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Acórdão
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Certificado digitalmente por: CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.579.023-1, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 14ª VARA CÍVEL APELANTE 01: SÉRGIO LUIZ PANKO APELANTE 02: MARINA RODRIGUES SANTANA APELADOS: OS MESMOS RELATOR: JUIZ SUBST. 2º G. CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN (EM SUBS. AO CARGO VAGO DES. EDUARDO FAGUNDES) APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RECURSO INTERPOSTO PELO RÉU. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. PLEITO INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DA DATA DO ARBITRAMENTO. CRITÉRIO JÁ UTILIZADO NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. APELO NÃO CONHECIDO NESTE PARTICULAR. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. PROCEDIMENTO DE LATERALIZAÇÃO DE NERVO ALVEOLAR INFERIOR, PARA A COLOCAÇÃO DE IMPLANTES. FRATURA DA MANDÍBULA DA PACIENTE. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA INTRABUCAL PARA A REDUÇÃO DA FRATURA. FALHA NA FIXAÇÃO DOS FRAGMENTOS ÓSSEOS QUE ENSEJOU O QUADRO DE PESUDOARTROSE MANDIBULAR. NECESSIDADE DE UM NOVO ATO CIRÚRGICO, DESTA VEZ EXTRABUCAL, CERCA DE 5 MESES APÓS O PRIMEIRO. PREJUÍZOS MATERIAIS, ESTÉTICOS E MORAIS DECORRENTES DA FRATURA. A RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL LIBERAL É SUBJETIVA, NOS TERMOS DO ART. 14, §4º, DO CDC. A OBRIGAÇÃO DO DENTISTA É DE RESULTADO, DEVIDO À NATUREZA DE SUA ATIVIDADE. ÔNUS DA PROVA INVERTIDO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA, PARA QUE O RÉU COMPROVASSE A INEXISTÊNCIA DE CULPA. REQUERIDO QUE NÃO SE DESINCUMBIU DESTE ÔNUS, ASSIM COMO DE DEMONSTRAR CULPA CONCORRENTE OU EXCLUSIVA, DA VÍTIMA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. VALORES ARBITRADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. JUROS DE MORA QUE DEVEM CONTAR A PARTIR DA DATA DA CITAÇÃO, POR SE TRATAR DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. DANOS EMERGENTES. SENTENÇA OMISSA QUANTO AO ACORDO ENTABULADO ENTRE AS PARTES NA SEARA EXTRAJUDICIAL. RESTITUIÇÃO RESTRITA AOS MONTANTES NÃO CONTEMPLADOS NO RECIBO DE QUITAÇÃO. LUCROS CESSANTES. DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA DO ANO CALENDÁRIO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO DA OCORRÊNCIA DO DANO. DOCUMENTO VÁLIDO PARA DEMONSTRAR O RENDIMENTO MÉDIO DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO QUE DEVE SE PAUTAR PELO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. REQUERENTE FAZ JUS À INDENIZAÇÃO NO PERÍODO EM QUE A SUA ATIVIDADE FICOU DIRETAMENTE INVIABILIZADA PELA FRATURA. PLEITO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO DE APELAÇÃO DO RÉU (1): CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DA AUTORA (2): CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.579.023-1, da 14ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é apelante 01: SÉRGIO LUIZ PANKO; apelante 02: MARINA RODRIGUES SANTANA; e são apelados: OS MESMOS.
I- RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelação interpostos em face da sentença proferida às págs. 391-403 dos autos nº. 0044981- 47.2010.8.16.0001, de ação indenizatória por danos materiais e morais, em que o douto magistrado singular resolveu a lide nos seguintes termos:
"Ex positis, e por tudo que mais dos autos consta, julgo parcialmente procedente a presente ação para o fim de condenar o réu ao pagamento dos danos morais sofridos pela autora, arbitrados no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescidos de juros de mora à taxa legal (um por cento ao mês) desde a data do evento danoso (primeira cirurgia realizada pelo réu), bem como correção monetária pelo índice INPC/IGP, a partir da publicação da presente decisão.
Condeno o réu ao pagamento de danos materiais no importe de R$ 2.122,44 (dois mil, cento e vinte e dois reais e quarenta e quatro centavos), acrescidos de juros de mora à taxa legal e correção monetária pelo índice INPC/IGP desde a data da citação.
Por fim, condeno o réu ao pagamento pelos danos estéticos no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescidos de juros de mora à taxa legal (um por cento ao mês) desde a data do evento danoso, bem como correção monetária pelo índice INPC/IGP, a partir da publicação da presente decisão.
Quanto ao mais, julgo improcedente o
pedido da petição na inicial.
Tendo em que a autora decaiu de parte mínima do pedido, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, os quais fixo em 20% sobre o valor da condenação, na forma disposta no artigo 20, §3º, do CPC. " (Pág. 403)
Opostos aclaratórios por ambas as partes pela autora às págs. 409 e 410, e pela ré às págs. 412-414 , apenas os embargos da requerente foram acolhidos, passando a parte dispositiva da sentença a contar com o seguinte teor, no que se refere aos danos materiais:
"Condeno o réu ao pagamento de danos materiais no importe de R$ 2.122,44 (dois mil, cento e vinte e dois reais e quarenta e quatro centavos), corrigidos monetariamente pelo INPC/IGP a partir de cada desembolso, e juros de mora no importe de 1% ao mês, desde a citação. "
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (págs. 422-435), em que: a) defende que não se verifica, na hipótese, a existência de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano, pois o prejuízo sofrido teria decorrido de fato exclusivo da vítima; b) sustenta que não praticou conduta culposa e que, se houve dano, este decorreu de intercorrência normal e inerente ao procedimento, que foi agravada por fato da própria vítima; c) afirma a inexistência do dever de reparar dano material decorrente das despesas efetuadas pela apelada; d) busca afastar, também, a responsabilidade de indenizar os danos morais apontados pela autora; e) insurge-se, ademais, em face da sentença quanto aos danos estéticos fixados; f) busca a compensação dos valores pagos em composição prévia, realizada entre as partes, conforme documento juntado à pág. 57; g) assevera, subsidiariamente, que os
juros e a correção monetária quanto aos danos morais e estéticos devem ser computados a partir da data da fixação e não do evento danoso. Pugna, pois, pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação interposto.
