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Acórdão
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Certificado digitalmente por: DENISE KRUGER PEREIRA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1699169-0, DE MORRETES - JUÍZO ÚNICO NÚMERO UNIFICADO: 0000118-19.2005.8.16.0118 APELANTE : DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DO PARANÁ - DER APELADOS : MIGUEL HOLTTEMAN E OUTRO RELATORA : DES. DENISE KRÜGER PEREIRA APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA IMÓVEL USUCAPIENDO QUE COMPREENDE PARCELA DA FAIXA DE DOMÍNIO INSTITUÍDA POR OCASIÃO DA INSTALAÇÃO DA RODOVIA PR 408 MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE DO DER/PR (DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM) INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTARQUIA DECRETO ESTADUAL QUE DECLAROU A UTILIDADE PÚBLICA DA ÁREA EM 1970 NÃO ULTIMAÇÃO, CONTUDO, DO PROCEDIMENTO DESAPROPRIATÓRIO, COM PAGAMENTO DO PREÇO RESPECTIVO AO PROPRIETÁRIO ALEGADA CADUCIDADE DA DECRETAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA ARTIGO 10 DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941 OCORRÊNCIA, CONTUDO, DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA APOSSAMENTO DA ÁREA QUE MARGEIA A RODOVIA PELO PODER PÚBLICO COM A CONSTRUÇÃO DA PR 408 CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE ALEGAÇÃO DE POSSE PELO PARTICULAR INOPONIBILIDADE DA POSSE DE PARTICULAR EM FACE DA POSSE DO PODER PÚBLICO, AINDA QUE ORIUNDA DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE POSSE COM ÂNIMO DE DONO NOTORIEDADE DA EXISTÊNCIA DE FAIXAS DE DOMÍNIO ÀS MARGENS DAS RODOVIAS PÚBLICAS DECLARAÇÃO DE AQUISIÇÃO POR MEIO DE USUCAPIÃO QUE DEVE SE RESTRINGIR À PORÇÃO DO IMÓVEL QUE NÃO SE CONFUNDE COM A FAIXA DE DOMÍNIO, PROPRIEDADE DO PODER PÚBLICO INSUSCETIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS À PRESCRIÇÃO AQUISITIVA RECURSO PROVIDO 1. Art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941: "A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará". 2. "A hipótese de desapropriação indireta pressupõe (i) que o Estado tome posse do imóvel declarado de utilidade pública, independentemente do processo de desapropriação, (ii) que seja dada ao respectivo bem a utilidade pública indicada pelo poder público, (iii) que seja irreversível a situação fática resultante do apossamento do bem e sua afetação. 5. O esbulho possessório por parte do Estado pressupõe a prática de atos materiais, não existindo apenas no plano normativo, tal como a edição de decreto de declaração de utilidade pública, mas da qual o Poder Público jamais toma posse ou impede a exploração econômica existente na área" (REsp 191656 SP, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 19.06.2008) 3. "Malgrado não tenha se respeitado o procedimento desapropriatório dentro do prazo de 05 (cinco) anos contados da data da edição do decreto, verifica-se que a Administração Pública concorreu ativamente para impedir o exercício da posse e da propriedade do antigo titular do domínio, mormente pela construção da rodovia sobre o local do imóvel em meados de 1970, fato este que é incontroverso nos autos, caracterizando-se, assim, a desapropriação indireta. 2. Incumbia ao antigo proprietário, na época da construção da rodovia, pleitear a indenização que lhe era devida correspondente à parcela do imóvel abarcada pela faixa de domínio de 60 metros a partir do eixo central da PR-170, em virtude da desapropriação da área, ainda que de forma indireta, nos termos do Decreto Lei nº 20.671/70. (Apelação Cível nº 1641.881-4, 18ª Câmara Cível, Rel. Desª Denise Krüger Pereira, j. em 26/07/2017) 4. No caso, ocorreu o apossamento pela Administração Pública sobre a área, traduzida na construção da rodovia sobre o local do imóvel (PR 408), o que importou no apossamento concomitante da faixa de domínio situada em sua margem, caracterizando a desapropriação indireta e obstando a constituição da posse em favor do particular, porque posterior à posse exercida pelo Poder Público. 5. Ainda, dada a publicidade do Decreto-Lei que reconheceu a utilidade pública da área e a notoriedade do fato de que as rodovias públicas são margeadas por faixas de domínio que constituem propriedade pública, insuscetíveis de apropriação privada, não se afigura possível acolher a tese de posse com animus domini de modo a reconhecer em favor dos autores a aquisição pela prescrição aquisitiva. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1699169-0, de Morretes Juízo Único, em que é Apelante DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DO PARANÁ - DER e Apelados MIGUEL HOLTTEMAN e OUTRO.
