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Acórdão
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1.661.319-9, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA. APELANTE (1) : MUNICÍPIO DE CURITIBA APELANTES (2): JOSÉ LUIZ ARAÚJO E OUTROS APELANTE (3) : ROSELI DE FÁTIMA ARAÚJO APELADOS : OS MESMOS RELATORA : DESª. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÕES SOBRE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.RECURSO (1) - IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DO MUNICÍPIO - EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO - POSSIBILIDADE - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA IMPLEMENTADA EM PERÍODO EM QUE A PROPRIEDADE DO IMÓVEL ERA DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - ESTATAL QUE NÃO SE SUBMETE À IMPRESCRITIBILIDADE DE SEUS BENS - IMPRESCRITIBILIDADE DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - NÃO ACOLHIMENTO - MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE - PEDIDO REIVINDICATÓRIO PROCEDENTE - SUPERVENIÊNCIA DE LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE ESVAZIOU O CONTEÚDO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - DESNATURAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - DEVER DE INDENIZAÇÃO CARACTERIZADO - ORDEM DE DEMOLIÇÃO - CABIMENTO APÓS A REALOCAÇÃO DAS FAMÍLIAS OU PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO - PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA - AUSÊNCIA DE URGÊNCIA NA RECUPERAÇÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ADEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA.1. Bens de sociedade de economia mista podem ser adquiridos pela usucapião. A transferência da propriedade registral ao município após o decurso do prazo legal afasta a tese de imprescritibilidade.2. A instituição legal de área de preservação permanente não importa em transferência da propriedade ao ente público, mas mera limitação administrativa decorrente do poder de polícia ambiental.3. O fato de o imóvel se tratar de área de preservação permanente não é impeditivo para o reconhecimento da usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade garantido constitucionalmente.4. O antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) previa em sua redação original a proteção mínima de 5 metros de área de preservação permanente em cada margem de rios de menos de 10 metros de largura. Com a superveniência da Lei nº 7.803/1989, a faixa foi ampliada para 30 metros, esvaziando completamente o conteúdo econômico do imóvel, sendo neste caso devida indenização pela desapropriação indireta.5. Em se tratando de imóvel destinado à residência da família, a ordem de demolição da edificação levantada sobre área de preservação permanente apenas deve ser cumprida após o pagamento da indenização ou realocação destas pessoas para nova habitação. Necessário um juízo contrabalançado do direito ao meio ambiente equilibrado e à moradia, hipótese em que a reparação do dano ambiental cede ao direito de moradia em outro local como uma alternativa imediata. 6. Havendo sucumbência recíproca, as custas e despesas processuais, bem como os honorários advocatícios devem ser fixados proporcionalmente, observando-se a vitória e derrota experimentada por cada uma das partes.RECURSO (2) - SENTENÇA EXTRA PETITA - ACOLHIMENTO - ALEGAÇÃO DE QUE A RESIDÊNCIA FOI EDIFICADA SOBRE A VIA PÚBLICA - CAUSA DE PEDIR NÃO VEICULADA NA PETIÇÃO INICIAL - IMPOSSIBILIDADE DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO COM ESTE FUNDAMENTO SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - ADEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA.1. Nos termos do artigo 329, II, do CPC, a modificação da causa de pedir da ação apenas pode ser realizada até o saneamento, com consentimento do réu e assegurando-se o contraditório. Desta forma, o pedido não pode ser acolhido com fundamento em causa de pedir fundada em circunstância fática não submetida ao contraditório, verificada apenas quando da realização da prova pericial. 2. Havendo sucumbência recíproca, as custas e despesas processuais, bem como os honorários advocatícios devem ser fixados proporcionalmente, observando-se a vitória e derrota experimentada por cada uma das partes.RECURSO (3) - INSURGÊNCIA RECURSAL RESTRITA À SUCUMBÊNCIA - ADEQUAÇÃO - HONORÁRIOS MAJORADOS.Havendo sucumbência recíproca, as custas e despesas processuais, bem como os honorários advocatícios devem ser fixados proporcionalmente, observando- se a vitória e derrota experimentada por cada uma das partes.RECURSO (1) CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.RECURSO (2) CONHECIDO E PROVIDO.RECURSO (3) CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.661.319-9, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 1ª Vara da Fazenda Pública, em que figuram como Apelante (1) Município de Curitiba, Apelantes (2) José Luis de Araújo, Fábio Luis de Araújo e Robson Luiz de Araújo, Apelante (3) Roseli de Fátima Araújo e Apelados Os Mesmos. Município de Curitiba ajuizou a presente Ação Reivindicatória1, autuada sob nº 0001902-95.2012.8.16.0179, em face de José Luiz de Araujo, Fábio Luiz de Araujo e Roseli de Fátima Araújo, tendo por objeto o imóvel registrado na matrícula nº 10.869, do 1º Serviço Registral Imobiliário de Curitiba, referente a um "Lote 01, da Planta Herdeiros de Guilherme Seeger, localizado no bairro Bom Retiro, nesta Capital, de forma retangular, na esquina da rua Guilherme Seeger com a rua João Guilherme Guimarães, no lado par da rua, medindo 19,80 metros de frente para a rua Coronel João Guilherme Guimarães, pelo lado esquerdo de quem a referida rua observa o imóvel mede 42,00 metros onde confronta com o lote fiscal 51-039-002, pelo lado direito de quem da referida rua observa o imóvel mede 42,00 metros onde confronta com a rua Guilherme Seeger, na linha de fundos mede 19,80 metros onde confronta com o lote fiscal 51-039-008, fechando o perímetro e perfazendo a área de 831,60 metros quadrados". Sustenta que apesar de ser de sua propriedade, o bem foi indevidamente ocupado pelos Requeridos, que nele edificaram suas moradias. Por tal motivo, reivindica a posse do bem com fundamento no artigo 1.228 do Código Civil. Defende que a utilização de imóvel público induz mera detenção, da qual não decorrem consequências jurídicas. Portanto, os Demandados não possuem direito a invocação de interditos ou indenização por
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1 Mov. 1.1. benfeitorias. Caso não seja este o entendimento, deve ser reconhecida a posse injusta da parte contrária. Explica, ainda, que a área ocupada é de preservação permanente, vedada a edificação, conforme Lei Municipal nº 7.833/1991, em consonância com as normas constitucionais. Assim, deve ser aplicada a penalidade de demolição, decorrente do poder de polícia ambiental. Por tais motivos, pede a condenação dos Requeridos a restituírem o terreno ao Município, promovendo a demolição das construções. A ação foi contestada2 por José Luis de Araujo, Fabio Luis de Araujo e Robson Luiz de Araújo, com pedido de inclusão deste último no polo passivo do processo. Afirmam que: a) não há interesse de agir, pois não ocupam o imóvel reivindicado, mas sim imóvel vizinho, de maneira que são partes ilegítimas na ação; b) o primeiro Requerido reside no local há mais de 35 anos, passando a habitar o local por autorização dos diretores da madeireira próxima, que cedeu o espaço; c) fixou sua moradia no imóvel desde 1977, sendo que após certo tempo passou a receber carnê para pagamento do IPTU; d) exerceram posse com animus domini por mais de 30 anos; e) apenas em 2007 receberam notificação para desocupar o imóvel; f) deve ser acolhida a exceção de usucapião; g) têm direito à indenização por benfeitorias em caso de procedência do pedido
