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Acórdão
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Certificado digitalmente por: LUIZ LOPES
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL N.ºS 1.564.224-5 E 1.579.021-7 2.ª VARA CÍVEL DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA FORO CENTRAL DE LONDRINA APELANTE: BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A. APELADOS: MARIANA VEIGA RODRIGUES E ELIANA ACIOLY DE SOUZA RODRIGUES E OUTROS RELATOR: DES. LUIZ LOPES RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL SEGUROS DE VIDA AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIMENTO - HERDEIROS - ÓBITO DO SEGURADO EM ACIDENTE DE MOTOCICLETA APLICAÇÃO DO CDC AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CIÊNCIA DO SEGURADO QUANTO A CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE COBERTURA EM CASO DE EMBRIAGUEZ REGRA CONTIDA NA LEGISLAÇÃO CIVEL - COMPROVADA EMBRIAGUEZ ATRAVÉS DE PESQUISA E DOSAGEM DE ÁLCOOL ETÍLICO REALIZADA PELO IML AUSÊNCIA, NO ENTANTO, DE AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO - ENTENDIMENTO ADOTADO PELO E. STJ RESP N.º 1.665.701/RS DEVER DE INDENIZAR MANTIDO TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA DATA DA RECUSA ADMINISTRATIVA ÔNUS SUCUMBENCIAIS MANTIDOS. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. RECURSOS DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. "No contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário doenças preexistentes quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla." (STJ, 3.ª Turma, REsp n.º 1.665.701/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, unânime, julg. em 09.05.17). 2. No seguro de vida, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas (Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007). VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.ºs 1.564.224-5 e 1.579.021-7, da 2.ª Vara Cível de LONDRINA, em que é apelante BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A., e apelados, MARIANA VEIGA RODRIGUES E ELIANA ACIOLY DE SOUZA RODRIGUES E OUTROS.
AUTOS DE NUMERAÇÃO ÚNICA 0024527-36.2012.8.16.0014:
Trata a demanda de "Ação de Cobrança". Na inicial, relatam os autores (Eliana Acioly de Souza Rodrigues, Maurício Crivelari rodrigues Júnior e Thiago Souza Rodrigues) que são herdeiros do Sr. Maurício Crivelari Rodrigues, o qual contratou os seguros SUPERVIDA MAX PREMIÁVEL, com cobertura para o caso de morte no valor de R$31.307,74, e MULTIPROTEÇÃO, com cobertura para morte, no valor de R$15.000,00. Em razão do falecimento do segurado, narraram os herdeiros que solicitaram o pagamento da indenização à seguradora, a qual se recusou a fazê-lo sob o argumento de que o falecido teria agravado intencionalmente o risco
objeto do contrato, por dirigir embriagado. Ainda, aduziram que o segurado possuía outra filha, razão pela qual fazem jus ao recebimento de 83,33% do valor da indenização (50% da viúva meeira e 33,33% dos dois filhos). Assim, requereram, na exordial, a condenação da requerida ao pagamento da importância de R$38.588,24 (83,33% de R$46.307,74), acrescido de juros de mora e correção monetária, ambos a contar da data do sinistro.
Devidamente citada, BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A. apresentou Contestação (Movimento Projudi n.º 1.11), argumentando, em resumo, que restou apurado, em processo administrativo para regulação do sinistro, que o segurado conduzia sua motocicleta embriagado, em níveis muito superiores ao permissivo legal (14,3 dg/L exame realizado pelo IML). Dessa forma, ponderou que o agravamento do risco do segurado implica na perda de direito ao seguro, conforme regra contratual e legal, sendo evidente o nexo de causalidade do acidente com o estado de embriaguez, pois o falecido dirigia completamente embriagado e acabou por colidir com a traseira de um veículo que seguia na mesma mão de direção e, consequentemente, colidiu com a grade de proteção existente na pista de rolamento. Ainda, ponderou que a cláusula contratual que prevê a exclusão da responsabilidade da seguradora em situações de embriaguez, é perfeitamente válida, estando em conformidade com a legislação civil e com
o CDC. Ademais, aduziu que não poderia se inverter os ônus da prova, bem como, eventualmente, em caso de condenação, que esta deveria se dar consoante artigo 792 do Código Civil. Quanto aos juros de mora, pugnou para que sua incidência fosse a partir da citação, bem como que a correção monetária incidisse desde o ajuizamento da demanda.
