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Acórdão
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Certificado digitalmente por: MARIO NINI AZZOLINI
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Décima Primeira Câmara Cível AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.555.511-4 NOS AUTOS Nº 12126-54.2016.8.16.0017 - PROJUDI, DA 5ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ AGRAVANTES: KAUAN AUGUSTO SILVA DE MATOS, JANICRER JÚLIO DA SILVA DE MATOS e KELSON AUGUSTO GAIOSKI DE MATOS AGRAVADOS: MAYKON JOSÉ GIACOMELLI FERREIRA e LUIZ CARLOS BARBOZA RELATOR: DES. MARIO NINI AZZOLINI AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DÍVIDA CONTRAÍDA PELOS AGRAVANTES OBJETO DE SUPOSTA COBRANÇA ABUSIVA PELOS AGRAVADOS PRETENSA CONCESSÃO DE TUTELA INIBITÓRIA QUE IMPEÇA OS AGRAVADOS DE AMEAÇAR OS AGRAVANTES OU COBRÁ-LOS DE FORMA ABUSIVA AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE CABIMENTO INTERESSE PROCESSUAL PRESENTE CONDUTAS NARRADAS QUE, EM TESE, CONFIGURAM ABUSO DO DIREITO DE COBRABÇA E, ASSIM, LEGITIMAM A APRECIAÇÃO DO PLEITO DE TUTELA INIBITÓRIA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA DETERMINAR AO JUÍZO A QUO O EXAME DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA.
VISTOS, relatados e discutidos os autos.
1. Adota-se, por brevidade, o relatório elaborado pelo eminente Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Gil Francisco de Paula Xavier F. Guerra por ocasião do exame do pleito liminar:
"Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por KAUAN AUGUSTO SILVA DE MATOS, JANICRER JÚLIO DA SILVA DE MATOS e KELSON AUGUSTO GAIOSKI DE MATOS contra a decisão proferida na `Ação de Nulidade de Negócio Jurídico c/c Indenização por Danos Morais c/c Tutela de Urgência' nº 0012126-54.2016.8.16.0017, em Décima Primeira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 1.555.511-4
trâmite na 5ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Maringá, que deixou de apreciar o pedido para que os Agravados sejam impedidos de `disseminar qualquer palavra ofensiva e/ou ameaças' aos Agravantes por se considerar materialmente incompetente para apreciá-lo e carentes de interesse processual (fls. 19/24). [seq. 7]
Em suas razões, sustentam os Agravantes, em síntese, que: em 2015, se mudaram para o município de Umuarama, porém, em razão de dificuldades financeiras, aceitaram empréstimo financeiro oferecido pelo Sr. Maykon José Giacomelli Ferreira; que, embora tenham honrado quase a totalidade do empréstimo, remanesceu a última parcela, no valor de R$ 1.900,00; que, em decorrência desse débito, o credor contratou o sr. Luiz Carlos Barboza para cobrar a dívida, o qual compareceu na igreja em que frequentam, fez um escândalo e os ameaçou de morte; que, mesmo após terem contatado o credor a fim de realizarem um acordo, novamente o Sr. Luiz foi até a residência em que moram e novamente os ameaçou de morte e proferiu palavras chulas e depreciativas, o que foi presenciado pelo seu filho menor; que os Agravados, além disso, começaram a entrar em contato com outras pessoas da comunidade religiosa para que entregassem suas dívidas para que pudessem realizar as cobranças, hostilizando lhes e envergonhando ainda mais e que, ao contrário do que entendeu o juiz da causa, tem sim interesse processual e é sua a competência para impor tutela inibitória aos Agravados a fim de coibi-los de proceder de forma desrespeitosa, ultrajante e ofensiva aos direitos da personalidade ao cobrar-lhes a citada dívida. Requerem, por isso, a antecipação da tutela recursal e, ao final, a reforma da decisão agravada (fls. 04/17)".
Deferida em parte a liminar "para determinar que o juízo a quo aprecie o pedido liminar veiculado pelos Agravantes no tocante à imposição de tutela inibitória aos Agravados consistente na proibição de proceder a cobrança da dívida de forma desrespeitosa, ultrajante e ofensiva aos direitos da personalidade" dos Agravantes (fls. 69/72).
Apesar de intimados, os Agravados não ofereceram contrarrazões (fl. 83).
É o relatório.
2. Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso comporta conhecimento.
