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Acórdão
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Certificado digitalmente por: JORGE WAGIH MASSAD PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Estado do Paraná APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1695379-0 DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE TIBAGI NUMERAÇÃO ÚNICA: 0000352-37.2008.8.16.0169 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ APELADO: RONALDO FARIAS DOS SANTOS RELATOR: DES. JORGE WAGIH MASSAD RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL TENTATIVA DE LATROCÍNIO CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE SENTENÇA REFORMADA RECURSO PROVIDO. Se o conjunto probatório carreado aos autos evidencia que o agente efetuou disparos de arma de fogo na direção da vítima, com a intenção de subtração de coisa 1 alheia móvel, a sua condenação nas sanções do art. 157, § 3º, segunda parte, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, é imperiosa, pois assumiu o risco de causar o resultado morte (dolo eventual). Apelação conhecida e provida. Trata-se de recurso de apelação criminal deduzido contra a respeitável sentença do Meritíssimo Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Tibagi.
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Ronaldo Farias dos Santos foi condenado à pena de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 07 (sete) dias-multa, por infringir o disposto no art. 157, caput, do Código Penal. O feito foi desmembrado em relação ao corréu José dos Santos. A persecução criminal teve como substrato a seguinte narração fática: "No dia 09 de dezembro de 2007, os denunciados JOSÉ DOS SANTOS e RONALDO FARIAS DOS SANTOS, juntamente com terceira pessoa não identificada, reuniram-se com o intuito de praticar um assalto na propriedade rural pertencente à vítima A. I. de O. S., situada na localidade de Morro Chato, em Caetano Mendes, neste Município e Comarca de Tibagi. 2 Ato contínuo, os denunciados JOSÉ DOS SANTOS e RONALDO FARIAS DOS SANTOS, juntamente com terceira pessoa não identificada, com unidade de desígnios e comunhão de esforços, agindo ainda com liberdade de escolha e consciência de atuação, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, dolosamente e com ânimo de assenhoreamento definitivo, mediante grave ameaça e violência exercida com o emprego de uma faca e um revólver, calibre 38, deram início à prática de atos tendentes a subtrair para todos, coisas alheias móveis pertencentes à vítima A. I. de O. S., agindo da seguinte forma: Consta dos autos que na noite dos fatos, por volta das 23 horas, enquanto uma terceira pessoa não identificada aguardava no veículo utilizado para a prática delituosa, os denunciados JOSÉ DOS SANTOS e RONALDO FARIAS DOS SANTOS abordaram a vítima J. X. S. (genro Cód. 1.07.030
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de A. I.) e ato contínuo deram voz de assalto a esta que, após entrar em luta corporal com um dos denunciados (aquele que portava a faca), conseguiu fugir do local, oportunidade na qual o outro denunciado efetuou dois disparos de arma de fogo em sua direção. A morte da vítima não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados JOSÉ DOS SANTOS e RONALDO FARIAS DOS SANTOS, eis que os disparos de arma de fogo não a atingiram. Ainda, segundo o apurado, enquanto a vítima J. X. S. foi abordada pelos denunciados, sua esposa, M. K. S., a qual estava em um dos cômodos da residência, conseguiu fugir do local na companhia de seu sobrinho. Por fim, consta dos autos que os denunciados decidiram assaltar a residência da vítima A. I. de O. S., a qual havia viajado no dia dos fatos, pelo fato de o denunciado JOSÉ DOS SANTOS ter conhecimento de que esta receberia naquele dia valores em dinheiro 3 correspondentes à venda de alguns animais. No entanto, os denunciados JOSÉ DOS SANTOS e RONALDO FARIAS DOS SANTOS não lograram êxito em subtrair o dinheiro que pretendiam, haja vista que a residência não dispunha de energia elétrica, o que impossibilitou a sua localização". Inconformada, a digna Promotora de Justiça pugna pela condenação de Ronaldo Farias dos Santos pela prática do delito de latrocínio tentado (art. 157, § 3º, c/c art. 14, II, ambos da Norma Punitiva). Aduz, para tanto, que as provas carreadas nos autos evidenciam ter o apelante efetuado disparos de arma de fogo na direção da vítima, com a intenção de subtração de coisa alheia móvel, assumindo, assim, o risco de causar o resultado morte (mov. 37.1). Cód. 1.07.030