Igualmente inconformada diante do resultado do julgamento da lide, a parte autora interpôs apelação (págs. 439- 449), na qual pretende a reforma da sentença quanto aos lucros cessantes, bem como a majoração da indenização pelos danos morais e estéticos fixada em primeiro grau.
Intimadas ambas as partes acerca da interposição dos recursos, a parte autora apresentou contrarrazões às págs. 457- 464, e o réu às págs. 477-488.
É a breve exposição.
Vieram-me conclusos.
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
Preambularmente, deixo de conhecer do recurso interposto pelo réu quanto à incidência de correção monetária sobre os valores indenizatórios fixados a título de danos morais e danos estéticos.
É que, embora o requerido sustente que a atualização da moeda sobre os referidos valores deve incidir a partir da data do arbitramento, nos termos da Súmula 362 do STJ, a sentença proferida pelo juízo singular já observou o parâmetro em questão, razão pela qual a parte carece de interesse recursal quanto a este aspecto.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, tanto intrínsecos quanto extrínsecos, conheço dos recursos quanto aos demais pontos, convindo apreciá-los de maneira conjunta, para a
melhor compreensão da ratio decidendi.
Dever de indenizar Falha técnica
De início, anoto que, embora a petição inicial apresentada pela parte autora em nada tenha facilitado o trabalho do julgador, trazendo narrativa genérica e superficial, na qual sequer esclarece as datas em que os diversos fatos narrados ocorreram, as circunstâncias fáticas que motivaram a pretensão indenizatória podem ser identificadas a partir de minudente análise das provas documentais e testemunhais produzidas, às quais me reporto na sequência, antes de adentrar ao mérito propriamente dito da demanda, valendo lembrar que não há alegação de prejuízo qualquer quanto ao exercício do contraditório e ampla defesa.
Consta dos autos que a requerente, Marina Rodrigues Santana, sofria de edentulismo, tendo procurado, por indicação da profissional que a acompanhava, o Dr. Sérgio Luiz Panko, especialista em implantodontia, para a reposição dos elementos dentários que faltavam.
Após a realização dos exames necessários, o réu ofertou à requerente a execução de dois diferentes procedimentos, quais sejam: a) a "técnica de protocolo de sobre implantes (...), que preconiza a instalação de quatro a seis implantes na região anterior da mandíbula (região intermentual), mas que, para isto, os dentes remanescentes deveriam ser extraídos" (pág. 161); ou b) a técnica de lateralização do nervo alveolar anterior.
Diante das opções que lhe foram fornecidas, a requerente optou pelo procedimento de lateralização do nervo alveolar, que, assim como a colocação dos implantes, foi executado na data de 19/01/2009. Não consta dos autos qualquer termo de consentimento informado da paciente, acerca dos possíveis riscos que a cirurgia em questão pudesse envolver.
Na sequência, como se vê do prontuário juntado às págs. 177-179, a autora retornou ao consultório do réu no dia 03/02/2009, oportunidade em que, durante a instalação de próteses fixas provisórias sobre os implantes acima mencionados, "a paciente ocluiu e houve estalido", com a respectiva "fratura mandibular (37-Rx) "1.
Diante da fratura, no mesmo dia (03/02/2009) o réu contatou a Dra. Cybele Prado, especialista em Cirurgia Buco- Maxilo-Facial, tendo esta comparecido ao consultório do requerido para promover a análise da condição da paciente. Por não dispor do equipamento adequado para a avaliação da fratura naquela ocasião, a Dra. Cybele solicitou exames, e pediu que fossem levados ao seu consultório no dia seguinte. 2
Ato contínuo, no dia 04/02/2009, o réu, acompanhado da requerente, levou os exames solicitados (pág. 61) ao consultório da Dra. Cybele Prado, quando ficou confirmada a fratura mandibular.
Como a cirurgiã buco-maxilo-facial em questão não atendia em estabelecimento conveniado com o plano de saúde da autora3, encaminhou a paciente ao Hospital XV, especializado em fraturas, conforme se verifica do documento de pág. 66.
Atendendo à orientação da Dra. Cybele, o réu levou a autora ao Hospital XV, onde a requerente foi internada (em 04/02/2009) e, no dia 06/02/2009, se submeteu à cirurgia intrabucal
de redução de fratura, assistida pelo Dr. Nelson Luís Barbosa Rebellato.
Acerca do procedimento em questão, o Dr. Nelson trouxe o seguinte relato:
"No dia 04/02/2009 a paciente foi internada para a administração de medicamentos por via endovenosa e realização de exames laboratoriais pré-operatórios, exames de imagem (tomografia computadorizada) e avaliações com outras especialidades médicas (cardiologia, anestesiologia). Os exames clínicos e por imagens revelaram fratura de corpo mandibular esquerdo, com deslocamento do segmento distal. Após preparo inicial da paciente, no dia 06/02/2009 foi realizado procedimento cirúrgico sob anestesia geral. Nesta etapa, através de um acesso cirúrgico intra-bucal foi feita a avaliação da área fraturada; debridamento da região; remoção de um dos implantes (que se encontrava com mobilidade e na linha de fratura); redução dos segmentos fraturados e fixação da fratura com placa e parafusos de reconstrução do sistema 2.3 mm, de titânio e sutura do acesso cirúrgico. " (Pág. 70).
