Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.
Certificado digitalmente por: FRANCISCO LUIZ MACEDO JUNIOR Apelação Cível nº 1636704-9, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 5ª Vara Cível. Apelante: Transportadora Verdes Campos LTDA. Apelado: Yasuda Marítima Seguros S/A. Relator: Desembargador Francisco Luiz Macedo Junior APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE COBRANÇA SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR/CARGA RCTR-C NEGATIVA DE COBERTURA BASEADA EM DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL ALEGADO EXCESSO DE VELOCIDADE NO MOMENTO DO SINISTRO AUSÊNCIA DE AGRAVAMENTO DO RISCO DOLO NÃO DEMONSTRADO CULPA QUE INTEGRA O CONTRATO DE SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL NÃO COMPROVADO HONORÁRIOS CONTRATUAIS IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO PRECEDENTES DO STJ RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Trata-se de ação de cobrança de seguro, proposta por Transportadora Verdes Campos LTDA, em face de Yasuda Marítima Seguros S/A.
Afirma o autor que teria firmado contrato de Seguro RCTR-C (Responsabilidade Civil do Transportador Carga), cuja contratação é obrigatória.
Narra que, em 17 de agosto de 2012, o preposto do autor teria se envolvido em acidente de trânsito, levando à perda total da carga transportada, causando danos no valor de R$ 54.863,57 (cinquenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e três reais e cinquenta e sete centavos), situação coberta pelo seguro contratado.
Conta o autor que, comunicado o sinistro à seguradora, esta teria negado o pagamento da indenização, sob a alegação de que o preposto do autor estaria trafegando acima do limite de velocidade permitido.
A sentença (fls. 620/624), proferida em 28 de junho de 2016, julgou a demanda improcedente, por entender que a autora descumpriu o contrato firmado, ao dirigir em velocidade superior à permitida.
Condenou, também o autor, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil de 2015.
Inconformado, o autor apela, afirmando que o laudo pericial produzido no curso dos autos comprovaria que a velocidade do
veículo, no momento do sinistro, estaria de acordo com a velocidade permitida. Alega a inexistência de agravamento do risco.
Sustenta que a ré não produziu prova capaz de demonstrar a ocorrência de dolo ou culpa grave, do autor ou de seu preposto, capazes de afastar a necessidade de cobertura do seguro.
Requer a reforma da sentença, para condenar a ré ao pagamento da indenização securitária, conforme contratado, bem como ao pagamento dos valores referentes aos honorários contratuais.
Contrarrazões fls. 674/680.
Relatados, VOTO: Presentes os requisitos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos.
A sentença de mérito fundamentou-se no agravamento do risco, de forma equivocada. Afirma o juízo a quo, que o preposto do autor teria descumprido o contrato de seguro, por ter dirigido acima da velocidade permitida na via.
Admite a ré que o acidente se deu devido a imprudência do motorista do veículo (fls. 91/103). Tal situação restou incontroversa. A autora não discute quanto à existência de culpa de seu preposto. Pelo contrário, até porque o seguro de reponsabilidade civil exige a culpa do
segurado para que se verifique a possibilidade de cobertura securitária.
