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Certificado digitalmente por: FERNANDO PAULINO DA SILVA WOLFF FILHO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ Apelação Cível nº 1623804-9, da 22ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Apelantes : Gilberto Kulaitis e outro. Apeladas : MRC Engenharia Ltda. e outro. Rec. Adesivo : MRC Engenharia Ltda. Relator : Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho. PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA, COM A EXPOSIÇÃO CLARA DAS CIRCUNSTÂNCIAS, MOTIVOS E PROVAS QUE FORMARAM A CONVICÇÃO DO MAGISTRADO (ART. 370 C/C ART. 371, AMBOS DO CPC/15), INCLUSIVE COM MANIFESTAÇÃO EXPRESSA A RESPEITO DO TEOR DO LAUDO PERICIAL. ALEGADA NULIDADE QUE NÃO PASSA DE INCONFORMISMO EM FACE DO TEOR DA DECISÃO IMPUGNADA. NULIDADE EM VIRTUDE DE A SENTENÇA TER SIDO PROFERIDA POR JUIZ SUBSTITUTO EM REGIME DE MUTIRÃO. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA PROFERIDA SOB A VIGÊNCIA DO CPC/15, QUE, AO CONTRÁRIO DO CPC/73, NÃO PREVÊ O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. POLÍTICA PÚBLICA QUE, ADEMAIS, CONCRETIZA OS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DA EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (ART. 5º, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 6º DO CPC/15) E ENCONTRA SÓLIDO RESPALDO NA JURISPRUDÊNCIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. FUNDAMENTO LEGAL NO DEVER DE BOA-FÉ OBJETIVA ENTRE OS CONTRATANTES (ART. 422 DO CCB/02), NA FUNÇÃO VEDAÇÕES AO ABUSO DE DIREITO (ART. 187 DO CCB/02) E AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA (ART. 884 DO CCB/02). NECESSIDADE DA OBSERVÂNCIA DE CRITÉRIOS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS DO ADIMPLEMENTO FRENTE ÀS ESPECIFICIDADES DO CONTRATO E AOS DEMAIS ELEMENTOS PERTINENTES AO CASO CONCRETO. HIPÓTESE EM QUE OS ELEMENTOS QUANTITATIVO (MATEMÁTICO) E QUALITATIVO (CONDUTA E BOA-FÉ DOS ENVOLVIDOS) JUSTIFICAM A APLICAÇÃO DA TEORIA DO INADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL PARA LIMITAR A PRERROGATIVA DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL ESCULPIDA NO ART. 475 DO CCB/02. LUCROS CESSANTES PRESUMIDOS EM FACE DA IMPOSSIBILIDADE DE OS AUTORES (ORA APELANTES) USUFRUIREM DO BEM. EVENTO DANOSO QUE SE INICIA A PARTIR DA DATA EM QUE O SOBRADO DE Nº 04 DEVERIA TER SIDO ENTREGUE, JÁ CONSIDERADA A CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA, ATÉ A DATA DA EFETIVA DISPONIBILIZAÇÃO DO IMÓVEL AOS AUTORES (ORA APELANTES). CLAÚSULA PENAL MORATÓRIA. APLICAÇÃO, SEM PREJUÍZO DAS PERDAS E DANOS. COMPENSAÇÃO DE VALORES DEVIDOS ENTRE AS PARTES (ART. 368 DO CCB/02). POSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PARTES QUE NÃO INCORRERAM, DE MODO INDUBITÁVEL, EM QUAISQUER DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 80 DO CPC/15. SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUIDA. RECURSO DE APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDOS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ Vistos, etc. Trata-se de recurso de apelação e de recurso adesivo interposto em face da sentença de ref. evento 362.11 (integrada pela decisão de embargos de declaração de ref. evento 374.12), a qual, em sede de "ação ordinária de rescisão contratual c/c pedido de reintegração de posse, indenização por perdas e danos e antecipação de tutela", julgou improcedente o pedido inicial (art. 487, I, do CPC/15) e condenou os autores ao pagamento dos ônus de sucumbência. Em suas razões (ref. evento 382.1), os autores, ora apelantes, sustentam, em síntese, que: a) as partes celebraram um contrato de parceria por meio do qual estabeleceu-se que os apelantes entregariam 02 (dois) terrenos mais uma quantia em dinheiro e, em troca, receberiam 03 (três) dos 06 (seis) sobrados que seriam construídos no terreno; b) atualmente já se passaram mais de 06 anos desde o fim do prazo para entrega dos imóveis e os apelantes "não receberam nenhuma (sic) dos sobrados e a documentação necessária para a transmissão de propriedade"; c) o primeiro apelado não cumpriu os prazos de construção dos imóveis "pois não injetou o total de rendimentos financeiros recebidos para a conclusão" da obra; d) segundo prevê o § 1º da cláusula 16ª do contrato celebrado entre as partes, o primeiro apelado deverá perder tudo o que estiver incorporado nos imóveis objetos do contrato, como forma de ressarcir os apelantes por todos os prejuízos suportados; e) a sentença carece de fundamentação (art. 93, IX, da Constituição Federal), vez que não se manifestou sobre o resultado do laudo pericial, em especial no que diz respeito ao percentual faltante de 50% para concluir a obra e regularizá-la perante à Administração Pública, e o atraso de mais de 05 (cinco) anos quanto ao cumprimento do contrato; f) a sentença é nula porque foi proferida por magistrado diverso daquele que acompanhou a audiência de instrução processual, no que viola o art. 5º, XXXVII e LII, da Constituição Federal e do art. 132 do CPC/73; g) a Lei assegura que a parte
1 Proferida pelo Juiz de Direito Substituto Adriano Vieira de Lima (em regime de mutirão da Corregedoria-Geral da Justiça, nos termos do art. 1º da Resolução nº 21/07 do Órgão Especial do TJPR). 2 Proferida pelo Magistrado Paulo Bizerril Tourinho.