I Trata-se de Recurso de Apelação interposto em face de sentença (Mov. 79.1), proferida em autos de Ação de Usucapião Extraordinária, que julgou procedente a pretensão inicial a fim de declarar o domínio, em favor dos requerentes, sobre o imóvel objeto do memorial descritivo e mapa de fl. 09 e seguintes. Para tanto, assim fundamentou o magistrado sentenciante: (a) que, segundo disposto no art. 1.238 do Código Civil, aquele que, por 15 anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de justo título e boa-fé, reduzindo-se o prazo de 15 para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo; (b) que a prova produzida, documental e testemunhal, revelou que os Requerentes vêm exercendo a posse de forma mansa, continua e pacífica há mais de 15 anos sobre o imóvel usucapiendo, se somada com a posse dos antecessores, verificando-se ainda que foi dada destinação econômica à área, utilizada para moradia e plantações; (c) que, de acordo com as respostas acostadas pelas Fazendas Públicas, trata-se de bem particular, sujeito à prescrição aquisitiva; (d) que, quanto à contestação do DER/PR, no sentido de que parte da área usucapienda está localizada na faixa de domínio
da PR-408, inviabilizando o integral acolhimento do pedido inicial, a tese não comporta acolhimento, uma vez que, conforme decisão proferida na Apelação Cível nº 199.710-6, do Tribunal de extinto Alçada do Estado do Paraná, o Estado do Paraná não indenizou os proprietários dos imóveis por onde passa a PR 408; (e) que o Decreto Estadual, por si só, não transfere o domínio, razão pela qual não há que se falar em bem público; (f) que não tendo havido pagamento do preço o bem não foi integrado ao patrimônio público estadual, seja a área atingida urbana ou rural; (g) que, quanto à tese de desapropriação indireta, entende-se que se trata de processo expropriatório regular, com edição de decreto, imissão na posse, mas ausência de pagamento do preço, o que é diferente do caso concreto, onde ocorreu a caducidade do decreto expropriatório. A sentença foi integrada em razão da oposição de Embargos de Declaração, nos termos da decisão de Mov. 90.1, que, acolhendo-os, reconheceu a omissão quanto à fixação de honorários advocatícios em favor dos procuradores da parte autora e, sanando o vício, condenou o contestante DER Departamento de Estradas de Rodagem ao pagamento dos honorários, arbitrados em R$ 1.000,00. Inconformado, recorre o DER/PR Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná (Mov. 89.1), assim sustentando: (a) que o Decreto nº 20.671/1970, em seu artigo 1º, declarou de utilidade pública para fins de desapropriação a faixa de domínio da obra rodoviária PR 408, Trecho BR-277, de 50 metros de largura, isto é, de 25 metros para cada lado da rodovia, a contar do eixo, incluindo as benfeitorias existentes, de modo que, antes mesmo de os autores entrarem na posse do bem, o Estado do Paraná já havia desapropriado a faixa de domínio, sendo irreivindicável; (b) que os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião; (c) que, ao menos quanto à área de 991,45 metros quadrados da faixa de domínio, não houve posse, pois a ocupação de imóvel público sequer caracteriza posse, mas mera detenção, desprovida de qualquer respaldo jurídico; (d) que o caráter público das faixas de domínio decorre da própria legislação brasileira, existindo a partir do momento da construção da rodovia e não dependendo de ação expropriatória; (e) que é do conhecimento de todos que as rodovias brasileiras possuem faixas de domínio que, por serem de extrema importância, são de domínio público, não podendo ter havido posse com animus domini; (f) que se é possível afirmar, em casos análogos, pela desapropriação indireta, certo é que as faixas de domínio foram transferidas ao domínio público por ocasião da edição do Decreto já mencionado; (g) que, no caso, o exercício da "posse" dos autores teve início em momento posterior à edição do Decreto Estadual nº 20.671/1970, fato que, por si só, afasta qualquer direito à indenização (que, de qualquer modo, já estaria prescrito). Os autores ofereceram contrarrazões à Mov. 107.1. É a breve exposição. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal), é de se conhecer do recurso, passando à análise do mérito. Cinge-se a controvérsia ao reconhecimento da aquisição de propriedade, pelos autores, por meio de usucapião, do imóvel descrito na exordial, em face da alegação do DER/PR Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná de que a área constitui faixa de domínio de rodovia estadual e, assim, bem insuscetível de usucapião. Com efeito, o artigo 102 do Código Civil esclarece que os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. No mesmo sentido já estabelecera a Constituição Federal, em seu artigo 183, § 3º, ao dispor que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. A sentença, contudo, orientou-se no sentido de que, não tendo sido pago o preço da indenização pela desapropriação das áreas adjacentes à PR-408 pelo Estado do Paraná, não se teria perfectibilizado o procedimento desapropriatório e, consequentemente, a transmissão da propriedade ao ente estadual de modo que, não se cogitando de bem público, inexistiria óbice à aquisição por meio de usucapião. E assim porque, com efeito, o Decreto-Lei nº 3.365/1941, do Governo Federal, que rege o procedimento de desapropriação por utilidade pública, determina, em seu artigo 10, que "a desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará". Nesse contexto, tendo em vista que, após a edição do decreto que reconheceu a utilidade pública do imóvel pelo governo estadual, este não procedeu à efetivação da desapropriação, deixando de instaurar o procedimento referente ao imóvel em debate e de pagar o valor correspondente ao preço, não se poderia falar em propriedade do poder público e, com isso, inexistiria óbice à aquisição por meio de usucapião por particular.
Sendo assim, não prospera a tese aventada pelo DER/PR no sentido de que o caráter público das faixas de domínio decorreria da própria legislação, existindo a partir do momento da construção da rodovia e não dependendo de ação expropriatória e de que as faixas de domínio teriam sido transferidas ao domínio público por ocasião da edição do Decreto nº 20.671/1970, que declarou de utilidade pública para fins de desapropriação a faixa de domínio da obra rodoviária PR 408, Trecho BR-277. Nada obstante, é o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a afetação do bem à utilidade pública, por força de decreto do Poder Executivo, poderá consubstanciar desapropriação indireta situação de fato na qual o Estado toma posse do imóvel declarado de utilidade pública, independentemente do processo de desapropriação, desde que seja dada ao respectivo bem a utilidade pública indicada pelo poder público, por meio de atos materiais, e que seja irreversível a situação fática resultante do apossamento do bem e sua afetação1. Como se extrai do mesmo precedente, faz-se indispensável, para que se cogite de tal possibilidade de desapropriação indireta , que tenha havido, no caso, a prática de atos materiais pelo Poder Público no sentido de se imitir na posse do bem (ou de esbulhar aquela de quem a exerce), não bastando apenas a edição de decreto de declaração de utilidade pública, sem que jamais venha o Estado tomado posse ou impedido a exploração econômica da área. E, nesse caso de desapropriação indireta por já se ter perfectibilizado a utilização do bem pelo Poder Público, com destinação ao interesse público, de fato não se poderia cogitar da aquisição, pelo particular, por meio de usucapião, uma vez que não se admite a alegação de posse do particular em face do Poder Público porque se compreende que aquele exerce, em face deste, mera detenção, sem os atributos da posse e sem o condão de autorizar em seu favor o reconhecimento da prescrição aquisitiva. Nessa hipótese de desapropriação