Sustenta a ré, segundo o disposto na apólice do seguro (fls. 36/43), que a autora teria desobedecido a seguinte disposição contratual (fls. 40 e fls. 115):
NORMAS E PROCEDIMENTOS PARA O TRANSPORTE DE MERCADORIAS * Somente poderão ser utilizadas rodovias não proibidas ao trânsito de veículos automotores pelas autoridades competentes, excetuando-se as situações em que as vias, estradas ou ruas utilizadas sejam as únicas que permitam a entrega da mercadoria no seu local de destino. * Somente poderão ser utilizados veículos transportadores compatíveis e adequados ao peso e dimensão da carga, observada a legislação em vigor. * Todos os veículos e seus condutores, inclusive carreteiros autônomos, deverão estar devidamente habilitados e com sua documentação em ordem. * Deverão ser observadas todas as exigências dispostas em lei para o transporte de mercadorias, inclusive quanto ao uso de batedores, tacógrafos e faixas sinalizadoras, quando for o caso. * Sob nenhuma hipótese, poderão ser ultrapassados os limites de velocidades estabelecidos nas rodovias utilizadas em cada viagem, bem como nenhum condutor poderá ser submetido a uma carga horária de trabalho superior à prevista em legislação específica em vigor. Atentar a velocidade: Indicação de 80 Km/h carregado; Indicação de 60 Km/h carregado e com chuva. * Deverão ser observadas rigorosamente todas as leis e disposições que disciplinam o transporte por rodovias, inclusive no que se refere a utilização de bebidas alcoólicas, entorpecentes ou qualquer outra substância que alterem a química corporal do condutor. * É permitido ao transportador subcontratar serviços de transportes, ficando proibida, entretanto, por
parte dos subcontratados, a possibilidade de novamente subcontratar serviços de terceiros. * O não atendimento às normas e procedimentos para o transporte de mercadorias ora estabelecidas, acarretará a ausência de cobertura em caso de sinistro, ficando entendido e acordado que o segurado perderá o direito à indenização total do carregamento. * Os custos com a adoção das medidas acima estabelecidas deverão ser integralmente absorvidos pelo Segurado. Afirma, portanto, que a autora teria descumprido o contrato firmado entre as partes.
A requerida fundamenta a sua negativa nos seguintes fatos: o tacógrafo do veículo teria marcado velocidade superior à permitida na pista, no trecho em que ocorreu o acidente. Sustenta que o tacógrafo, em conjunto com o Boletim de Ocorrência do acidente de trânsito, seria capaz de demonstrar que o preposto da autora trafegava em velocidade incompatível com a pista.
Primeiramente, antes de se passar à análise do mérito da demanda, de se analisar o seguro firmado entre as partes.
O seguro de responsabilidade civil encontra seu alicerce legal no art. 787 do Código Civil:
Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. § 1º Tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador.
§2º É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador. § 3º Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador. § 4º Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente. Sobre o seguro de reponsabilidade civil, diz Sérgio Cavalieri Filho1:
À primeira vista, parece tratar-se de um seguro feito em benefício de terceiro, mas, na realidade, tal não ocorre. O beneficiário é o próprio segurado, porquanto o que ele realmente objetiva é não ter que desembolsar a indenização eventualmente devida a terceiro. Com efeito, o dano causado no patrimônio do terceiro afeta diretamente o do segurado, que, na hipótese da não existência de seguro, terá de pagar uma soma com base em ato ilícito perpetrado por ele ou seus dependentes. Destarte, o segurado não contrata o seguro em benefício da vítima, mas sim em benefício próprio, para não desfalcar o seu patrimônio das consequências civis do que venha a causar outrem. Assim, temos, quanto à cobertura específica do seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário Carga (RCTR-C), que o segurado (no caso, a empresa de transportes), contrata seguro para indenizar danos à terceiros (proprietário da carga em trânsito, no seguro RCTR-C), que vierem ser causados por si mesmo ou seus prepostos (condutor do veículo). 1CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. - São Paulo: Atlas, 2012. P. 475-476
Tais danos, devem decorrer de ação ou omissão culposa do segurado.
De se ver que, nos termos do art. 762 do Código Civil, nenhum seguro pode cobrir ato doloso de segurado: "nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro".
Como ressalta Cavalieri Filho2:
Normalmente as apólices desse seguro excluem a cobertura de dano intencionalmente causado a terceiro. E nem seria admissível um seguro para dar cobertura aos danos causados por dolo, pois, além de conter causa ilícita, faltar-lhe-ia o elemento aleatório (imprevisível), que é elemento essencial do seguro. Doutrina e jurisprudência não admitem cobertura para as consequências de ato doloso, ainda que incluída pelas partes, por um princípio de ordem pública. Essa cláusula seria nula de pleno direito. (...) A responsabilidade que se pode segurar - arremata Pontes de Miranda - é a do ato culposo (não doloso) da pessoa segurada, ou a de fato, ou de ato-fato de outrem, culposo ou doloso, ou de animal. O seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário Carga (RCTR-C), é de contratação obrigatória, tanto pela Lei nº 8.374, de 30 de dezembro de 1991, que modificou3 decreto-lei que 2 Op. cit. 3 Art. 1º As alíneas b e l do art. 20 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, passam a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se-lhe uma alínea m assim redigida: "Art. 20: Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de: (...)
instituiu o sistema nacional de seguros privados, de 1966, quanto pelo disposto na Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, que não trata de seguros, mas sim sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiro mediante remuneração.