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Em contrarrazões, a defesa requereu a manutenção do decisum (mov. 65.1). O ilustre representante da Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer, opinou pelo provimento do recurso (fls. 10/33). É o relatório. Presentes seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do apelo. A meu ver, o pleito merece provimento. Verifico ter sido incongruente o ínclito Juiz sentenciante ao condenar Ronaldo Farias dos Santos nas sanções do art. 157, caput, do Código Penal, pois, como apropriadamente observou o douto Procurador de Justiça, o Magistrado reconheceu que, no mínimo, o delito foi praticado por mais de um agente 4 e mediante o uso de arma. Assim registrou o decisum: "Após luta corporal entre um dos acusados, o qual portava uma faca, e a vítima J., o acusado chamou Ronaldo que se encontrava dentro da residência procurando a res furtiva, o réu Ronaldo disparou duas vezes com arma de fogo em direção à vítima, disparos estes que não o acertaram, em razão da vítima ter saído em busca de ajuda" (mov. 17.1). É certo, pois, que o apelado não praticou tão somente roubo simples. Outrossim, consoante argumenta a representante do Órgão Acusatório, as circunstâncias evidenciam ter havido dolo eventual na conduta de Cód. 1.07.030
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Ronaldo Farias dos Santos, pois este efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima, com o fim de assegurar a execução do crime patrimonial. Assumiu, portanto, o risco de retirar a vida do ofendido. O modus operandi do recorrido foi detalhado por J. X. S., ao prestar declarações inquisitorialmente: "... dois elementos compareceram na referida casa, sendo que ambos estavam encapuzados e um deles estava portando uma faca e o outro um revólver preto, calibre 38, os quais deram vos de assalto, e estavam em número de três elementos, tendo um deles permanecido no carro; que devido ao fato de que não havia energia elétrica no local, os ladrões não conseguiram roubar nada; que o declarante conseguiu agarrar o elemento que estava com a faca, tendo derrubado ele no chão, enquanto que sua mulher e seu cunhadinho fugiram pelos fundos; que o declarante, após derrubar aquele elemento, saiu rolando pela grama, sendo que o elemento da faca chamou o outro que estava com o revólver, tendo este dado dois tiros na direção do declarante, porém não conseguiu atingi- 5
lo" (mov. 1.4). Em Juízo, o ofendido reiterou ter sido alvo de dois tiros efetuados pelo apelante, o qual apenas não logrou êxito em atingi-lo porque não havia eletricidade no local. Ao contrário do afirmado pelo Juiz sentenciante, o fato de a vítima não ter sido alcançada pelos projéteis e, assim, não possuir qualquer lesão corporal, não inviabiliza o reproche do agente pelo latrocínio, na modalidade tentada. Isto porque admite-se a denominada "tentativa incruenta ou branca", hipótese na qual o alvo não chega a ser fisicamente atingido, mas as circunstâncias denotam ter agido o meliante com animus necandi. Cód. 1.07.030
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Destarte, o dolo eventual na conduta do recorrido enquadra-a indubitavelmente na infração penal descrita no art. 157, § 3º, segunda parte, do Código Penal. A respeito, cito precedentes da jurisprudência: "APELAÇÕES CRIME - LATROCÍNIO TENTADO - ART. 157, §3º, SEGUNDA PARTE, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CP - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSOS DAS DEFESAS. (...) PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LATROCÍNIOTENTADO PARA TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE - IMPOSSIBILIDADE - ANIMUS FURANDI E ANIMUS NECANDI PRESENTES - SUFICIÊNCIA, ADEMAIS, DO DOLO EVENTUAL QUANTO AO RESULTADO MORTE - CONDENAÇÃO MANTIDA" (TJPR Apelação Criminal nº 1625044-1 3ª Câm. Criminal rel. 6
Des. José Cichocki Neto DJ 22/06/2017) "APELAÇÕES CRIME - DENÚNCIA POR ROUBO MAJORADO (EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES) E LATROCÍNIO TENTADO - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA - APELO POR AMBOS OS RÉUS (...) INSURGÊNCIAS QUANTO À CONDENAÇÃO PELO LATROCÍNIO TENTADO - DISPARO DE ARMA DE FOGO EFETUADO PELO APELANTE - RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO PELA VÍTIMA CORROBORADO PELO DEPOIMENTO DA OUTRA RÉ NA FASE INQUISITIVA - DEPOIMENTO DA VÍTIMA EM JUÍZO - ELEVADA RELEVÂNCIA EM SE TRATANDO DE CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - ANIMUS NECANDI E ANIMUS FURANDI PRESENTES -
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SUFICIÊNCIA, ADEMAIS, DO DOLO EVENTUAL QUANTO AO RESULTADO MORTE" (TJPR Apelação Criminal nº 1537099-5 5ª Câm. Criminal rel. Des. Luiz Osorio Moraes Panza DJ 25/11/2016) "APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. LATROCÍNIO TENTADO (ART. 157, § 3º, IN FINE, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE ROUBO TENTADO. INVIABILIDADE. DOLO EVENTUAL CONFIGURADO. RÉU QUE ASSUMIU O RISCO DE MATAR AS VÍTIMAS. RECURSO DESPROVIDO. Para a configuração do delito de latrocínio basta a presença de dolo eventual, ou seja, é suficiente que o agente assuma o risco de produzir o resultado morte no momento da subtração da res, como ocorreu no caso, em que réu e corréu atiraram contra o carro 7 conduzido pelos ofendidos com o fim de subtrair dinheiro." (TJPR Apelação Criminal nº 1518422-2 3ª Câm. Criminal rel. Des. Rogério Kanayama DJ 19/10/2016) "APELAÇÃO CRIME. LATROCÍNIO TENTADO. 1. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE ROUBO QUALIFICADO PELA LESÃO CORPORAL GRAVE PARA O DELITO DE LATROCÍNIO TENTADO. ACOLHIMENTO. DOLO EVENTUAL CONFIGURADO. DISPARO DE ARMA DE FOGO. CRIME QUE NÃO SE CONSUMOU POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DOS APELADOS. 2. DOSIMETRIA PENAL MODIFICADA.RECURSO PROVIDO." (TJPR Apelação Criminal nº 1314194-3 4ª Câm. Criminal rel. Des. Luiz Taro Oyama DJ 25.06.2015). Cód. 1.07.030