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2 Mov. 56.1. inicial; h) a retirada dos contestantes sem qualquer indenização ou realocação ofende o direito fundamental à moradia. Reiteram o pedido de pagamento de indenização em caso de determinação de desocupação do imóvel. José Luis de Araujo, Fabio Luis de Araujo e Robson Luiz de Araújo também apresentaram reconvenção3, requerendo preliminarmente a concessão de justiça gratuita, alegando que o primeiro reconvinte possui o imóvel desde o ano de 1977. Com estes fundamentos, pedem: a) a declaração da usucapião, com fundamento no artigo 1.238 do Código Civil; b) indenização em caso de determinação de desocupação do imóvel, pugnando inclusive por direito de retenção; c) indenização por benfeitorias, conforme artigos 1.219 e 1.255 do Código Civil. Por sua vez, Roseli de Fátima Araujo contestou4 a ação, por intermédio da Defensoria Pública, sustentando que: a) adquiriu o imóvel dos antigos proprietários, que lá residiam há mais de 15 anos com autorização da madeireira, antiga proprietária do bem; b) deve ser acolhida a exceção de usucapião, com a contagem do tempo de posse dos antecessores (artigo 1.243 do CC); c) o bem pertencente à sociedade de economia mista pode ser adquirido por usucapião; d) deve prevalecer ao caso o direito fundamental à moradia; e) deve ser reconhecido o direito à
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3 Mov. 57.1. 4 Mov. 73.1. indenização pela desapropriação do imóvel, inclusive benfeitorias e acessões. Também apresentou reconvenção5, requerendo o reconhecimento da usucapião, pois reside no imóvel há mais de 8 anos, que adquiriu mediante transmissão de direitos possessórios dos anteriores possuidores que ocupavam o imóvel há mais de 15 anos. A desapropriação do imóvel deve ser realizada mediante prévia indenização, conforme artigos 1.219 e 1.255 do Código Civil. Requer também a concessão de justiça gratuita. O Município contestou as reconvenções6. Foi produzida prova pericial7, assim como respondidos os pedidos de esclarecimentos solicitados pelas partes8. Foi realizada audiência para inquirição de testemunhas9. As partes ofereceram alegações finais10. O Ministério Público de primeiro grau deixou de intervir no feito11. Na sequência, foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo: "DIANTE DO EXPOSTO, nos termos do art. 269, I, CPC, havendo identificação precisa do imóvel vindicado,
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5 Mov. 74.1. 6 Mov. 85.1. 7 Mov. 190.1. 8 Mov. 217.1. 9 Mov. 337.1. 10 Mov. 348.1, 349.1 e 350.1. 11 Mov. 354.1. demonstração do domínio e injusta posse exercida por quem não detém título de propriedade, julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor MUNICÍPIO DE CURITIBA com o efeito de determinar a imissão na posse da área de 242,65m2 do imóvel descrito na matrícula sob nº. 10.869, do 1º Registro de Imóveis de Curitiba, consistente na área invadida localizada na Rua Guilherme Seeger, assegurando aos réus o prazo de 60 (sessenta) dias para desocupação voluntária da respectiva área de 242,65m2, sob pena de expedição de mandado de desocupação e demolição, sem afastar a demolição pelo autor, com posterior ressarcimento das despesas. Por outro lado, no que se refere à reconvenção, ainda que admitida a usucapião como meio de defesa suficiente para afastar a procedência total da reivindicatória, impõe-se julgar extinto o processo, sem resolução do mérito (art. 267, inciso VI do CPC), em razão da falta de interesse processual adequação para declaração da prescrição aquisitiva de domínio (usucapião). Havendo sucumbência recíproca, condeno os réus ao pagamento de 60% das despesas processuais e o autor ao pagamento de 40% das despesas processuais, as quais poderão ser recíproca e proporcionalmente distribuídas e compensadas, nos termos do art. 21, do CPC. Condeno, ainda, os réus ao pagamento de honorários advocatícios que fixo no valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), considerando a natureza e o valor da causa, o grau do zelo do profissional e, enfim, o tempo exíguo de duração do processo, com correção monetária pelo IPCA-E, a partir desta data, e juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado, observando os termos do art. 12, da Lei 1.060/1950 porque são beneficiários da justiça gratuita. Condeno o autor ao pagamento dos honorários que fixo no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), nos termos do artigo 20, §§3º e 4º, do CPC, considerando o trabalho realizado e o grau do zelo do profissional, com correção monetária pelo IPCA-E, a partir desta data, e juros de mora, a partir do trânsito em julgado, pelos índices oficiais de remuneração e juros aplicados às cadernetas de poupança, nos termos do art. 1º-F, da Lei nº. 9494/97, devendo ser observada a previsão da Súmula 306, do STJ quanto aos honorários. Por outro lado, quanto à reconvenção, havendo julgando sem resolução de mérito, condeno os réus/reconvintes ao pagamento das despesas processuais da lide secundária e dos honorários advocatícios que fixo no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do artigo 20, §§3º e 4º, do CPC considerando a natureza e o grau do zelo do profissional, com correção monetária pelo IPCA-E, a partir desta data, e juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado, observando os termos do art. 12, da Lei nº. 1.060/50 porque beneficiários da justiça gratuita. Como não houve condenação de valor certo, mas, sim, ilíquido, o qual depende de posterior apuração, ainda de forma aritmética, nos termos no artigo 475, I, do CPC, impõe-se assegurar o reexame necessário."12 Os embargos de declaração opostos por José Luiz Araújo e Outros foram parcialmente acolhidos13 "a fim de incluir a previsão do art. 12, da Lei nº. 1.060/50 quanto à condenação ao pagamento das despesas processuais e, ainda, esclarecer que o valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) foi fixado para os Advogados de cada réu, permanecendo inalterados os demais termos da sentença proferida". Inconformado, o Município de Curitiba interpôs Recurso de Apelação (1)14, alegando, em síntese, que: a) bem público não pode ser adquirido por usucapião, pois a ocupação não caracteriza posse, mas mera detenção; b) tanto a CIC - Cidade Industrial de Curitiba S/A quanto a URBS - Urbanização de Curitiba S/A são entidades que compõe a administração indireta do município; c) bens de estatais são considerados bens públicos dominicais, conforme artigo 99, III, do Código Civil; d) a área de proteção ambiental é imprescritível; e) a área ocupada se enquadra como "fundo de vale", conforme artigo 29, parágrafo único, da Lei Municipal nº 7.833/1991; f) a alegação de que a área engloba área de proteção ambiental é incontroversa nos autos; g) os Requeridos não possuem direito a qualquer indenização, pois a posse é injusta; h) toda edificação depende de alvará expedido pela Prefeitura Municipal de
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12 Mov. 359.1. 13 Mov. 370.1. 14 Mov. 368.1. Curitiba, conforme artigo 9º da Lei Municipal 11.095/2004; i) os honorários advocatícios foram fixados em valor elevado. José Luiz Araújo e Outros também apresentaram Recurso de Apelação (2)15, sustentando que: a) o julgamento foi extra petita, pois a metragem de 242,65m² não faz parte da matrícula nº 10.869 do 1º Registro de Imóveis de Curitiba e não consta dos pedidos a reivindicação da área destinada à via pública; b) a sentença reconheceu o direito à usucapião pelos Demandados; c) devem ser majorados os honorários, em conformidade com a tabela da OAB, conforme artigo 85, § 2º e 3º, I, do NCPC. Roseli de Fátima Araújo, representada pela Defensoria Pública, interpõe o Recurso de Apelação (3), pois: a) em relação a si, o pedido do Município foi julgado improcedente, já que não ocupa a área destinada à via pública; b) na demanda principal promovida em face de si, o ente público foi o único sucumbente, devendo arcar integralmente com o respectivo ônus; c) os honorários devem ser majorados e revertidos ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública - FADEP no valor de 10% do valor da causa. Todas as partes apresentaram contrarrazões16.