indireta restaria ao particular, apenas, pleitear a indenização, perante o Estado, fundada na existência de prejuízo ao exercício do direito de propriedade do titular do domínio da área, havida pelo Poder Público sem a observância ao procedimento de desapropriação e o pagamento do preço correspondente ao particular (ação de indenização por desapropriação indireta). Inviável, contudo, ante o apossamento da área pelo Poder Público, a alegação de usucapião. Nesse sentido, recentemente decidiu este Colegiado: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA ANTE A NÃO COMPROVAÇÃO DA POSSE DO DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM (DER) DA FAIXA DE DOMÍNIO CORRESPONDENTE A 60 METROS CONTADOS A PARTIR DO EIXO CENTRAL DA RODOVIA PR-170, TRECHO ROLÂNDIA-SÃO MARTINHO - RECURSO DA REQUERENTE - ALEGAÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - EXISTÊNCIA DE DECRETO-LEI Nº 20.671/70 DECLARANDO A UTILIDADE PÚBLICA PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO DA ÁREA - CONSTRUÇÃO DA RODOVIA QUE CORRESPONDE À DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA DA FAIXA DE DOMÍNIO - CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO ANTE A DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA NO PRAZO DE VINTE ANOS - SÚMULA Nº 119 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - EDIFICAÇÃO A 16 METROS E 20 CENTÍMETROS DO EIXO CENTRAL DA RODOVIA - ESBULHO POSSESSÓRIO DA FAIXA DE DOMÍNIO DO BEM PÚBLICO - REQUISITOS DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE DEVIDAMENTE PREENCHIDOS - RECURSO PROVIDO 1. Malgrado não tenha se respeitado o procedimento desapropriatório dentro do prazo de 05 (cinco) anos contados da data da edição do decreto, verifica-se que a Administração Pública concorreu ativamente para impedir o exercício da posse e da propriedade do antigo titular do domínio, mormente pela construção da rodovia sobre o local do imóvel em meados de 1970, fato este que é incontroverso nos autos, caracterizando-se, assim, a desapropriação indireta. 2. Incumbia ao antigo proprietário, na época da construção da rodovia, pleitear a indenização que lhe era devida correspondente à parcela do imóvel abarcada pela faixa de domínio de 60 metros a partir do eixo central da PR-170, em virtude da desapropriação da área, ainda que de forma indireta, nos termos do Decreto Lei nº 20.671/70. 3. Nada obstante o apelado tenha adquirido o imóvel em hasta pública, certo é que a parcela do imóvel que transpassa os limites estabelecidos pela faixa de domínio sequer poderia ser objeto de alienação, mormente em se tratando de bem público. 4. Estando devidamente demonstrado que o requerido/apelado vem esbulhando a posse da requerente/apelante em aproximadamente 13 metros e 20 centímetros, correta é a medida adotada de reintegração de posse da área esbulhada, apresentando-se perfeitamente preenchidos os requisitos erigidos pelo art. 561, incisos I a IV, do Código de Processo Civil. 5. " Restando configurada a ocupação indevida de bem público, não há falar em posse, mas em mera detenção, de natureza precária, o que afasta o direito de retenção por benfeitorias e o almejado pleito indenizatório à luz da alegada boa-fé. 3. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1470182/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 10/11/2014) (Apelação Cível nº 1641.881-4, 18ª Câmara Cível, Rel. Desª Denise Krüger Pereira, j. em 26/07/2017) No caso acima, perceba-se que, semelhantemente à hipótese em apreço, ocorreu o apossamento pela Administração Pública sobre a área, traduzida na construção da rodovia sobre o local do imóvel (PR 408), o que importou no apossamento concomitante da faixa de domínio situada em sua margem. Nesse contexto, impositivo reconhecer que, de fato, em relação à faixa de 25 metros, contados da rodovia estadual, que caracteriza faixa de domínio (de propriedade pública), ocorreu a desapropriação indireta por parte do Poder Público, impedindo