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Acórdão
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Certificado digitalmente por: FABIO HAICK DALLA VECCHIA
APELAÇÃO CÍVEL 1.623.806-3, DA 22.ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA APELANTE1: EDMAR ANDERSON LANES APELANTES2: DJAMMES KUNRATH E OUTRO APELANTES3: MUNIR ABAGGE E OUTRO APELADOS: APELANTES 1, 2 E 3 E VIRIDI VIAM HOME HOTEL LTDA.RELATOR: DES. DALLA VECCHIAEMENTAAPELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL.GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PEDIDO FORMULADO EM PRIMEIRO GRAU. NÃO ACOLHIMENTO.AUSÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA PARA SUPORTAR O PAGAMENTO DAS DESPESAS DO PROCESSO. INADIMPLEMENTO PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR. TEORIA DA ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO.PRETENSÃO AFASTADA. ARRAS CONFIRMATÓRIAS. DEVOLUÇÃO.IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA CUMULATIVA COM CLÁUSULA PENAL. RETENÇÃO DE 20% DOS VALORES PAGOS. PERCENTUAL QUE DEVE INCIDIR SOBRE A INTEGRALIDADE DA QUANTIA ADIMPLIDA. MULTA CONTRATUAL PARA PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AFASTADA. QUANTIA EXORBITANTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DESPESA.APELAÇÃO 1 CONHECIDA E NÃO PROVIDA.APELAÇÕES 2 E 3 CONHECIDAS E PARCIALMENTE PROVIDAS.1. Deve ser indeferido o pedido de justiça gratuita quando o postulante não demonstra a sua incapacidade financeira para suportar o pagamento das custas processuais sem prejuízo do próprio sustento. 2. A teoria do adimplemento substancial do contrato aplica-se aos casos em que o percentual devido é ínfimo se comparado ao valor integral do contrato. 3. Sendo meramente confirmatórias as arras dadas, devem ser restituídas ao comprador, quando o contrato prevê cláusula penal estipulando a retenção de parte dos valores por ele adimplidos. 4. Havendo o inadimplemento injustificado do comprador do imóvel, mostra-se razoável a retenção de 20% da integralidade dos valores pagos, a fim de compensar o alienante pelas despesas havidas no negócio. 5. Inaplicável a multa no percentual de 20% do valor integral do contrato, com o fim de pagamento de honorários advocatícios, sem a comprovação da respectiva despesa. 6.Apelação 1 conhecida e não provida. 7. Apelações 2 e 3 conhecidas e parcialmente providas.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível 1.623.806-3, oriundos da 22.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é apelante1 Edmar Anderson Lanes, apelantes2 Djammes Kunrath e outro e apelantes3 Munir Abagge e outro e apelados apelantes 1, 2 e 3 e Viridi Vaim Home Hotel LTDA..
RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto em face da sentença (mov.141.1), proferida nos autos 9171-69.2014.8.16.0001, a qual dispôs:
"Em face do exposto, EXTINGUINDO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO, nos termos do artigo 269, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para: (a) declarar rescindido o compromisso de compra e venda entabulado entre as partes pelo inadimplemento dos réus; (b) autorizar os autores MUNIR ABAGGE e MARILÚ HAUER DE OLIVEIRA ABAGGE a promoverem a retenção da importância equivalente a 20% dos valores adimplidos, sem prejuízo da perda, pelos réus, o valor da entrada.
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Tendo em vista a sucumbência parcial das partes, mas em proporções desiguais, condeno-as ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do proveito econômico imediato obtido com o presente julgamento (ou seja, valor da retenção autorizada e da entrada perdida), considerados o grau de zelo dos profissionais, a natureza da causa (pouco complexa) e o tempo exigido para a prestação dos serviços, nos moldes do art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil. Das verbas sucumbenciais, caberá aos autores que sucumbiram em menor parte de suas pretensões, o pagamento de 30% do valor, cabendo aos réus a satisfação dos 70% remanescentes, autorizada a compensação, nos termos do enunciado da Súmula nº 306 do STJ. Não comprovado pelos contestantes a sua hipossuficiência financeira, e considerando a força relativa da declaração de seq. 111.3, indefiro os benefícios da justiça gratuita por eles postulada."