ou o seu cumprimento (art. 1.092 do CCB/02); h) não é possível a aplicação da teoria do adimplemento substancial, uma vez que a parcela faltante corresponde à 50% (cinquenta por cento) da obra; i) ao contrário do que restou consignado na sentença, o primeiro apelado necessitará de R$ 807.520,00 para concluir a obra, e não R$ 30.000,00; j) além do critério numérico, deve ser levada em consideração a ausência de boa-fé do devedor, além da inutilidade de outra forma de cobrança para o credor; k) inexistem outros meios para perseguir o crédito remanescente, vez que o primeiro apelado se encontra falido; m) independente do pedido principal de rescisão contratual, o primeiro apelado deve ser condenado ao pagamento de indenização por perdas e danos pelo atraso na entrega dos imóveis, além da multa contratual de 10% (cláusula 8ª, parágrafo único do contrato); e n) subsidiariamente os valores dos honorários advocatícios devem ser minorados, porque exorbitantes frente ao caso e à boa-fé dos apelantes. Intimada, a ré MRC Engrenharia Ltda., ora apelada 1, apresentou suas contrarrazões (ref. evento 391.1), bem como recorreu adesivamente (ref. evento 392.1), arguindo, em suma, que possui um crédito devido pelos autores/apelantes no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e que os autores/apelantes devem ser condenados ao pagamento de multa por litigância de má-fé (art. 79 ao 81 do CPC/15), porquanto distorceram os fatos, sem informar que já receberam 2 (dois) dos 3 (três) sobrados e que residem nas imediações do empreendimento, tendo acompanhado o seu desenvolvimento. A ré Ademilar Administrador de Consórcios S/A., ora apelada 2, por sua vez, limitou-se a apresentar suas contrarrazões ao recurso de apelação dos autores (ref. evento 395.1). Intimados, os autores/apelantes apresentaram contrarrazões ao recurso adesivo da ré MRC Engrenharia Ltda (ref. evento 403.1), ocasião na qual pediram que fosse aplicada multa por litigância de má-fé à apelada 1 (MRC Engenharia Ltda.), por ter lhes imputado, no recurso adesivo, conduta TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DO PARANÁ caracterizadora de litigância de má-fé. É o relatório. Voto I Cumpre registrar, de início, que os recursos de apelação (dos autores) e adesivo (da ré MRC Engenharia Ltda.) serão julgados simultaneamente; e mais: que as questões trazidas a exame em ambos dizem respeito, basicamente, à nulidade da sentença por ausência de fundamentação e por ter sido proferida por juiz substituto em regime de mutirão; à (in)aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial; à indenização por perdas e danos; ao pagamento de multa contratual; à compensação de crédito, à condenação por litigância de má-fé e à (re)distribuição do ônus de sucumbência, tópicos que serão examinados a seguir, nessa ordem. II Pois bem. Ao contrário do que defendem os apelantes, a sentença em questão não é nula. Como se sabe, o nosso sistema processual civil adota o princípio da livre convicção motivada (art. 370 c/c art. 371, ambos do CPC/15), também denominado de princípio da livre persuasão racional, segundo o qual o magistrado é livre tanto para valorar as provas trazidas pelas partes quanto para analisar a necessidade da produção doutras, devendo, em todo caso, decidir de forma fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal). Ao interpretar referido princípio à luz do CPC/15, o STJ ratificou que: "o art. 370 do Novo Código de Processo Civil (art. 130 do CPC/73) consagra o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o Magistrado fica habilitado a valorar, livremente, as provas trazidas à demanda" (AgRg no REsp 1293742/PA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 09/11/2016). fundamentação das decisões judiciais, por sua vez, o STF já ilustrou que: "o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal não exige que o órgão judicante se manifeste sobre todos os argumentos de defesa apresentados, mas que ele fundamente, ainda que sucintamente, as razões que entendeu suficientes à formação de seu convencimento" (RMS 32325 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 30-06-2015 PUBLIC 01-07-2015). Voltando ao caso em análise, observa-se que a sentença se encontra suficientemente fundamentada, com a exposição clara das circunstâncias, motivos e provas que formaram a convicção do magistrado, inclusive com manifestação expressa a respeito do teor do laudo pericial3, tudo isso a fim de afirmar que a teoria do adimplemento substancial se aplica ao caso. Desse modo, a alegada nulidade por ter se omitido sobre o laudo pericial não passa de mero inconformismo dos apelantes em face do teor da decisão impugnada. Outrossim, inexiste nulidade em virtude de a sentença ter sido proferida por juiz substituto em regime de mutirão. Primeiro, porque a sentença foi proferida já sob a vigência do CPC/15, que, ao contrário do que dispunha o CPC/73 (com a adoção explícita ao