a aquisição da propriedade pelo particular porque inoponível a sua posse em face daquela exercida pelo Poder Público ainda que oriunda de desapropriação indireta sobre o mesmo imóvel. De outro vértice, ainda que se reconheça que, sem a ultimação do regular procedimento de desapropriação pelo Poder Público, inexistiria a sua posse sobre a faixa de domínio de modo a impedir a arguição de posse pelo particular, impossível reconhecer, em relação a esta parcela da área (que se confunde com a faixa de domínio da rodovia) a ocorrência de posse com ânimo de dono. Com efeito, a dicção do artigo 1.238 do Código Civil é bastante clara, ao enunciar os requisitos para a usucapião extraordinária, em dispor que o particular deverá "possuir como seu" o imóvel objeto da pretensão, o que se denomina de posse com animus domini ou intenção de haver a coisa para si, como se dono fosse. Ocorre que, no caso, os autores narram que entraram na posse do bem em 1984, quatorze anos após a edição de Decreto nos termos do qual o Poder Executivo decretara a afetação da área à utilidade pública em decorrência da construção de rodovia estadual, determinando que a faixa de 25 metros contados para cada lado da rodovia, a contar do eixo central, constitui faixa de domínio público (Decreto nº 20.671/1970). Sendo assim, dada a publicidade do ato em questão e a notoriedade do fato de que as rodovias públicas são margeadas por faixas de domínio que constituem propriedade do Poder Público, insuscetíveis de apropriação privada, não se afigura possível acolher a tese de posse com animus domini arguida pelos autores de modo a reconhecer em seu favor a aquisição pela prescrição aquisitiva. De todo modo, tendo em vista que o imóvel em questão possui extensão bastante superior à área da faixa de domínio que se debate no presente recurso (conforme se extrai da planta de Mov. 1.16, fl. 52, apresentada pelo DER/PR), nada impede o reconhecimento da usucapião em relação à parcela que não constitui faixa de domínio nos termos do Decreto nº 20.671/1970 (faixa de 25 metros, a contar do eixo da Rodovia Miguel Bufara PR 408), devendo-se manter a sentença de procedência em relação a tal porção. Voto, portanto, pelo provimento do Recurso de Apelação, reformando a sentença para julgar parcialmente procedente a pretensão autoral, excluindo do reconhecimento da usucapião a área que ocupa a faixa de domínio da Rodovia PR-408. III - DECISÃO: Diante do exposto, acordam os Desembargadores do 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao Recurso de Apelação, nos termos do voto da Relatora. A sessão de julgamento foi presidida pelo Desembargador ESPEDITO REIS DO AMARAL, sem voto, e dela participaram e acompanharam o voto da Relatora os Desembargadores VITOR ROBERTO SILVA e PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA. Curitiba, 27 de setembro de 2017. Des. DENISE KRÜGER PEREIRA Relatora
-- 1 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. (...) 4. A hipótese de desapropriação indireta pressupõe (i) que o Estado tome posse do imóvel declarado de utilidade pública, independentemente do processo de desapropriação, (ii) que seja dada ao respectivo bem a utilidade pública indicada pelo poder público, (iii) que seja irreversível a situação fática resultante do apossamento do bem e sua afetação. 5. O esbulho possessório por parte do Estado pressupõe a prática de atos materiais, não existindo apenas no plano normativo, tal como a edição de decreto de declaração de utilidade pública, mas da qual o Poder Público jamais toma posse ou impede a exploração econômica existente na área. 6. A limitação administrativa, por ser uma restrição geral e de interesse coletivo, não constituindo despojamento da propriedade, não obriga o Poder Público a qualquer indenização. 7. Recurso especial conhecido, mas improvido (REsp 191656 SP, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 19.06.2008)
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