Os embargos opostos pelas partes não foram acolhidos (movs. 156.1 e 182.1). O apelante Edmar Anderson Lanes alega que: a) o contrato deve ser mantido diante do pagamento substancial do valor pactuado; b) a multa fixada deve ser de 20% sobre o saldo remanescente e não sobre a quantia adimplida. Os recorrentes Estela e Djammes, por sua vez, sustentam que: a) fazem jus ao benefício da gratuidade da justiça; b) a sentença foi contraditória acerca da retenção dos valores; c) deve ser aplicado o princípio da preservação dos contratos, já que mais de 65% do montante do contrato foi pago; d) o contrato prevê dupla penalidade em virtude da inadimplência; e) a cláusula que determina a retenção de 1/3 do valor pago é abusiva, f) os honorários advocatícios devem ser majorados ao percentual de 20%. Por fim, os apelantes Munir Abagge e Marilu Hauer de Oliveira Abagge aduzem que não houve manifestação acerca da multa de 20% do valor do contrato e que tem direito à retenção total das parcelas pagas, com o fim de repor os prejuízos advindos da rescisão contratual. Contrarrazões apresentadas (movs. 211.1, 213.1, 214.1 e 215.1). É o relatório.
VOTO Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão por que devem ser conhecidos, ressaltando que, diferente do que afirma a apelada Viridi Viam Home Hotel LTDA, a apelação
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interposta pelos autores preenche todos os requisitos elencados no artigo 1.010 do CPC.
Gratuidade da Justiça Os apelantes Djammes Kunrath e Estela Bitencourt Kunrath postulam pela concessão da gratuidade da justiça. Essa pretensão foi postulada em primeiro grau e não foi deferida, pois entendeu o julgador que a alegada hipossuficiência financeira dos réus não restou comprovada. Alegam, em suas razões, que o magistrado afastou a presunção de veracidade da declaração de miserabilidade juntada aos autos, sem nenhuma justificativa e sem dar oportunidade de complementar as provas apresentadas acerca de sua condição financeira. Sustentam, ainda, que os seus bens encontram-se bloqueados em virtude de decisão judicial proferida em ação penal, e que efetuaram empréstimo para o pagamento das custas recursais. De fato, conforme registrado na decisão, não há nos autos qualquer prova no sentido de que não possam suportar o pagamento das despesas do processo, não tendo apresentado qualquer elemento capaz de demonstrar as suas alegações (decisão de bloqueio de bens, relação de despesas, rendimento da apelante Estela), devendo-se ressaltar que a simples declaração de hipossuficiência não vincula o magistrado singular. Ademais, no caso, os apelantes são fiadores do compromisso de compra e venda em debate nesta ação, ou seja, não se pode dizer que se encontram em situação de miserabilidade ao mesmo tempo em que figuraram como garantidores da negociação.