3 Confira-se, a propósito, o seguinte excerto da sentença questionada: "Ademais, verifica-se que os autores encontram-se de posse dos dois sobrados de sua propriedade (nº 2 e 3), constantes no terreno matriculado sob nº 17183, consoante verifica-se das fotos acostadas ao laudo pericial, bem como o sobrado de nº 4 encontra-se em fase de acabamento e término de algumas instalações necessárias. Destarte, verifica-se, portanto, que dos seis sobrados construídos pelo primeiro requerido, três deles ainda nos dias de hoje encontram- se pendentes de finalização, especificamente os sobrados de nº 4, 5 e 6, enquanto os sobrados de nº 1, 2 e 3encontram-se finalizados, dois deles estando de posse do autor" (ref. evento 362.1, g.n.). TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DO PARANÁ princípio da identidade física do juiz no seu art. 132), não prevê que o magistrado que julga a ação deve, em regra, ser o mesmo que presidiu a audiência de instrução. E segundo, porque o julgamento em regime de mutirão por juiz substituto designado em sorteio, caso dos autos (item 2.1, ref. evento 362.1), não incorre, por si só, em qualquer ilegalidade. Ao contrário, tal conduta do Poder Público constitui uma legítima ferramenta de materialização dos princípios da celeridade e da efetividade da prestação jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal e art. 6º do CPC/15). Não sem razão, esse tipo de política pública encontra sólido respaldo na jurisprudência das nossas Cortes Superiores, segundo as quais o princípio da identidade física do juiz (art. 132 do CPC/73) não é absoluto e o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII, da Constituição Federal) não diz respeito à pessoa (identidade) do magistrado que profere a sentença. A título ilustrativo, destacam-se os seguintes julgados, respectivamente do STJ e do STF: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. MAGISTRADO DESIGNADO EM MUTIRÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. PROLAÇÃO DA SENTENÇA. FUNDAMENTO INATACADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, o princípio do juiz natural não tem caráter absoluto. O juiz titular pode ser substituído nas hipóteses do art. 132 do CPC/73, em cujo rol está incluída a expressão "afastado por qualquer outro motivo", que admite o afastamento do magistrado
agilização da prestação jurisdicional. (...) 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 830.774/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 24/06/2016, g.n.) Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Matéria criminal. Sentença condenatória proferida em regime de mutirão. Admissibilidade. Princípio do juiz natural (art. 5º, LIII, CF). Ofensa reflexa. Princípio da identidade física do juiz. Relativização. Precedentes. Inteligência do art. 399, § 2º, do Código de Processo Penal e do art. 132 do Código de Processo Civil. Recurso não provido. (...) 3. O Supremo Tribunal Federal assentou que o princípio da identidade física do juiz, positivado no § 2º do art. 399 do Código de Processo Penal, não é absoluto e comporta as exceções do art. 132 do Código de Processo Civil, aplicado analogicamente no processo penal por força do seu art. 3º (RHC nº 120.414/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 6/5/14). 4. O Supremo Tribunal Federal, HC nº 123.873/MG, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 18/12/14, relativizou o princípio da identidade física e reputou legítima a possibilidade de se proferir sentença em regime de mutirão, ressaltando que, apenas diante das peculiaridades do caso, em que a prova acusatória se resumia à palavra da vítima, fez prevalecer a competência do juiz que presidiu a instrução. (...) 6. Agravo regimental não provido.
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ESTADO DO PARANÁ (ARE 839680 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 02/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 26-09-2016 PUBLIC 27-09- 2016, g.n.) Nesse mesmo sentido, aliás, vale destacar um trecho do próprio recurso de apelação (ref. evento 382.1), que, aparentemente desarticulado do restante do apelo, bem corrobora a possibilidade de julgamento por juiz substituto em regime de mutirão: "Outrossim, não se admite que a aplicação do princípio do juiz natural gere situações esdrúxulas, atentatórias à razoabilidade, como, por exemplo, a proibição de designação de juízes substitutos, com a finalidade de unirem esforços com juízes titulares das varas para garantirem a efetividade da prestação jurisdicional." III No que tange à inaplicabilidade da teoria do adimplemento substancial ao caso, também não assiste razão aos apelantes. III.a Antes de dizer o porquê, porém, faz-se necessária uma breve retrospectiva do suporte fático colhido ao longo do processo. Segundo se observa da leitura dos autos, os apelantes (Gilberto Kulaitis e Roseli Terezinha Kulaitis) e a primeira apelada (MRC Engenharia Ltda.) celebraram, em 03.05.2007, um "contrato de parceria em empreendimento imobiliário" por meio do qual estipularam que aqueles disponibilizariam 2 (dois) terrenos de sua propriedade e pagariam R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) (cláusula 5ª, ref. evento 1.7) à primeira apelada, enquanto esta construiria e regularizaria 06 (seis) sobrados sobre os imóveis, sendo que a propriedade de 02 (dois) destes sobrados seriam entregues aos apelantes.