Conforme esclarecido pela autora em seu depoimento pessoal, as fotos juntadas às págs. 33 e 34 foram tiradas imediatamente após esta cirurgia (intra-bucal), sendo que, as demais imagens, referem-se a um segundo tempo cirúrgico (extra-bucal), que será abordado na sequência.
Após o procedimento cirúrgico em questão, no dia 13/02/2009, a autora teve alta hospitalar, tendo obtido atestado médico para afastamento de suas atividades pelo período de 21
dias, nos termos do documento de pág. 65. Ainda, conforme consta da pág. 67 dos autos, na mesma data, o profissional assistente redigiu documento contraindicando a colocação de próteses na região posterior da mandíbula.
A despeito da aludida carta de contraindicação que o réu alega não ter recebido , no dia 18/02/2016, houve a colocação de prótese fixa provisória sobre implante (33 x 35), para que a autora viajasse ao Rio de Janeiro na época do carnaval, conforme prontuário de pág. 178.
Na continuação, conforme reportado na contestação e no prontuário médico coligido pelo réu (pág. 178) fato que foi não controvertido pela autora:
"Após a consulta de 18/02/2009, a paciente viajou ao Rio de Janeiro onde relata ter tido intensificação das dores e aumento de edema na face. Quando em 26/02 retornou, tentou contato, mas estávamos viajando. Após algumas chamadas noturnas desencontradas, conseguimos falar com a paciente, que se aparentava em estado de ansiedade com suposta piora do caso. Fizemos contato com o Dr. Dirceu Calgaro que prontamente fez o atendimento na manhã seguinte, removendo as próteses provisórias e reinstalando cicatrizadores em implantes 33 e 35. Após isso, a paciente relata que foi ao Hospital de Fraturas da XV para atendimento. " (pág. 178-179)
E, sobre o atendimento prestado na clínica de fraturas indicado no supracitado excerto, vale, mais uma vez, reportar ao relatório de atendimento elaborado pelo Dr. Nelson Rebellato (págs. 70-71", senão vejamos:
"No dia 27 de fevereiro de 2009 a paciente entrou em contato telefônico informando dor e aumento de volume no local, solicitamos sua presença. Durante a avaliação notamos que a paciente havia instalado próteses sobre o implante e estava usando uma prótese parcial removível, além de presença de secreção purulenta e nova deiscência da ferida cirúrgica. Foi indicado novamente antibioticoterapia e analgésicoterapia, irrigação da região, solicitação imediata de retirada das próteses e compressas úmidas quentes no sentido de estimular a drenagem da secreção purulenta via ferida cirúrgica. A paciente apresentou melhora do quadro, com boa epitelização. " (Pág. 71)
Após o evento acima relatado, a autora compareceu ao consultório do réu, na data de 03/03/2009, acompanhada da testemunha Nilza Fagundes Calegari, e mostrando-se cética quanto à conduta do profissional, requereu a devolução dos valores gastos com a cirurgia, remédios, taxi e dias não trabalhados até a referida data, dando origem ao recibo de quitação no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) coligido à pág. 57. A partir deste momento, não mais se consultou com o Dr. Sérgio Panko.
Posteriormente, aproximadamente 5 meses após a cirurgia de redução de fratura, conforme se verifica do relatório elaborado pelo Dr. Nelson Rebellato (pág. 72-73), a requerente retornou ao ambulatório do Hospital XV, queixando-se de dor na região da mandíbula. Nesta ocasião, o referido profissional relatou as seguintes circunstâncias:
"(...) Clinicamente foi possível observar a exposição do material de fixação, drenagem de
secreção purulenta através de fistula intra-bucal e mobilidade dos cotos ósseos previamente fixados. Os exames de imagem (radiografia panorâmica e tomografia computadorizada) evidenciam a falha da fixação, deslocamento dos segmentos ósseos e presença de quadro osteolítico no traço de fratura. Estes achados clínicos e radiográficos são suficientes para determinar o diagnóstico de um quadro de Pseudoartrose Mandibular associada a quadro de Osteomielite. A paciente fez uso crônico (aproximadamente 10 anos) de alendronato para tratamento de osteoporose em associação a corticosteróides. Os bifosfonados apresentam como efeito colateral num pequeno número de pacientes a indução de necrose dos maxilares por alteração do metabolismo ósseo e diminuição da microvascularização, o que vem aumentar a complexidade do caso em questão. " (pág. 72)
Diante deste quadro (pseudoartrose associada a quadro de osteomielite em paciente que fez uso de bifosfanados), o Dr. Nelson solicitou a abordagem multidisciplinar do caso em 3 etapas: a) 20 a 30 sessões de oxigenoterapia hiperbárica previamente ao procedimento cirúrgico; b) intervenção cirúrgica para a troca do material de fixação, debridamento dos focos de osteomielite e enxertia óssea; c) 30 a 40 sessões de oxigenoterapia hiperbárica após o procedimento cirúrgico.
E foi esta segunda cirurgia (em data não especificada pela requerente), de natureza extrabucal em procedimento substancialmente mais complexo do que o primeiro, dada a necessidade de realização de enxerto ósseo e troca do material de osteosíntese que ocasionou a cicatriz reportada nas
págs. 35-49, bem como os gastos com a oxigenoterapia hiperbárica.