Dispõe o art. 13 de tal lei:
Art. 13. Sem prejuízo do seguro de responsabilidade civil contra danos a terceiros previsto em lei, toda operação de transporte contará com o seguro contra perdas ou danos causados à carga, de acordo com o que seja estabelecido no contrato ou conhecimento de transporte, podendo o seguro ser contratado: I - pelo contratante dos serviços, eximindo o transportador da responsabilidade de fazê-lo; II - pelo transportador, quando não for firmado pelo contratante. Parágrafo único. As condições do seguro de transporte rodoviário de cargas obedecerão à legislação em vigor. Sobre os seguros de Responsabilidade Civil obrigatórios, diz Walter Polido4:
Quando o seguro de Responsabilidade Civil tem caráter obrigatório, pode-se afirmar que o seu objeto é outro, uma vez que o Estado visa, tão-somente, a garantia efetiva da possibilidade de reparação da(s) vítima(s), socializando a repartição dos prejuízos, através do mutualismo representado pelo sistema de seguros. A proteção do patrimônio do próprio causador do dano/prejuízo, embora intrínseca em qualquer tipo de
m) responsabilidade civil dos transportadores terrestres, marítimos, fluviais e lacustres, por danos à carga transportada."
4POLIDO, Walter A. Contrato de seguro: novos paradigmas. São Paulo. Editora Roncarati, 2010. P. 194, 201
contrato de seguro de Responsabilidade Civil, não é a parcela mais importante visada pelo Estado, o qual impõe a contratação do seguro a determinadas classes de segurados. (...) Os seguros obrigatórios não foram concebidos dentro dos padrões clássicos do seguro de Responsabilidade Civil, o qual visa o próprio segurado e a garantia do seu patrimônio, que se torna disponível em razão da obrigação de indenizar o prejudicado. Naqueles [seguros obrigatórios de Responsabilidade Civil], de imposição legal, a contratação tem fim puramente social (...). No ensinamento de Miguel Reale Júnior, o seguro obrigatório sequer pode ser classificado como um contrato de adesão, porque neste tipo de contrato uma parte adere e, no seguro obrigatório, as duas partes são levadas a fazer o contrato na forma estabelecida em lei. (grifo nosso) O seguro RCTR-C é regulamentado pela Resolução 216, de 2010, do Conselho Nacional de Seguros Privados, órgão normativo vinculado à Superintendência de Seguros Privados SUSEP, regulador do setor.
A referida resolução traz as condições gerais para o referido seguro. Tais condições gerais possuem relevância no sentido de que às seguradoras cabe modifica-las, mas tão somente para ampliar as garantias oferecidas aos segurados, nunca para restringir direitos ou implicar novos ônus ao segurado. Na prática, a maioria das companhias seguradoras simplesmente repetem, na íntegra, as condições gerais definidas pela SUSEP nos seus contratos, sem modificação.
Diz o art. 1º da Resolução nº 216 de 2010:
Art. 1º O presente seguro garante ao Segurado, até o valor da Importância segurada, o pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais, por disposição de lei, for ele responsável, em virtude de danos materiais sofridos pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues para transporte, por rodovia, no território nacional, contra conhecimento de transporte rodoviário de carga, ou ainda outro documento hábil, desde que aqueles danos materiais ocorram durante o transporte e SEJAM CAUSADOS DIRETAMENTE POR :
I - colisão e/ou capotagem e/ou abalroamento e/ou tombamento do veículo transportador; Ou seja, o sinistro ocorrido no caso concreto, por si mesmo, está coberto pelo seguro.
