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Acórdão
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VISTOS ETC. I. RELATÓRIO. Trata-se de Apelação Crime nº 1661413-2, de Colorado - Vara Criminal, Família e Sucessões, Infância e Juventude e Juizado Especial Criminal, em que são Apelantes VAGNER MULLER FARIAS E OUTRO e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. Os apelantes Antonio Rappe de Medeiros e Vagner Muller Farias foram denunciando pela prática do delito tipificado nos artigos 155, §º 4, inciso IV, do Código Penal (fato 01), 32 da Lei 9.605/98 (fato 02) e 14 da Lei 10.826/2003 (fato 03) 151, caput, do Código Penal, nos seguintes termos: "Fato 01 no dia 04 de outubro d 2014, por volta das 03h00min, na Fazenda Jaborandi, situada no Município de Paranapoema/PR, Comarca de Paranacity/PR, os denunciados ANTONIO RAPPE DE MEDEIROS e VAGNER MULLER FARIAS, previamente ajustados, um aderindo subjetivamente à conduta delituosa do outro, dolosamente, cientes da ilicitude e da reprovabilidade de suas condutas, subtraíram para si, com ânimo de assenhoramento definitivo, 03 (três) bezerros girolanda, pertencentes à vítima Eduardo Reigota Rosa, avaliados em R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme auto de avaliação à fl. 40" Fato 02 no dia 04 de outubro de 2014, por volta das 03h00min, na Fazenda Jaborandi, situada no Município de Paranapoema/PR, Comarca de Paranacity/PR, os denunciados ANTONIO RAPPE DE MEDEIROS e VAGNER MULLER FARIAS, previamente ajustados, um aderindo subjetivamente à conduta delituosa do outro,
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dolosamente, cientes da ilicitude e da reprovabilidade de suas condutas, praticaram maus-tratos aos bezerros subtraídos (fato 01), ao colocar e transportar os três animais vivos no porta-malas do veículo GM/Monza Club, cor azul, ano 1994, placa ACF-9400, realizando o manuseio nocivo deles"; Fato 03 "no dia 04 de outubro de 2014, por volta das 03h00min, após o cometimento dos delitos descritos nos fatos 01 e 02, na Avenida Governador Moises Lupion, próximo ao nº 800, no Município de Itaguajé/PR, Comarca de Colorado, os denunciados ANTONIO RAPPE DE MEDEIROS e VAGNER MULLER FARIAS, previamente ajustados, um aderindo subjetivamente à conduta delituosa do outro, dolosamente, cientes da ilicitude e da reprovabilidade de suas condutas, portavam arma de fogo de uso permitido, do tipo garrucha, calibre 22, marca Rossi, com potencialidade lesiva e apta para efetuar disparos, além de 14 (quatorze) munições, calibre 22, marca Rem, sem qualquer autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme Auto de Exibição e Apreensão de fls. 15/17, Boletim de Ocorrência de fl. 08, Auto de Exame de Prestabilidade e Eficiência de fl. 41 e Auto de Exame de Prestabilidade de Munição de fl. 42". A denúncia foi recebida em 08.01.2015, ao passo que réu foi devidamente citado, sendo apresentada resposta. Designada audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas a vítima, 04 testemunhas arroladas e posteriormente efetivado o interrogatório dos réus. Todas as partes apresentaram alegações finais. Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença condenatória, da qual constou os seguintes termos de seu dispositivo: (a) julgar parcialmente procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia; (b) condenar o réu VAGNER MULLER FARIAS, como incurso nas sanções dos artigos155, §º 4,
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inciso IV, do Código Penal (fato 01), 32 da Lei 9.605/98 (fato 02) e 14 da Lei 10.826/2003 (fato 03), a pena definitiva de 04 (quatro) anos reclusão e 03 (três) meses de detenção, bem como ao pagamento de 14 (catorze) dias-multa, no regime aberto; (c) condenar o réu Antonio Rappe de Medeiros como incurso nas sanções dos artigos 155, §º 4, inciso IV, do Código Penal (fato 01) e 32 da Lei 9.605/98 (fato 02), a pena definitiva de 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no regime aberto, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito; (d) absolver o acusado Antonio Rappe de Medeiros pela prática do crime tipificado no artigo 14 da Lei 10.826/2003 (fato 03). Irresignada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação para os dois condenados, sustentando, em síntese, nas suas razões: a) a absolvição pela prática do crime de maus tratos a animais, previsto no artigo 32 da Lei nº 9.605/98; b) a desclassificação do crime de furto qualificado para furto de apropriação de coisa achada; c) a fixação da pena no mínimo legal. Contrarrazões na mov. 122.1. Instada a se manifestar, a d. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso de apelação em apreço, consoante parecer do ilustre Procurador de Justiça Murillo José Digiácomo. É o relatório. II. VOTO. O recurso é tempestivo e reúne todos os pressupostos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, pelo que deve ser conhecido. QUANTO AO CRIME DE MAUS TRATOS DE ANIMAIS Prima facie, pugna a Defensoria Pública pela absolvição dos réus no que toca à prática do crime de maus tratos de animais.