Com base nas supramencionadas circunstâncias fáticas, a parte autora busca o recebimento de indenização pelo suposto erro do profissional, a título de danos morais, materiais e estéticos.
Assim sendo, é fundamental analisar se houve, ou não, ato ilícito praticado pelo profissional no exercício de sua atividade e, em caso positivo, quais os danos que efetivamente decorreram de tal conduta.
Adentrando ao mérito da demanda, ressalto que se aplica à hipótese o art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, que preceitua que o profissional liberal somente será responsabilizado se o dano decorrer de ato culposo praticado no exercício de sua atividade.
Por outro lado, é assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, embora a responsabilidade do dentista seja subjetiva, a obrigação por ele assumida é de resultado e não de meio diferentemente da responsabilidade do médico , razão pela qual incumbe ao profissional, no âmbito da demanda judicial, o ônus de comprovar que o descumprimento da obrigação não decorreu de negligência, imprudência ou imperícia na execução do serviço.
Isto porque procedimentos dentários são de natureza regular, específica e os problemas, em geral, são menos complexos que os da área médica, circunstâncias estas que reduzem os riscos de insucesso, de sorte que é possível que se exija do dentista a obtenção do resultado proposto ao paciente.4 Neste mesmo sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA, OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. 1. As obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais das vezes, são consideradas como "de meio", sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado. Contudo, há hipóteses em que o compromisso é com o "resultado", tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o contrato. 2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com previsibilidade. 3. O acórdão recorrido registra que, além de o tratamento não ter obtido os resultados esperados, "foi equivocado e causou danos à autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser recolocados". Com efeito, em sendo obrigação "de resultado", tendo a autora demonstrado não ter sido atingida a meta avençada, há presunção de culpa do profissional, com a consequente inversão do ônus da prova, cabendo ao réu demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em decorrência de culpa exclusiva da autora. 4. A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo que se tratasse de obrigação "de meio", o réu teria "faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada", impondo igualmente a sua responsabilidade. 5. Recurso especial não provido.
(REsp 1238746/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 04/11/2011) g.n;
Nesse cenário, em que a inexistência de culpa pelo evento danoso deve ser comprovada pelo profissional que inadimpliu a obrigação contratada, fundamental reportar às provas produzidas ao longo do feito.
Para além das provas documentais acostadas junto à inicial e à contestação indicadas anteriormente , ambas as partes pleitearam a produção de prova testemunhal e pericial, como se pode verificar de págs. 233 e 335.
A perita designada pelo juízo ofertou, nas págs. 245-250, proposta de honorários no importe de R$ 12.600,00, que foram impugnados pela requerente nas págs. 256-259.
Na sequência, a requerente pleiteou a inversão do ônus da prova, para que os honorários periciais fossem suportados pelo réu.
E, com supedâneo no entendimento acima enunciado quanto à obrigação de resultado do dentista , o douto magistrado singular inverteu o ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, atribuindo à parte ré o dever de comprovar a inexistência de culpa pelos danos apontados pela autora conforme se pode observar das págs. 275- 279.
Invertido o ônus da prova, a requerente desistiu de produzir a aludida prova (pág. 81) e, tendo a parte ré silenciado a este respeito, o processo teve seu trâmite regular, com a realização de audiência de instrução e posterior prolação da sentença de mérito.
Com efeito, não bastasse o sólido entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a responsabilidade do dentista, embora subjetiva, é de resultado, tal interpretação fundamentou a decisão de inversão do ônus da prova, que não foi objeto de impugnação pela requerida. Ou seja, a possibilidade de rediscutir a matéria resta fulminada pela preclusão.
É que a prova pericial não levada a efeito pelo réu era decisiva para o deslinde do feito, pois o evento danoso se consumou no decorrer de atividade ínsita à especialidade da implantodontia, e a avaliação de culpa, no caso concreto, demandaria o amparo técnico fornecido pelo expert judicial.
Logo, o que temos nos autos, tão somente, é a contratação do requerido/apelante para realização de um serviço, do qual resultou uma fratura mandibular, seu esforço para reduzir os prejuízos causados, mas, deixando claro a existência do fato, do dano e do nexo causal, na medida em que a fratura não era algo esperado e/ou informado.
Por corolário, a partir dos elementos de prova coligidos aos autos, é possível inferir, tão somente, que a parte autora contratou com o réu um procedimento de lateralização de nervo alveolar, para a colocação de implantes e que, durante o procedimento, houve a fratura da mandíbula da paciente, donde se infere falha do profissional que, além de inadimplir a obrigação contratada, deu causa ao agravamento do estado da autora.
Havendo obrigação de resultado, cumpria ao requerido/apelante fazer prova cabal, indene de dúvidas, do acerto de seu proceder, dos cuidados extremos no diagnóstico, planejamento e execução dos serviços e, não o fazendo, é presumida a culpa do profissional diante das circunstâncias fáticas apuradas.
Não há como conceber que a fratura da mandíbula do paciente, em meio a colocação de uma prótese qualquer, fosse um risco corriqueiro, cotidiano e ínsito ao procedimento.
E, se houve fratura da mandíbula, não havendo prova qualquer em contrário, esta certamente decorreu de equívoco do profissional quanto à eleição do procedimento, planejamento ou execução sem a devida cautela, empregando força excessiva sobre a estrutura óssea ou mesmo sem respeitar o intervalo de tempo necessário entre a cirurgia de lateralização do nervo alveolar e a colocação dos implantes e das próteses como consignado pela Dra. Cybele do Prado em seu depoimento.