Pagamento Substancial do contrato Retira-se da inicial que entre os autores e a ré Viridi Vaim Home Hotel LTDA. foi avençado contrato de compromisso de compra e venda de imóvel localizado no município de Almirante Tamandaré, pelo valor de R$
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810.617,90 (oitocentos e dez mil, seiscentos e dezessete reais e noventa centavos), a serem pagos da seguinte forma: a) R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de entrada, quitados quando da assinatura do instrumento; b) R$ 108.664,11 (cento e oito mil, seiscentos e sessenta e quatro reais e onze centavos), já pagos no momento da assinatura da escritura; c) 39 parcelas de R$ 12.870,61 (doze mil, oitocentos e setenta reais e sessenta e um centavos), com vencimento da primeira em 30.1.13 e as demais no mesmo dia dos meses subsequentes. Incontroverso nos autos que a partir da 30.12.13, o compromissário comprador deixou de adimplir o pactuado, o que ensejou o pedido de rescisão contratual. Alegam os apelantes/réus que o contrato deve ser preservado tendo em vista o pagamento substancial da quantia avençada. Sem razão aos recorrentes. A teoria do adimplemento substancial tem como escopo a manutenção dos contratos vigentes quando este esteja praticamente quitado, sendo imprescindível para sua aplicação que o saldo remanescente seja mínimo, o que não se percebe no caso dos autos. Extrai-se do conjunto probatório que, até o ajuizamento da ação, houve o pagamento de R$ 466.634,30 que, acrescidos de R$ 49.138,00, pagos em razão de acordo extrajudicial, chega-se à somatória de 515.772,30, valor esse equivalente ao percentual de aproximadamente 60% do valor integral do contrato. Assim, o adimplemento de pouco mais da metade do montante avençado não garante ao compromissário comprador a manutenção do contrato. Sobre o assunto, destaca-se:
"DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL.RESCISÃO CONTRATUAL. REINTEGRAÇÃO NA POSSE. INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO PARCIAL DO CONTRATO. INADIMPLEMENTO.
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RELEVÂNCIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O uso do instituto da substancial performance não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações. 2. Ressalvada a hipótese de evidente relevância do descumprimento contratual, o julgamento sobre a aplicação da chamada "Teoria do Adimplemento Substancial" não se prende ao exclusivo exame do critério quantitativo, devendo ser considerados outros elementos que envolvem a contratação, em exame qualitativo que, ademais, não pode descurar dos interesses do credor, sob pena de afetar o equilíbrio contratual e inviabilizar a manutenção do negócio. 3. A aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial exigiria, para a hipótese, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (critérios adotados no REsp 76.362/MT, QUARTA TURMA, j. em 11.12.1995, DJ 01/04/1996, p. 9917). 4. No caso concreto, é incontroverso que a devedora inadimpliu com parcela relevante da contratação, o que inviabiliza a aplicação da referida doutrina, independente da análise dos demais elementos contratuais. 5. Recurso especial não provido." (STJ,Resp 1.581.505/SC, relator Ministro Antônio Carlos Ferreira).
Assim, não há razões para se efetuar a reforma requerida.
RETENÇÃO DAS PARCELAS PAGAS E ARRAS A cláusula segunda do contrato avençado estabelece que: "encontrando-se inadimplidas 3 (três) ou mais parcelas, consecutivas ou não, assistirá aos compromitentes vendedores o direito de rescindir o presente compromisso de compra e venda, sendo que a compromissária compradora não terá o direito de restituição do valor pago a título de entrada (Cláusula Primeira, alínea a), como também perderá em favor dos compromitentes vendedores o equivalente a 1/3 (um terço) dos demais pagamentos até então efetivados". O magistrado singular por entender que o percentual fixado se encontra acima dos parâmetros legais, reduziu-o para 20% dos valores pagos, excluindo-se para o cálculo, a quantia paga a título de sinal de negócio. Alegam os autores que devido aos prejuízos causados pelos réus, que lotearam e comercializaram irregularmente o imóvel objeto desta ação, deve ser determinada a perda total dos valores pagos, ou ao menos, que seja aplicada o percentual fixado contratualmente (1/3).
