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Acórdão
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Certificado digitalmente por: TITO CAMPOS DE PAULA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1674083-9, DE FORO REGIONAL DE PINHAIS DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - VARA CÍVEL APELANTE : ASSOCIAÇÃO DE MORADORES NOVA UNIÃO DE PINHAIS APELADO : AIR PRODUCTS BRASIL LTDA RELATOR : DES. TITO CAMPOS DE PAULA APELAÇÃO CÍVEL PELA PARTE AUTORA AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA COLETIVA JULGADA IMPROCEDENTE 1. PLEITO DA AUTORA PELA MANUTENÇÃO DA JUSTIÇA GRATUITA ACERCA DAS DESPESAS PROCESSUAIS DESNECESSIDADE DECISÃO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO DAS VERBAS SUCUMBENCIAIS 2. ARGUIÇÃO DE PREENCHIMENTO DE POSSE MANSA, PACÍFICA E COM ANIMUS DOMINI PELO LAPSO TEMPORAL EXIGIDO POR LEI REJEITADA PARTE AUTORA ASSOCIAÇÃO AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA COLETIVA PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL PARA A ENTIDADE IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL PELA VIA DA USUCAPIÃO ESPECIAL REFERIDA EM FAVOR DA PESSOA JURÍDICA AUSÊNCIA DA FINALIDADE DE MORADIA PARA OS ASSOCIADOS DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM SEDE DA ASSOCIAÇÃO INDETERMINAÇÃO E TRANSITORIEDADE DOS ASSOCIADOS INCOMPATÍVEL COM A POSSE AD USUCAPIONEM NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA 3. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. VISTOS. I - Trata-se de autos de ação de usucapião especial coletiva de imóvel urbano nº 7546-98.2014.8.16.0033, ajuizada por
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ASSOCIAÇÃO DE MORADORES NOVA UNIÃO DE PINHAIS em face de AIR PRODUCTS BRASIL LTDA., na qual alegou que que desde o ano de 2007, por decisão dos seus associados, em Assembleia Geral realizada em 03/05/2007, ocupa a área de 600m² correspondente ao lote 29 da Rua Alto Paraná, nº 934, localizado na Vila Emiliano Perneta, no Município de Pinhais. Consoante a certidão do Registro de Imóveis da Comarca de Piraquara R-8/00.991, protocolo 53.371 de 12/01/1997 o terreno foi adquirido pela ré em 17/06/1997. Da matrícula do imóvel constam ainda duas averbações de penhora (registros R-5 e R-6) requeridas, respectivamente, por Banco Sudameris do Brasil, em 26/05/1995, e Inepar Factoring Fomento Comercial Ltda., em 30/04/1996, ambas em razão de execuções promovidas contra a anterior proprietária Indústria e Comércio de Minérios e Metais Zanello Ltda. Narrou, ainda, que o imóvel era um lote abandonado quando da ocupação, cheio de mato, que servia de abrigo a desocupados e usuários de drogas, e proliferava ratos e insetos, causando inúmeros problemas para a vizinhança. Um mês após a decisão pela ocupação, os membros da Associação se uniram e começaram a limpar, aterrar e cercar o lote e, com o tempo, realizaram diversas melhorias no imóvel. Afirma, também, que a Prefeitura Municipal de Pinhais reconheceu a autora como uma entidade de utilidade pública (Lei nº 602/03) e, da mesma forma a Assembleia Legislativa Estadual (Lei nº 16.447). Foram concedidos os benefícios da justiça gratuita à autora, em seguida, foi determinada a citação da ré, confinantes e terceiros interessados, a intimação das Fazendas Públicas e ciência ao Ministério Público. A União (fls. 110/111 mov. 31.1), o Estado (fls. 118/119 - mov. 35.2) e o Município de Pinhais (fls. 135/160 mov. 46.1) averbaram seu desinteresse na área. Citados os confrontantes João Batista Rosa, Odílio Pagliarin, Carlos Noé Taborda Ribas e Mair Maria Piovesan Taborda Ribas, deixaram de se manifestar.