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Para tanto, salientou que ficou claro nos autos que os animais (bezerros) não estariam feridos ou mutilados após o transporte realizado pelos acusados. Com efeito, a materialidade restou demonstrada por meio do auto de prisão em flagrante, auto de exibição e apreensão, boletim de ocorrência, bem como a prova oral produzida ao longo da instrução. Quanto à autoria, de igual modo, não restam dúvidas, até porque não há negativa dos apelantes quanto ao transporte de 03 (três) bezerros em um porta-malas de um veículo Monza por aproximados 30 (trinta) minutos. O único acesso à ventilação, aliás, restou demonstrado que foi a tela dos alto-falantes no tampão do porta-malas, sem olvidar do restrito espaço para movimentação dos semoventes. E neste lanço, os policiais militares afirmaram que ao vistoriarem o veículo, depararam-se com os animais lá alocados. Ora, tem-se que no crime de maus-tratos a animas, a consumação se perfectibiliza ante a existência indubitável de perigo de dano ao animal. Aliás, como bem asseverado na r. sentença, "muito embora revogado, o Decreto-lei n. 24.645/1934 serve como parâmetro pragmático para identificar as condutas que são consideradas maus tratos contra animais. Prescrevia o seu artigo 3º, inciso, XIX, que é considerado maus tratos "transportar animais em cestos, gaiolas, ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro do animal" E conclui: "a conduta acima descrita, que outrora estava expressamente prevista como crime de maus tratos, também foi albergada pela novel legislação, tendo em vista que o artigo 32 da Lei n. 9.605/98 criminalizou a conduta de "praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". Ao assim agir, o legislador, com
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o intuito de abranger o maior número possíveis de condutas e afastar a metodologia de rol taxativo empregado na legislação antiga, editou um tipo aberto, empregando elementos normativos, os quais exigem uma atividade valorativa do juiz, no caso concreto, para verificar se o crime existiu". Isto porque a previsão legal encartada no artigo 32 da lei 9605/98, dispõe: praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exótico. Sucede que não há na lei atual a definição de maus-tratos e como acima mencionado, o seu enquadramento deve se der à luz da interpretação do revogado decreto 24.645/34 que dispunha e descrevia tal conduta nos termos do seu artigo 3º, inciso XIX: "transportar animais em cestos, gaiolas, ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro do animal". A propósito: "A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ. (AgRg no REsp 1483969/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014) É o caso dos autos.