contratual" (ref. evento 1.8) no qual estabeleceram que os 02 (dois) sobrados devidos aos apelantes, de nº 02 e 03, deveriam ser entregues no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da assinatura do aditivo contratual (cláusula 4ª), enquanto o sobrado de nº 04, também devido aos apelantes, deveria ser entregue no prazo de 12 (doze) meses, a contar da assinatura do aditivo contratual (cláusula 6ª), com uma tolerância de 06 (seis) meses (parte final). Como contrapartida, os apelantes pagariam R$ 276.000,00 (duzentos e setenta e seis mil reais), ao longo de 07 (sete) parcelas (cláusula 2ª), à primeira apelada. Nota-se, assim, que inexiste, na espécie, um "compromisso de compra e venda", mas sim um "contrato de parceria em empreendimento imobiliário", onde cada parte se comprometeu a empregar determinado capital (bens imóveis, dinheiro, conhecimento, mão de obra, etc.) para, juntos, dar concretude a um empreendimento imobiliário, com a construção e regularização de 06 (seis) sobrados sobre 2 (dois) imóveis, sendo devidos, ao final, 03 (três) para cada "parceiro". O laudo pericial de ref. evento 179.1, elaborado em 14.07.2014, pelo engenheiro civil Raul Condessa Beltrami (CREA nº 3.550-D/PR), atestou que nenhum dos 06 (seis) sobrados foi integralmente construído e regularizado perante a administração pública; enquanto os sobrados de nº 1, 2 e 3 se encontravam "praticamente terminados, faltando apenas alguns detalhes tais como: conserto de pisos (...) conserto de forro de gesso, remates de acabamentos nas esquadrias e portas (...) acabamentos de metais da parte hidráulica (...) vistoria de conclusão da obra por parte da Prefeitura Municipal (...)" (ref. evento 179.2, item "3.1", "a"), os sobrados de nº 4, 5 e 6 estavam incompletos em aproximadamente 50% (cinquenta por cento) da obra, faltando diversos elementos, dentre eles: "reboco ou emboço em algumas paredes e do foro interno; revisão completa dos telhados; (...) colocação de vidros; colocação de batentes das portas; (...) colocação de piso cerâmico nas cozinhas, banheiros, lavanderia, abrigo e sacadas; (...) parte
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ESTADO DO PARANÁ elétrica e parte hidráulica (...) substituição de projeto (...)" (ref. evento 179.2, item "3.1", "b"). O perito judicial constatou, ainda, que os sobrados de nº 01 e 03 se encontravam ocupados (com pessoas residindo), sendo este último utilizado como moradia pela Sra. Vanessa Elaine Kulaitis, filha dos apelantes (item "3.1", ref. evento 179.2). Outrossim, atestou o perito que, após um período sem desenvolvimento, as obras foram reiniciadas e que, naquela ocasião, os operários trabalhavam na construção do sobrado de "nº 06" ("nº 04", a bem da verdade, porquanto o perito identificou de forma invertida os sobrados de nº 04, 05 e 06) e na calçada de acesso aos sobrados de nº 04, 05 e 06 (cf. fotografias de ref. evento 179.1 e 179.2). Em 24.04.2015 foi realizada audiência de instrução, na qual foram ouvidas as testemunhas Maria Inez Roedel Mazza, João Alberto Ellerbrock e Eloi Bandeira Júnior e o representante legal da primeira apelada (MRC Engenharia Ltda.), Marcus Vinicius Machado de Bem (ref. evento 317.1). O Sr. Eloi Bandeira Júnior, residente nas imediações do empreendimento, relatou que 03 (três) dos 06 (seis) sobrados estão aparentemente prontos e que 02 (dois) deles são ocupados. Além disso, afirmou que já viu retomarem e interromperem a construção dos sobrados no mínimo duas vezes. O Sr. João Alberto Ellerbrock, por sua vez, residente no imóvel de nº 01 do conjunto residencial, afirmou que os imóveis de nº 01, 02 e 03 foram entregues, faltando alguns poucos detalhes, que atualmente existem pessoas trabalhando na construção do sobrado nº 04, que acredita que dentro de 05 (cinco) meses a obra deve ser concluída e que não necessitou fazer reparos "por conta própria" no sobrado que adquiriu. Outrossim, informou que quando se mudou para o sobrado nº 01, no primeiro semestre de 2012, a filha dos apelantes já residia no sobrado de nº 03.
Engenharia Ltda.), Sr. Marcus Vinicius Machado de Bem, expos que todos os 06 (seis) sobrados foram vendidos, que constantemente é cobrado pelos adquirentes dos outros sobrados a respeito do término das obras, que fez negócios ruins e que teve diversos problemas com funcionários contratados para a construção do empreendimento, o que lhe causou prejuízos enormes (segundo ele, perdeu todo o seu dinheiro) e prejudicou o andamento das obras, que o valor de R$ 30.000,00 devido pelos apelantes é suficiente para finalização do sobrado de nº 04, que pretende terminar a construção de todos os sobrados, que depende da renda obtida com outra atividade econômica (corretagem de consórcios) para a conclusão do empreendimento e que os custos da mão de obra têm aumentado significativamente nos últimos anos. A Sra. Maria Inez Roedel Mazza, também residente nas imediações do empreendimento, informou que, embora haja algumas pessoas trabalhando atualmente na construção (não muitas, segundo relatado), a obra ficou muito tempo abandonada e exposta às intempéries, tendo sido inclusive alvo de ladrões, que adentraram no local para roubar materiais e partes da construção. III.b Conforme se dessume das circunstâncias acima delineadas, 03 (três) dos 06 (seis) sobrados do empreendimento encontram-se "praticamente terminados" (expressão utilizada pelo próprio perito judicial). Tanto é assim que desses 03 (três) sobrados quase concluídos, 02 (dois) deles são ocupados por moradores e estão, portanto, ao menos de fato (já que não se tem notícia de que foram devidamente regularizados perante à Administração