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15 Mov. 384.1. 16 Mov. 383.1, 385.1 e 390.1. A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo "parcial provimento do recurso do Município de Curitiba, para que seja reintegrado também na área de preservação permanente que secciona o imóvel, pelo parcial provimento do apelo de Roseli de Fátima Araujo, quanto à revisão na distribuição da sucumbência; e desprovimento do recurso de José Luiz de Araujo e filhos"17. Vieram os autos conclusos. É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos e da remessa necessária, nos termos do artigo 475, I, do CPC/1973, vigente quando da prolação da sentença. RECURSO DE APELAÇÃO (1) - MUNICÍPIO DE CURITIBA Da natureza do bem imóvel O Município de Curitiba, Apelante (1), alega que bem público não pode ser adquirido por usucapião, pois a ocupação não caracteriza posse, mas mera detenção. Entretanto, embora o argumento esteja correto, no caso concreto o Município apenas adquiriu a propriedade do imóvel de matrícula nº 10.869 com o registro da escritura pública na data de 09 de julho de 200818. Anteriormente, o bem era de titularidade da URBS - Urbanização de Curitiba S/A, que é sociedade
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17 Fls. 16/19. 18 Mov. 1.3. de economia mista. Por ser pessoa jurídica de direito privado, sem que o bem tenha sido afetado ao uso comum, não está sujeita à imprescritibilidade de seus bens, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA DE DEFESA. BEM PERTENCENTE A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. I - Entre as causas de perda da propriedade está o usucapião que, em sendo extraordinário, dispensa a prova do justo título e da boa-fé, consumando-se no prazo de 20 (vinte) anos ininterruptos, em consonância com o artigo 550 do Código Civil anterior, sem que haja qualquer oposição por parte do proprietário. II - Bens pertencentes a sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião. Precedentes. Recurso especial provido."19 "USUCAPIÃO. Sociedade de Economia Mista. CEB. - O bem pertencente a sociedade de economia mista pode ser objeto de usucapião. - Precedente. - Recurso conhecido e provido."20 "USUCAPIÃO. BEM PERTENCENTE A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. "ANIMUS DOMINI". MATÉRIA DE FATO. - BENS PERTENCENTES A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA PODEM SER ADQUIRIDOS POR USUCAPIÃO. - DISSONÂNCIA INTERPRETATIVA INSUSCETÍVEL DE CONFIGURAR-SE TOCANTE AO ANIMUS DOMINI DOS USUCAPIENTES EM FACE DA SITUAÇÃO PECULIAR DE CADA CASO CONCRETO. SUMULA 07/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, EM PARTE, PELA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL, MAS IMPROVIDO."21 Veja-se que tanto a CIC - Cidade Industrial de Curitiba S/A quanto a URBS - Urbanização de Curitiba S/A, por se tratarem de empresas públicas, nos termos do artigo 173, § 1º, II, da Constituição, estão sujeitas "ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
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19 REsp 647.357/MG, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/09/2006, DJ 23/10/2006, p. 300. 20 REsp 120.702/DF, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2001, DJ 20/08/2001, p. 468. 21 REsp 37.906/ES, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/1997, DJ 15/12/1997, p. 66414. tributários", motivo pelo qual seus bens se submetem à prescrição aquisitiva. No mesmo sentido, o Código Civil, por se tratarem de pessoas jurídicas de direito privado, seus bens são particulares: "Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem." Em decorrência do reexame necessário, cabe, portanto, analisar se até 09 de julho de 2008 (data do registro da transferência da propriedade) os Requeridos haviam preenchido os requisitos para a aquisição da propriedade pela usucapião. Assim, apesar de a municipalidade reivindicar imóvel registrado em uma única matrícula, há que se analisar de maneira apartada o período de posse exercida por José Luiz Araújo e seus filhos e de Roseli de Fátima Araújo, que residem em lados opostos do córrego que corta o terreno. Pois bem, os Requeridos protestaram pela improcedência do pedido inicial alegando aquisição da propriedade pela usucapião como matéria de defesa, tese que encontra respaldo na Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "Usucapião pode ser arguido em defesa". Com efeito, nessa situação, o acolhimento da alegação de usucapião não tem o condão de promover a alteração do domínio perante o Registro de Imóveis. Apesar do pedido também ter sido formulado em sede de reconvenção, este não pode ser acolhido por incompatibilidade procedimental e por ausência de citação da Fazenda Pública e dos confinantes, de maneira que a decisão nestes autos produz apenas efeitos intra partes. Sobre o assunto, oportuno o escólio de JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES: "Com efeito, alguém pode possuir um imóvel (ou direito real) pelo tempo e com os requisitos necessários à aquisição da propriedade (ou de outro direito real) pela usucapião e, entretanto, não ter ajuizado a competente ação de usucapião para ver declarado o seu direito em sentença que lhe sirva de título para o registro, nos termos dos arts. 167, I, 28 e 168 da Lei 6.015, de 31.12.1973 (Lei de Registros Públicos) no registro de imóveis. Nem por isso, contudo, terá deixado de adquirir o imóvel (ou outro direito real), pois, mais uma vez repetimos, a sentença proferida na ação de usucapião é simplesmente declaratória e não constitutiva de direito. Em tal hipótese, pode ocorrer que alguém intente, contra aquele que adquiriu por usucapião (mas não teve declarada, por sentença, a aquisição), uma ação reivindicatória, ou até mesmo uma possessória. Citado para a demanda, poderá o usucapiente defender-se opondo exceção de usucapião. Todavia, se vier a ser acolhida a defesa do usucapiente, com a decretação da improcedência da demanda reivindicatória ou da possessória, nem por isso terá a sentença proferida no feito o condão de declarar autoritativamente a propriedade do excipiente, tal como ocorreria se ele tivesse promovido ação de usucapião e houvesse logrado êxito em sua pretensão. A sentença prolatada na reivindicatória (ou na possessória) não gerará coisa julgada material relativamente à usucapião, não sendo, portanto, oponível erga omnes, como aconteceria com a sentença proferida na ação de usucapião. A sentença declaratória de improcedência da reivindicatória (ou da possessória), proferida incidenter tantum no que concerne à usucapião alegada em defesa pelo réu, só produzirá efeito entre as partes litigantes, não estendendo seus efeitos a terceiros, que não foram citados para a lide e não puderam apresentar suas defesas."22
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22 "Usucapião de Bens Imóveis e Móveis", 7ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 168. FLÁVIO TARTUCE, acerca do tema, serve-se das lições de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, HUMBERTO THEODORO JR. e THEOTÔNIO NEGRÃO: "O entendimento majoritário, particularmente entre os processualistas, é que a usucapião pode sempre ser alegada em defesa, mas que a sentença de improcedência somente pode ser registrada nos casos destacados em lei. Compartilhando dessa ideia, ensina Alexandre Freitas Câmara que A sentença que reconhecer o usucapião alegado como defesa não poderá ser levada a registro junto com a matrícula do imóvel no Registro de Imóveis. Isto porque a contestação não amplia o objeto do processo. Não tendo havido pedido de reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião, não será a sentença capaz de declarar, com força de coisa julgada, que o réu é proprietário do bem em razão do usucapião (Lições..., 2005, v. III, p. 440). (...) Em sentido muito próximo, essa também é a opinião de Humberto Theodoro Jr. (Curso..., 2004, v. III, p. 188) e de Theotônio Negrão (Código de Processo Civil... 2005, p. 930), trazendo ambos farta jurisprudência para balizar suas teses."23 No que concerne à presente demanda, portanto, o reconhecimento da usucapião se dá para o único fim de apreciar eventual procedência do pedido reivindicatório formulado na inicial. Feitas estas considerações, passa-se à análise das provas. Quanto ao imóvel possuído por José Luiz Araújo, este afirmou em seu depoimento que reside no local desde o ano de 1976 após ter obtido emprego na madeireira ao lado. A testemunha Márcia de Souza Santos confirma esta versão, afirmando que mora nas proximidades há 48 anos e que se recorda de que José foi morar no local quando ela ainda era criança. Por sua vez, Maria