De uma forma ou de outra, fraturada a mandíbula da autora, a falha do profissional, decorrente de culpa, é patente, ao passo que não existe qualquer prova nos autos capaz de infirmar tal conclusão.
Quanto ao mais, igualmente não verifico culpa, concorrente ou exclusiva, da vítima para a consecução do evento danoso, conforme alegado na apelação.
Não existe, nos autos, qualquer elemento capaz de indicar que a requerente agiu negligentemente no seu pós- operatório, deixando de tomar as precauções necessárias à sua recuperação.
A própria viagem ao Rio de Janeiro, cerca de 20 dias após a fratura, não havia sido contraindicada pelos profissionais que a atenderam no Hospital XV, como se pode verificar do testemunho do Dr. Leandro Eduardo Kluppel, e não há qualquer prova de que a requerente descumpriu as orientações que havia recebido.
Igualmente não há como considerar que a pseudoartrose isto é, má consolidação da lesão sofrida pela autora, cerca de 5 meses depois da fratura decorreu de ato por ela praticado.
Muito pelo contrário, o Dr. Nelson Luiz Barbosa Rebellato, seu depoimento informou que a pseudoartrose pode ocorrer por diversas circunstâncias, mas em momento algum atribuiu este fato à desídia da requerente. Nesse ponto, oportuno transcrever parte de seu depoimento a este respeito:
"Dr. Nelson Rebellato: (...) Pseudoartrose é uma não união do fragmento ósseo. Ela pode acontecer, normalmente, ou por falha na fixação, se a fixação tiver movimentação e não era o caso dela , ou pela ausência de condições locais para que a cicatrização ocorra, por exemplo a ausência de células, que a gente chama de osteoblastos, que são células formadoras de tecido ósseo. Então, existem alguns fatores que podem gerar pseudoartrose. (...)
Além disso, o Dr. Nelson Rebellato esclareceu em seu depoimento que a necessidade de realização do segundo procedimento cirúrgico que ocasionou prejuízos estéticos mais relevantes à autora , cerca de 5 meses depois da fratura, decorreu diretamente da não consolidação da lesão, senão vejamos:
"Magistrada Singular: O fato de ela ter rompido a mandíbula ocasionou, porque nada deu certo depois no caso, ela não teve uma boa adaptação, e ocasionou essa segunda cirurgia? Dr. Nelson Rebellato: A segunda cirurgia é consequência da primeira, da fratura. Na verdade, se você for ver qualquer procedimento
cirúrgico, ele tem um risco, a gente tem, escalonado, quais são os riscos de uma fratura de mandíbula. A fratura de mandíbula quase sempre se fixa, desde que não tenham fatores externos atuando (...). "
Com efeito, embora a cicatriz indicada nas imagens de págs. 35-49 provenha da segunda cirurgia executada, para a correção da pseudoartrose, a falha cometida pelo requerido/apelante réu foi determinante para a ocorrência do dano, na medida em que a submissão a tal procedimento decorreu, necessariamente, da fratura da mandíbula.
Vale dizer: se o cirurgião-dentista não tivesse fraturado a mandíbula da requerente, por outro motivo a autora não passaria pela nova cirurgia de redução e, consequentemente, não teria suportado complicações próprias deste procedimento.
Saliento, por oportuno, que a causa superveniente só tem relevância quando "rompendo o nexo causal anterior, erige-se em causa direta e imediata do novo dano; vale dizer, dá origem a novo nexo causal5".
E, citando as lições de Adriano de Cupis, Cavalieri Filho6 conclui que:
(...) o fato superveniente só exerce influência quando o dano produzido resulta exclusivamente desse fato, ainda que idôneo para produzir o mesmo resultado fosse o fato preexistente: porque só em tal hipótese - em que o fato superveniente assume papel preponderante e absorvente - é que se pode cogitar de interrupção do nexo causal (Il dano, 1946, p. 125, nº 6). (Grifo nosso) No caso, não há como afirmar que o evento danoso resultou exclusivamente da segunda cirurgia, ou mesmo de fato exclusivo da vítima, pois, reforço, a segunda intervenção não possuía um fim em si mesma, seu objetivo era corrigir a falha perpetrada pelo réu, mesmo que tenha sido executada após significativo intervalo de tempo.
Além disso, o fato de o dentista réu ter acompanhado e assistido a autora nos dias que se seguiram à fratura, bem como ter sido diligente após diagnosticada a lesão, é insuficiente para exculpá-lo da falha cometida, sendo relevante apenas para quantificar a indenização, acaso a extensão do dano seja desproporcional à culpa (art. 944, parágrafo único, do Código Civil).
Diante do exposto, ausente prova cabal de que o dano é intercorrência normal do procedimento, verificada a falha técnica do réu durante a execução do procedimento contratado, bem ainda afastada excludente qualquer do nexo de causalidade, necessária a avaliação (extensão e quantificação) dos danos sofridos pela requerente.
Danos Morais e Estéticos
No que concerne aos danos morais e estéticos, ambas as partes apelam a este Tribunal: a parte autora busca a majoração das indenizações fixadas, enquanto a parte ré pleiteia a improcedência das pretensões em questão ou, subsidiariamente, a redução do quantum indenizatório.
De acordo com a jurisprudência que se consolidou no STJ 7, os danos morais devem atender a uma função dúplice: reparar os danos sofridos mediante compensação financeira e punir o ofensor e o responsável civil, para que observem o princípio do cuidado integral e, assim, evitem que a conduta causadora do dano se repita.
A fixação deve ser feita caso a caso pelo magistrado, o qual deverá buscar fixar uma compensação que não seja ínfima, a ponto de representar menoscabo ou desprezo ao sofrimento da vítima, sem que enseje, por outro lado, o enriquecimento. Há o aspecto pedagógico, de sorte que a indenização, sem representar enriquecimento sem causa, não pode constituir verdadeiro incentivo ao ilícito.
