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Acórdão
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Certificado digitalmente por: GAMALIEL SEME SCAFF Tribunal de Justiça do Estado do Paraná APELAÇÃO CÍVEL Nº 1581596-0, DO FORO REGIONAL DE CAMBÉ DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA VARA DE INFÂNCIA, JUVENTUDE, FAMÍLIA E ANEXOS RELATOR : GAMALIEL SEME SCAFF APELANTE : M. L. L. R. APELADO : M. C. R. APELAÇÃO CÍVEL PEDIDO DE AÇÃO DE DANOS MORAIS INFRAÇÃO DO DEVER CONJUGAL DE FIDELIDADE COMPORTAMENTO ADULTERINO DO VARÃO QUE JÁ ERA DE CONHECIMENTO DA VIRAGO HÁ TEMPOS ILÍCITO MATRIMONIAL QUE NESTE CASO NÃO EQUIVALE AO ILÍCITO CIVIL AUSÊNCIA DE FATO EXTRATORDINÁRIO APTO A GERAR O DEVER INDENIZATÓRIO SENTENÇA MANTIDA. I- O "... final de um casamento, sempre traumático, com ou sem traição, não enseja dano moral. Exceto em caso de alguma situação que ocasione extraordinário vexame ou humilhação a que não se chega só em virtude da infidelidade de um dos cônjuges, ainda que desta resulte filho havido fora do casamento. (...) O importante, para efeito de verificação do dano moral indenizável, não é o adultério em si mesmo, porque fato previsível e até comum na atualidade, cuja ocorrência, é bom destacar, não se dá apenas por deslealdade, mas também pelas circunstâncias que hoje aproximam as pessoas com afinidades comuns muito mais do que antes. O importante é saber se dele resultou para o outro uma situação vexatória ou excepcionalmente grande o suficiente para ultrapassar os limites do desgosto pessoal pela conduta do outro cônjuge ou companheiro. Em cada caso concreto é que se verificará a presença ou não de circunstância extraordinária capaz de ensejar o dano moral pela infidelidade de algum dos cônjuges ou companheiros" (TJSP Relator Maia da Cunha; Comarca: Mogi-Guaçu; Órgão julgador: 28ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Data do julgamento: 13/12/2016; Data de registro: 16/12/2016.) RECURSO NÃO PROVIDO. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná VISTOS ETC. I. RELATÓRIO. Trata-se de Recurso de Apelação Cível nº 1581596-0, do Foro Regional de Cambé da Comarca da Região Metropolitana de Londrina Vara de Infância, Juventude, Família e Anexos, em que é Apelante M. L. L. R. e Outro e Apelado M. C. R. Contam terem as partes contraído o matrimônio em 06/09/1995. Todavia, em razão dos relacionamentos extraconjugais mantidos pelo varão M. C. R., o casamento deste com a virago M. L. L. R. ficou insustentável. Conforme se alega, o comportamento do varão M. C. R. para com a virago M. L. L. R. teria lhe causado prejuízos de ordem emocional merecedores da devida reparação, originando assim o pedido dos autos de origem. Asseverou M. L. L. R. que teria M. C. R. levado sua suposta amante em uma confraternização no lar conjugal, a qual teria agredido aquela. Ademais, o relacionamento extraconjugal do varão teria sido noticiado na mídia, causando assim danos psíquicos à virago. O Douto Procurador Américo Machado da Luz Neto se manifestou pela reforma da r. sentença. Após contestado o pedido inicial e produzidas provas testemunhais, sobreveio a r. sentença no seguintes termos: -- não haveria que se falar em prescrição da pretensão da autora; -- é "... óbvio que o adultério, a infidelidade, causam imensurável dor, mágoa e decepção ao cônjuge traído. Todavia, a ruptura dos deveres conjugais não se afigura causa bastante a ensejar indenização por ofensa moral. Somente devem ensejar o dever de indenizar quando os fatos ultrapassarem a simples traição, ou seja, quando o adultério ou o ato de infidelidade praticados exponham
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sobremaneira o cônjuge traído, degradando-o publicamente e no seu meio social e nas relações de trabalho"; -- "... não há como ignorar a infração dos deveres conjugais mencionados no artigo 1.566 do Código Civil. Contudo, no caso dos autos, a requerente afirmou logo na peça inicial que desde o início do relacionamento com o requerido, tinha conhecimento das relações extraconjugais do marido, infidelidade esta que foi admitida pelo requerido perante este Juízo, e corroborada pelo restante da prova oral produzida nos autos"; -- como "... se vê das provas produzidas no presente feito, o relacionamento do requerido fora do casamento, já era de muito tempo do conhecimento da requerente e também