Pública), em condições de habitabilidade. A respeito desse tema (condição fática de habitação e de fruição econômica), destacam-se, por oportunos, os laudos de avalição juntados aos autos pelos próprios apelantes e elaborados pela imobiliária "Casolare Imóveis Ltda." que, considerando o "padrão da construção" e a "localização" dos sobrados de nº 02 e 03 do empreendimento, estimou um valor de aluguel mensal no TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DO PARANÁ montante de R$ 1.800,00 e R$ 1.850,00, respectivamente, para cada sobrado (ref. evento 1.13)4. Caso fossem devidas apenas a entrega e a regularização dos sobrados de nº 02 e 03 aos apelantes, portanto, não haveria dúvidas de que a teoria do adimplemento substancial seria aplicável. Afinal, tais imóveis se encontram praticamente concluídos e, inclusive, na posse dos apelantes, que, de modo incontroverso, usufruem regularmente de ao menos um deles, sendo possível, ainda, a consecução de reparação de danos em relação à parcela inadimplida (acabamento faltante e regularização administrativa dos imóveis) por outras vias menos gravosas que a resolução do contrato. Portanto, o ponto nevrálgico da questão situa-se, sobretudo, no inadimplemento em relação à construção e entrega do sobrado de nº 04, construído pela metade até a data do laudo pericial, e, até onde se tem notícia nos autos, longe de ser regularizado administrativamente (com a obtenção de "habite-se" e a averbação junto ao registro de imóveis, dentre outras providências necessárias). Cabe questionar, então, se seria admissível, ainda assim, a incidência da teoria do adimplemento substancial para limitar a prerrogativa de resolução contratual esculpida no art. 475 do CCB/02. III.c Conquanto construída sob a égide de um sistema jurídico diverso (a saber: o "common law" anglo-saxão), a teoria do adimplemento substancial foi recepcionada pelo ordenamento jurídico nacional e encontra amplo respaldo tanto na jurisprudência quanto na doutrina brasileira, que, dentre outros preceitos, apontam o dever de boa-fé objetiva entre os contratantes (art. 422 do 4 Além desses laudos, os apelantes apresentaram, ainda, duas outras avaliações, de imobiliárias diversas ("Nova Orleans Empreendimentos Imobiliários", "Prêmio Imóveis Ltda." e "Paulo R. C. Marquett, CRECI nº 13.707"), apontando valores semelhantes de aluguel (ref. evento 1.13). de direito (art. 187 do CCB/02) e ao enriquecimento sem causa (art. 884 do CCB/02) como fundamentos legais para sua aplicação. Sobre o tema, destaca-se a lição de Paulo Lôbo, segundo a qual: "o adimplemento substancial (...) realiza os princípios da função social do negócio jurídico e da equivalência material de direitos e deveres dos participantes (...) Inverte-se a primazia do inadimplemento para o adimplemento ou satisfação objetiva e essencial do crédito, seguindo o princípio da conservação do negócio jurídico. Não tem por finalidade legitimar a mora ou o inadimplemento, mas restabelecer a equidade contratual, que não pode ser desconsiderada, para que, em contrapartida, não se legitime o enriquecimento sem causa, quando se considera de modo absoluto a regra formal de `pacta sunt servanda. (...) Por essa razão, é substancialmente satisfeito o interesse do credor que, `ao pedir a resolução em virtude de incumprimento que não interfere no proveito que tira da prestação, não exerce interesse considerado digno de tutela jurídica para o drástico efeito resolutório'"5. Na jurisprudência, por sua vez, destaca-se o voto de Relatoria do Min. Antônio Carlos Ferreira, proferido no julgamento do REsp 1581505/SC, em 18.08.2016, acompanhado por unanimidade, que destacou a necessidade da observância de critérios quantitativos e qualitativos do adimplemento frente às especificidades do contrato aos demais elementos pertinentes ao caso.
5 LÔBO, Paulo. Direito Civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 195-196, g.n.
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Segundo restou observado pelo Ministro supracitado: "a jurisprudência desta Corte tem oscilações no exame do requisito objetivo, o que se dá, essencialmente, pelo fato de que em cada caso aqui julgado há peculiaridades muito próprias a serem consideradas para efeito de avaliar a importância do inadimplemento frente ao contexto de todo o contrato e os demais elementos que envolvem a controvérsia (...) `a verificação da importância ou não importância do inadimplemento há de ser feita diante do caso concreto, ou seja, diante da situação de fato ocorrida, ponderando os interesses em jogo, a conduta das partes e de todas as demais circunstâncias que no caso se mostrarem relevantes. (...) ressalvada a hipótese de evidente relevância, o julgamento sobre a substancialidade do descumprimento contratual não se deve prender ao exclusivo exame do critério quantitativo, mormente quando sabemos que determinadas hipóteses de violação positiva podem, eventualmente, afetar o equilíbrio contratual e inviabilizar a manutenção do negócio"6. A jurisprudência desta 17ª Câmara de Justiça, nesse mesmo norte, firmou o entendimento de que o adimplemento substancial deve ser examinado, essencialmente, com base no somatório de três elementos: a) a avaliação matemática (ou quantitativa) do que fora adimplido; b) a presença de boa-fé do devedor, como ocorre na existência de uma "justa causa" para o inadimplemento; e c) a possibilidade de o credor alcançar o crédito faltante ou ser compensado (perdas e danos) pela parcela inadimplida doutra forma que não por meio da rescisão do contrato. 6 REsp 1581505/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 28/09/2016, g.n.