A ré Air Products Brasil Ltda. apresentou contestação (fls. 186/220 mov. 61.1), na qual arguiu, em preliminar, a) a falta de interesse processual da associação, pois ausente o objetivo fundamental do instituto consistente em proporcionar moradia à população de baixa renda, de modo que, sem interesse dos substituídos que não contam com moradia no local, não haveria interesse da associação substituta; b) a inépcia da inicial por impossibilidade jurídica do pedido. Sobre o mérito, argumentou que, além de não constar débito algum de IPTU do imóvel, não se acham presentes os requisitos relacionados no art. 10 da Lei nº 10.257/01. Acrescentou que os moradores da Vila são usuários do local, pelo fato de nele estar instalada uma creche, mas não podem ser considerados ocupantes desta área para fins residenciais e legitimados a usucapi-la por meio da usucapião especial coletiva. Aduziu que a autora sequer demonstrou que os beneficiários não são proprietários de outro imóvel, urbano ou rural, não havendo a indicação específica dos beneficiários, outrossim, deixou de identificar as porções do terreno ocupadas por cada um dos beneficiários. Assim, postulou, caso superadas as preliminares, o julgamento de improcedência dos pedidos no mérito. Foi proferida sentença (fls. 277/284) de improcedência do pedido inicial, por ausência dos requisitos necessários para a concessão da usucapião especial urbana coletiva. Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação (fls. 291), em cujas razões pretende a reforma do dispositivo da sentença quanto à justiça gratuita e, no mérito, pugna pela procedência da demanda. Devidamente intimada, a parte ré apresentou contrarrazões às fls. 303/310, requerendo o não provimento do recurso. É a breve exposição. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Primeiramente, compulsando os autos infere-se que o
recurso interposto contém os requisitos assentados pelo art. 1.010 do Código de Processo Civil de 2015, destarte, a apelação deve ser recebida em seu duplo efeito. Do benefício da Justiça Gratuita Insurge-se a apelante pela reforma do dispositivo da sentença que declarou suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais, porém não se referiu quanto às despesas processuais. Entretanto, embora a decisão recorrida não tenha expressamente mencionado as despesas processuais, cumpre esclarecer que tanto as despesas e multas processuais, assim como, os honorários advocatícios, quando devidos e fixados na sentença judicial, são encargos que se constituem nas verbas de sucumbência. Isto é, as verbas sucumbenciais são aquelas devidas pela parte vencida, em razão do princípio da sucumbência, cujo ônus pode ser distribuído integral ou proporcional à decadência dos pedidos, em conformidade com o disciplinado pelos arts. 82 a 97, em seção específica do CPC/2015. Irretocável, então, a sentença ao se utilizar da expressão "verbas sucumbenciais", pois abarcou tanto os honorários advocatícios como as despesas processuais, sem ignorar a previsão de suspensão da exigibilidade das referidas verbas, visto que a autora está amparada pelo benefício da justiça gratuita, nos termos do Código Processual de 2015. Desta feita, não merece provimento o apelo nesse aspecto. Da usucapião especial urbana coletiva Depreende-se dos autos que a apelante sustenta exercer a posse mansa, pacífica e com animus domini, por mais de 7 (sete) anos sobre uma área de 600m², correspondente ao lote 29 da Rua Alto Paraná, nº 934, localizado na Vila Emiliano Perneta, no Município de Pinhais. A autora, que se trata de associação beneficente da comunidade, instalou-se nessa área após a deliberação dos seus associados, a fim de implementar melhorias no imóvel e promover o funcionamento de uma
creche, à disposição dos moradores da Vila. Fundamentou, assim, a sua legitimidade na regra do art. 12, III, do Estatuto da Cidade. Foi proferida a decisão singular de improcedência do pleito, considerando que, além de não haver demonstrado que os associados não desfrutam da posse de outro imóvel urbano ou rural, deixou a autora, porque não poderia fazê-lo, de comprovar a utilização do imóvel pelos substituídos processuais para fins de moradia, logo, o juízo a quo entendeu que a autora objetiva o reconhecimento em seu benefício de domínio que, a rigor, deveria perseguir em proveito dos substituídos. Contra a sentença, sustenta a requerente em suas razões recursais que a Associação possui interesse em garantir a continuidade do trabalho social desenvolvido, a fim de assegurar o direito de todas as pessoas (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos) que encontram segurança e tranquilidade a partir dos serviços sociais prestados, não possuindo outro interesse senão a regularização do imóvel em benefício de seus associados. Para além disso, argui que no caso concreto a acepção do termo moradia deve ser interpretada extensivamente, para que se considere também o local onde os associados passam a maior parte do dia, conservam pertences e, ainda, no qual encontram segurança e abrigo. Todavia, em que pese os argumentos elencados pela apelante, razão não lhe assiste, devendo a decisão singular de improcedência ser mantida por seus próprios fundamentos. Inicialmente, cumpre destacar que, acerca da modalidade de usucapião especial urbana, dispõem os artigos 183, da Constituição Federal e 1.240, do Código Civil, com a mesma redação: "Art. 183, CF e art. 1.240, CC. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural". Especificamente, sobre a usucapião especial urbana coletiva, assim regulamenta o art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), recentemente alterado pela Lei nº 13.465/2017:
"Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. "
A aquisição da propriedade por prescrição aquisitiva neste caso, portanto, exige o exercício da posse com animus domini ou seja, como se a coisa fosse realmente sua , de forma mansa e pacífica sobre área urbana, cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor, por mais de cinco anos, desde que não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Ela foi criada pelo legislador na modalidade coletiva, com vistas a amparar a população de renda insuficiente que ocupa áreas urbanas para, ressalte-se, fins de moradia. Observa-se, ainda, que o art. 12 do Estatuto da Cidade estabelece a legitimidade para propositura da ação de usucapião especial urbana pelo: a) possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; b) os possuidores, em estado de composse; c) como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. No entanto, no presente caso, ainda que a requerente pretenda intentar como substituto processual, postula a aquisição do imóvel para o patrimônio da própria associação como pessoa jurídica de direito
privado, e não em favor dos moradores da comunidade como pessoas físicas. Conforme o entendimento doutrinário1 aplicável à lide, não é cabível o pedido dessa modalidade de Usucapião à Pessoa Jurídica, eis que "a usucapião especial urbana tem como finalidade social própria como já ressaltado em mais de urna oportunidade -, que é a de garantir moradia ao possuidor e a sua família. Partindo-se desse pressuposto, está desde logo afastada a possibilidade de ser buscada a aquisição da propriedade, com fulcro no art. 183 da CF, pela pessoa jurídica. Com efeito, a noção de moradia não se coaduna com a de localização da pessoa jurídica, que possui domicílio ou sede". Desta feita, na presente hipótese, não é possível se utilizar desta referida modalidade de usucapião, para suprir a necessidade da pessoa jurídica na aquisição de propriedade. Ademais, conforme bem consignado pelo juízo singular, a própria indeterminação dos sujeitos pela transitoriedade dos associados é incompatível com o instituto da usucapio. Contexto em que não se pode atribuir uma interpretação extensiva à finalidade de moradia, haja vista que é direito social fundamental a ser exercido pelo indivíduo, não podendo se confundir com a sede de uma pessoa jurídica. É impossível, então, verificar o preenchimento dos requisitos legais em relação a estes, além de não se constatar o referido propósito de moradia. Destarte, não se questiona os benefícios que o trabalho social exercido pela associação requerente traz à comunidade, todavia, nos termos da fundamentação exposta, é improcedente a pretensão aquisitiva da usucapião a favor da autora/apelante, na modalidade usucapião especial urbana, eis que, fosse outra modalidade de usucapião, ordinária ou extraordinária, por exemplo, nada impediria que a Associação, como pessoa jurídica, caso preenchesse os requisitos legais, adquirisse o domínio de
1 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2011, p. 96
determinado bem. Por tais razões, vota-se pelo desprovimento do recurso de apelação da requerente. Acerca dos ônus sucumbenciais, não havendo êxito no mérito recursal, também não há que se falar em reforma da sua distribuição. Cumpre registrar que, embora conste do artigo 85, §2º, do CPC/2015, a possibilidade de majoração da verba honorária em sede recursal, no caso concreto, verifica-se que o montante fixado na sentença (12% sobre o valor atualizado da causa) já representa valor adequado à complexidade da presente causa, sopesando os critérios do aludido dispositivo legal e, considerando que o procurador da parte vencedora se limitou à apresentação de contrarrazões em sede recursal. Assim, observada a inexistência de trabalho adicional realizado em grau recursal devem ser mantidos os honorários advocatícios conforme fixados em sentença, todavia, ressalvado o disposto no artigo 12 da Lei 1060/502. III - DECISÃO: Diante do exposto, acordam os Desembargadores da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores RUI BACELLAR FILHO e FERNANDO PAULINO DA SILVA WOLFF FILHO. Curitiba, 23 de agosto de 2017. ASSINADO DIGITALMENTE Des. TITO CAMPOS DE PAULA Relator
2 O beneficio da assistência judiciária gratuita foi deferido à autora, no curso do processo, e mantido em sentença, à fl. 283.
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