O que se verifica, no caso concreto ora em análise, é que não há qualquer discussão sobre agravamento de risco, na demanda. Não se trata de matéria controversa. A ré negou a cobertura securitária por mero descumprimento contratual da autora, e não por suposto agravamento do risco.
É que a requerida não defendeu a ocorrência de agravamento de risco, fundamentando a sua defesa em suposto descumprimento contratual pela autora, que não teria obedecido à cláusula constante das condições gerais do seguro ao dirigir.
Mas, mesmo que assim fosse, não haveria que se falar em agravamento do risco, por dolo ou culpa grave.
Assim o é porque a existência de culpa, por imprudência,
é fato incontroverso nos autos. Além disso, como se disse, a existência de culpa do segurado também é um dos elementos essenciais dos seguros de responsabilidade civil.
De se dizer também, de qualquer forma, que culpa grave não é termo que integre a legislação civil. A priori, não existe graduação de culpa definida no Código Civil, apesar de tal graduação ser defendida por alguns doutrinadores.
E, ainda que se reconhecesse a possibilidade de graduação de culpa, o próprio Código Civil exige, expressamente, o dolo, para o afastamento da cobertura securitária, não fazendo qualquer alusão à culpa, nos arts. 762 (nulidade do contrato por ato doloso do segurado) e art. 768 (agravamento do risco), que tratam do afastamento da cobertura securitária.
Sobre a culpa grave, diz Sérgio Cavalieri Filho5:
Somente o fato exclusivo do segurado pode ser invocado como excludente de responsabilidade do segurador, mesmo assim quando se tratar de dolo ou má- fé. Para alguns, a culpa grave do segurado também excluiria a responsabilidade do segurador, mas, em nosso entender, sem razão. A culpa, qualquer que seja a sua gravidade, caracteriza-se pela involuntariedade, incerteza, produzindo sempre resultado não desejado. Ademais, é um dos principais riscos cobertos pela apólice. Quem faz seguro, normalmente, quer também se prevenir contra os seus próprios descuidos eventuais. E, ao dar cobertura à culpa do segurado, não seria possível introduzir distinção entre os diversos graus ou modalidades de culpa. Além da dificuldade para se avaliar a gravidade da culpa, a limitação acabaria excluindo a
5 Op. cit. p. 483
maior parte dos riscos que o segurado deseja ver cobertos, tornando o seguro desinteressante. Entendo, assim, que a culpa do segurado, qualquer que seja o seu grau, não exonera de responsabilidade o segurador. De se dizer, também, que não se verifica, no presente caso concreto, qualquer ato doloso do segurado até mesmo porque a culpa do condutor é questão incontroversa; também não se verifica a inobservância às disposições que disciplinam o transporte de carga por rodovia, que foi alegada pela requerida como matéria de defesa.
Resta afastada, assim, qualquer alegação sobre agravamento de risco, posto que, como se verificou, este sequer foi alegado.
Após tais esclarecimentos, de se dizer, inicialmente, que, mesmo que se reconhecesse o suposto excesso de velocidade do condutor do veículo, como sustenta a requerida, seria bastante discutível que tal fato levasse ao afastamento da cobertura, pela alegação de "desobediência às disposições que disciplinam o transporte de carga por rodovia".
O simples fato do tacógrafo supostamente apresentar velocidade superior à permitida não é suficiente para demonstrar a desobediência contratual.
Ainda mais, ao se considerar que tal situação, de excesso de velocidade, caso realmente tenha ocorrido, faz parte da rotina diária dos condutores de veículos de carga, não podendo assim, a seguradora alegar agravamento de risco, ou descumprimento de disposição contratual, por tal
situação, que além de previsível, é esperada no transporte rodoviário de cargas.
Foi realizada a prova técnica no curso dos autos (fls. 401/444), sendo que o perito judicial respondeu aos quesitos apresentados pelas partes.
