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Certificado digitalmente por: FERNANDO FERREIRA DE MORAES PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.673.832-8 - 13ª CÂMARA CÍVEL. ORIGEM: 9ª VARA CÍVEL DE LONDRINA. APELANTE (1): BELLA AGRÍCOLA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA. APELANTE (2): INÊS BICHERI SCATOLINE E NIVALDO SCATOLINE. APELADO: OS MESMOS. RELATOR: DES. FERNANDO FEREIRA DE MORAES. APELAÇÕES CÍVEIS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELO (1). APLICABILIDADE DO CDC. VERIFICADA. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE CONSTATADA. VENCIMENTO ANTECIPADO DO CONTRATO. ENTREGA DE COISA CERTA NÃO CUMPRIDA. TERMO A QUO DOS ENCARGOS MORATÓRIOS QUE DEVE CORRESPONDER AO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DISCUTIDA NA EXECUÇÃO. APELO (2). MULTA MORATÓRIA. REDUZIDA A 2%. INTELIGÊNCIA DO ART. 51, §1º DO CDC. HONORÁRIOS EXTRAJUDICIAIS. CLÁUSUAL EXCLUÍDA. COBRANÇA IRREGULAR. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONFERINDO O MESMO DIREITO AO CONSUMIDOR. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. READEQUADO. RECURSO DA EMBARGADA NÃO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ Apelação Cível nº 1.673.832-8 - fls. 02. PROVIDO E DOS EMBARGANTES PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.673.832-8, da 9ª Vara Cível de Londrina, em que são apelantes Bella Agrícola Comércio e Representações de Produtos Agrícolas LTDA e Inês Bicheri Scatoline e Nivaldo Scatoline e apelados os mesmos.
RELATÓRIO:
Tratam os autos de dois recursos em face da sentença prolatada no mov. 143.1 que, nos autos de Embargos à Execução nº 0068642-40.2015.8.16.0014, o Juiz julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para declarar a nulidade da cláusula 6.3 do contrato e a abusividade da multa moratória; fixar como parâmetro para conversão da execução de coisa incerta por certa, a cotação dos grãos (trigo e soja), vigente em julho de 2015; determinar a aplicação de encargos moratórios a partir do mesmo período. Ainda, condenou a embargada à compensação das quantias exigidas a maior, dividindo na proporção de 60% aos embargantes e 40% a embargada o pagamento das custas processuais e, a título de honorários, definiu que a embargada arque com 10% sobre o valor proveito econômico e, os embargantes com R$ 6.000,00 (seis mil reais).
Nas razões de mov. 149.2, a embargada sustenta a inaplicabilidade do CDC, bem como, que deve ser declarada a validade da
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multa de caráter não compensatório de 50% e o vencimento antecipado do Contrato a partir de abril de 2015 sendo, no mesmo período, o início dos encargos moratórios. Ao fim, defende a condenação integral dos embargantes no ônus da sucumbência.
Por sua vez, os embargantes no mov. 154.1, afirmam que a multa moratória deve ser reduzida a 2% e, em caso de ser inaplicável o CDC, a 5%. Aduzem, também, que deve ser excluída a cobrança dos honorários advocatícios contratuais prevista na cláusula 4.1, por configurar bis in idem com a verba fixada em Juízo, bem como, diante da falta de prova do serviço advocatício.
Foram apresentadas contrarrazões nos movs. 170.1 e 173.1.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO:
Presentes os pressupostos objetivos (previsão legal, adequação, observância das formalidades legais e tempestividade) e subjetivos (legitimidade e interesse para recorrer) de admissibilidade, conheço das apelações que, em razão de disposição legal, possuem duplo efeito.
Apelação da embargada:
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor:
De acordo com a teoria finalista, adotada de forma predominante na doutrina e jurisprudência, apenas pode ser considerado
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consumidor aquele que emprega o produto ou serviço no final da sua cadeia de utilidade econômica, de forma que aquele que o aproveita com o fito de incrementar a atividade empresarial por ele desenvolvida, em regra, não pode se valer das regras protetivas do Direito do Consumidor.
Nessa linha de raciocínio, observo que os serviços prestados serviram para fomentar a atividade econômica dos autores, o que, a rigor, afastaria a incidência das regras do CDC, ante o nítido desvirtuamento do disposto no art. 2º, do referido texto legal.
Excepcionalmente, contudo, sob a vertente do finalismo aprofundado, tem se admitido, diante da vulnerabilidade do contratante, seja técnica, jurídica, fática ou informacional, o enquadramento deste novo conceito de consumidor, mesmo que a relação jurídica apreciada seja proveniente de relação interempresarial.
Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte, em consonância com o atual entendimento do STJ, tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.
No caso, apesar dos embargantes serem agricultores, tendo em vista que o pacto foi feito diretamente com as pessoas físicas, as quais, ao que ficou evidenciado, não possuíam pleno discernimento das cláusulas contratuais, entendo estar caracterizado o estado de vulnerabilidade técnica, justamente pela falta de conhecimentos específicos sobre as peculiaridades do contrato, circunstancia que, na linha de raciocínio
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acima citado, torna imperioso o enquadramento dos autores como consumidor e, consequentemente, a incidência das normas previstas no CDC.
