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Acórdão
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Certificado digitalmente por: CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.554.894-4, DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA, FORO CENTRAL DE LONDRINA - 6ª VARA CÍVEL APELANTE: ASSOCIAÇÃO EVANGÉLICA BENEFICENTE DE LONDRINA APELADA: ANA CAROLINA DA SILVA RELATOR: JUIZ SUBST. 2º G. CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN (EM SUBSTITUIÇÃO AO DES. DOMINGOS RIBEIRO DA FONSECA) APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OPERADORA QUE, POR MEIO DE TUTELA PROVISÓRIA, FOI COMPELIDA À LIBERAÇÃO DE CIRURGIA BARIÁTRICA (GASTROPLASTIA REDUTORA POR VIDEOLAPAROSCOPIA). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA QUE CONFIRMA A LIMINAR E REJEITA O PEDIDO DE DANOS MORAIS. RECURSO DA RÉ. CONTRATO CELEBRADO EM 06/2013. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE LIBERAÇÃO DO PROCEDIMENTO FORMULADO APENAS ALGUNS MESES DEPOIS, EM 04/2014. PARTE AUTORA QUE, NA DECLARAÇÃO DE SAÚDE, INFORMOU MEDIR 1,63M E PESAR 80KG (IMC DE 30,1KG/M² - OBESIDADE GRAU I). ADEMAIS, NEGOU SOFRER DE OBESIDADE MÓRBIDA/PESO EXCESSIVO, OU REALIZAR TRATAMENTO PARA EMAGRECER. COBERTURA CONTRATUAL EXPRESSAMENTE LIMITADA PELA LEI Nº 9.656/98 E PELO ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE EDITADO PELA ANS. REQUERENTE QUE NÃO COMPROVA OBESIDADE MÓRBIDA HÁ MAIS DE 5 ANOS, TAMPOUCO 2 ANOS DE TRATAMENTO CLÍNICO INFRUTÍFERO, REQUISITOS EXIGIDOS PELA ANS PARA A LIBERAÇÃO DO PROCEDIMENTO SOLICITADO (ITEM 25 DO ANEXO DA RN 338/2013 DA ANS). VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM). COBERTURA NÃO OBRIGATÓRIA. INDICAÇÕES MÉDICAS QUE, POR SI SÓ, NÃO JUSTIFICAM A LIBERAÇÃO DA CIRURGIA, TAMPOUCO COMPROVAM A URGÊNCIA NA REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO. SENTENÇA REFORMADA. SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.554.894-4, da Região Metropolitana de Londrina, Foro Central de Londrina - 6ª Vara Cível, em que figura como apelante ASSOCIAÇÃO EVANGÉLICA BENEFICENTE DE LONDRINA e apelada ANA CAROLINA DA SILVA.
I - RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto em face da sentença de fls. 261/266, por meio da qual, em autos de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Dano Moral, o d. magistrado singular julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela parte autora, nos seguintes termos:
DISPOSITIVO POSTO ISSO, e por tudo o mais que dos autos consta, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS da parte autora para o fim de: a) CONDENAR a parte requerida em relação à obrigação de fazer, no sentido de realização da cobertura do procedimento cirúrgico pleiteado na inicial, com acompanhamento médico, confirmando- se, nesse sentido, a antecipação dos efeitos da tutela deferida liminarmente à seq. 17.1, sobretudo para os efeitos do Art. 520, VII, do CPC; b) Julgar IMPROCEDENTE o pedido de danos morais, conforme fundamentação retro. Diante da sucumbência ínfima da parte autora, condeno ainda a requerida ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios do patrono
da autora, estes fixados em 15% sobre o valor da causa levando em conta a mediana complexidade da ação, valor dado à causa e a desnecessidade de audiência de instrução, com fulcro no artigo 20 do Código de Processo Civil. Consequentemente, julgo extinto o processo com julgamento de mérito, com fulcro no art. 269, I, do Código de Processo Civil.