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Os réus, por outro lado, sustentam que a cláusula é abusiva, pois a retenção da quantia paga como sinal do negócio, acrescido de 20% do valor adimplido configura enriquecimento sem causa e que os prejuízos alegados pelos autores não passam de mera presunção. No que tange à não devolução do sinal pago, assiste razão aos apelantes/réus. O pagamento das arras pode se revestir tanto de natureza confirmatória, quando pagas como sinal de confirmação do negócio jurídico, quanto de natureza penitencial, como forma de permitir o arrependimento das partes. E, conforme entendimento do STF, nos termos da Súmula 4121, as arras só terão natureza penitencial se houver cláusula expressa na minuta contratual nesse sentido, caso contrário, serão sempre confirmatórias. Na situação dos autos, não houve previsão de arrependimento do contrato, de sorte que as arras dadas são meramente confirmatórias. E, sendo confirmatórias, integram o valor do preço ajustado e devem ser restituídas ao comprador, na hipótese de rescisão do contrato. Ademais, havendo cláusula contratual prevendo a retenção de parte do pagamento, como indenização pelo inadimplemento do comprador, impossível a sua cumulação com o pedido de retenção das arras, sob pena de configurar vantagem indevida do vendedor, em inadmissível bis in idem. Nesse sentido, a Apelação Cível 1.421.335-7, 7.ª Câmara Cível, rel. Des. Clayton Camargo:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE CUMULADA COM PERDAS E DANOS - CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSÃO INICIAL - APELAÇÃO DO AUTOR -INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS E DIREITO DE RETENÇÃO - DESNECESSIDADE DE RECONVENÇÃO - DECORRÊNCIA LÓGICA DA RESCISÃO CONTRATUAL - RETORNO DAS PARTES AO `STATUS QUO ANTE' - COBRANÇA CUMULATIVA DE ARRAS, CLÁUSULA PENAL E INDENIZAÇÃO - INVIABILIDADE -CUMULAÇÃO DE INSTITUTOS COM A FINALIDADE INDENIZATÓRIA - BIS IN IDEM - VEDAÇÃO - COMISSÃO DE CORRETAGEM - OBRIGAÇÃO QUE RECAI SOBRE QUEM CONTRATA O SERVIÇO - SERVIÇO CONTRATADO PELO AUTOR - ABUSIVIDADE CONSTATADA - DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS REALIZADAS - DIREITO EVIDENCIADO - AUTORIZAÇÃO DE CONSTRUÇÃO E FOTOS DO IMÓVEL - BOA-FÉ CONSTATADA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO
1 No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.
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1.219 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 34 DA LEI 6.766/79 - POSSIBILIDADE DE O VALOR SER OBTIDO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO - INPOSSIBILIDADE - VALOR ARBITRADO DENTRO DOS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO - RECURSO ADESIVO DO RÉU - CONSTITUIÇÃO EM MORA REGULAR - ENTREGA DA NOTIFICAÇÃO NO ENDEREÇO INFORMADO NO CONTRATO - CIÊNCIA INCONTROVERSA DA MORA PELO DEVEDOR CONSTADA NOS AUTOS - PURGAÇÃO DA MORA - NÃO CABIMENTO - POSSIBILIDADE APENAS DURANTE O PRAZO CONFERIDO PELA NOTIFICAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO". (TJPR - 7ª C.Cível - AC - 1421335-7 - Curitiba - Rel.: Clayton Camargo - Unânime - - J. 28.06.2016).
Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do AREsp 1004616, o Ministro Marco Aurélio Bellizze, em decisão monocrática e encampando o entendimento manifestado pelo Tribunal de origem, assim assentou para afastar a pretendida cumulação:
"(...) não assiste razão à apelante. Isso porque, a prevalecer seu o raciocínio jurídico, estar-se-ia admitindo a cumulação das arras com a cláusula penal que autoriza a retenção. Tal cumulatividade não é admitida, pois configuraria dupla penalidade ao consumidor que desistiu do contrato, num reprovável bis in idem. No caso em exame, as arras foram pagas pelo consumidor e possuem natureza de princípio de pagamento e garantia da execução do contrato, cujo valor integra o total a ser adimplido pelo imóvel. Vale dizer, o valor pago a título de arras integra o valor global pago pelos apelados, eis que também possui natureza pecuniária compensatória. Note-se que o objetivo das arras é estabelecer um mínimo indenizatório para o caso de descumprimento do contrato, a teor do art. 419 do Código Civil. Mas a cláusula de retenção também tem por objetivo compensar os eventuais prejuízos da parte inocente. É