público, o que descaracteriza o adultério como razão de ilicitude a gerar trauma indenizável" -- a "... traição configura descumprimento dos deveres matrimoniais, mas não ato passível de indenização. Até porque, como já dito anteriormente, a alegada exposição da traição aos olhos da sociedade não era fato novo, eis que, conforme já exaustivamente mencionado, uma traição anterior aos fatos narrados nos autos já era de conhecimento público. // Ante de toda prova produzida nos autos, entendo que a conduta do requerido, apesar de reprovável moralmente, não gera dever de indenizar, razão pela qual, a improcedência do pedido inicial é medida que se impõe"; -- deveria a autora arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, sendo estes fixados em R$ 1.500,00. Inconformada, a autora M. L. L. R. interpôs seu recurso de apelação, alegando que a infração do dever matrimonial pelo réu no tocante à fidelidade foi apto a lhe causar prejuízos de ordem psíquica que deveriam ser ressarcidos. Foram ofertadas as contrarrazões. A Douta Procuradoria de Justiça se manifestou no sentido de não haver interesse em intervir no feito. Vale destacar que após debatida a questão referente à competência para o trato da matéria posta na lide, decidiu-se que o presente debate deveria se dar nesta 11ª Câmara Cível. É o relatório, no que interessa.
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II. VOTO. PRELIMINARMENTE. Tendo em vista que a interposição do presente recurso e a publicação da decisão objeto de irresignação ocorreram na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a matéria aqui debatida será analisada em conformidade com suas disposições. De acordo com a disposição do art. 14, do Código de Processo Civil de 2015: "Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada" Diante do preenchimento dos pressupostos recursais, conheço do recurso. MÉRITO. QUANTO AO DEVER INDENIZATÓRIO EM RAZÃO DA
INFRAÇÃO DO DEVER CONJUGAL DE FIDELIDADE.
Efetivamente, ao que parece, é incontroversa a infidelidade conjugal por parte do recorrido. Todavia, o ilícito da esfera matrimonial não equivale necessariamente ao ilícito da seara civil, apto a ensejar o direito à reparação pelo dano psíquico causado. Vale aqui citar interessante precedente do e. TJSP. Diz o judiciário paulista que "... o final de um casamento, sempre traumático, com ou sem traição, não enseja dano moral. Exceto em caso de alguma situação que ocasione
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extraordinário vexame ou humilhação a que não se chega só em virtude da infidelidade de um dos cônjuges, ainda que desta resulte filho havido fora do casamento. Se é verdade que a conduta irregular do cônjuge no casamento, saindo para relacionamentos extraconjugais, pode ferir sentimentos importantes do cônjuge traído, verdade também é que, nas relações sentimentais que se ligam ao matrimônio, não se traduz o adultério, na atualidade, em ofensa moral que ultrapassa o sentimento pessoal de desilusão e ocasione o dever de indenizar. O contexto sentimental que une as pessoas, no casamento ou na união estável, tem como base a sua continuidade ao longo do tempo. Pode ou não persistir por tempo pequeno, médio ou grande, mas de modo algum se pode considerá-lo, em princípio, como permanente a ponto de não se sujeitar à ruptura pelos mais variados motivos. O relacionamento extraconjugal é apenas a consequência de uma união cujos sentimentos iniciais não perduraram no tempo, dando ensejo a que outros se sobrepusessem e levassem algum dos cônjuges ou companheiros à relação afetiva com outras pessoas. O importante, para efeito de verificação do dano moral indenizável, não é o adultério em si mesmo, porque fato previsível e até comum na atualidade, cuja ocorrência, é bom destacar, não se dá apenas por deslealdade, mas também pelas circunstâncias que hoje aproximam as pessoas com afinidades comuns muito mais do que antes. O importante é saber se dele resultou para o outro uma situação vexatória ou excepcionalmente grande o suficiente para ultrapassar os limites do desgosto pessoal pela conduta do outro cônjuge ou companheiro. Em cada caso concreto é que se verificará a presença ou não de circunstância extraordinária capaz de ensejar o dano moral pela infidelidade de algum dos cônjuges ou companheiros. `Assim, forçoso é concluir que o cabimento da indenização com essa finalidade é de ser analisado em cada caso concreto. Terá em vista a natureza dos direitos lesados, a intensidade da violação e as consequências dela promanantes, para que seja reconhecida a necessidade de