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QUANTO À PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE
FURTO PARA APROPRIAÇÃO DE COISA ACHADA
Em um segundo momento, pleiteia a defesa por intermédio das razões recursais em exame, a desclassificação do crime de furto qualificado para apropriação de coisa achada (artigo 169, parágrafo único, II, do Código Penal). Para tanto, afirmaram que "é bem verdade que os acusados não negam ter se apropriado das três novilhas de propriedade do Sr. Eduardo Reigota Rosa. Entretanto, no momento em que se usurparam seus bens, desconheciam o fato de que possuíam dono, uma vez que os bezerros estavam na beirada da estrada que percorriam e não dentro da fazenda da vítima". Com efeito, materialidade está comprovada pelo auto de prisão em flagrante, pelo auto de exibição e apreensão, pelo boletim de ocorrência e, sobretudo, pela prova oral colhida. O apelante Antônio Rappe de Medeiros afirmou em seu depoimento que os bezerros estavam próximos à fazendo da vítima e que os pegaram e acondicionaram no carro. Já o apelante Vagner Muller Farias destacou que não houve furto, porquanto os animais estavam soltos na pista. Afirmou que os pegaram e os colocaram no carro. O policial militar Luiz Afonso de Faria Pereira, na condição de testemunha, asseverou: "que os réus foram presos por terem furtado três bezerros; que além disso, por porte ilegal de arma e munição; que a arma e a munição foram encontradas com o Vagner; (...) que os 03 (três) bezerros foram encontrados vivos no porta-malas do veículo; que os acusados confirmaram que furtaram os bezerros; que ambos assumiram a prática do furto; (...) que chamou a atenção da polícia o fato de
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estarem transitando tarde da noite, por volta das 03h30 ou 04h00, bem como pelo fato de o veículo estar com a traseira muito rebaixada, isto é, com sobrecarga no veículo". A vítima Eduardo Reigota Rosa, por fim, em juízo afirmou que foi informado via telefone pela polícia militar acerca do furto, destacando que, ao que tudo indica, os bezerros foram retirados por baixo da cerca, ressalvando que cada um teria valor aproximado de R$ 1.000,00 (mil reais). No caso, verifica-se que a tese defensiva não se mostra crível, no que concerne ao fato de que tarde da madrugada, três bezerros estivessem soltos junto à estrada, autorizando a hipótese de apropriação de coisa achada. A duas, o depoimento do policial militar foi claro ao afirmar que os réus confirmaram o furto dos animais. A três, os réus foram abordados com arma de fogo, mais um fato que corrobora o intento criminoso. E ainda como muito bem salientado na r. sentença "pela própria natureza do objeto furtado bezerros, já se podia imaginar que não se tratava de coisa abandonada ou coisa sem dono. Já não bastasse, os animais ainda se encontram marcados com o símbolo de propriedade da vítima, afastando qualquer possibilidade de se tratar de res nullius ou res derelicta". Neste lanço: "Apesar da negativa da autoria, a absolvição resta inviável se as provas produzidas dão pleno suporte à sentença condenatória. O fato de o animal estar a beira da estrada não significa, tão somente por isso, que se tratava de coisa perdida ou abandonada; ademais, a própria natureza da res furtiva, um animal de criação, isto é, coisa semovente, impede que se possa inferir se trate de coisa perdida. Por outro lado, aquele que encontra coisa perdida tem a obrigação de restituí-la ao dono, ou ao legítimo possuidor, ou, não logrando êxito em localizá-lo, de entregar à autoridade competente, e não simplesmente dela se apoderar para algum tempo para depois,
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dizendo-se proprietário do animal, vendê-la para terceiro. (...)". (TJPR - 3ª C.Criminal - AC - 394359-7 - Icaraíma - Rel.: Rogério Coelho - Unânime - J. 08.11.2007) Assim sendo, razão não assiste ao apelante. QUANTO À REDUÇÃO DA PENA Por derradeiro, pretendem os apelantes a redução da pena ao mínimo legal. Ocorre que pelo detido exame do decreto condenatório, verifica-se que as penas foram fixadas no mínimo legal. Portanto, resta prejudicado a análise deste tópico em comento. CONCLUSÃO À luz do exposto, proponho seja negado provimento ao recurso de apelação crime. É como voto.
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III. DISPOSITIVO: ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes do 3ª Câmara Criminal, por unanimidade, em negar provimento ao recurso de apelação crime em apreço, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores PAULO ROBERTO VASCONCELOS e EUGENIO ACHILLE GRANDINETTI. Curitiba, X. VIII. MMXVII.
Des. Gamaliel Seme Scaff (GT)
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