com o irmão e foi atrás dele armado com uma faca, foi até a casa dele, mas não tinha intenção de usar a faca contra seu irmão, foi armado com a faca só para amedronta-lo; seu irmão lhe deu um soco, ele
ficou mais nervoso, foi embora e depois voltou novamente na casa de seu irmão para conversar com ele, nessa hora estava um policial na casa e o prendeu. O interrogado afirma que estava sozinho e sua mulher não estava com ele em nenhum momento e que não ameaçou sua cunhada DIVINA e também não arrombou a casa para entrar e ameaçar DIVINA e esperar pelo seu irmão." (pág. 21/22). Em seu interrogatório judicial narrou que: "(...) o acusado sempre soube que Claudinei não gostava de sua mulher, pois ele já havia dito isto claramente, mas não sabe dizer o que o fez dirigir-se especificamente naquele dia até a sua residência para dizer isso; (...) que no dia do ocorrido o acusado, bastante nervoso com o que seu irmão lhe havia dito se dirigiu a um bar e bebeu bastante pinga; que bebeu apenas porque estava nervoso, não tendo intenção prévia de fazer nada contra seu irmão ou contra a vítima Divina; que bebeu e não se lembra de nada mais do que aconteceu naquele dia; que não lembra se foi até a casa do seu irmão; que não lembra se veio a se encontrar com sua mulher; que só lembra de ter acordado no outro dia na Delegacia de Polícia desta cidade; que o acusado tem problemas de "cabeça" e toma remédio controlado direto, não sabendo contudo qual o remédio que toma; (...)." (pág. 94/95). Por sua vez, a recorrente Elizabete do Carmo, ao ser ouvida em fase extrajudicial, narrou que: "(...) foi agredida moralmente pela pessoa de CLAUDINEI, seu cunhado, esse disse ao amásio dela, SIDNEI que ele tinha tirado a interrogada da Zona, o amásio e a interrogada ficaram furiosos com esse fato e foram tirar satisfação com o CLAUDINEI; Que foram até a casa de CLAUDINEI, onde começaram a discutirem (sic), o CLAUDINEI fugiu do local, pois a interrogada e o amásio SIDNEI armados de faca ameaçaram o CLAUDINEI que evadiu-se do local, a interrogada e o amásio entraram na casa de CLAUDINEI, onde estava a mulher dele, DIVINA, a interrogada e o amásio a fizeram sentar em uma cadeira e com a faca em punho disseram que era para
ela ficar quieta para o bem dela que eles iriam esperar pelo CLAUDINEI, que ficaram ali até ele voltar para acertarem as contas, pois eles não iam aceitar que eles a difamassem e ficasse por isso mesmo; Que ficaram ali esperando pelo CLAUDINEI, mas a DIVINA começou a gritar, foi quando o vizinho da DIVINA, ROGÉRIO entrou na casa e passou a distribuir pancadas para todo o lado, diante disso, a interrogada e o amásio saíram da casa, lá fora tinham outras pessoas que a pegaram e lhe bateram muito; (...)". (pág. 36/37). Em juízo relatou que: "(...) não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que a acusada não chegou a se encontrar com seu companheiro Sidnei aquele dia na casa das vítimas; que é verdadeiro que esteve na casa das vítimas naquele dia, mas foi apenas para procurar seu companheiro Sidnei que havia se embriagado; que chegou a ver seu companheiro Sidnei embriagado pois mora na mesma casa que ele; que Sidnei não chegou a dizer nada expressamente mas deu a entender que iria à casa de seu irmão, pois estava ofendido com o fato do seu irmão Claudinei ter dito para Sidnei que tinha tirado sua mulher Elizabete da "zona"; que esta ofensa ocorreu cerca de dois dias antes dos fatos; que quando foi até a casa das vítimas não estava armada de faca ou de facão, foi apenas procurar Sidnei; que não houve sequer briga ou troca de ofensas verbais; que se limitou quando viu que seu companheiro não estava na casa a ir embora da residência das vítimas sem nada a dizer; que não é verdadeiro que tenha ido uma segunda vez na casa e mantido a vítima Divina cativa no interior da residência fazendo o uso de arma; que se alguém disse que a acusada estava armada na ocasião mentiu; que o sogro da acusada morava com ela e com Sidnei e atualmente ainda moram na casa onde viviam, estando a acusada no dia de hoje na casa de sua mãe; que é verdadeiro que os acusados não gostaram do fato da vítima Claudinei ter influenciado seu sogro para que não morasse com eles entretanto nada fizeram a respeito disso; que se relaciona bem com seu sogro, mas faz dias que não fala com ele; que já chegou a conversar com seu sogro depois dos fatos, e já até dormiu na casa com ele; que