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23 "Direito das Coisas", 6ª ed., São Paulo: Ed. Método, 2014, p. 186. Lucia dos Santos afirma que se mudou para a região há 36 anos e na época José já morava no local. Maria Lucia dos Santos explica que mora na região desde quando nasceu, em 1971, e que se recorda do senhor (José) Araújo desde quando era pequeno. Assim, resta comprovado que no ano de 2008, José Luiz Araújo já possuía o imóvel há mais de 10 anos, prazo necessário para a aquisição da propriedade nos termos do artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil24, que dispensa justo título e boa-fé, pois está demonstrado que estabeleceu no imóvel sua moradia habitual. Apesar da posse ter se iniciado na vigência da legislação revogada, passados dois anos após o início da vigência do Código vigente, é inaplicável a regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil.25 Confira-se os seguintes julgados acerca da regra de transição e da usucapião extraordinária para fins de moradia: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DOMÍNIO POR USUCAPIÃO. POSSE QUALIFICADA. INÍCIO DA POSSE, CÓDIGO CIVIL/1916. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL/2002. REGRA DE TRANSIÇÃO ESPECÍFICA. ART. 2.029. CÔMPUTO DO PRAZO DECORRIDO APÓS O AJUIZAMENTO DO FEITO. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO OU CONTESTAÇÃO. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PRECEDENTES DO STJ. POSSE "AD USUCAPIONEM" CONFIGURADA. ACOLHIMENTO. 1. O art. 1.238, parágrafo único
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24 Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. 25 Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916. do CC/02, tem aplicação imediata à posse ad usucapionem já iniciadas, "qualquer que seja o tempo transcorrido" na vigência do Código anterior, não aplicando a regra de transição prevista no art. 2.029/CCB, quando completado o período aquisitivo após dois anos de vigência do novo Código Civil .2. É possível o cômputo do prazo decorrido entre o ajuizamento da demanda de usucapião e a prolação da sentença para fins e configuração prescrição aquisitiva, com base no art. 462 do CPC, desde que não tenha havido nenhum ato de oposição em face do possuidor usucapiente nesse período, sendo insuficiente para tanto a mera contestação apresentada na ação de usucapião. 3. Demonstrado o exercício público da posse, com ânimo de dono, de forma mansa e pacífica, sem qualquer oposição daquele que figura como proprietário, que se mantém em situação passiva pelo lapso temporal prescrito em lei (reduzido por conta do exercício da "posse-moradia"), tem-se como configurada a aquisição da propriedade pela usucapião qualificada, imperando-se o reconhecimento do domínio do autor, na forma do parágrafo único do art. 1.238 do CC/02 .4. Apelação Cível à que se dá provimento, mantendo a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais, as quais quedam-se suspensas em razão da justiça gratuita deferida."26 "CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. RECURSO DE APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DOS RÉUS: EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ARGUIDA COMO TESE DE DEFESA. POSSE DOS RÉUS INICIADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. APLICAÇÃO IMEDIATA DO ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INTELIGÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESPECÍFICA CONFERIDA PELO ART. 2.029. REQUISITOS PREENCHIDOS. EXERCÍCIO DA POSSE COM ANIMUS DOMINI, DE FORMA ININTERRUPTA E SEM OPOSIÇÃO, POR MAIS DE 10 ANOS. OPOSIÇÃO A POSSE. INEXISTÊNCIA. ENVIO DE NOTIFICAÇÃO. CITAÇÃO EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE JULGADA EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INEXISTÊNCIA DE CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ACOLHIDA. PEDIDO INICIAL JULGADO IMPROCEDENTE. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSOS PROVIDOS. RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR: RECURSO PREJUDICADO. 1. Na usucapião extraordinária do art. 1.238, parágrafo único do Código Civil de 2002, a regra de transição aplicável é a do art. 2.029, que prevê forma específica de transição dos prazos da usucapião dessa natureza, e não a regra geral insculpida no art. 2.028. 2. O art. 1.238, parágrafo único do CC/02, tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, "qualquer que seja o tempo transcorrido" na vigência
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26 TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1568380-4 - Guaratuba - Rel.: Francisco Jorge - Unânime - J. 26.10.2016. do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. (STJ, REsp 1314413/MG, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 09/12/2013) 3. Comprovada a posse mansa, pacífica e com animus domini por parte do demandado por mais de dez anos, na forma exigida pelo parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil/2002, é de ser acolhida a exceção de usucapião arguida como meio de defesa. Tal fato conduz à improcedência do pedido reivindicatório. 4. Uma vez julgada extinta sem resolução de mérito a ação possessória, a citação não tem efeito interruptivo da prescrição aquisitiva. 5. Se a outorga do domínio em favor do incapaz ocorreu muito tempo após a implementação do lapso temporal para a usucapião, não se pode falar em suspensão desse prazo."27 Quanto ao imóvel de Roseli de Fátima Araújo, esta afirmou que adquiriu os direitos possessórios do bem em conjunto com seu falecido companheiro. Conforme se verifica do respectivo instrumento28, o casal adquiriu o terreno em 06 de janeiro de 2004 de Luziane Ferreira de Souza. Nos depoimentos, Elaine Cristina Cancio do Amaral29 afirmou que Roseli reside no local há uns 9 ou 10 anos30. Márcia de Souza Santos informou que o bem pertencia à Luziane, que vendeu para a Roseli, afirmando que sempre esteve ocupado desde que a depoente (Márcia) se mudou ao local, há 48 anos. A testemunha afirmou que é um pouco mais velha que Luziane e que a mãe desta já residia no imóvel.
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27 TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1466116-4 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá - Rel.: Lauri Caetano da Silva - Unânime - J. 13.04.2016. 28 Mov. 74.2. 29 Ouvida como informante por ser nora do senhor José Luiz Araújo e esposa do Requerido Robson Luiz de Araújo. 30 Depoimentos colhidos em 04/02/2015. Maria Lucia dos Santos informou que Roseli mora há uns 10 anos no local e que acha que Luziane que era a antiga moradora do local. Ozires Tavares dos Santos descreveu que o imóvel da Roseli era de uma senhora chamada Geni, que teria transferido para a Roseli, mas não lembra a época e que acredita que Luziane era filha de Geni. A posse de Roseli é de boa-fé e fundada em justo título desde 06 de janeiro de 2004, prazo insuficiente para até 09 de julho de 2008 (data do registro do imóvel em nome do Município) se reconhecer a usucapião extraordinária de 10 anos (artigo 1.242) ou a especial urbana de 5 anos (artigo 1.240). De qualquer forma, cabível a contagem do tempo de posse dos antecessores, nos termos do artigo 1.243 do Código Civil vigente, de maneira que resta comprovada a posse por período superior a 20 anos (prazo do artigo 550 do CC/1916), aplicável ao caso em razão da regra de transição do artigo 2.028 do CC/2002, vez que já havia decorrido mais da metade do prazo quando da entrada em vigência da nova legislação civil. Acerca da acessio possessionis, JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA e FÁBIO CALDAS DE ARAÚJO explicam que: "É lícito ao possuidor realizar a junção das posses, seja por ato inter vivos, ou causa mortis. A previsão está retratada não apenas no art. 1.207, mas também do 1.243, CC brasileiro. Há que ser diferenciada, contudo as formas de união da posse. Na sucessio possessionis, de acordo com o que já foi exposto, ocorre uma transmissão automática de direitos. O sucessor assume a posse com os mesmos vícios e qualidade originais. Na acessio possessionis, existe uma transmissão inter vivos da posse. Na acessio possessionis não existe junção automática das posses, tratando-se de transmissão inter vivos. A acessão é sempre facultativa. O dispositivo expressa claramente que a união de posses a título singular é uma facultas agendi. A escolha caberá ao possuidor atual, que deverá observar se há interesse em invocá-la. Se sua posse for de boa-fé e titulada, e a do alienante de má-fé, não obterá nenhuma vantagem na junção das posses, porque na junção das posses sempre prevalecerá a posse de menor qualidade."31 A respeito do tema, ORLANDO GOMES ensina: É permitido juntar posse para usucapir. O possuidor pode acrescentar à sua posse a do seu antecessor, contando que ambas sejam contínuas e pacíficas. A acessão de posses - acessio possessionis - toma aspectos diferentes conforme se verifica em virtude de título universal ou singular. O herdeiro acrescenta obrigatoriamente à sua posse a do defunto. É uma continuação, transmitindo-se, por conseguinte, com todas as suas virtudes e vícios. A acessão a título singular, não é obrigatória. O adquirente soma a sua posse à do transmitente, se quer. Evidentemente, verifica-se a junção quando as duas posses têm as mesmas qualidades. Mas, se a posse do antecessor era de má-fé, a soma não se dá. O vício não comunica, entretanto, à posse do sucessor. A acessão interessa, todavia, para a usucapião que dispensa a boa-fé.32 Assim, é perfeitamente possível a soma da sua posse com as posses exercidas pelos seus antecessores de acordo com o que dispõe o Código Civil. Considerando que Márcia de Souza Santos afirmou que quando do depoimento já morava no local há 48 anos e a mãe de Luziane já residia no imóvel, a posse somada ultrapassa os 20 anos necessários, conforme regra de transição33.