De tal perícia é possível concluir que, considerando as condições da curva onde ocorreu o sinistro, as peculiaridades do veículo da autora (bi-trem, ou seja, caminhão e mais dois semirreboques), e a velocidade gravada no tacógrafo, o presente acidente de trânsito ocorreu, como já se disse, em virtude da imprudência, ou até mesmo da imperícia, do preposto da autora.
Concluiu o perito no seguinte sentido:
"A análise do local revelou se tratar de uma curva fechada à esquerda e foram observados, na pista, vários sulcos decorrentes de acidentes ali ocorridos, indicando ser aquele local, propício à ocorrência de acidentes. A considerar ainda, que o tipo de composição de caminhão trator e bitrem representa uma massa inercial significativa e com três centros de gravidade distintos (um para o caminhão trator, um para o primeiro semirreboque, e outro para o segundo semirreboque). A integração dos três centros de gravidade irá resultar em um centro de gravidade para o conjunto, entretanto, devido ao movimento do conjunto, o centro de gravidade da composição terá sua posição alterada em cada instante. Outro fator a considerar é que uma pane elétrica que resultasse no desligamento do motor iria ocasionar, como aludido no corpo do presente laudo, uma dificuldade do motorista em esterçar o volante para vencer a curva e a tendência seria do conjunto sair pela tangente, com menor probabilidade de tombamento. Finalmente a considerar
que a análise do disco diagrama evidenciou que o veículo sofreu tombamento quando transitava pouco acima de 80 Km/h" Vale dizer também que, como afirmou o perito, o Boletim de Ocorrência não faz qualquer menção ao suposto excesso de velocidade6.
Além disso, também afirmou o perito, que não se verificou nenhuma violação de qualquer norma de trânsito no momento do acidente.
Verificou também que o Boletim de Ocorrência, produzido pela Polícia Rodoviária Federal, não faz menção a qualquer transgressão das normas de trânsito pelo preposto da autora.
A perícia técnica também esclareceu que a velocidade permitida para a região e para o local onde ocorreu o acidente7 é de oitenta quilômetros por hora, sendo que a única indicação de velocidade inferior seria em uma região povoada a mais de quinhentos metros do local onde ocorreu o acidente. Afirmou que, segundo os documentos referentes ao acidente, o tempo e as condições da pista eram bons.
Ocorre que, como já se disse, a existência de culpa do
6 Resposta do primeiro quesito apresentado pelo requerente, fls. 420: 1. Consta no boletim de ocorrência a informação sobre possível excesso de velocidade do veículo segurado? Resposta: Não há no Boletim de Acidente de Trânsito elaborado pela PRF qualquer menção sobre excesso de velocidade do conjunto caminhão trator - bitrem. 7 Resposta ao quesito 24, da requerida (fls. 438/439): 24) Informar como se classifica a via do local do acidente, informar se é uma rodovia, conforme definição do CTB, e se é correto afirmar que o Art. 61 § 1º a) 3) deixa claro que a velocidade limite para caminhões é de 80 km/h, caso não tenha placa modelo R19 anterior com indicação contrária, conforme legislação. Resposta: O local do acidente se trata da rodovia BR-373 e a velocidade máxima para veículos pesados é de 80 Km/h.
segurado é, justamente, umas das possíveis condições indispensáveis ao seguro de responsabilidade civil.
Além disso, diferente do que afirma a ré, não restou comprovada a aplicação, pela autoridade competente, de qualquer infração administrativa que demonstrasse o alegado excesso de velocidade.
Somente se isso ocorresse (sanção, pela autoridade administrativa, em virtude de violação de lei de trânsito) é que se poderia argumentar possível caracterização de ofensa à cláusula que dispõe sobre o afastamento da cobertura, por inobservância das disposições que disciplinam o transporte de carga por rodovia, e ainda assim, somente se a autoridade administrativa verificasse a intenção de dolo da autora, em fraudar o seguro.
Isto porque, cabe somente ao Estado, em virtude da exclusividade do uso da legítimo da "violência", a verificação do efetivo descumprimento de alguma lei ou normativa infralegal de trânsito.