Opostos embargos declaratórios pela parte ré (fls. 273/277), estes foram parcialmente acolhidos somente para constar na sentença que a requerida estava dispensada do pagamento das custas e dos honorários sucumbenciais diante da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça (fl. 285).
Inconformada, a associação ré interpôs apelação, alegando, em breve síntese, que (fls. 291/299): a) o contrato de plano de saúde firmado entre as partes prevê expressamente que a cobertura é limitada pelo Rol de Procedimentos da ANS e pela Lei nº 9.656/98; b) no momento da contratação, a apelada informou que possuía obesidade grau I (IMC de 30,1 kg/m²), assim como que não sofrera de obesidade mórbida em lapso temporal inferior a 5 anos, tampouco fizera tratamento para a redução do peso por período superior a 2 anos, requisitos exigidos pela ANS para a liberação obrigatória da cirurgia bariátrica; c) ademais, não restou previamente demonstrado pela apelada o caráter de urgência do procedimento, inexistindo ilegalidade na recusa de cobertura.
O recurso foi recebido apenas em seu efeito devolutivo (fl. 302). A apelada foi devidamente intimada, no entanto, não apresentou contrarrazões (fls. 306 e 309).
Vieram-me conclusos.
É o relatório.
II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO.
Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.
Do Dever de Cobertura
Da análise dos documentos de fls. 47/54, 57/60 e 89, verifico que, em fevereiro de 2014, a requerente apresentava o quadro de obesidade mórbida (CID E66) com comorbidades (hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia, entre outras), sendo-lhe recomendada a cirurgia bariátrica por equipe médica multidisciplinar (cardiologista, endocrinologista nutricionista, psicólogo e cirurgião especialista).
Diante disso, em 09/04/2014 a autora requereu administrativamente a liberação do procedimento de gastroplastia para obesidade mórbida por videolaparoscopia (fl. 56). Transcorrido cerca de um mês sem resposta, foi ajuizada a presente demanda, com pedido de antecipação dos efeitos tutela.
Depois de emendada a inicial, o juízo a quo reconheceu a probabilidade do direito e o perigo de dano à saúde da requerente e concedeu a tutela provisória, compelindo a ré a liberar imediatamente a cirurgia bariátrica (fls. 92/93). O procedimento foi autorizado pela operadora em 15/05/2014 (fls. 131/132).
Não obstante a requerida tenha alegado, em contestação, que o contrato tinha a cobertura limitada de acordo com o rol estipulado pela ANS, e que este condicionava a liberação da gastroplastia ao preenchimento de requisitos que não foram comprovados pela requerente (fls. 111/129), a antecipação de tutela foi confirmada na sentença, entendendo o juiz singular que, além de se tratar de procedimento urgente, os requisitos invocados pela ré não estavam previstos expressamente no instrumento contratual, de modo que, à luz da CF e do CDC, a negativa era ilegítima (fls. 261/266).
Com o devido respeito ao entendimento exarado pelo douto magistrado, entendo que assiste razão à associação
apelante, impondo-se a reforma da sentença, pelos motivos que passo a expor.
In casu, o contrato de plano de saúde foi celebrado pelas partes em 01/06/2013 (fl. 41), aproximadamente 10 meses antes do requerimento da cirurgia.
Conforme a cláusula VI do instrumento, as coberturas e os procedimentos garantidos são aqueles definidos e listados no rol da ANS vigente na data do evento, observados os limites, prazos de carência, condições e peculiaridades estabelecidas contratualmente (fl. 138). Por sua vez, as exclusões de cobertura estão elencadas na cláusula VII, constando expressamente na alínea "x", a "exclusão de procedimentos não relacionados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS vigente na data do evento" (fls. 144/146).
Ademais, a cláusula XI disciplina as hipóteses de urgência e emergência, definindo emergência como "atendimentos que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente", e urgência como "atendimentos resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional" (fl. 150).