inegável, portanto, a duplicidade. Na hipótese, as arras devem passar a integrar o preço pago pelo consumidor. Tal interpretação decorre da leitura da parte final do art. 417 do CC (...) No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, firmou-se o entendimento no sentido de que o consumidor só perde o valor das arras quanto estas forem penitenciais. No caso de arras confirmatórias, como na espécie, não há falar em perda do sinal, sob pena de enriquecimento sem causa de quem as retenha. (...) Desta maneira, visando à proteção do consumidor e amparado na jurisprudência do STJ, compreendo que, tendo as arras caráter confirmatório, deve esta ser devolvida ao consumidor, por ocasião da rescisão contratual, a fim de que evite o enriquecimento sem causa da apelante. Ocorre que esta Corte Especial tem entendimento pela não cumulação da retenção de percentual do valor pago com a retenção das arras. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. UNIDADE HABITACIONAL EM CONSTRUÇÃO. RESCISÃO UNILATERAL. ADQUIRENTE. ARRAS CONFIRMATÓRIAS. PERDA INTEGRAL. NÃO CABIMENTO. RETENÇÃO DE PARTE DAS PARCELAS PAGAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 83/STJ. FUNDAMENTO AUTÔNOMO E SUFICIENTE DO ACÓRDÃO RECORRIDO.AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. SÚMULA Nº 283/STF. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. DISSÍDIO PRETORIANO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE ARESTOS CONFRONTADOS".
No que diz respeito à retenção, pelo promitente vendedor, de parte dos valores pagos pelo promitente comprador, cumpre destacar
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que a quantia tem como escopo reembolsar as despesas com o negócio e reparar os danos decorrentes da rescisão contratual. Assim, o desfazimento do contrato, por inadimplemento do compromissário comprador, dá ao compromissário vendedor o direito à retenção de um percentual sobre o valor a ser restituído, a fim de que seja ressarcido pelas despesas administrativas que teve com o negócio, como a divulgação, comercialização e corretagem. No tocante ao percentual de retenção, o Superior Tribunal de Justiça tem arbitrado entre 10% e 25% sobre os valores pagos. Neste sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO. RETENÇÃO. PERCENTUAL DE 10%. RAZOABILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte de Justiça, nas hipóteses de rescisão de contrato de promessa de compra e venda por inadimplemento do comprador, tem admitido a flutuação do percentual de retenção pelo vendedor entre 10% a 25% do total da quantia paga. 2. O percentual a ser retido pelo vendedor é fixado pelas instâncias ordinárias em conformidade com as particularidades do caso concreto, de maneira que não se mostra adequada sua revisão na via estreita do recurso especial. 3. O Tribunal de origem, ao analisar os documentos acostados aos autos, bem como o contrato firmado entre as partes, entendeu abusiva a cláusula contratual que previa a retenção de 25% do valor das quantias pagas em caso de rescisão por inadimplemento. Analisando as peculiaridades do caso, fixou a retenção em 10% do valor das parcelas pagas, o que não se distancia do admitido por esta Corte Superior." (AgRg no AREsp 600887/PE 4.ª T Rel. Min. Raul Araújo Dje 22/6/2015);
"DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO. INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. CABIMENTO. RETENÇÃO DE PARTE DOS VALORES PELO VENDEDOR. INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SUPORTADOS. (...) 1. A rescisão de um contrato exige que se promova o retorno das partes ao status quo ante, sendo certo que, no âmbito dos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, em caso de rescisão motivada por inadimplência do comprador, a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de admitir a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas, como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas havidas com a divulgação, comercialização e corretagem, o pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel e a eventual utilização do bem pelo comprador. 2. O percentual de retenção - fixado por esta Corte entre 10% e 25% - deve ser arbitrado conforme as circunstâncias de cada caso (...)" (REsp 1224921/PR -¬ Rel.: Min. Nancy Andrighi - DJe 11.5.2011).