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31 MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Código Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 746/747. 32 GOMES, Orlando. Direitos reais. 20 Ed. atual. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 184. 33 Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. Assim, devidamente comprovado o preenchimento dos requisitos legais, a acessão de posses é aceita pela jurisprudência: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. REQUISITOS COMPROVADOS. DEMANDA PROCEDENTE. POSSE MANSA, PACÍFICA E CONTÍNUA POR PRAZO SUPERIOR A 20 ANOS COM A ACESSÃO À POSSE DO ANTECESSOR. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ADEQUADAMENTE FIXADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO."34 "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - AUTORA QUE ADQUIRE A POSSE DE IMÓVEL POR CESSÃO DE POSSE E DIREITOS POSSESSÓRIOS - INVOCAÇÃO DA ACESSÃO DE POSSES PARA APERFEIÇOAMENTO DO REQUISITO TEMPO - CÓDIGO CIVIL DE 2002, ARTIGO 1.207 - COMPROVAÇÃO QUE O POSSUIDOR ANTECEDENTE, APESAR DE DESPROVIDO DE TÍTULO INQUESTIONÁVEL, ESTEVE NA POSSE DO IMÓVEL POR TEMPO SUFICIENTE, ELE PRÓPRIO, À DECLARAÇÃO DE USUCAPIÃO DE LONGO TEMPO - ANÁLISE DE TÍTULOS QUE, ANTE A POSSE BASTANTE, É DESINFLUENTE PARA O RESULTADO DA DEMANDA. POR MAIORIA, CONDENA A RÉ AO PAGAMENTO DAS CUSTAS E HONORÁRIOS DO CURADOR ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO."35 "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DECLARADA, COM APROVEITAMENTO DE POSSE ANTERIOR. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PRESENTES. COMPROVAÇÃO DA PRESCRIÇÃO TEMPORAL. ARTIGOS 492, 496, 550 E 552, TODOS DO CÓDIGO CIVIL/16. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. - Ao tempo de posse dos autores, contigua à do transmitente, agrega-se o tempo de posse exercido pelos proprietários anteriores, ocorrendo a acessão da posse, nos termos dos artigos 492, 496, 550 e 552, todos do Código Civil de 1916, então vigente."36 Desta forma, ambas as famílias preencheram o prazo necessário para a aquisição da propriedade no período em que o bem era de propriedade da
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34 TJPR - 18ª C. Cível - AC - 977856-9 - Terra Boa - Rel.: Marco Antonio Antoniassi - Unânime - J. 19.06.2013. 35 TJPR - 18ª C. Cível - AC - 882463-5 - Paranavaí - Rel.: Luis Espíndola - Unânime - J. 19.06.2013. 36 TJPR - 17ª C. Cível - AC - 683042-6 - Curitiba - Rel.: Stewalt Camargo Filho - Unânime - J. 22.09.2010. sociedade de economia mista, de maneira que este tópico do recurso do Município não merece acolhida. Da imprescritibilidade da área de preservação permanente e necessidade de desocupação O Apelante (1) sustenta que a área de proteção ambiental é imprescritível, que no caso consiste em "fundo de vale", conforme artigo 29, parágrafo único, da Lei Municipal nº 7.833/1991. Alega que é incontroverso que a área ocupada é de preservação permanente, motivo pelo qual os Requeridos também não possuem direito a qualquer indenização, pois não obtiveram alvará para edificação expedido pela Prefeitura Municipal de Curitiba, conforme artigo 9º da Lei Municipal 11.095/2004. Por tais motivos, deve ser aplicada a penalidade de demolição, decorrente do poder de polícia ambiental. Cabe ressaltar que em face destes pedidos, os Requeridos formularam em contestação pedido subsidiário de indenização em caso de procedência do pleito de demolição das edificações. A alegação de imprescritibilidade da área de preservação permanente não socorre a municipalidade, uma vez que a existência de limitação administrativa não é óbice ao direito constitucional à aquisição da propriedade por usucapião. O Supremo Tribunal Federal, em tema de repercussão geral, analisou situação semelhante, em que se pretendia vedar a aquisição da propriedade de imóvel por usucapião com fundamento em legislação municipal que estabelecia módulos urbanos na respectiva área (dimensão do lote). A Corte Superior reafirmou a supremacia da Constituição Federal ao instituir um modo originário de aquisição de propriedade, que não pode ser inibido por qualquer outro obstáculo. Entendimento que, mutatis mutandis, deve ser observado no presente caso: "Recurso extraordinário. Repercussão geral. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido. 1. Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida em composse. 2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal. 3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). 4. Recurso extraordinário provido."37
Os Tribunais pátrios já apreciaram a questão, conforme se denota das decisões a seguir: "APELAÇÕES CÍVEIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. GLEBA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IRRELEVÂNCIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. Ainda que o imóvel em questão se situe, efetivamente, em Área de Preservação Permanente, tal fato não representaria óbice à aquisição de
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37 RE 422349, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-153 DIVULG 04-08-2015 PUBLIC 05-08-2015.
sua propriedade por meio da usucapião. "O fato de se tratar de área de preservação permanente não é óbice à consumação da usucapião extraordinária, cabendo aos entes públicos, na competência que lhes é conferida pelo art. 23 da Constituição Federal, exercitar seu poder de polícia com vistas à proteção e à fiscalização da área de proteção ambiental, ainda que ocupada por particular (Ap. Cív. n. 2004.021629-7, rel. Des. Jaime Ramos)." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.034825-1, de Garopaba, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 26-11-2013)."38 "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AGRAVO RETIDO. DETERMINAÇÃO PELO JUÍZO DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL APÓS ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO. POSSIBILIDADE. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DA PROVA. NECESSIDADE PARA A SOLUÇÃO DO LITÍGIO. AGRAVO DESPROVIDO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IRRELEVÂNCIA. PRELIMINAR AFASTADA. INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL. METRAGEM INDICADA NA INICIAL E NA PLANTA MAIOR QUE A ATESTADA PELA PERÍCIA. BEM SUFICIENTEMENTE DESCRITO. LIMITAÇÕES INDICADAS NO LEVANTAMENTO PLANIMÉTRICO QUE CONDIZEM COM A ÁREA USUCAPIENDA. POSSIBILIDADE DE DEFESA. DEMONSTRAÇÃO DA POSSE MANSA, ININTERRUPTA E COM ANIMUS DOMINI. REQUISITOS PARA O PREENCHIMENTO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA CARACTERIZADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DO ART. 20, §§ 3° E 4º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) II - Não existe óbice à aquisição por meio de usucapião de área de preservação permanente, que está apenas sujeita à fiscalização e proteção pelo poder público (art. 23 da Constituição Federal), razão pela qual deve ser afastada a preliminar de carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido. (...) IV - Demonstrados durante a instrução processual os requisitos necessários para a aquisição do imóvel por meio da usucapião extraordinária, há de ser declarado o domínio da área contígua à propriedade dos Autores, que a possuem como sua, sem oposição, há mais de 20 anos ininterruptos. (V - Tratando-se de sentença desprovida de eficácia condenatória preponderante, devem os honorários advocatícios ser fixados equitativamente pelo juiz, atendidos, para tanto, o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo para o seu serviço (art. 20, §§ 3.º e 4.º, do Código de Processo Civil)."39
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38 TJSC, Apelação Cível n. 0022858-39.2011.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Júlio César Knoll, j. 23- 05-2017. 39 TJSC, Apelação Cível n. 2013.032572-0, de Braço do Norte, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 05-02- 2015. "CONSTITUCIONAL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. JARDIM MODELO. OCUPAÇÃO IRREGULAR E DESORDENADA. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. LEGISLAÇÃO EDITADA APÓS A CONCRETIZAÇÃO DA USUCAPIÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. FATO, ADEMAIS, SEM O CONDÃO DE EXCLUIR O DOMÍNIO. LOCALIZAÇÃO DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE POTENCIAL DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. OCUPAÇÃO LONGEVA. DIMENSÃO INFERIOR AO MÓDULO MÍNIMO. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL. ART. 183 DA CF. INEXISTÊNCIA DE EXCEÇÃO PARA AFASTAR A APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO STF NO RE 422.439, SUBMETIDO AO ART.543-C DO CPC/73. DEMAIS REQUISITOS CONFIGURADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DESCABIDA. APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO."40 (g.n.) "ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. DELIMITAÇÃO DE USO PELA EXISTÊNCIA DE APP. Hígida a sentença que reconhece usucapião e restringe o uso do bem mediante inscrição no registro de imóvel da existência de APPs no terreno, cabendo ao interessado buscar junto ao órgão competente as delimitações específicas de tais áreas."41 (g.n.) "ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. ART. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. DECLARAÇÃO DO DOMÍNIO DA ÁREA ALODIAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Preenchidos os requisitos do art. 1.238 do Código Civil, é de ser declarado o domínio do autor sobre a área aodial objeto do litígio, conforme declarado em sentença. 2. O simples fato da área considerada como usucapienda abranger área de preservação permanente não impede a prescrição aquisitiva, pois não se trata de área pública, mas apenas área particular, em relação a qual incide limitação administrativa. 3. Honorários advocatícios mantidos."42 (g.n.) Assim, evidenciado o preenchimento dos requisitos necessários à usucapião, como analisado no tópico acima, nada impede o seu reconhecimento.