Impugnação à Contestação fora apresentada ao Movimento Projudi n.º 1.13.
Ao Movimento Projudi n.º 20.1, fora determinado o julgamento antecipado da lide, bem como a conexão dos presentes autos aos de numeração única 0002399-22.2012.8.16.0014.
Conclusos para sentença, o d. Magistrado singular julgou procedentes os pedidos dos autores, para o fim de condenar a seguradora ao pagamento da indenização securitária respectiva, decorrentes dos contratos MULTIPROTEÇÃO BRADESCO R$15.000,00 e SUPERVIDAMAX PREMIÁVEL R$31.307,74, observada a quota parte de cada um dos beneficiários, acrescidos os valores de juros de mora (a contar da data da recusa) e correção monetária (média INPC/IGP-DI, a partir da data em que celebrado o contrato).
Quanto aos ônus sucumbenciais, condenou a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação, com fulcro no
artigo 20, § 3.º do Código de Processo Civil de 1973. Inconformada, a seguradora opôs Embargos de Declaração (Movimento Projudi n.º 87.1), os quais foram conhecidos e rejeitados ao Movimento Projudi n.º 89.1. Ainda inconformada, BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A. interpôs recurso de Apelação (Movimento Projudi n.º 105.1), ponderando, em resumo, que o segurado tinha pleno conhecimento das cláusulas limitativas previstas nos contratos, posto que, ao aderir os produtos, recebeu os regulamentos que disciplinavam as obrigações e os direitos das partes contratante. Diante desse fato, aduz que ficou expressamente consignado, nas Condições Gerais da apólice, que os atos ilícitos dolosos praticados pelos segurados expressamente excluem a cobertura morte, sendo que os critérios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor restaram cumpridos, pelo que não podem ser consideradas abusivas. Não fosse isso, afirma que restou fartamente demonstrado que, quando da ocorrência do sinistro, o segurado se encontrava alcoolizado, em níveis muito superiores ao permissivo legal, sendo que, de acordo com a nova legislação de trânsito, não há mais tolerância para a ingestão de bebida alcoólica. Ademais, ressalta que não há dúvidas que a condição de embriaguez do falecido foi a responsável pela ocorrência do
acidente, pois o mesmo não tinha mínimas condições de direção, tendo realizado manobra imprudente. No mais, aduz que, consoante os depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência, não houve nenhum fator externo que pode ter dado causa ao sinistro, mas, tão somente, a falta de reflexo rápido necessário no trânsito, causado pela ingestão de bebida alcoólica. Assim, requer a improcedência da demanda, ou, em caso de manutenção da decisão, que o termo inicial dos juros de mora seja a data da citação, bem como que a correção monetária incida a partir de fevereiro de 2010 (já que os autores pleitearam, na inicial, o recebimento do capital segurado vigente quando da ocorrência do sinistro 2010).
Devidamente intimados, os autores apresentaram Contrarrazões (Movimento Projudi n.º 122.1).
AUTOS DE NUMERAÇÃO ÚNICA 0002399-22.2012.8.16.0014:
Tratam os presentes autos de "Ação de Cobrança de Indenização Securitária". Narra a autora (Mariana Veiga Rodrigues), na inicial, que seu pai faleceu, no dia 16.02.10, em decorrência de acidente automobilístico, e que este possuía seguro de vida (MULTIPROTEÇÃO BRADESCO), com capital segurado de R$15.000,00. No entanto, quando acionou a seguradora requerendo o pagamento da indenização,
esta se recusou sob a justificativa de que o segurado estava alcoolizado no momento do acidente. Ademais, salientou que, quando do acidente, seu genitor estava separado de fato há mais de 04 anos de sua esposa Eliana. Diante disso, requereu, na inicial, a condenação da seguradora ao pagamento de R$5.000,00, correspondente a 1/3 da indenização ou, em caso de não reconhecimento da separação de fato do segurado com a Sr.ª Eliana, o valor de R$2.500,00, acrescido de correção monetária desde a última atualização da apólice e juros de mora desde o aviso do sinistro.