Nas palavras de Paulo Bonavides8:
"Todo Estado se fundamenta na força", disse Trotsky em Brest-Litowsk, e Max Weber, citando-o de forma literal, lhe dá inteira razão, embora ache que "a violência não é o instrumento normal e único do Estado", mas aquele que lhe é "específico". [...] O Estado moderno racionalizou, porém, o emprego da violência, ao mesmo passo que o fez legítimo. De modo que, valendo-se de tais reflexões, chega Max Weber, enfim, ao seu célebre conceito de Estado: aquela
8 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. rev. atual. Editora Malheiros, São Paulo, SP. P. 77/78
comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima. Assim, somente após a verificação, definitiva, pelo Estado, na forma do Poder Judiciário, ou da autoridade administrativa competente, do descumprimento de lei ou de norma administrativa, é que a seguradora poderia sustentar eventual descumprimento da aludida cláusula contratual (fls.40 e 115), que fundamentou toda a sua defesa:
* Deverão ser observadas rigorosamente todas as leis e disposições que disciplinam o transporte por rodovias, inclusive no que se refere a utilização de bebidas alcoólicas, entorpecentes ou qualquer outra substância que alterem a química corporal do condutor. E, como dito, não restou demonstrada a aplicação de qualquer infração administrativa pela autoridade competente, que comprovasse o excesso de velocidade até mesmo porque o perito simplesmente afirma9 em seu laudo, "pouco acima de 80 km/h", velocidade que, a priori, não é capaz de levar à tal sanção, nos termos do art. 218 do Código de Trânsito Brasileiro10.
Nestes termos, já decidiu este Tribunal de Justiça: 9 Fls. 420 10 Art. 218. Transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou equipamento hábil, em rodovias, vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias: I - quando a velocidade for superior à máxima em até 20% (vinte por cento): Infração - média Penalidade - multa; II - quando a velocidade for superior à máxima em mais de 20% (vinte por cento) até 50% (cinqüenta por cento): Infração - grave; Penalidade - multa; III - quando a velocidade for superior à máxima em mais de 50% (cinqüenta por cento): Infração - gravíssima; Penalidade - multa [3 (três) vezes], suspensão imediata do direito de dirigir e apreensão do documento de habilitação.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR/CARGA - RCTR-C - NEGATIVA DE COBERTURA BASEADA EM DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - SENTENÇA FUNDAMENTADA EM AGRAVAMENTO DO RISCO - ALEGADO EXCESSO DE VELOCIDADE NO MOMENTO DO SINISTRO - AUSÊNCIA DE AGRAVAMENTO DO RISCO - DOLO NÃO DEMONSTRADO - CULPA QUE INTEGRA O CONTRATO DE SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL NÃO COMPROVADO - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1465096-3 - Curitiba - Rel.: José Augusto Gomes Aniceto - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Francisco Luiz Macedo Junior - Por maioria - J. 31.03.2016) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. DANOS CAUSADOS POR TOMBAMENTO DE CAMINHÃO. CONTRATO DE SEGURO QUE EXCLUI O DEVER DE INDENIZAR DA SEGURADORA. CASO QUE NÃO CONFIGURA CONDUTA ILÍCITA DO CONDUTOR SEGURADO CAPAZ DE ENSEJAR O AGRAVAMENTO DO RISCO. ÔNUS DA PROVA DA SEGURADORA. ART. 333, DO CPC C/C ART. 6, DO CDC. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO SATISFAZ A PRETENSÃO DA SEGURADORA. SEGURO DEVIDO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DATA DA NEGATIVA DE PAGAMENTO ADMINISTRATIVO PELA SEGURADORA. SENTENÇA MANTIDA. Recurso Conhecido e Desprovido. (TJPR - 10ª C.Cível - AC - 931857-0 - Maringá - Rel.: Themis Furquim Cortes - Unânime - J.