não sabe dizer se seu sogro estava na casa das vítimas quando a acusada esteve procurando por seu companheiro Sidnei; que seu sogro já não morava com a acusada e com Sidnei quando tudo ocorreu há cerca de uma semana; que tudo o que está na denúncia "para a acusada é mentira", não sabendo esclarecer porque a acusam de tantos fatos graves; que muitas pessoas não gostam da acusada; (...) que perguntado porque a acusada confessou os fatos na Polícia e agora apresenta outra versão, a acusada recusou-se a responder, reservando-se o direito de permanecer calada." (pág. 92/93). Assim, o conjunto probatório não aponta para a existência de crime doloso contra a vida, procedendo, portanto, o pleito defensivo de desclassificação da conduta. Isto porque, as provas coligidas aos autos não demonstram indícios de que a ré teria agido efetivamente com intenção homicida. Ao contrário, denota-se dos depoimentos, notadamente do relato prestado pelo policial militar Domingos Henrique Assunção, ao afirmar que lhe foi relatado que Elizabete teria investido contra os ofendidos, contudo não conseguiu atingir Claudinei, pois este defendeu-se com uma cadeira, e depois disso, decidiu deixar o local. Aliado a isso, depreende-se do relato da vítima Divina Aparecida dos Santos Andrade que Elizabete tentou agredir seu esposo Claudinei, até que este conseguiu pegar uma cadeira para se defender e, logo em seguida, Sidnei tirou Elizabete do local e ambos deixaram a residência, de forma que não há como se interpretar que a ré, ao efetuar, em tese, golpes de faca contra as vítimas, estava imbuída de animus necandi. A corroborar a ausência de provas acerca da intenção homicida na conduta imputada à recorrente, depreende-se que logo em seguida ao golpe,
em tese praticado contra a vítima, ela deixou a residência dos ofendidos, sem indicativos de que ela tenha realizado novas investidas. Sob esta ótica, o reconhecimento da ausência de dolo e consequente desclassificação do delito para lesões corporais é a medida que se impõe, restando inviabilizada a manutenção da pronúncia, eis que inexistem indicativos de que a acusada tenha agido com propósito homicida. Nesse sentido a jurisprudência desta 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná se apresenta: "RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, INC. V, C.C. ART. 14, INC. II, AMBOS DO CP, POR DUAS VEZES) E LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR (ART. 129, § 9.º, CP, POR DUAS VEZES). PRONÚNCIA. RECURSO DO RÉU. PLEITO DE DESPRONÚNCIA E ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. DESPRONÚNCIA QUANTO AO CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO DA VÍTIMA MARILÉIA. CRIME SEQUER DESCRITO NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ABSOLVIÇÃO QUANTO A UM CRIME DE LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO, DESCRITO NO FATO DA DENÚNCIA. LESÃO INSIGNIFICANTE. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DA VÍTIMA WILLIAN. INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE QUAISQUER INDICATIVOS, AINDA QUE MÍNIMOS, DA INTENÇÃO DE MATAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE -
1455648-4 - Colombo - Rel. Des. Miguel Kfouri Neto - Unânime - J. 03.03.2016). Dessa forma, não se pode deduzir das circunstâncias que a acusada agiu com animus necandi, mostrando-se inviável remeter a causa para julgamento pelo Tribunal do Júri, na medida em que o fato atribuído na denúncia não se configura como um dos crimes relacionados no art. 74, § 1º do Código de Processo Penal. Impõe-se, assim, a remessa dos autos ao Juízo a quo para os fins de direito. Esse entendimento é defendido por Fernando Capez (Curso de Processo Penal, 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 610): "(...) ao desclassificar o crime, o juiz não poderá dizer para qual delito desclassificou, uma vez que estaria invadindo a esfera de competência do juízo monocrático e proferindo pré-julgamento dos fatos. Deverá, então, limitar-se a dizer que não se trata de crime doloso contra a vida.". Registre-se, ainda, que o crime conexo também deverá ser apreciado pelo Juízo a quo. Sobre o tema: "PRONÚNCIA - HOMICÍDIO TENTADO E CORRUPÇÃO DE MENOR - MATERIALIDADE DO CRIME CONTRA A VIDA NÃO COMPROVADA - DESPRONÚNCIA DECRETADA - CRIME CONEXO - COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM (ART. 81, PARÁGRAFO ÚNICO, CPP) - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1441655-0 -
Guaratuba - Rel. Des.Telmo Cherem - Unânime - J. 17.12.2015). Por fim, impõe-se, com base no artigo 580 do Código de Processo Penal, entender os fundamentos e dispositivo deste julgado ao corréu SIDNEI DA SILVA. Neste sentido: "Recurso em Sentido Estrito Tentativa de homicídio Ausência de prova do animus necandi Desclassificação para lesão corporal Recurso provido parcialmente Extensão ao corréu Inteligência do artigo 580 do Código de Processo Penal." (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 651369-5 - Dois Vizinhos - Rel. Des. Campos Marques - Unânime - J. 13.05.2010). Por tais fundamentos, o voto é pelo provimento do recurso para desclassificar a imputação de tentativa de homicídio qualificado, remetendo a causa ao Juízo Único da Comarca de Santa Mariana (cf. estabelece o art. 419, Código de Processo Penal), para o respectivo julgamento, e, inclusive em relação ao delito conexo, com extensão ao corréu Sidnei da Silva. Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso para desclassificar a imputação de tentativa de homicídio qualificado, remetendo a causa ao Juízo Único da Comarca de Santa Mariana (art. 419, CPP), para o respectivo julgamento, e, inclusive em relação ao delito conexo, com extensão ao corréu Sidnei da Silva.
Participaram do Julgamento o Desembargador Antonio Loyola Vieira e Juiz Subst. 2º Grau Naor R. de Macedo Neto. Curitiba, 11 de maio de 2017.
Macedo Pacheco Relator
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