Devidamente citada, a seguradora apresentou Contestação (Movimento Projudi n.º 1.7), ponderando, em resumo, que, de fato, o falecido possuía contrato de seguro, o qual previa, entre outras coberturas contratadas, o evento morte. No entanto, quando da apuração do sinistro, aduziu que fora verificado que o de cujus dirigia sua motocicleta em estado de embriaguez, em níveis muito superiores ao permissivo legal, razão pela qual deu causa a ocorrência do acidente, o que acarretou na perda de seu direito ao seguro. Não fosse isso, apontou que a cláusula contratual que prevê a exclusão da responsabilidade da seguradora em caso de embriaguez é perfeitamente válida, bem como está em conformidade com a legislação civil e com o CDC. Ainda, ponderou que os ônus da prova não devem ser invertidos, bem como que, eventual condenação,
deverá respeitar a determinação contida no artigo 792 do Código Civil. Por fim, requereu que o termo inicial dos juros de mora fosse a data da citação, e que o da correção monetária fosse a data do ajuizamento da demanda.
Impugnação à Contestação fora apresentada ao Movimento Projudi n.º 1.9.
Aberta vista dos autos ao Ministério Público, o pronunciamento foi pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pela inversão dos ônus da prova, bem como pela designação de audiência de instrução.
Fora determinado o julgamento antecipado da lide.
Inconformada, a demandante interpôs recurso de Agravo Retido (Movimento Projudi n.º 1.20), sendo que foram apresentadas Contrarrazões pela seguradora.
Aberta vista novamente ao Ministério Público, este também interpôs recurso de Agravo Retido (Movimento Projudi n.º 10.2), requerendo o afastamento do julgamento antecipado da lide, para a produção de provas.
Diante dos pontos abordados, o d. Magistrado singular se retratou da decisão que determinou o julgamento antecipado da lide, proferindo decisão saneadora (Movimento Projudi n.º 22.1), na qual determinou: i) aplicação do CDC; ii)
a inversão dos ônus da prova; iii) a produção de prova oral. Dessa decisão, BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A. interpôs recurso de Agravo Retido (Movimento Projudi n.º 23.1), requerendo, em resumo, a não inversão dos ônus da prova. Contrarrazões foram apresentadas.
Audiências de Instrução e Julgamento foram realizadas aos Movimentos Projudi n.ºs 94.1 e 113.1.
Ao Ministério Público, o parecer foi pela improcedência da demanda.
Conclusos para sentença, o d. Magistrado singular julgou procedente a pretensão inicial, para o fim de condenar a demandada ao pagamento da indenização securitária respectiva, decorrente do contrato MULTIPROTEÇÃO BRADESCO R$15.000,00, observada a quota parte, bem como corrigido monetariamente (média INPC/IGP-DI, a partir da data em que celebrado o contrato) e acrescido de juros de mora (a contar da data da recusa).
Quanto aos ônus sucumbenciais, condenou a suplicada ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais foram fixados em 15% sobre o valor da condenação, com fulcro no artigo 20, § 3.º do Código de Processo Civil de 1973.
Ambas as partes opuseram Embargos de Declaração, os quais foram conhecidos e rejeitados (Movimento Projudi n.º 142.1 autora; Movimento Projudi n.º 154.1 - seguradora). Ainda inconformada, BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A. interpôs recurso de Apelação (Movimento Projudi n.º 105.1), ponderando, em resumo, que o segurado tinha pleno conhecimento das cláusulas limitativas previstas nos contratos, posto que, ao aderir os produtos, recebeu os regulamentos que disciplinavam as obrigações e os direitos das partes contratante. Diante desse fato, aduz que ficou expressamente consignado, nas Condições Gerais da apólice, que os atos ilícitos dolosos praticados pelos segurados expressamente excluem a cobertura morte, sendo que os critérios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor restaram cumpridos, pelo que não podem ser consideradas abusivas. Não fosse isso, afirma que restou fartamente demonstrado que, quando da ocorrência do sinistro, o segurado se encontrava alcoolizado, em níveis muito superiores ao permissivo legal, sendo que, de acordo com a nova legislação de trânsito, não há mais tolerância para a ingestão de bebida alcoólica. Ademais, ressalta que não há dúvidas que a condição de embriaguez do falecido foi a responsável pela ocorrência do acidente, pois o mesmo não tinha mínimas condições de direção, tendo realizado manobra imprudente. No mais, aduz que, consoante os depoimentos prestados
pelas testemunhas em audiência, não houve nenhum fator externo que pode ter dado causa ao sinistro, mas, tão somente, a falta de reflexo rápido necessário no trânsito, causado pela ingestão de bebida alcoólica. Assim, requer a improcedência da demanda, ou, em caso de manutenção da decisão, que o termo inicial dos juros de mora seja a data da citação, bem como que a correção monetária incida a partir do ajuizamento da demanda.