Dito isto, não resta dúvida de que a avença é regida pelas Resoluções da ANS, sobretudo com relação às restrições de cobertura, assim como que as hipóteses de emergência são somente aquelas em que há risco iminente de vida ou de lesão irreversível.
Segundo a RN nº 338/2013 da ANS, vigente à época da solicitação, as operadoras só estavam obrigadas a cobrir a cirurgia bariátrica para pacientes que não apresentassem quadro psiquiátrico descompensado e preenchessem, cumulativamente, as seguintes condições: a) idade entre 18 e 65 anos; b) falha no tratamento clínico realizado por, pelo menos, 2 anos; e c) obesidade mórbida instalada há mais de 5 anos. Somado a isso, deveriam possuir, alternativamente: IMC entre 35kg/m² e 39,9kg/m²,
com comorbidades que lhes ameaçassem a vida; ou IMC igual/superior a 40kg/m², independentemente de comorbidades (item 25 do anexo).
À fl. 89, a requerente anexou declaração médica, subscrita por especialista em cirurgias digestivas, datada de 14/05/2014 (posterior, portanto, ao requerimento administrativo). Nela, o Dr. José Carlos Lacerda de Souza certificou que, adiado o procedimento e persistindo a obesidade, além do agravamento das comorbidades já existentes, a paciente ficaria suscetível a outras doenças, sendo recomendada a realização da gastroplastia o mais breve possível.
Os demais documentos médicos apresentados, todos datados do primeiro semestre de 2014, noticiaram que a paciente sofria com o "efeito sanfona", passou por "várias tentativas frustradas de perda de peso", "fez vários regimes orientados por profissionais da saúde", suportando "falhas no tratamento clínico por período superior a 2 anos".
Nesse cenário, asseguraram os profissionais da saúde que a cirurgia proporcionaria a "melhora na saúde geral e no tratamento das comorbidades após a perda de peso".
Anoto, neste particular, que embora conste na declaração de fl. 89 que a autora apresentava obesidade mórbida desde a infância, a informação foi desmentida pela própria requerente na impugnação à contestação, oportunidade em que afirmou sempre ter sido "gordinha", porém não sofrer de obesidade mórbida quando preencheu a declaração de saúde, manifestando- se o quadro posteriormente (fls. 205/236).
Na linha do argumentado pela associação apelante, referida declaração antecedeu a contratação, datando de 22/04/2013. Na ocasião, de fato, a autora assegurou não sofrer de obesidade mórbida ou peso excessivo, assim como não estar em tratamento para nenhuma doença. Consta no documento, ainda, que a demandante media 1,63m de altura e pesava 80kg,
resultando em IMC de 30,1kg/m², que caracteriza obesidade grau I 1 (fls. 134/135).
Assim sendo, ainda que houvesse prescrições médicas recomendando a cirurgia - cuja urgência/emergência é questionável (a uma por se tratar, em regra, de procedimento eletivo; a duas porque não há menção expressa nas declarações, tampouco se pode delas inferir que a autora efetivamente corria risco de vida ou de sofrer lesões irreparáveis) -, a liberação compulsória do procedimento esbarra na falta de comprovação dos requisitos preestabelecidos pela ANS.
Em atenção à máxima nemo potest venire contra factum proprium, se a autora pôs informações (verídicas ou inverídicas) na declaração de saúde, não pode agora, em comportamento contraditório, dizer que preencheu as condições cuja existência foi negada naquela ocasião, sendo-lhe defeso agir de maneiras diferentes conforme a situação, no intuito de se beneficiar em todas elas.
A propósito, constatada inexatidão ou omissão nas declarações do segurado, o art. 766 do CC2 prevê a perda do direito à garantia contratada, e admite que o segurador resolva o contrato ou cobre, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.