Des. Lauri Caetano da Silva, proferido no julgamento da AC nº 1315435-3, em 18.11.2015, acompanhado por unanimidade, no qual restou consignado que para a aplicação da teoria do adimplemento substancial: "não nos parece razoável adotar simplesmente um critério numérico, quantificando o número de prestações adimplidas e inadimplidas. A adoção pura e simples desse critério matemático afasta a perquirição se ocorreu um justo impedimento para o pagamento das prestações vencidas e da própria boa-fé do devedor, além da utilidade para o credor do exercício de outra fórmula processual para o recebimento do crédito. (...) Se o credor deve proceder de forma menos onerosa para receber o seu crédito, também não se pode obstar que o mesmo postule pela única forma capaz de alcançar esse objetivo".7 A título ilustrativo desse entendimento, destacam-se diversos outros julgados desta 17ª Câmara Cível, dentre os quais os seguintes: APELAÇÃO CÍVEL PELA PARTE RÉ - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - SENTENÇA QUE JULGOU OS PEDIDOS INICIAIS PARCIALMENTE PROCEDENTES, DECLARANDO A RESCISÃO DO CONTRATO - 1. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE RESCISÃO ANTE O ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA DÍVIDA - NÃO ACOLHIMENTO - TEORIA NÃO APLICÁVEL AO CASO CONCRETO - DEVEDORA QUE, ALÉM DE NÃO ADIMPLIR O
7 TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1315435-3 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá - Rel.: Lauri Caetano da Silva - Unânime - - J. 18.11.2015, g.n. TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DO PARANÁ CONTRATO QUASE EM SUA INTEGRALIDADE, NÃO DEMONSTROU JUSTO IMPEDIMENTO PARA O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES REMANESCENTES DESDE 2009 - (...) 3. DIREITO À INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS RECONHECIDO EM SENTENÇA - VALOR APURADO EM AVALIAÇÃO JUDICIAL - FIXAÇÃO DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DA DATA DA DESOCUPAÇÃO DO BEM (...) - 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1608822-1 - Cascavel - Rel.: Tito Campos de Paula - Unânime - - J. 08.03.2017, g.n.) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DECISÃO AGRAVADA QUE INDEFERIU O PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO BEM APREENDIDO, FORMULADO COM BASE NA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL E ESSENCIALIDADE DO BEM ÀS ATIVIDADES ECONÔMICAS DA SOCIEDADE EMPRESARIA AGRAVANTE. DECISÃO MANTIDA. INAPLICABILIDADE DA TEORIA AO CASO CONTRATO. INADIMPLEMENTO DE APROXIMADAMENTE 20% DO FINANCIAMENTO. AUSÊNCIA DE PROVA DA ESSENCIALIDADE DO BEM ARRENDADO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não é razoável adotar a teoria do adimplemento substancial do contrato tendo em conta simplesmente um critério numérico, já que isso afastaria a perquirição acerca da ocorrência de justo impedimento para o pagamento das prestações vencidas e da própria boa-fé do devedor; além da utilidade para o credor do exercício de outra fórmula processual para o recebimento do crédito. 2. Hipótese, ademais, em que o inadimplemento alcança o equivalente a 20% do valor do contrato, não se afigurando razoável a adoção da teoria realidade social, condutas de inadimplemento substancial. (TJPR - 17ª C.Cível - AI - 1614753-8 - Francisco Beltrão - Rel.: Lauri Caetano da Silva - Unânime - - J. 08.02.2017, g.n.) AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. JUÍZO DE ORIGEM QUE, AO VERIFICAR O PAGAMENTO PELA RÉ/AGRAVADA DE 54 DAS 60 PARCELAS DO CONTRATO, INDEFERIU A CONCESSÃO DE LIMINAR E, NA MESMA OPORTUNIDADE, DETERMINOU QUE O AUTOR/AGRAVANTE SE MANIFESTASSE SOBRE A POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO FEITO EM EXECUÇÃO POR QUANTIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. INCIDÊNCIA QUE, DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CÃMARA, DEMANDA NÃO SÓ A PROVA DO PAGAMENTO DE QUANTIA SUBSTANCIAL DO CONTRATO, A SER ANALISADO EM CADA CASO CONCRETO, COMO TAMBÉM A OCORRÊNCIA DE JUSTO IMPEDIMENTO PARA O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES VENCIDAS, DE MODO A CARACTERIZAR A BOA-FÉ DO DEVEDOR. RÉ/AGRAVADA QUE, NO CASO, AINDA NÃO FOI CITADA. INEXISTÊNCIA, POR ORA, DE QUALQUER JUSTIFICATIVA PARA QUE, DEPOIS DE TER ADIMPLIDO REGULARMENTE CERCA DE 88% DAS PARCELAS, A RÉ/DEVEDORA NÃO TENHA TIDO CONDIÇÕES DE FAZÊ-LO QUANTO À PORÇÃO REMANESCENTE, O QUE SERIA ESSENCIAL PARA CARACTERIZAR A SUA BOA-FÉ. MORA DEVIDAMENTE CARACTERIZADA. LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO CONCEDIDA. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 17ª C.Cível - AI - 1491044-2 - Paranaguá - Rel.: Fernando Paulino da Silva Wolff Filho - Unânime - - J. 24.08.2016, g.n.)