In casu, não há dúvida de que a conduta do dentista acarretou à requerente dor, sofrimento e tristeza, pois durante um tratamento dentário, acabou por fraturar a mandíbula da paciente, não só frustrando a expectativa da autora de obter a melhoria estética e funcional pretendida, mas também gerando um novo e mais complexo problema, que perdurou por meses, causando-lhe dor, limitações alimentares, danos estéticos, riscos e irritação que exacerba, em muito, o mero descontentamento quotidiano.
Contudo, não se deve olvidar que o parágrafo único do art. 944 do CC admite a diminuição equitativa da indenização quando houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.
Neste sentido, embora caracterizada a falha técnica do réu, as circunstâncias em que o dano foi causado e a
postura do profissional após o diagnóstico da lesão permitem qualificar a culpa como leve e justificam uma indenização branda, valendo lembrar que houve preocupação imediata de contatar outra profissional que pudesse auxiliar na solução do problema, acompanhamento do tratamento e posterior ressarcimento, sem delonga ou entraves.
Sopesadas as supramencionadas peculiaridades, tratando a espécie de ato culposo - é bom lembrar -, a indenização fixada pelo juízo singular a título de danos morais e estéticos se encontra adequada ao caso concreto.
A autora, é fato, teve de se submeter a procedimento cirúrgico extrabucal, que formou extensa cicatriz em seu queixo, segmento corporal de grande exposição, o que, sem sombra de dúvidas, causou e ainda lhe causa relevante constrangimento.
A jurisprudência admite a cumulação de valores autônomos, um fixado a título de dano moral e outro a título de dano estético, derivados do mesmo fato, quando forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis8.
Nesse sentido é a súmula 387 do STJ.
Quanto ao dano estético, reparável como parcela autônoma do dano moral, a doutrina entende que o dano deve ser permanente/irreparável:
[...]. Pensamos que o dano estético passageiro não é dano moral e sim dano material, facilmente indenizável e facilmente superável. [...]. Portanto, para que exista dano estético, é necessário que a lesão que enfeou determinada pessoa seja duradoura, caso
contrário não se poderá falar em dano estético propriamente dito (dano moral) mas em atentado reparável à integridade física ou lesão estética passageira que se resolve em perdas e danos habituais. [...]. Desse modo, para nós, no termo permanência se inclui a irreparabilidade do prejuízo, pois o que é reparável não é permanente. [...]. Continuamos a examinar o conceito de dano estético, vamos ver que esta modificação permanente há que ser na aparência externa da pessoa. [...], não é necessário que a lesão deformante apareça, seja visível a toda hora, basta que ela exista no corpo, mesmo em suas partes mais íntimas. Finalmente, o dano estético acarreta um dano moral. Toda essa situação terá de causar na vítima humilhações, tristezas, desgostos, constrangimentos, isto é, a pessoa deverá sentir-se diferente do que era menos feliz. Há então, um sofrimento moral tendo como causa uma ofensa à integridade física e este é o ponto principal do conceito de dano estético.9 (Grifo nosso)
No caso dos autos, do erro decorreram sequelas físicas que atingem a esfera psíquica por si bastante para se reconhecer o direito à indenização pelo dano estético.
Acerca da extensão do prejuízo estético, o valor fixado na primeira instância atende aos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, valendo lembrar que embora a requerente tenha acostado aos autos fotos tiradas imediatamente após as cirurgias (págs. 33-49), não juntou outras imagens mais recentes do ferimento, tampouco pleiteou prova pericial para melhor aquilatar a dimensão do dano estético, havendo de pesar, ainda, a idade e o local da cicatriz, que não é visível de qualquer ângulo.
Nesse cenário, levando em conta a extensão dos danos sofridos, tenho que os valores fixados na sentença a título de danos morais e estéticos cada qual no importe de R$ 10.000,00 são suficientes para reparar os prejuízos sofridos pela autora e, por outro lado, penalizar o requerido pela sua conduta, no exato limite de sua culpa.
Além disso, vale dizer, o valor indenizatório de R$ 20.000,00, se acrescido dos juros de mora de 1% contados a partir da citação (23/02/2011), atualmente, atinge o montante de R$ 34.800,00 sem contar a incidência de correção monetária , importância que é suficiente para reparar os prejuízos extrapatrimoniais.
Feitas essas ponderações, mantenho o valor fixado na sentença, eis que atendidos os princípios que norteiam a fixação, de sorte que é razoável e suficiente a condenação do réu ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) , igualmente distribuídos entre o caráter de ressarcimento e punitivo/pedagógico, a título de danos morais e estéticos, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora na forma estabelecida na sentença, convindo ressaltar que, ao contrário do alegado pelo apelante, o termo inicial dos juros moratórios em caso de responsabilidade contratual é a citação (art. 405 do CC).
Danos Emergentes
A parte ré devolveu ao tribunal, também, a matéria acerca da indenização pelos danos emergentes e, apesar de tê-lo feito por intermédio de razões superficiais e genéricas, passo a análise da matéria com fundamento no princípio da devolutividade.
Além disso, o apelante ainda apontou omissão na sentença quanto ao recibo de quitação juntado aos autos pela
requerente (pág. 57), pleiteando que seu conteúdo seja levado em consideração para fixação da indenização pelos danos materiais, com o consequente abatimento das verbas já quitadas.