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reparação e atribuído o seu valor em pecúnia' (MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO, in Cezar Peluso (coord.), Código Civil comentado, 6ª ed., Barueri, Manole, 2012, p. 2032). (...)."i Efetivamente, no caso em mesa, tal qual restou consignado na peça vestibular, desde "... os tempos da apontada união estável, tem a peticionária conhecimento de que o requerido mantém relacionamentos extraconjugais (...)" (mov. 1.1). Inclusive, quando do seu depoimento perante o juízo de origem, a recorrente confirmou quanto à sua ciência do adultério praticado pelo recorrido. Tal qual relatado pela virago, destacam-se duas ocasiões em que o dano psíquico a ela causado mereceriam supostamente a reparação: o acidente de helicóptero sofrido pelo varão em companhia da amante (noticiado na mídia) e um evento familiar no qual a então eles se fizeram presente. Todavia, conforme bem apontado na r. sentença vergastada, em momento anterior à Todavia, por ocasião do seu depoimento pessoal, a requerente afirmou que meses antes dos fatos narrados na inicial, o requerido havia viajado com a pessoa de VÂNIA para cidade do Rio de Janeiro- RJ, ocasião em que encontrou diversos moradores de Cambé, em um ônibus de excursão, sendo que as pessoas que participavam de tal excursão, viram o requerido junto com referida pessoa. Sobre esse assunto são os dizeres da requerente: "(...)que a pessoa de VANIA também tem relacionamento com o requerido; que um ônibus de Cambé encontrou com VANIA e o requerido no Rio de Janeiro; que este episódio foi muito complicado, que sentaram e conversaram, mas sem resultado, sendo que o requerido assumiu no outro processo esta situação; que este fato aconteceu anteriormente ao acidente de helicóptero e à festa(...)".
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Corroborando com as declarações da requerente, o depoimento da testemunha arrolada pela parte autora ROBSON RENATO RODRIGUES: "(...) que conheceu o requerido um pouco depois, mas não tem muito contato com ele; que o depoente viu na TV a queda de helicóptero do requerido com outra mulher, sendo que a cidade inteira comentou sobre o assunto; que houve outra situação que o depoente ficou sabendo, porque a cidade inteira também comentou de uma viagem do Rio de Janeiro do requerido com outra mulher(...);" (sublinhei). Assim, diante "... de tais afirmações, é possível concluir que antes mesmo da festa de confraternização e do acidente de helicóptero, já era de conhecimento público, na cidade de Cambé, que o requerido mantinha relações extraconjugais, eis que tal fato chegou ao conhecimento da requerente em razão dos diversos comentários que surgiram na cidade por conta dessa situação. (...) Ademais, em seu depoimento, a parte autora alegou que antes do acidente de helicóptero, não conhecia a pessoa de Ana Paula, fato este que se contradiz com as próprias alegações da requerente, já que a mesma afirmou que o requerido compareceu à festa realizada em sua residência, acompanhado de tal pessoa. Nesse ponto, indispensável frisar que de acordo com a prova colhida, a festa aconteceu dias antes do acidente sofrido pelo requerido." Outrossim, com relação ao tratamento psiquiátrico ao qual a recorrente foi submetida, não há prova de que tenha ele causa na infração do dever matrimonial em tela, visto que já era de seu conhecimento, conforme supracitado. Diante disso, a tese apresentada não merece guarida.
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CONCLUSÃO À luz do exposto, proponho que seja negado provimento ao recurso. É como voto.
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III. DISPOSITIVO: ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes do 11ª Câmara Cível, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores SIGURD ROBERTO BENTSSON e FÁBIO DALLA VECCHIA. Curitiba, XXI. VI. MMXVII.
Des. Gamaliel Seme Scaff
i TJSP Relator Maia da Cunha; Comarca: Mogi-Guaçu; Órgão julgador: 28ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Data do julgamento: 13/12/2016; Data de registro: 16/12/2016.
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