E, embora a vedação ao comportamento contraditório em si não esteja positivada em nosso ordenamento jurídico, a jurisprudência do STJ garante sua aplicação como corolário da boa-fé objetiva e da segurança jurídica, senão vejamos: 1 Conforme dados constantes no Portal da Saúde, de responsabilidade do SUS, disponíveis em http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/portal- dcnt/mais-sobre-portal-dcnt?start=10. 2 Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou
omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUERES E ENCARGOS. EXECUÇÃO. DECISÃO QUE FIXA OS HONORÁRIOS PERICIAIS COMPLEMENTARES E DETERMINA QUE A AUTORA-EXEQUENTE OS DEPOSITE. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM QUE PODE SER AFASTADA EM VIRTUDE DE ATO PRATICADO PELO PRÓPRIO BENEFICIÁRIO QUE DEMONSTRE SUA DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NON VENIRE CONTRA FACTUM PROPIUM. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A declaração de pobreza não goza de presunção absoluta, sendo apenas juris tantum. Precedente da Corte Especial. 2. Tendo a agravante, ao pagar os honorários periciais provisórios, claramente demonstrado sua capacidade financeira de arcar com tais despesas, não pode ela, em momento posterior, simplesmente alegar o contrário, uma vez que "Não se admite, no direito processual brasileiro, o venire contra factum proprium" (RMS 29.356/RJ, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, DJe 13/10/09). 3. Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1099550/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 29/03/2010) (grifo nosso)
Sobre o tema, a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira3: 3PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 37.
A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos (dever de correção, de cuidado e segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e ruptura de direitos (proibição do venire contra factum proprium, que veda que a conduta da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter agere, que proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra que a própria parte já tenha violado).
Na verdade, a locução venire contra factum propium encerra o exercício de uma posição jurídica contrária à conduta assumida anteriormente, constituindo um proceder injusto e, por isso mesmo, inadmissível. Trata-se, pois, de um princípio básico de convivência nas relações jurídicas e sociais, fundado na credibilidade e na segurança estabelecidas pela conduta anterior.
Na hipótese dos autos, não bastassem as informações conflitantes prestadas pela autora poucos meses antes da solicitação, não há nenhum documento que ateste o diagnóstico de obesidade mórbida há mais de 5 anos. E, quanto à realização de tratamento clínico por 2 anos, a única declaração que contém a afirmação não encontra respaldo em nenhum outro elemento, sequer esclarecendo o profissional subscritor por quanto tempo acompanha a paciente para chegar a essa conclusão.
Aliás, toda a documentação apresentada pela requerente foi confeccionada no primeiro semestre de 2014, o que fortalece a dúvida acerca da realização de qualquer tratamento em momento anterior.
Em casos muito semelhantes, este foi o entendimento adotado por esta Câmara Cível, conforme segue:
APELAÇÕES CÍVEIS. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DA OPERADORA EM