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40 TJPR - 18ª C.Cível - ACR - 1509104-0 - São José dos Pinhais - Rel.: Vitor Roberto Silva - Unânime - J. 26.10.2016. 41 TRF4, AC 5008449-21.2012.404.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 24/08/2017. 42 TRF4, AC 5022134-95.2012.404.7200, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 06/12/2016. No entanto, conforme restou descrito pelo perito, de fato, as construções edificadas pelos Requeridos e alguns vizinhos são irregulares sob o ponto de vista ambiental, seja em relação à Legislação Ambiental municipal quanto em relação ao atual Código Florestal (Lei nº 16.651 de 25 de maio de 2012) que, em seu artigo 4º43, considera como área de preservação permanente a largura mínima de 30 metros para cursos de água de até 10 metros de largura. Para fins de regularização fundiária de ocupação urbana consolidada, o artigo 65, § 2º44, determina a manutenção de faixa não edificável mínima de 15 metros de cada lado do rio. A previsão de áreas de preservação permanente já constava no revogado Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), protegendo, em sua redação original45, 5 metros à margem do rio e, a partir da Lei nº 7.803/198946, 30 metros. Em que pese a Lei nº 16.651/2012 seja posterior ao ajuizamento da ação, datada de 14 de maio de 2012, o fato é que estabeleceu parâmetros
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43 Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: [...] I - as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: [...] a) 30 (trinta) metros, para os cursos dágua de menos de 10 (dez) metros de largura; 44 Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. [...] § 2o Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso dágua, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado. 45 Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura: 46 Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) para recomposição ambiental, inclusive em áreas urbanas, como no caso dos autos. De fato, verifica-se a irregularidade da ocupação no imóvel discutido, vez que se constata das fotos juntadas ao laudo47 e da planta, que as construções dos Requeridos foram realizadas logo ao lado do Córrego Pilarzinho em área de preservação permanente. Ainda que o Poder Público realize a regularização fundiária, nos termos da Lei nº 16.651/2012, a ocupação não pode ser convalidada, pois as construções foram realizadas dentro da faixa não edificável de 15 metros de cada lado. De outro lado, não há no caso dos autos, uma simples limitação administrativa, mas sim, como ensina a doutrina de MARÇAL JUSTEN FILHO de desapropriação, haja vista a eliminação de seu conteúdo econômico, por se tratar de área de preservação permanente e de risco48: "Limitação administrativa à propriedade consiste na restrição às faculdades de usar e fruir de bem imóvel, que dá configuração ao direito privado de propriedade, mediante ato administrativo unilateral de cunho geral. [...] A limitação à propriedade não pode desnaturar a essência econômica do direito. A natureza geral da determinação e seu cunho de conformação conduzem à ausência de dano indenizável em virtude da limitação. Ademais, a limitação atinge todos os integrantes da sociedade de igual maneira, o que também justifica a ausência de dano indenizável. Se a restrição administrativa produzir efeitos de tamanha extensão que resultem na desnaturação da
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47 Mov. 190.1. 48 Conforme laudo pericial. propriedade privada, não se configurará uma mera limitação. Surgirá direito de indenização para o proprietário. Essa situação se verificará nos casos em que a limitação produzir efeito diferenciado em face de determinadas propriedades ou se acarretar a eliminação do conteúdo econômico da propriedade. [...] Não se caracteriza limitação à propriedade quando a medida adotada extrapolar os limites antes referidos. Se a providência administrativa impuser vedação absoluta à fruição da coisa ou retirar seu conteúdo econômico, não haverá limitação. Estará configurada uma outra figura jurídica - a desapropriação, examinada a seguir, o que significará ou a invalidade da providência adotada a título de limitação ou a necessidade de indenização ao particular. Ressalte-se que o vínculo necessário entre a limitação e a satisfação de interesses coletivos não afasta o eventual direito à indenização em prol do particular. Se a limitação desnaturar o direito de propriedade, equivalerá à desapropriação e estará sujeita a idêntico regime."49 Conforme se verificou dos depoimentos, as posses das quais decorreram a aquisição da propriedade pela usucapião das residências de ambas as famílias são anteriores à Lei Federal nº 7.803/1989, período no qual a área de preservação permanente era de apenas 5 metros, assim como em relação à Lei Municipal nº 7.833/1991. Com a ampliação para 30 metros, a limitação administrativa retirou todo o conteúdo econômico da propriedade, restringindo juridicamente o uso e a fruição do bem, conforme se verifica do croqui explicativo da área50. Não fosse apenas a superveniência da elevação da faixa de preservação permanente, os imóveis de
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49 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. e-book. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, cap. 9.15. 50 Mov. 190.1. ambas as famílias são ocupados há décadas para fins de moradia, de maneira que apesar da irregularidade, as famílias não podem, no presente caso, ser imediatamente desalojadas sem a remoção para outra localidade, sob pena de violação ao direito de moradia/habitação. No caso concreto, verifica-se que o Córrego Pilarzinho se encontra canalizado em grande parte de seu leito, apesar de estar à céu aberto na porção do imóvel discutido. Embora seja necessária a recuperação da área degradada, a urgência para tanto será proporcional ao próprio direito dos Apelantes (2) e (3) ao direito de habitação, em especial porque os danos ambientais ocorreram há muito tempo. Assim, face à colisão entre os direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado, a decisão acertada à situação, em observância ao princípio da proporcionalidade, é condicionar a demolição das construções à indenização pelo esvaziamento do conteúdo econômico do imóvel, assim como acessões e benfeitorias, ou ao oferecimento de moradia em outro endereço. Estas são as medidas necessárias (sub- regra da proporcionalidade) para o caso, pois a ocupação vem de longa data, com largo período de inércia pelo Poder Público em exercer o poder de polícia. Tais alternativas promovem o direito ao meio ambiente equilibrado ao mesmo tempo em que são menos restritivas do outro direito, pois resguardam o direito de moradia obtido pelos Requeridos pela via da usucapião e garantem o respeito ao direito social à moradia. São diversos os precedentes que, em havendo construção de moradia para população, em especial de baixa renda, condiciona a desocupação da área de preservação permanente à remoção destas pessoas para moradia digna em outra localidade: "Administrativo. Ocupação de área de preservação ambiental permanente. Responsabilidade do Município de Caucaia-CE e do IBAMA pela cessação da invasão da margem esquerda do Rio Ceará, no local denominado Parque Leblon. Determinação de transferência dos ocupantes para novas moradias a serem construídas pela Municipalidade, com a efetiva participação do IBAMA. Fixação de prazo razoável, de ano e meio, para conclusão da remoção. Provimento, em parte, da apelação do Município e da remessa oficial. Improvimento da apelação do IBAMA."51 "CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. POLÍTICA URBANA. OCUPAÇÃO IRREGULAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. COMPETÊNCIA COMUM DA UNIÃO E DO MUNICÍPIO. PRAZO RAZOÁVEL. INTEGRAÇÃO DO ESTADO À LIDE. DESNECESSIDADE. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A ocupação irregular de famílias em área classificada como terreno de marinha e área de preservação permanente constitui questão que suplanta a órbita da política urbana de competência municipal, por atingir a esfera de proteção ao meio ambiente. 2. A União e o Município detêm competência comum, nos termos do artigo 23, VI e IX da Constituição Federal, para proteger o meio ambiente e promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. 3. Por conseguinte, impõe-se a União e ao Município, conjuntamente, a obrigação de fazer, no sentido de promover a desocupação da área considerada de preservação permanente, com a transferência das famílias ocupantes para outra área do Município, com vistas a preservar o meio ambiente e oferecer condições dignas de moradia à população carente. 4. Considera-se o prazo de um ano e meio como razoável para o