O recurso fora recebido em seu duplo efeito (Movimento Projudi n.º 189.1).
Devidamente intimada, a suplicada apresentou Contrarrazões (Movimento Projudi n.º 200.1). Aberta vista a d. Procuradoria- Geral de Justiça, o pronunciamento foi pelo parcial provimento ao recurso de Apelação interposto, tão somente para alterar o termo inicial dos juros de mora para a data da citação.
São os relatórios.
Antes de adentrar na análise dos recursos de Apelação, cumpre examinar a admissibilidade do Agravo Retido interposto pela seguradora, ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.
DO AGRAVO RETIDO:
Ao Movimento Projudi n.º 23.1, a seguradora interpôs Agravo Retido; no entanto, não há como conhecer desse recurso, vez que a requerida não reiterou a vontade de vê-lo conhecido e examinado em sede de Apelo, infringindo, pois, o que dispunha o artigo 523, § 1.º, do Código de Processo Civil de 1973. DOS RECURSOS DE APELAÇÃO:
Em presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos de Apelação (a serem analisados pelo Código de Processo Civil de 1973).
Cinge-se a controvérsia em verificar: i) se o segurado fora devidamente cientificado sobre as cláusulas previstas nas Condições Gerais da Apólice; ii) se referidas cláusulas estão em consonância com o Código de Defesa do Consumidor; iii) se deve a requerida ser condenada ao pagamento das indenizações securitárias em virtude do óbito do segurado que, quando sofreu o acidente, estava embriagado; iv) se devem ser
alterados os termos iniciais dos juros de mora e correção monetária. Antes de iniciar a análise dos Apelos, cumpre registrar que ambos tratam EXATAMENTE dos mesmos pontos, inclusive com idêntica redação, razão pela qual serão analisados em conjunto. DA CIÊNCIA DO SEGURADO QUANTO AS CLÁUSULAS QUE EXCLUEM O SEU DIREITO (OU DE SEUS BENEFICIÁRIOS) AO RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO ATINENTE AO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:
Antes de mais nada cumpre registrar que, as questões sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e conhecimento de cláusulas, são desinfluentes para análise e julgamento do recurso, como adiante se verá. DO DEVER DE INDENIZAR DA SEGURADORA:
Extrai-se dos autos que o pedido indenizatório de ambas as demandas teve por fundamento a negativa de pagamento de indenização securitária contratada, sob a alegação de que o segurado, no momento do sinistro, estaria dirigindo motocicleta sob influência de álcool.
Pois bem. É fato incontroverso que
o falecido transitava, no período noturno, do dia 16.02.10, com a motocicleta de seu filho Thiago, quando se envolveu em um abalroamento lateral com outro veículo (que estava a sua frente), vindo a perder, após a colisão (impacto), o controle da moto, razão pela qual se chocou contra uma mureta de contenção à esquerda da via, causando o seu falecimento. E, ainda, consta dos autos exame elaborado pelo Instituto Médico Legal, que aponta a ingestão de bebida alcoólica pelo segurado, na quantidade de 14,3 dg/L.
Isso estabelecido, cumpre anotar que a prova demonstra, indubitavelmente, a ingestão de bebida alcoólica, superior ao limite previsto para a caracterização do crime definido no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro e Resolução n.º 432/2013, que é de 6 dg/L.
No entanto, algumas considerações devem ser apresentadas nestes autos. Primeiro, deve prevalecer a responsabilidade da seguradora em indenizar os beneficiários, pois não há como considerar a ocorrência de agravamento intencional do risco.