30.08.2012) Nestes termos, de se reformar a sentença, para condenar a seguradora requerida ao pagamento da indenização securitária, nos termos da averbação realizada, corrigida monetariamente desde a data do sinistro, e acrescida de juros de mora, a contar da negativa de cobertura pela seguradora.
A apelante pleiteia, ainda, a título de danos materiais, o ressarcimento dos valores referentes aos honorários advocatícios convencionais. Aduz que os artigos 389, 395 e 404 do Código Civil de 2002 consideram tais valores danos emergentes indenizáveis.
Neste ponto, não lhe assiste razão.
A autora refere julgado de 2011 do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, entendendo que "os honorários convencionais integram o valor devido a título de perdas e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02" (REsp n. 1027797/MG).
Ocorre que, em 2012, a Ministra mudou a sua posição, afirmando, em voto vista nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.155.527/MG, de relatoria do Min. Sidnei Beneti11: A expressão `honorários de advogado', utilizada nos
11NEGRÃO, Theotonio et al. Código Civil e legislação civil em vigor. 32. Ed. Rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183 Sem o grifo no original.
arts. 389, 395 e 404 do CC/02, deve ser interpretada de forma a excluir os honorários contratuais relativos à atuação em juízo, já que a esfera judicial possui mecanismo próprio de responsabilização daquele que, não obstante esteja no exercício legal de um direito (de ação ou de defesa), resulta vencido, obrigando-o ao pagamento dos honorários sucumbenciais. Vale dizer, o termo `honorários de advogado' contido nos mencionados dispositivos legais compreende apenas os honorários contratuais eventualmente pagos a advogado para a adoção de providências extrajudiciais decorrentes do descumprimento da obrigação, objetivando o recebimento amigável da dívida". Esta é a posição que prevalece, hoje, nos Tribunais:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. RESSARCIMENTO. INADMISSIBILIDADE. 1. Os custos decorrentes da contratação de advogado para o ajuizamento de ação, por si só, não são indenizáveis, sob pena de atribuir ilicitude a qualquer pretensão questionada judicialmente. A atuação judicial na defesa de interesses das partes é inerente ao exercício regular de direitos constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o amplo acesso à Justiça. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AgRg no REsp 1478820/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 19/04/2016). Se, de um modo geral, se tem entendido que o pedido em referência é descabido, isso vale com maior razão no caso em tela, por tratar-se de ação que poderia ser ajuizada perante os Juizados Especiais, caso em que sequer se exige a presença de advogado.
Assim, o apelo merece parcial provimento, para que seja concedida a indenização securitária pleiteada, com a rejeição do pedido de danos materiais, quanto ao valor dos honorários contratuais.
Com a reforma da sentença, e tendo em vista a sucumbência recíproca, de se condenar a ré ao pagamento de 50% das custas processuais, condenando a autora ao pagamento das custas processuais na mesma proporção.
De se condenar, também, a requerida, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, condenando a autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o proveito econômico da ré, com o indeferimento do pedido de condenação da requerida ao pagamento dos honorários contratuais dispendidos pela autora com seus procuradores.
Diante do exposto, VOTO por CONHECER do recurso de apelação, para DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para condenar a requerida ao pagamento da indenização securitária requerida, corrigida monetariamente desde a data do sinistro, e acrescida de juros de mora a contar da negativa de cobertura; com a reforma da sentença, reforma da sentença, e tendo em vista a sucumbência recíproca, de se condenar a ré ao pagamento de 50% das custas processuais, condenando a autora ao pagamento das custas processuais na mesma proporção; de se condenar, também, a requerida, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, condenando a autora ao pagamento de
honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o proveito econômico da ré, com o indeferimento do pedido de condenação da requerida ao pagamento dos honorários contratuais dispendidos pela autora com seus procuradores, nos termos do voto vencedor.
ACORDAM os Membros Integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por maioria de votos, em CONHECER do recurso de apelação para, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator. O julgamento foi presidido por este Relator e dele participaram os excelentíssimos Desembargadores Domingos José Perfetto e Coimbra de Moura.
Curitiba, 03 de agosto de 2017.
|