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51 TRF5 - Quarta Turma - AC 375383-CE (0040483-23.2005.4.05.0000) - Fortaleza - Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães - Julgado em 07/07/2006. cumprimento da obrigação constante do processo. Precedentes desta Corte. 5. Sem óbice ao fato de se tratar de competência comum entre os entes da federação na defesa do meio ambiente e elaboração de programas habitacionais, não há razão para se anular o processo visualizando chamar o Estado para integrar a lide, porquanto o litisconsórcio, acaso existente, seria facultativo e não necessário, ante a ausência dos requisitos do art.47 do CPC. 6.Apelação e remessa oficial parcialmente provida."52 "Apelação - Ambiental - Ocupação irregular de APP - Sentença que condena o apelante a se abster de atividades danosas e reparar o dano, inclusive com a demolição de residência existente no local - Matéria fática incontroversa - Questão que se resolve, no entanto, parcialmente em prol do apelante - Diante do conflito entre os direitos fundamentais ao meio ambiente e à moradia, deve-se adotar a solução que promova a maior eficácia possível de ambos - Aplicação do princípio da concordância prática ou harmonização - Sentença parcialmente reformada, para excluir a ordem de demolição da residência, mantidas as demais providências de conservação e reparação ambiental - Apelo parcialmente provido."53 "AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIRETO AMBIENTAL. DIREITO À MORADIA. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. DESOCUPAÇÃO FORÇADA E DEMOLIÇÃO DE MORADIA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSE ANTIGA E INDISPUTADA. AQUIESCÊNCIA DO PODER PÚBLICO. DISPONIBILIDADE DE ALTERNATIVA PARA MORADIA. TERRENO DE MARINHA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA, DESPEJO E DEMOLIÇÃO FORÇADAS PARA PROTEÇÃO AMBIENTAL. PREVENÇÃO DE EFEITO DISCRIMINATÓRIO INDIRETO. 1. Não há nulidade pela não realização de perícia judicial quanto à qualificação jurídica da área onde reside a autora como terreno de marinha, à vista dos laudos administrativos e da inexistência de qualquer elemento concreto a infirmar tal conclusão. 2. A área de restinga, fixadora de dunas, em praia marítima, é bem público da União, sujeito a regime de preservação permanente. 3. A concorrência do direito ao ambiente e do direito à moradia requer a compreensão dos respectivos conteúdos jurídicos segundo a qual a desocupação forçada e demolição da moradia depende da disponibilidade de alternativa à moradia. 4.
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52 TRF5 - Quarta Turma - AP 0007293-58.2001.4.05.8100/CE - Fortaleza - Rel. Des. Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior - Julgado em 19/04/2007. 53 TJSP; Apelação 0004414-75.2011.8.26.0642; Relator (a): Souza Nery; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente; Foro de Ubatuba - 2ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 24/10/2013; Data de Registro: 29/10/2013. Cuidando-se de família pobre, chefiada por mulher pescadora, habitando há largo tempo e com aquiescência do Poder Público a área de preservação ambiental em questão, ausente risco à segurança e de dano maior ou irreparável ao ambiente, fica patente o dever de compatibilização dos direitos fundamentais envolvidos. 5. O princípio de interpretação constitucional da força normativa da Constituição atenta para a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental, no caso, o direito ao ambiente e direito à moradia. 6. Incidência do direito internacional dos direitos humanos, cujo conteúdo, segundo o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU (The Right to adequato housing (art. 11.1): forced evictions: 20/05/97. CESCR General comment 7), implica que "nos casos onde o despejo forçado é considerado justificável, ele deve ser empreendido em estrita conformidade com as previsões relevantes do direito internacional dos direitos humanos e de acordo com os princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade" (item 14, tradução livre), "não devendo ocasionar indivíduos "sem-teto" ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos. Onde aqueles afetados são incapazes para prover, por si mesmos, o Estado deve tomar todas as medidas apropriadas, de acordo com o máximo dos recursos disponíveis, para garantir que uma adequada alternativa habitacional, reassentamento ou acesso a terra produtiva, conforme o caso, seja disponível." 8. Proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que o sujeito diretamente afetado seria visto como meio cuja remoção resultaria na consecução da finalidade da conduta estatal, sendo desconsiderado como fim em si mesmo de tal atividade. 9. Concretização que busca prevenir efeitos discriminatórios indiretos, ainda que desprovidos de intenção, em face de pretensão de despejo e demolição atinge mulher chefe de família, vivendo em sua residência com dois filhos, exercendo, de modo regular, a atividade pesqueira. A proibição da discriminação indireta atenta para as consequências da vulnerabilidade experimentada por mulheres pobres, sobre quem recaem de modo desproporcional os ônus da dinâmica gerados das diversas demandas e iniciativas estatais e sociais."54 Ressalte-se que a falta de alvará para construção não impede a indenização pela perda do potencial
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54 TRF4, AC 2006.72.04.003887-4, TERCEIRA TURMA, Relator Roger Raupp Rios, D.E. 10/06/2009. econômico do terreno, sendo devida a indenização pelo imóvel, acessões e benfeitorias. Por tais razões, em sede de reexame necessário, deve-se julgar procedente o pedido inicial reivindicatório, bem como o de demolição das edificações realizadas em área de preservação permanente condicionando, contudo, o cumprimento da ordem à prévia indenização pela desapropriação indireta, ou realocação das famílias em programa público de habitação por opção dos Requeridos, como forma de se assegurar o direito à moradia. Desta forma, asseguro o direito de retenção dos Requeridos, que poderão usufruir do bem até o pagamento, afastando também a incidência de juros de mora enquanto os moradores permanecerem residindo no local, vez que a indenização por desapropriação deve ser prévia, conforme mandamento constitucional. RECURSO DE APELAÇÃO (2) - JOSÉ LUIZ ARAÚJO E OUTROS Da sentença extra petita Os Recorrentes (2) sustentam que o julgamento foi extra petita, pois a metragem de 242,65m² não faz parte da matrícula nº 10.869 do 1º Registro de Imóveis de Curitiba e não consta dos pedidos a reivindicação da área destinada à via pública. Conforme se verifica dos autos, houve pedido na petição inicial de demolição das construções no local, com fundamento na propriedade pública do bem e sucessivamente na proteção ambiental das margens do córrego. Assim, a admissão do pedido com fundamento na propriedade da suposta via pública não se mostra cabível por, no caso concreto, afrontar o contraditório e a ampla defesa. Isto porque na petição inicial não há qualquer menção de que parte da edificação realizada pelo senhor José Luiz de Araújo foi levantada fora dos limites do terreno de matrícula nº 10.869. Ou seja, não havia como se exigir que os Requeridos contestassem um pedido, ou causa de pedir, não formulado na petição inicial. Não há nem como se ter certeza que este trecho da via situada entre a Rua Coronel Guilherme Guimarães e o córrego seja efetivamente área de propriedade do município e não uma servidão de passagem, por exemplo55. Isto porque as construções nas proximidades do córrego Pilarzinho seriam todas irregulares por ocuparem área de preservação permanente, nos termos do artigo 4º da Lei nº 12.651/201256. Ou seja, não havia sequer razão para existir formalmente a via de acesso, vez que este trecho da rua atende exclusivamente moradias em área de edificação proibida.