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ESTADO DO PARANÁ Voltando ao caso em análise, observa-se que o "contrato de parceria" foi consideravelmente adimplido pela primeira apelada, tendo ela entregue (ainda que com alguns defeitos) 02 (dois) dos 03 (três) sobrados devidos aos apelantes, que, por sua vez, ao menos desde o primeiro semestre de 2012, utilizam tal imóvel para moradia da sua filha. O terceiro e último sobrado devido apelantes, até onde se tem notícia, encontra-se ainda em construção, com mais de 50% (cinquenta por cento) já construído. Sobre esse último sobrado, vale notar que os próprios apelantes, antevendo o inadimplemento da contraparte do contrato (art. 477 do CCB/02), deixaram de pagar a parcela de R$ 30.000,00, vencida em 05.07.2010, correspondente a uma parte do valor devido para a primeira apelada pela construção, regularização e entrega do referido imóvel. Não se pode ignorar, além do elemento quantitativo do adimplemento acima delineado, que, comprovadamente, pelo menos 01 (um) dos sobrados que caberiam à primeira apelada já foi objeto de compromisso de compra e venda com terceiros (vide depoimento da testemunha João Alberto Ellerbrock e o "contrato particular de compra e venda" de ref. evento 89.9), que, inclusive, residem nesse imóvel, possuindo-o, até onde se tem notícia nos autos, de boa-fé. Outrossim, os imóveis sobre os quais são construídos os 06 (seis) sobrados restaram alienados fiduciariamente em garantia para a segunda apelada "Ademilar Administradora de Consórcios S/A." (ref. evento 92.4/92.8) (financiadora de parte da obra), que também é, em relação a tudo isso, uma terceira de boa-fé, porquanto os apelantes transferiram sem quaisquer ressalvas a propriedade dos referidos imóveis para a primeira apelada antes da constituição da garantia fiduciária (cf. as matrículas de imóveis nº 29242 e 17183, ref. evento 1.5/1.6).
Engenharia Ltda.) restou indicada pela continuidade da construção mesmo diante da incontroversa dificuldade financeira por ela enfrentada (decorrente de negócios e investimentos fracassados e do encarecimento da mão de obra e dos insumos para construção), que, embora não seja suficiente para afastar os efeitos da mora (art. 394 do CCB/02), ao menos justifica do ponto de vista fático/material a impossibilidade de cumprimento da obrigação no tempo e modo contratado. Assim, tal como observado pelo juiz de primeiro grau, considerando-se todos os elementos quantitativos e qualitativos do inadimplemento, aí incluídos os interesses dos terceiros de boa-fé envolvidos no destino do empreendimento e a continuidade da construção dos imóveis faltantes, deve ser aplicada a teoria do inadimplemento substancial, cabendo aos apelantes o uso de outros instrumentos para a compensação da parcela inadimplida do contrato. IV Já em relação à indenização por perdas e danos decorrentes do atraso na obra, assiste razão aos apelantes, ainda que em parte. Conforme dispõe o art. 402 do CCB/02, as perdas e danos devem abranger não só o que o credor efetivamente perdeu (dano emergente), como também o que ele razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes). Em se tratando de descumprimento de prazo para entrega de bem imóvel, o prejuízo pelo atraso é presumido face à impossibilidade de o adquirente usufruir do bem, seja com o propósito de locá-lo, seja a fim de nele estabelecer residência. Para afastar o dever de indenizar, compete à contraparte tão somente demonstrar que o evento danoso (isto é, o atraso) não lhe é imputável. Nesse sentido, a jurisprudência do STJ é uníssona:
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ESTADO DO PARANÁ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. 1. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 27 DO CDC. REVISÃO DAS CONCLUSÕES ALCANÇADAS NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. 2. DANO MORAL. VALOR RAZOÁVEL. MODIFICAÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. 3. LUCROS CESSANTES. PRESUNÇÃO DE PREJUÍZO. PRECEDENTES. SÚMULA N. 83 DO STJ. 4. AGRAVO IMPROVIDO. (...) 3. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a presunção da existência dos lucros cessantes decorre da impossibilidade de uso e locação do bem, em razão do atraso na sua entrega, circunstância essa que denotaria presunção relativa do prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. Súmula 83/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 748.501/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/10/2015, DJe 23/10/2015, g.n.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. LUCROS CESSANTES. DISPENSA COMPROVAÇÃO. MATÉRIA PREQUESTIONADA. CULPA. PROMITENTE VENDEDORA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. OMISSÃO INEXISTENTE. (...) 3. A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. 4. Acentuado nas instâncias ordinárias que a demora na entrega do imóvel é injustificada, rever tal posicionamento demanda a análise das circunstâncias fáticas dos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 229.165/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 27/10/2015, g.n.) Na espécie, os apelantes não comprovaram que os sobrados nº 02 e 03, atualmente na posse deles, foram entregues de forma extemporânea (ainda que com defeitos), ônus que lhes incumbia (art. 333, I, do CPC/73, correspondente ao art. 373, I, do CPC/15). Outrossim, não demonstraram os apelantes que referidos sobrados encontram-se inaptos para habitação/locação. Pelo contrário, tendo em vista que a filha dos apelantes reside num desses sobrados e que diversas imobiliárias estimaram, sem ressalvas, valores de aluguel para referidos imóveis, é de se concluir que tais bens podem ser usufruídos economicamente. Em relação aos sobrados de nº 02 e 03, portanto, não são devidos aluguéis pela impossibilidade de uso/atraso na entrega 8.