No caso dos autos, entende-se que o percentual fixado pelo magistrado (20%) se mostra justo, pois ponderou, de forma adequada, o caso concreto, considerando a quantia paga e eventuais despesas havidas pelos autores. Porém, diferente do que estipulou a sentença, tal percentual deve incidir sobre a totalidade do valor adimplido, já que, como visto, em
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razão da impossibilidade da aplicação cumulativa da retenção das arras e da cláusula penal, a quantia oferecida a título de sinal de negócio, integra o preço pago pelo comprador. A arguição dos autores, de que a retenção do percentual de 20% não é suficiente para a reparação dos danos sofridos, não merece ser acolhida, pois, desacompanhada de qualquer elemento probatório.
MULTA CONTRATUAL Além da retenção dos valores, determinada na cláusula acima referida, o contrato em questão prevê, ainda, que "a parte que infringir quaisquer das obrigações aqui assumidas e der motivo a procedimento judicial pela outra, pagará a esta, além das perdas e danos que o fato ocasionar, mais a multa convencional de 20% para honorários de advogado". Tal determinação também se mostra abusiva, principalmente se considerada a vultosa quantia do negócio avençado e que o percentual incide sobre o valor integral do contrato. Acolher a aplicação de tal determinação seria impor à parte medida extremamente gravosa, pois teria que arcar com o valor exorbitante de 20% do montante integral do contrato, a título de honorários contratuais. O artigo 389 do Código Civil, é bem verdade, com o fim de fazer cumprir o princípio da restituição integral, permite ao credor incluir no montante devido a título de perdas e danos, a quantia despendida com a contratação de advogado, porém, para a sua cobrança, é imprescindível a comprovação das respectivas despesas, não se podendo permitir que o Judiciário respalde o recebimento de qualquer quantia sem a devida justificativa. Afasto, assim, tal pretensão.
Honorários advocatícios e ônus sucumbenciais. Em virtude do provimento parcial do recurso interposto pelos réus Djammes Kunrath e outro, há que se redistribuir os ônus sucumbenciais para a proporção de 50% (cinquenta por cento) entre autores e réus.
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No que tange aos honorários advocatícios, considerando a redução do proveito econômico dos autores e com o fim de remunerar de modo condizente o trabalho efetuado pelos patronos das partes, majoro-os para o percentual de 15% (quinze por cento) O meu voto, nestas condições, é pelo conhecimento e não provimento da apelação 1 interposta pelo réu Edmar Anderson Lanes e pelo conhecimento e parcial provimento das apelações 2 e 3 propostos por Djammes Kunrath e Estela Bitencourt Kunrath e pelos autores Munir Abagge e Marilu Hauer de Oliveira Abagge com o fim de determinar a devolução do valor pago, pelo compromissário comprador, a título de sinal do negócio, e para definir que o percentual de 20% da retenção incida sobre a integralidade da quantia adimplida, com a redistribuição do ônus de sucumbência ao percentual de 50%, e majorar os honorários advocatícios ao percentual de 15% do proveito econômico obtido pelo autor. É como voto.
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ACÓRDÃO
ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Magistrados integrantes da Décima Primeira Câmara Cível, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento à apelação 1, interposta pelo réu Edmar Anderson Lanes e conhecer e dar parcial provimento às apelações 2 e 3 propostas por Djammes Kunrath e Estela Bitencourt Kunrath e pelos autores Munir Abagge e Marilu Hauer de Oliveira Abagge, com o fim de determinar a devolução do valor pago, pelo compromissário comprador, a título de sinal do negócio, e para definir que o percentual de 20% da retenção incida sobre a integralidade da quantia adimplida, com a redistribuição do ônus de sucumbência ao percentual de 50%, e majorar os honorários advocatícios ao percentual de 15% do proveito econômico obtido pelo autor. O julgamento foi presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Lenice Bodstein, sem voto, e dele participaram, acompanhando o voto do Excelentíssimo Senhor Relator, o Excelentíssimo Desembargador Mário Nini Azzolini e o Excelentíssimo Juiz Substituto em Segundo Grau Dr. Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra. Sala de Sessões da Décima Primeira Câmara Cível, Curitiba, 10 de maio de 2017.
Des. Dalla Vecchia Relator
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