CUSTEAR CIRURGIA BARIÁTRICA (GASTROPLASTIA REDUTORA POR VIDEOLAPAROSCOPIA). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, DECLARANDO A ILEGALIDADE DA NEGATIVA E INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL.APELO DA UNIMED. SOLICITAÇÃO REALIZADA EM SETEMBRO/2013. RECUSA CALCADA NA DECLARAÇÃO DE SAÚDE DA PRÓPRIA AUTORA DE QUE EM JUN/2012 POSSUÍA 1,69M DE ALTURA E 80KG (IMC = 28), QUE NÃO ERA OBESA E QUE NOS 12 MESES ANTERIORES NÃO HAVIA SE SUBMETIDO A TRATAMENTO PARA EMAGRECER.VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (`NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM'). AUSÊNCIA DE PROVAS DE OBESIDADE MÓRBIDA INSTALADA HÁ MAIS DE 05 ANOS E 02 ANOS DE TRATAMENTO CLÍNICO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À COBERTURA (ITEM 25 DO ANEXO DA RN 338 DA ANS), APESAR DA INDICAÇÃO DOS MÉDICOS ACERCA DO PROCEDIMENTO. RECUSA QUE SE MOSTRA LEGÍTIMA. REFORMA DA R. SENTENÇA. SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDA. APELO CONHECIDO E PROVIDO.APELO DA AUTORA. PLEITO SUCESSIVO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DA RECUSA INJUSTIFICADA. RECONHECIMENTO DA LEGALIDADE DA ATITUDE DA UNIMED QUE PREJUDICA A PRETENSÃO À INDENIZAÇÃO. RECURSO PREJUDICADO. (TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1337939-0 - Curitiba - Rel.: Carlos Henrique Licheski Klein - Unânime - - J. 17.09.2015) (grifo nosso)
APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE GASTROPLASTIA REDUTORA (CIRURGIA BARIÁTRICA) E COLECISTOSTOMIA. RECUSA DA COBERTURA BASEADA NO NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA LIBERAÇÃO DA GASTROPLASTIA ELENCADOS NA RESOLUÇÃO Nº 1.942/2010 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, SEGUIDO PELA ANS. AUTORA QUE, POR OCASIÃO DA CONTRATAÇÃO, NEGOU A EXISTÊNCIA DE DOENÇAS BEM COMO A REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS PARA EMAGRECER NOS ÚLTIMOS DOZE MESES, ALÉM DE INDICAR PESO E ALTURA
CARACTERIZADORES DE IMC SAUDÁVEL.SOLICITAÇÃO DA CIRURGIA BARIÁTRICA REALIZADA MENOS DE UM ANO APÓS A CONTRATAÇÃO.AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A AUTORA ERA OBESA HÁ CINCO ANOS E DE QUE SE SUBMETERA A TRATAMENTO CLÍNICO POR PELO MENOS DOIS ANOS. RELATÓRIO DE NUTRICIONISTA QUE FUNDAMENTOU A PRESCRIÇÃO MÉDICA BASEADO EM DECLARAÇÕES DA PRÓPRIA AUTORA, CUJO CONTEÚDO CONTRADIZ AS INFORMAÇÕES PRESTADAS POR OCASIÃO DA CONTRATAÇÃO, CERCA DE UM ANO ANTES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. REQUISITOS PARA LIBERAÇÃO DA GASTROPLASTIA NÃO PREENCHIDOS.INEXISTÊNCIA, ADEMAIS, DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE JUSTIFIQUE O PROCEDIMENTO. INTERNAÇÃO DE CARÁTER ELETIVO. AUSÊNCIA DE RISCO IMINENTE À VIDA DA BENEFICIÁRIA. RECUSA DE COBERTURA DE TAL PROCEDIMENTO LEGÍTIMA. PROCEDIMENTO DE COLECISTOSTOMIA. OBRIGAÇÃO DE CUSTEÁ-LO MANTIDA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA, NA VIA ADMINISTRATIVA OU JUDICIAL, PARA A RECUSA DE COBERTURA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.417.137-2REDISTRIBUÍDOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1417137-2 - Curitiba - Rel.: Lilian Romero - Unânime - - J. 16.03.2016) (grifo nosso)
Ressalto que, embora a Legislação Consumerista se aplique ao caso, e mesmo que tenha sido invertido o onus probandi, incumbia à autora a prova de fato constitutivo de seu direito (art. 333, I do CPC/734), ônus do qual não se desincumbiu.
Ademais, a procedência do pedido encontra óbice na violação ao princípio da boa-fé no momento da celebração do contrato, convindo reforçar que não restou suficientemente demonstrada a urgência/emergência do procedimento cirúrgico, não sendo justificada a liberação sob esse fundamento.