8 Apenas para não passar em branco, cumpre ressaltar que, porque destoam do pedido e da causa de pedir expostos na petição inicial, eventuais perdas e danos decorrentes do inadimplemento sobre a qualidade dos materiais e da estrutura, bem como os (possíveis) gastos para regularização administrativa desses imóveis, deverão ser intentados em ação própria, conforme o caso. TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DO PARANÁ O sobrado de nº 04, por sua vez, tal como visto nos itens acima, inegavelmente não foi construído e entregue no prazo acordado. Como consequência, os apelantes deverão ser indenizados pelo período abrangido entre o término do prazo previsto para entrega do sobrado de nº 04 e a sua efetiva disponibilização aos apelantes. Referida quantia corresponde aos valores de aluguéis mensais de R$ 1.700,00 (valor obtido com base na ponderação entre as avaliações apresentadas pelos apelantes e os depoimentos colhidos em audiência, dentre eles o da testemunha João Alberto Ellerbrock), atualizados (art. 1º do Dec. Nº 1.544/95) desde o dia 05 de cada mês e acrescidos de juros de mora mensais de 1% a partir da data da citação (art. 219 do CPC/73). A data inicial desse inadimplemento, vale notar, ocorreu em 05.02.2012, 18 (dezoito) meses após a assinatura do termo aditivo, em 05.08.2010, haja vista a soma do prazo regular de 12 (doze) meses acrescido da cláusula de tolerância de 06 (seis) meses (cláusula 6º, ref. evento 1.8). V Diante do inadimplemento contratual acima relatado, deverá ser aplicada a penalidade moratória de 10% do valor do contrato (cláusula 8ª, ref. evento 1.8), sem prejuízo das perdas e danos acima estipulados (§ 2º da cláusula 8ª, ref. evento 1.8), acrescida de juros de mora a contar da data da citação (art. 219 do CPC/73). Nessa senda: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. OMISSÃO INEXISTENTE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 401, I, 409, 884 E 944 DO CC/02. CLÁUSULA PENAL E LUCROS CESSANTES. CUMULAÇÃO.
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. INOCORRÊNCIA. LUCROS CESSANTES. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DE CADA PARCELA. (...) 3. Consoante a orientação firmada nesta Corte, é possível a cumulação da multa, de caráter moratório, eventualmente estipulada no contrato de promessa de compra e venda de imóvel, com eventuais lucros cessantes decorrentes das perdas e danos, cuja finalidade é compensatória, o que evidencia a natureza distinta dos institutos. 4. O acórdão recorrido está em conformidade com a orientação firmada nesta Corte de que não há falar em enriquecimento sem causa pelo deferimento pelas instâncias ordinárias do pagamento de lucros cessantes e multa moratória (cláusula penal). Incidência da Súmula nº 83 do STJ. (...) 6. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 759.982/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 09/03/2017, g.n.) VI Do valor devido pela primeira apelada aos apelantes, deverá ser compensado (art. 368 do CCB/02) o valor de R$ 30.000,00, correspondente à parcela inadimplida por eles, corrigido monetariamente desde o seu vencimento, em 05.07.2010 (cláusula 2ª, § 1º, ref. evento 1.8). VII Ao contrário do que tentam fazer crer os recorrentes, não é o caso de aplicar multa por litigância de má-fé para quaisquer das partes. Isso porque os supostos litigantes de má-fé, a saber: os autores (ora apelantes) e a primeira ré (ora recorrente adesiva), limitaram-se a exercer os seus respectivos TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DO PARANÁ direitos de ação e de defesa, sendo, inclusive, em parte vencedores e perdedores, sem incorrer, de modo indubitável, em quaisquer das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/15 (correspondente ao art. 17 do CPC/73). VIII Ante a reforma da sentença, forçosa a redistribuição do ônus de sucumbência. Porque os autores perderam em relação à resolução do negócio jurídico e ganharam apenas em relação ao recebimento de aluguéis de 1 (um) dos 3 (três) sobrados e da multa contratual, estes deverão arcar com 80% (oitenta por cento) do valor das custas processuais e dos honorários advocatícios (art. 87 do CPC/15), sendo estes fixados em 15% (quinze por cento) do valor da causa atualizado, tendo em vista, mormente, a natureza da causa e o trabalho realizado pelos procuradores (§ 2º do art. 85 do CPC/15). Os valores restantes deverão ser suportados pela primeira ré (MRC Engenharia Ltda.), visto que ela é a única ré/apelada que sucumbiu em alguma medida. Posto isso, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso de apelação e ao recurso adesivo, a fim de: a) condenar a primeira ré (MRC Engenharia Ltda.) ao pagamento de indenização por lucros cessantes em razão do atraso na entrega do sobrado de nº 04; b) condenar a primeira ré (MRC Engenharia Ltda.) ao pagamento da cláusula penal moratória; c) determinar a oportuna compensação do valor devido pela primeira ré (MRC Engenharia Ltda.) com o valor atualizado da parcela de R$ 30.000,00 inadimplida pelos autores (Gilberto Kulaitis e outro.); e d) redistribuir o ônus de sucumbência.
Dispositivo
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso de apelação e ao recurso adesivo, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento o Des. Rui Bacellar Filho (Presidente sem voto), o Juiz Subst. 2 G. Francisco Jorge e a Juíza Subst. 2 G. Luciane Bortoleto. Curitiba, 24 de maio de 2017. Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho Relator
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