Dessa forma, concluo pela possibilidade de incidência das normas previstas no CDC na presente lide.
Multa moratória:
Considerando que a matéria também é objeto do apelo dos embargantes, deixo de apreciar o tema nesse momento, para evitar repetições desnecessárias.
Período do vencimento antecipado do contrato e do início dos encargos moratórios:
Segundo a apelante Bella Agrícola, cometeu equívoco o Juízo sentenciante ao considerar como data do vencimento antecipado, o período de julho de 2015, eis que as parcelas de grãos não foram as únicas inadimplidas pelos apelados, pois estes inadimpliram com uma parcela para pagamento em reais, vencida em abril/2015. No entanto, razão não lhe assiste.
A demanda executória diz respeito tão somente a execução para entrega de coisa certa diante do não cumprimento na entrega de 6.869 (seis mil, oitocentas e sessenta e nove) sacas de 60 Kg de soja e 5.100 (cinco mil e cem) sacas de 60 Kg de trigo, sendo que, inclusive, na própria ação proposta pela embargada, há a notícia de que eventual
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inadimplemento das parcelas em espécie serão cobradas oportunamente em ação própria.
Então, não seria de bom alvitre considerarmos como data do vencimento antecipado, o não cumprimento de obrigação da qual não está sendo discutida na espécie. Aliás, se porventura fosse alterado o período nos termos da peça recursal, por certo estaria antecipando julgamento de uma futura demanda, de forma a afrontar os princípios constitucionais inseridos no contexto do CPC.
Sendo assim, escorreita a decisão que determinou como termo a quo dos encargos moratórios a data do inadimplemento da obrigação de entregar coisa certa que, no caso, se deu em julho de 2015.
Apelação dos embargantes:
Multa moratória:
Por entender abusiva a cobrança de 50% da multa moratória, o magistrado de 1º grau, reduziu para 30%.
No entanto, embora tenha reconhecido a abusividade, não se pode olvidar que o caso se trata de uma relação consumerista, de modo que, deve-se respeitar a norma disposta no art. 52, §1º do CDC, a qual preconiza que: "As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação".
Posto isso, entendo que a multa moratória no período de anormalidade contratual deve ser reduzida ao percentual de 2% sobre o valor da obrigação. TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
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Honorários advocatícios:
Embora os honorários advocatícios de 15%, instituído na cláusula 4.1, faça referência a eventual cobrança de honorários advocatícios extracontratuais que, em tese, se mostraria lícita, eis que não se confunde com honorários judiciais e respeitaria o princípio da pacta sunt servanda, devemos considerar a aplicabilidade do CDC ao caso, onde registra em seu art. 51, inciso XII, que são nulas as cláusulas que: "obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido".
No caso em apreço, não vislumbro qualquer cláusula contratual prevendo o mesmo direito aos embargantes, razão pela qual entendo que a referida cláusula 4.1, prevendo a cobrança de honorários advocatícios é abusiva e deve ser declarada nula.
É o entendimento deste Tribunal:
AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. (...). 2. CLÁUSULA AUTORIZANDO A COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EXTRAJUDICIAIS. ABUSIVIDADE. ART. 51, XII DO CDC. (...). É nula a cláusula contratual que imputa ao contratante o dever de pagar honorários advocatícios decorrentes de cobranças extrajudiciais, sem que igual direito seja conferido ao contratado. (...) (TJPR - 17ª C. Cível - AC 01638812-4 - Rel.: Lauri Caetano da Silva - J. 12.07.2017).
Assim sendo, procedente o pedido dos apelantes Inês e Nivaldo nesse ponto, porém, por fundamento diverso, já que entendo não ser o caso de bis in idem.
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Readequação da verba sucumbencial:
O Juízo a quo condenou as partes ao pagamento de 50% das custas processuais e, a título de honorários advocatícios, condenou à parte embargante o pagamento de R$6.000,00 (seis mil reais) e, à parte embargada, o pagamento de 10% (dez) sobre o valor do proveito econômico obtido.
Ao analisar as perdas e ganhos de cada parte e, até mesmo, a relevância de cada pleito, já entendia que a sentença carecia de reparos, de modo que, havendo reforma do pleito em sede recursal, com o parcial deferimento dos pedidos dos autores, passo a readequar a verba sucumbencial.
Assim, considerando o número de pedidos formulados pelos embargantes em relação com aqueles que se sagraram vencedores, entendo que estes sucumbiram em parte mínima, pelo que deve a embargada arcar com a totalidade das custas processuais e, por consequência, deve ser afastada a verba honorária fixada em desfavor dos autores.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo da embargada e dou parcial provimento ao apelo dos embargantes, para reduzir a multa moratória a 2%, bem como, excluir a cláusula 4.1 do instrumento contratual, com readequação da verba sucumbencial, conforme fundamentação supra.
DECISÃO:
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Acordam os Magistrados integrantes da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer dos recursos, negando provimento ao recurso da embargada e dando parcial provimento ao dos embargantes, nos termos do voto do relator.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Rosana Andriguetto de Carvalho e Athos Pereira Jorge Junior. Curitiba, 27 de setembro de 2017. Fernando Ferreira de Moraes Desembargador
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