Quanto aos danos emergentes, o juízo singular julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida na inicial, considerando, para tanto, que "verifica-se alguns gastos relativos ao uso de taxi, compra de medicamentos e realização de alguns exames, comprovados pela autora às fls. 51/55; 60; 90/106". Com base nos aludidos documentos, condenou a parte ré ao pagamento de R$ 2.122,44, a título de danos materiais.
Neste particular, contudo, a sentença merece reforma.
É que, como se depreende do documento de pág. 57 vale ressaltar, juntado pela própria requerente , os ora litigantes transacionaram na seara extrajudicial em relação à parte das despesas suportadas pela autora, formalizando tal negócio no recibo quitação, com o seguinte teor:
"Eu, Marina R. Santana recebi de Dr. Sérgio Panco a importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais) referente a despesas de cirurgia, remédios, táxi, e dias trabalhados até a presente data, referente ao acidente de fratura de mandíbula. Ctba 03-03-2009" (SIC Pág. 57)
Como se vê do documento em questão, a autora outorgou quitação ao requerido quanto as despesas decorrentes da cirurgia, medicamentos, táxi e dias trabalhados até o dia 03 de março de 2009.
Ocorre que, dentre as notas fiscais nas quais se pautou a decisão condenatória de primeira instância, várias são datadas do período compreendido pelo negócio jurídico
entabulado entre as partes isto é, até 03/03/2009 , razão pela qual a requerente não faz jus ao recebimento dos valores ali inseridos.
Com efeito, tendo havido acordo extrajudicial entre as partes, a requerente somente tem direito a receber indenização no valor das notas datadas de 04/03/2009 em diante, pois a quitação decorrente de transação só se restringe aos valores recebidos e verbas declinadas.
Assim sendo, nas págs. 60 e 90-97, seguindo-se o critério acima reportado, os valores devidos pelo réu se referem tão somente às seguintes notas:
Página Valor (R$) Data 92 29,93 24/03/2009 93 36,40 20/03/2009 95 10,00 20/03/2009 96 8,50 14/03/2009 Total 84,83
Entre as págs. 98-106, todas as notas fiscais, além de não terem sido impugnadas especificamente pelo réu, são datadas de momento posterior ao acordo entabulado entre as partes, razão pela qual devem ser restituídas a autora. O valor da soma dos montantes ali especificados corresponde a R$ 865,31(oitocentos e sessenta e cinco reais e trinta e um centavos).
Quanto às notas fiscais de págs. 51-55, relevante notar que todas elas são datadas de 06/07/2010, mais de 16 meses após a fratura sofrida pela autora e não há qualquer elemento que permita inferir a existência de nexo de causalidade dos valores dispendidos com o evento danoso narrado na inicial.
Além disso, analisando atentamente as referidas notas, verifico que em duas delas sequer constam quais os medicamentos comprados (págs. 53-54) e, nas demais, os fármacos comprados em nada tem a ver com a lesão sofrida pela requerente (por exemplo, na nota de pág. 51, o medicamento discriminado é o metamucil, cuja indicação é para "constipação intestinal e como regulador intestinal, no caso de intestino solto"10).
Assim sendo, voto no sentido de dar provimento ao recurso interposto pela parte ré, para reduzir a indenização pelos danos emergentes para o montante de R$ 950,14 (novecentos e cinquenta reais e quatorze centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora, na forma da sentença.
Lucros Cessantes
Por outro lado, a parte autora igualmente interpôs recurso de apelação, buscando a reforma da sentença quanto aos lucros cessantes pleiteados na inicial.
Neste ponto, afirma a requerente que as suas atividades ficaram paralisadas durante um período de 10 meses em decorrência da má condição de saúde que se sucedeu após a falha do profissional.
Para mensurar o prejuízo, juntou declaração de imposto de renda referente ao ano calendário de 2008, quando obteve, a título de rendimentos tributáveis, R$ 20.318,00 e, dividindo tal valor por 12, chegou ao rendimento mensal de R$ 1.698,93.
Os lucros cessantes referem-se à perda de ganho esperável, sendo oportuno salientar que "o cuidado que o juiz deve ter neste ponto é para não confundir lucro cessante com lucro
imaginário, simplesmente hipotético ou dano remoto, que seria apenas a consequência indireta ou mediata do ato ilícito".11
Ademais, ressalta-se que o arbitramento desta modalidade de dano material deve ser regida pelo princípio da razoabilidade, conforme determina o artigo 402 do Código Civil. Isto quer dizer que o magistrado deve fazer uma avaliação concreta do dano, de forma que a indenização pecuniária corresponda a diferença entre a situação real em que o ato ilícito deixou o lesado e a situação em que ele se encontraria sem o dano sofrido.
Sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho pontua que:
"A expressão - efeito direito e imediato - está, aí, a indicar uma relação de causalidade direta e imediata; que o lucro frustrado há de ser consequência necessária da conduta do agente, não bastando que o ato ilícito se erija em causa indireta ou remota do dano".12
Assim sendo, é fundamental que se identifique não só o intervalo de tempo em que a atividade anteriormente empreendida ficou suspensa, mas também os valores comuns e razoáveis que com ela eram auferidos, sob pena de não ser possível mensurar o dano, em descompasso ao que prevê o princípio da restitutio in integrum.
Na espécie, reputo escorreito o uso da declaração de imposto de renda para a mensuração do valor mensal médio obtido pela parte autora, até porque se trata de documento referente ao ano calendário imediatamente anterior ao da ocorrência do dano.
Por outro lado, quanto ao intervalo de tempo em que a requerente ficou impossibilitada de exercer a sua profissão, é fundamental tecer algumas considerações.