No mérito, é de ser dado parcial provimento a este recurso. Décima Primeira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 1.555.511-4
Pelo que se verifica da inicial, o Agravante veiculou duas pretensões liminares "No intuito de prevenir a mácula à honra e o agravo ao estado psicológico e emocional dos Autores e de seu filho, por possíveis exteriorizações em sede de ameaças, consubstanciados nos fortes indícios da verossimilhança intrínseca da narrativa dos Autores, pede que seja DEFERIDA LIMINARMENTE a TUTELA INIBITÓRIA em caráter de URGÊNCIA, com o fim de compelir os Réus a se absterem de disseminar qualquer palavra ofensiva e/ou ameaça aos Autores, a fim de evitar a violação do direito dos mesmos" (seq. 1.1.)
O juízo a quo deixou de apreciá-las por considerar que os Agravantes não teriam interesse processual, já que a ameaça configure ilícito penal e, por isso, caberia à parte tomar as providências na esfera criminal.
Razão, entretanto, assiste aos Recorrentes.
É que, mesmo que a conduta configure crime, ela também é tutelável no âmbito cível, porque, igualmente, em tese, constitui um ilícito civil (abuso de direito na cobrança da dívida).
E, por se constituir ato ilícito, é cabível tutela inibitória para impedir os Agravados de ameaçar os Agravantes, justamente para prevenir a ocorrência do delito e de ofensa aos seus direitos da personalidade.
A prevalecer o raciocínio da ausência de interesse processual, caso deferida obrigação de fazer ou não fazer, cominando-se astreintes pelo descumprimento, essa multa também não seria cabível porque, se descumprida a determinação, a conduta configuraria crime de desobediência, o que não é o caso. Em outras palavras, é cabível a imposição de tutela inibitória justamente para prevenir a ocorrência do ilícito, não sendo razoável aguardar-se sua prática para que, então, a conduta seja apenada na esfera criminal.
Conclui-se, assim, que os Agravantes têm interesse processual, devendo o juízo apreciar os pedidos de tutela de urgência formulados.
Da mesma forma quanto à pretensão de se impor aos Agravados obrigação de não cobrar a dívida de forma desrespeitosa, ultrajante e ofensiva aos direitos da personalidade, pois os Agravantes têm interesse processual e o juízo a quo é sim competente para apreciar essa pretensão. Décima Primeira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 1.555.511-4
Isso porque a cobrança vexatória, intimidadora ou ultrajante de dívida pode caracterizar abuso de direito1 pois, segundo o artigo 187 do Código Civil, "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
Francisco Amaral, no ponto, sustenta que "O abuso de direito consiste no uso imoderado do direito subjetivo, de modo a causar dano a outrem. Em princípio, aquele que age dentre do seu direito a ninguém prejudica (neminemlaeditquiiure suo utitur). No entanto, o titular do direito subjetivo, no uso desse direito, pode prejudicar terceiros, configurando ato ilícito e sendo obrigado a reparar o dano" (AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5 ed.rev.,atual. e aum., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 550).
Daí o interesse processual de os Agravantes requererem a imposição de tutela inibitória.
E segundo Luiz Guilherme Marinoni, "a tutela inibitória é uma tutela específica, pois objetiva conservar a integridade do direito, assumindo importância não apenas porque alguns direitos não podem ser reparados e outros não podem ser adequadamente tutelados através da técnica ressarcitória, mas também por que é melhor prevenir do que ressarcir, o que equivale a dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitória deve-se dar preferência à primeira" (MARINONI, 2012, p. 33).
Registre-se, por fim, que descabe o imediato exame do pedido de tutela de urgência formulado nesta instância, devendo o pleito ser primeiramente analisado pelo juízo de origem, sob pena de supressão de instância.
Nesses termos, voto para dar parcial provimento ao recurso e, em consequência, afastando o óbice imposto pela decisão agravada (ausência de interesse processual), determinar que o juízo a quo aprecie os pedidos liminares veiculados pelos Agravantes, como de direito.
3. Ante o exposto, ACORDAM os julgadores da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
1 "Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Décima Primeira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 1.555.511-4
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador FÁBIO HAICK DALLA VECCHIA, sem voto, e acompanharam o voto do Relator, o Excelentíssimo Senhor Desembargador RUY MUGGIATI e o Excelentíssimo Senhor Juiz Substituto em 2º Grau GIL FRANCISCO DE PAULA XAVIER FERNANDES GUERRA.
Curitiba, 05 de julho de 2017.
MARIO NINI AZZOLINI Relator
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