O acidente, por definição, é algo casual, fortuito, imprevisto, via de regra, indesejado, pois importa em desgraça, infelicidade, de maior ou menor extensão, mas é sempre um acontecimento, que, em suma, traduz situação triste
e lamentável, sendo que, quem sofre o acidente ou aqueles que sobrevivem a ele, certamente não o desejam, não buscam alcança-lo, nem concorrem para que aconteça de forma intencional. Não se discute que o de cujus não fez a melhor escolha, o que ocasionou no seu óbito. No entanto, ainda que a conduta tenha sido reprovável, é da natureza humana e, para esses momentos/condutas/erros é que se contrata um seguro de vida, cuja finalidade é justamente, em grande medida, proteger os familiares e entes queridos dos erros próprios da própria condição humana, considerando, especialmente, que o objeto do contrato (preservação da vida) é de interesse comum, tanto do segurado quanto da seguradora.
Importante frisar que, no seguro de vida (cuja natureza é distinta do seguro de bem), a boa-fé se presume, razão pela qual é lícito partir do pressuposto que há um interesse comum dos integrantes da relação negocial na preservação, pelo máximo de tempo possível, do objeto contratual, e, acaso ocorra o perecimento deste, não há como considerar que o segurado agiu contra os interesses do segurador, pois a conservação do objeto do contrato também lhe interessava.
Desse modo, não há dúvida que as pessoas, salvo casos explícitos de má-fé, não contratam seguro pensando em abreviar suas vidas,
para que terceiros recebam o benefício, ou seja, não agravam intencionalmente o risco. Certo é que o segurado deve abster-se de tudo quanto possa aumentar os riscos, mas a perda do direito somente ocorrerá se houver agravamento doloso1; o agravamento eventual, fortuito, como leciona a doutrina, não terá consequências, valendo reportar ao seguinte ensinamento: O segurado deve abster-se, por outro lado, em segundo lugar, de tudo quanto possa aumentar o risco, porque se é ele próprio que o agrava, por sua conta, inscrevendo o veículo segurado numa perigosa prova de velocidade, por exemplo, perde o direito ao seguro (CC, art. 768). A perda só ocorrerá, no entanto, se o segurado `agravar intencionalmente', dolosamente, o risco objeto do contrato. A vedação decorre da sua obrigação de agir com boa-fé a partir das declarações lançadas na proposta e durante todo o curso do contrato. Assinala Caio Mário, roborando as afirmativas de Serpa Lopes, que `não terá consequência o gravame oriundo do fortuito, salvo se de má-fé não comunicou ao segurador (art. 769), pois que, em princípio, é contra a ação deste que se estipula o seguro, e o segurado viveria em clima de instabilidade permanente, se o seu direito fosse suscetível de sofrer as consequências de alteração pelas circunstâncias involuntárias. (...). (Carlos Roberto Gonçalves, Saraiva Vol. 3, Contratos e Atos Unilaterais, p. 532).
1 Quando, por exemplo, omite-se, no ato da contratação, doença pré- existente.
Cumpre ressaltar, desde logo, que é perfeitamente compreensível a resistência, em hipóteses como a assinalada, de se condenar a seguradora ao pagamento da cobertura. Não é politicamente correto defender quem ingere bebida alcoólica e, expondo terceiros ao risco evidente, envereda pela direção de uma motocicleta. Mas, necessário se faz separar as coisas. Dirigir embriagado continua sendo errado e autoriza punição administrativa, penal e, em caso de acidente, a perda da cobertura pelos danos materiais causados, porém, o seguro de vida, por não representar punição qualquer ao de cujus, deve ser pago.
A voluntariedade no ato praticado pelo condutor não resulta, ipso fato, na intencionalidade (dolo) de agravar o risco do contrato, nem a ocorrência do sinistro traz qualquer benefício a ele, vez que, aquele que bebeu, conduziu e causou danos a si e/ou a terceiro, não poderá, por motivo bastante óbvio, receber ou requerer o pagamento do seguro de vida.