4 Correspondente ao art. 373, I do CPC/15.
Anoto, por fim, que embora este Órgão Julgador possua inúmeros julgados afirmando que não cabe ao plano de saúde imiscuir-se na relação médico-paciente para questionar a pertinência ou a necessidade do procedimento prescrito pelo profissional, em se tratando especificamente de cirurgia bariátrica, firmou-se o entendimento de que é necessário que o paciente se enquadre no perfil estabelecido pela ANS para liberação do procedimento, inclusive para preservar a saúde de quem pretende a ele se submeter.
Reporto, exemplificativamente, ao julgado paradigma:
EMBARGOS INFRINGENTES - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PLANO DE SAÚDE - RECUSA DE COBERTURA DE CIRURGIA BARIÁTRICA - REQUISITOS PREVISTOS NAS RESOLUÇÕES Nº 338/2003 DA ANS E Nº 1942/2010 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, ACOLHIDOS PELA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA, NÃO PREENCHIDOS - AUTORA COM IMC DE 36,25KG/M² (OBESIDADE MÓRBIDA EM GRAU II) NÃO ASSOCIADA À CO- MORBIDADES - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE TRATAMENTO CLÍNICO, SEM SUCESSO, HÁ MAIS DE DOIS ANOS - PROCEDIMENTO SEM CARÁTER DE URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA - LEGÍTIMA RECUSA DA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE - PREPONDERÂNCIA DO VOTO VENCEDOR. EMBARGOS INFRINGENTES REJEITADOS. 1. A cirurgia bariátrica tem cobertura garantida nos contratos firmados sob a égide da Lei Federal nº 9.656/98, pois é procedimento integrante do rol de cobertura mínima elaborado pela Agência Nacional de Saúde. 2. As Resoluções nº 338/2013 da Agência Nacional de Saúde e nº 1942/2010 do Conselho Federal de Medicina estabelecem os requisitos para a realização da gastroplastia, aceitos pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica. No caso, não estão presentes os critérios exigidos, pois apesar da autora apresentar IMC de 36,25kg/m² e obesidade mórbida grau II, não
está associada à co-morbidades que ameacem a vida. Também não restou demonstrado que a autora se submeteu a tratamento clínico, sem sucesso, há pelos menos dois anos e nem mesmo que o procedimento era medida de caráter urgente ou emergencial. 3. A declaração do médico que justifica a liberação do procedimento encontra-se dissociada dos demais laudos profissionais e informações prestadas pela própria paciente. (TJPR - 10ª C.Cível em Composição Integral - EIC - 1296094-8/01 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Luiz Lopes - Unânime - - J. 29.10.2015) (grifo nosso)
Feitas essas considerações, a improcedência dos pedidos iniciais é medida que se impõe.
Dos Ônus de Sucumbência
Com a reforma da sentença, redistribuo os ônus sucumbenciais, de modo que as custas processuais e os honorários advocatícios ficam integralmente a cargo da requerente, respeitada a gratuidade da justiça a ela concedida.
No mais, mantenho o percentual fixado à título de honorários pelo juízo a quo (15%), pois observado o disposto no art. 20, §4º do CPC/735, mostra-se adequado.
Saliento, por oportuno, que não se aplica ao caso o disposto no art. 85, §11º do CPC/15, uma vez que a sentença foi publicada ainda na vigência do CPC/73 (14/07/2015 - fls. 261/266)6.
Conclusão
Diante do exposto, o voto é no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela 5 Correspondente ao art. 85, §8º do CPC/15. 6 Cf. Enunciado Administrativo nº 7 do STJ.
Associação Evangélica Beneficente de Londrina, para reformar integralmente a sentença, ante a não comprovação, pela parte autora, dos requisitos necessários para a liberação da cirurgia bariátrica, com a consequente redistribuição dos ônus de sucumbência.
É como voto.
III DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Desembargador GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA, sem voto, participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator o Exmo. Des. LUIZ LOPES e a Exma. Desa. ÂNGELA KHURY.
Curitiba, 22 de junho de 2017. CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN Juiz Subst. em 2º Grau Relator (akmb)
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