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"APELAÇÃO PENAL. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. CRIME DE ROUBO. ART. 157, § 3º, IN FINE C/C 14, II, ART. 70 e ART. 69 DO CPB. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL EM RAZÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA UMA VEZ QUE A VIOLAÇÃO AO SISTEMA TRIFÁSICO TERIA GERADO A REFERIDA NULIDADE. INOCORRENCIA. PRELIMINAR REJEITADA. AUTORIA E MATERIALIDADE SOBEJAMENTE COMPROVADAS TANTO PELA CONFISSÃO DO APELANTE QUANTO PELAS DEMAIS PROVAS ACOSTADAS AOS AUTOS. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA ROUBO SEGUIDO DE LESÃO CORPORAL GRAVE (ART. 157, § 3º, PRIMEIRA PARTE DO CP). IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA ATACADA. DECISUM PROLATADO DE FORMA ESCORREITA E EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES LEGAIS. 8 (...) Prova inequívoca quanto à presença do animus necandi vinculado ao intento subtrativo; Apelante que disparou três vezes em direção a uma das vítimas, somente não advindo o resultado morte por fatores alheios à sua vontade; Tipo complexo, que, por envolver conduta dolosa e resultado agravador também doloso, admite a tentativa, somente afastada no caso do resultado morte advir de culpa do agente, o que não afigura no caso concreto, tendo restado comprovadas pelo depoimento das vítimas, que tem relevância no presente caso, e das testemunhas, a autoria e a materialidade do delito." (TJPA Apelação Criminal nº 0000632-06.2010.8.14.0000 1ª Turma rel. Des. Vera Araújo de Souza DJ 18/02/2014)
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Assim, é imperiosa a reforma da sentença, tal qual pleiteia o Órgão Ministerial, para condenar Ronaldo Farias dos Santos nas penas do art. 157, § 3º, segunda parte, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal. Passo à dosimetria: 1ª FASE Culpabilidade: a conduta do reprochado não apresentou maior grau de reprovabilidade; Antecedentes: não consta nenhuma condenação transitada em julgado por fato praticado antes do delito em análise; Conduta social e Personalidade: não existem nos autos elementos suficientes para a aferição destas circunstâncias; 9 Motivos: sem avaliação; Circunstâncias: normais ao delito; Consequências: não foram graves; Comportamento da vítima: irrelevante. Por não ter sido considerada desfavorável nenhuma circunstância, estabeleço a pena-base em 20 (vinte) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 2ª FASE
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Presente a atenuante da menoridade, a qual não tem o condão de conduzir a reprimenda aquém do mínimo previsto ao tipo, em razão do disposto na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. Neste ponto, assinalo não ser viável o reconhecimento da agravante prevista no art. 61, II, "h", da Norma Punitiva embora assim tenha procedido o Magistrado sentenciante , pois a circunstância não foi descrita na exordial acusatória. 3ª FASE Presente a causa especial de diminuição disposta no art. 14, II, do Código Penal. A meu ver, ao contrário do entendimento manifestado na decisão insurgida, a minorante merece ser aplicada em seu grau máximo (2/3). 10 Isto porque o condenado não logrou êxito na subtração da res, à qual, inclusive, sequer teve acesso, além de não ter atingido a vítima com os disparos da arma de fogo. Assim, fixo a expiação de Ronaldo Farias dos Santos em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 03 (três) dias-multa. Determino o regime semiaberto para o cumprimento do reproche, nos moldes do art. 33, § 2º, "c", do Decreto-lei nº 2.848/40. Assinalo que não se fazem presentes os requisitos para a substituição da sanção corporal por restritivas de direitos. Isto posto, meu voto é no sentido de dar provimento ao recurso, para condenar Ronaldo Farias dos Santos nas penas do art. 157, § 3º, segunda parte, c/c art. 14, II, ambos do Estatuto Repressivo.
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Comunique-se o Juízo de origem acerca deste julgamento para que tome as providências necessárias ao início da execução provisória da pena. É como decido. ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento o Desembargador Luiz Osório Moraes Panza e o Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Ruy Alves Henriques Filho. Curitiba, 09 de novembro de 2017.
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JORGE WAGIH MASSAD Relator
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