Em primeiro lugar, em que pese a existência de um necessário período de convalescença para todo e qualquer procedimento cirúrgico, a verdade é que a atividade empreendida pela requerente de cabelereira , não ficou diretamente inviabilizada pela fratura de sua mandíbula durante 10 meses.
Ora, o trabalho desempenhado é manual não de fala, canto, etc. , não sendo totalmente prejudicado pela fratura de mandíbula. É claro, a lesão em questão certamente gera desconforto, dor cotidiana, mas estes aspectos devem ser e foram ponderados para a fixação dos danos morais.
Para a fixação da indenização pelos lucros cessantes, como já mencionado, o critério é material, de forma que o julgador deve estimar o lucro que, efetivamente, foi frustrado com o ato ilícito.
Em outras palavras, a requerente somente faria jus à indenização se demonstrasse que a fratura de mandíbula foi a causa direta e imediata da inabilitação para o trabalho durante os 10 meses apontados na inicial; contudo, com a devida vênia ao entendimento do patrono da parte, tal prova não veio aos autos.
A verdade é que a requerente em momento algum juntou comprovante de recebimento de auxílio doença previdenciário, ou mesmo atestado médico referente a um período de tempo mais prolongado, elementos esses que seriam capazes de denotar a sua incapacidade laboral temporária, valendo lembrar que após a primeira cirurgia, viajou para o carnaval, no Rio de Janeiro.
De outro lado, é certo, a requerente não pôde trabalhar por alguns dias, notadamente naqueles períodos imediatamente posteriores aos atos cirúrgicos, o que é de se esperar pois toda intervenção médica, mesmo as mais simples, necessitam de um certo período de resguardo.
Nessa linha, tenho que os atestados médicos juntos aos autos nas págs. 50, 65 e 79 são documentos idôneos para demonstrar o tempo que a requerente ficou efetiva e diretamente impedida de trabalhar graças à falha do profissional.
A este respeito, relevante ponderar que, como se pode observar dos recibos de pagamentos juntados às págs. 112- 116, o salário da requerente dependia diretamente do número de atendimentos realizados no salão, de sorte que, impossibilitada de trabalhar, mesmo que amparada pelo atestado médico, deixou de obter rendimentos.
Somando-se os dias apontados nos referidos atestados, tenho que a requerente ficou impossibilitada de trabalhar, por decorrência direta e imediata da conduta do réu, pelo intervalo de 58 dias. Quanto ao período apontado na inicial (10 meses), se a requerente de fato não auferiu rendimentos neste ínterim, não há prova nos autos do nexo de causalidade deste prejuízo com o erro cometido.
Levando-se em conta o rendimento mensal comprovado (R$ 1.683,17), o provento diário regularmente obtido pela autora era de, aproximadamente, R$ 56,44 (R$ 1.683,17 / 30). E, multiplicando este montante pelos dias não trabalhados (R$56,44 x 58), chego ao montante de R$ 3.273,52 (três mil, duzentos e setenta e três reais e cinquenta e dois centavos).
Assim sendo, voto no sentido de reformar a sentença neste ponto, para condenar a parte ré ao pagamento de R$ 3.273,52 (três mil, duzentos e setenta e três reais e cinquenta reais
e cinquenta e dois centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, contada a correção monetária do mês respectivo, e os juros de mora, da citação.
Ônus de Sucumbência
Permanece tal como fixado na sentença, considerando que essa matéria não foi devolvida ao tribunal e as alterações promovidas importam em condenação em valor maior que aquele aplicado na sentença.
Logo, redistribuir a sucumbência resultaria numa reformatio in pejus, o que é vedado pelo nosso sistema, lembrando que a sentença já fixou os honorários em 20% do valor da condenação, desautorizando a fixação de honorários recursais, bem assim em relação ao requerido, considerando o decaimento mínimo em grau recursal (R$ 1.200,00, aproximadamente).
Conclusão
Diante do exposto, voto no sentido de: a) conhecer em parte e, nesta extensão, dar parcial provimento ao recurso interposto pela parte ré, para reduzir a indenização por danos emergentes fixada em primeiro grau para o valor de R$ 950,14 (novecentos e cinquenta reais e quatorze centavos), corrigidos monetariamente do desembolso e acrescidos de juros de mora da citação; b) conhecer e dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela parte autora para condenar o réu ao pagamento de indenização por lucros cessantes, no importe de R$ 3.273,52 (três mil, duzentos e setenta e três reais e cinquenta reais e cinquenta e dois centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, contados estes da citação.
É como voto.
III - DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em: a) conhecer em parte e, nesta extensão, dar parcial provimento ao recurso interposto pela parte ré; b) conhecer e dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela parte autora, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Desembargador GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA, sem voto, participaram da sessão de julgamento e acompanharam o voto do Relator o Des. LUIZ LOPES e Desa. ÂNGELA KHURY. Curitiba, 22 de junho de 2017. CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN Juiz Substituo em 2º Grau Relator (brb)
-- 1 Pág. 177. 2 Estas informações foram extraídas do depoimento prestado pela testemunha Cybele
do Prado. 3 Estas informações foram extraídas do depoimento prestado pela testemunha Cybele
do Prado.
-- 4CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo, Atlas: 2012. Pág. 429.
-- 5 Idem, p. 63. 6 Ibidem.
-- 7Vide AgRg no AREsp 344.300/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2015, DJe 03/03/2015 e EDcl no REsp 845.001/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 24/09/2009.
-- 8 REsp 1.235.486/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, decisão monocrática em 11/11/2003.
-- 9LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 37/44.
-- 10 http://www.medicinanet.com.br/bula/3346/metamucil.htm
-- 11 In: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 79. 12 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Editora
Atlas, 2015, p.81
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