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55 Conforme foto aérea e croqui explicativo constante no laudo pericial de mov. 190.1. 56 Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos dágua de menos de 10 (dez) metros de largura; Ainda que o Código Civil disponha que as ruas são bens públicos57, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979) determina que a Prefeitura Municipal deve aprovar o traçado viário básico do loteamento. Desta forma, caberia ao Município exibir o plano do loteamento para se ter certeza de que se trata de via pública prevista no projeto. Por sua vez, o perito afirmou que "A área em questão encontra-se tomada por construções irregulares predominantemente de madeira aonde residem famílias, trata-se de área não edificável por estarem localizada as margens do córrego Pilarzinho que cruza o terreno em toda sua extensão, as condições são extremamente precárias caracterizando a irregularidade da ocupação e perigo iminente, não podendo por força de lei ser habitada."58 Percebe-se que o Município de Curitiba está procedendo à regularização fundiária das imediações, tanto que ajuizou a presente ação. Após obter a demolição das construções no entorno do córrego, não haverá mais razão para a existência deste trecho da rua. O que se está a afirmar é que, em se tratando de ocupação irregular das imediações de uma rua sem saída, não a torna evidente como área de via pública regular (propriedade do município), tanto que o local sequer poderia ser habitado, conforme afirmou o perito. Ou seja, havendo fortes indícios de que o trecho ocupado pelos Requeridos não seja formalmente via pública,
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57 Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; 58 Mov. 190.1. não evidencia que a propriedade seja do Município. Cabia a este comprovar esta circunstância, que sequer foi alegada na inicial. De qualquer forma, conforme se verifica do próprio zoneamento de Curitiba59, referido trecho da rua Guilherme Seeger possui largura menor que a parte entre a Rua Cel. João Guilherme Guimarães e a Av. Desembargador Hugo Simas. Desta forma, há que se ter elementos mais concretos para se aferir a largura projeta da rua (se é que foi projetada), pois ocupa área de proteção permanente e o próprio perito afirmou que as ocupações (que utilizam o acesso) são todas irregulares. Adiantando a posição firmada, ainda que se reconheça ao final a limitação administrativa à propriedade, é necessário reconhecer a sentença extra petita, pois tal decisão repercute no dever de indenização pela desapropriação indireta. É direito das partes não serem surpreendidas com novas alegações, tanto que o CPC determina que a petição inicial é o momento para se alegar "o fato e os fundamentos jurídicos do pedido" (artigo 319, I). A edificação sobre a suposta via pública apenas foi verificada pela perícia, cujo acolhimento na sentença importou em surpresa para as partes em momento no qual os fatos controversos já estavam delimitados. Esta é a precaução adotada pelo legislador ao possibilitar ao autor "até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu,
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59 Disponível em http://www.ippuc.org.br/, informações, mapas, Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo. assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar".60 Acerca deste dispositivo, JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA ensina que: "III. Alteração, aditamento ou realização de novo pedido após a revelia. A alteração ou aditamento do pedido impõe seja novamente ouvido o réu (cf. art. 329, II do CPC/2015), mesmo que tenha havido revelia, em observância à garantia do due process of law, que abrange o direito ao contraditório (cf. STJ, REsp 1.307.407/SC, 2.ª T., j. 22/05/2012, rel. Min. Mauro Campbell Marques; a respeito, v. comentário ao art. 2.º do CPC/2015). Não se realiza nova citação, mas intimação, pois o réu já foi citado e se encontra na relação processual, embora seja revel. Deve- se assegurar ao réu, também, o direito de produzir prova quanto ao que se aditou ou alterou (cf. comentário ao art. 369 do CPC/2015). [...] V. Alteração dos fundamentos legais. Não se altera a causa de pedir quando se acrescentam novos fundamentos legais à argumentação contida na petição inicial (cf. Barbosa Moreira, op. cit., p. 17; Gian Franco Ricci, Principi di diritto processuale generale, p. 219-223). Não se permite, porém, a alteração dos fatos que fundamentam a pretensão do autor: "O processo civil brasileiro é regido, quanto ao ponto, pela teoria da substanciação, de modo que a causa de pedir constitui-se não pela relação jurídica afirmada pelo autor, mas pelo fato ou complexo de fatos que fundamentam a pretensão que se entende por resistida; a mudança desses fatos representa, portanto, mudança na própria ação proposta" (STJ, REsp 623.704/SC, 3.ª T., j. 21.02.2006, rel. Min. Nancy Andrighi)."61 A tese de invasão de via pública importa, portanto, modificação da causa de pedir, o que não pode se aceitar,
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60 Artigo 329, II, do CPC. 61 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 574. pois sequer foi alegada pela parte Autora, não houve concordância da parte Requerida e é posterior ao despacho saneador. Desta forma, neste ponto o recurso dos Apelantes (2) merece provimento, para o fim de se afastar o acolhimento do pedido inicial sob o fundamento de invasão de área destinada à Rua Guilherme Seeger. Da adequação da sucumbência Considerando o resultado da presente decisão, impõe-se o redimensionamento da sucumbência estabelecida em primeiro grau. Em relação à demanda principal, o Município Autor, consagrou-se vencedor quanto ao pedido reivindicatório e demolição das edificações realizadas em área de preservação permanente, e por outro lado, os Requeridos tiveram acolhida a exceção de usucapião e o direito de receberem indenização prévia pela desapropriação indireta, consoante assegura a Constituição (artigo 5º, XXIV62), ou inclusão em política de habitação. Nesse norte, cabível a aplicação do art. 21 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da prolação da sentença, devendo ser distribuídos pro rata as custas processuais e honorários advocatícios, devendo o Autor arcar com 50% das verbas
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62 XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; de sucumbência e os Requeridos com os 50% restantes, fixando os honorários advocatícios em R$ 3.000,00 (três mil reais), com fundamento no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73, devendo tais valores serem atualizados desde a data da sentença até o pagamento, conforme determinado na sentença em se tratando de condenação da Fazenda Pública63. Registre-se que os honorários devidos a Roseli de Fatima Araujo - Recorrente (3) - devem ser revertidos em favor do Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública - FADEP. Resta inalterada a condenação dos Requeridos no que se refere às reconvenções. A presente análise já contempla os pedidos de majoração de honorários formulados pelos Apelantes (2) e (3), consignando ainda que na legislação revogada a condenação da Fazenda Pública em honorários se dava mediante apreciação equitativa do Juiz, conforme artigo 20, § 4º. Improcedente o pleito do Município na Apelação (1) de redução dos honorários, pois fixados em valor suficiente para remunerar o serviço dos advogados, sem importar em enriquecimento sem causa.
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63 "No caso concreto, como a condenação imposta à Fazenda não é de natureza tributária - o crédito reclamado tem origem na incorporação de quintos pelo exercício de função de confiança entre abril de 1998 e setembro de 2001 -, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período." (REsp 1270439/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2013, DJe 02/08/2013) Sem honorários recursais no caso, vez que a sentença foi proferida na vigência do Código de Processo Civil revogado. Eis as razões pelas quais voto pelo: a) conhecimento e parcial provimento do Recurso de Apelação (1) interposto pelo Município de Curitiba, inclusive, para, em sede de reexame necessário, julgar procedente o pedido reivindicatório, determinando a demolição das edificações realizadas em área de preservação permanente, condicionando, contudo, o cumprimento da ordem à prévia indenização pela desapropriação indireta, ou realocação das famílias em programa público de habitação por opção dos Requeridos, como forma de se assegurar o direito à moradia; b) conhecimento e provimento do Recurso de Apelação (2) interposto por José Luiz Araújo e Outros; c) conhecimento e parcial provimento do Recurso de Apelação (3) de Roseli de Fátima Araújo. Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento aos Recursos de Apelação (1) e (3), em conhecer e dar provimento ao Recurso de Apelação (2), para, em reexame necessário, julgar procedente o pedido reivindicatório, nos termos da fundamentação acima. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA, com voto, e dele participou o Senhor Desembargador TITO CAMPOS DE PAULA. Curitiba, 04 de outubro de 2017. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN Desembargadora Relatora
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