Ou seja, o infrator não se beneficia de sua conduta evidentemente imprópria, eis que o seguro de vida é estipulado em favor de terceiros e, vindo o segurado a falecer, já fora definitivamente punido.
A culpa ou dolo no ato de antecedente (beber e dirigir) não resulta em aceitar
ou querer as consequências acidente e óbito, bem como, a perda do direito ao seguro atinge somente terceiros, os quais devem receber a cobertura securitária, aplicando-se o mesmo raciocínio que permite o pagamento aos beneficiários do suicida (inexistência de intencionalidade).
Não fosse isso, válido esclarecer que a Superintendência de Seguros Privados2 já se manifestou no tocante a essa questão, orientando as seguradoras no sentido de providenciar a alteração das condições contratuais por ser vedada a exclusão de cobertura quando o segurado estava sob efeito de álcool, senão vejamos: Comunicamos que, conforme recomendação jurídica contida no PARECER PF SUSEP/ COORDENADORIA DE CONSULTAS, ASSUNTOS SOCIETÁRIOS E REGIMES ESPECIAIS N° 26.522/ 2007, da Procuradoria Federal junto à SUSEP, a sociedade seguradora que prevê a exclusão de cobertura na hipótese de 'sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelos segurados em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob o efeito de substâncias tóxicas', deverá promover, de imediato, alterações nas condições gerais de seus produtos, com base nas disposições abaixo: 1) Nos Seguros de Pessoas e Seguro de Danos, é VEDADA A EXCLUSÃO DE COBERTURA na hipótese de 'sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas'; 2) Excepcionalmente, nos Seguros de
2 Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n 08/2007.
Danos cujo bem segurado seja um VEÍCULO, é ADMITIDA A EXCLUSÃO DE COBERTURA para 'danos ocorridos quando verificado que o VEÍCULO SEGURADO foi conduzido por pessoa embriagada ou drogada, desde que a seguradora comprove que o sinistro ocorreu devido ao estado de embriaguez do condutor.
Aliás, convém colacionar recente entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça, no qual se reconhece o dever de indenizar os beneficiários, mesmo em sendo comprovada a embriaguez, desde que não demonstrada a má-fé: RECURSO ESPECIAL. CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CAUSA DO SINISTRO. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. MORTE ACIDENTAL. AGRAVAMENTO DO RISCO. DESCARACTERIZAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR DA SEGURADORA. ESPÉCIE SECURITÁRIA. COBERTURA AMPLA. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO. ABUSIVIDADE. SEGURO DE AUTOMÓVEL. TRATAMENTO DIVERSO. 1. Cinge- se a controvérsia a definir se é devida indenização securitária decorrente de contrato de seguro de vida quando o acidente que vitimou o segurado decorreu de seu estado de embriaguez. 2. No contrato de seguro, em geral, conforme a sua modalidade, é feita a enumeração dos riscos excluídos no lugar da enumeração dos riscos garantidos, o que delimita o dever de indenizar da seguradora. 3. As diferentes espécies de seguros são reguladas pelas cláusulas das respectivas apólices, que, para serem idôneas, não devem contrariar disposições legais nem a finalidade do contrato. 4. O ente segurador não pode ser obrigado a incluir na cobertura securitária todos os riscos de uma mesma natureza, já que deve possuir liberdade
para oferecer diversos produtos oriundos de estudos técnicos, pois quanto maior a periculosidade do risco, maior será o valor do prêmio. 5. É lícita, no contrato de seguro de automóvel, a cláusula que prevê a exclusão de cobertura securitária para o acidente de trânsito (sinistro) advindo da embriaguez do segurado que, alcoolizado, assumiu a direção do veículo. Configuração do agravamento essencial do risco contratado, a afastar a indenização securitária. Precedente da Terceira Turma. 6. No contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário - doenças preexistentes - quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla. 7. No seguro de vida, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas (Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007). 8. As cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado. 9. Recurso especial não provido. (REsp. nº 1.665.701-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 09.05.2017).
A par disso, entendo que a seguradora deve ser condenada ao pagamento dos valores consignados na sentença, de acordo com a quota parte de cada herdeiro.
DOS TERMOS INICIAIS DOS JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA:
Quanto ao termo inicial dos consectários legais, tem-se que estes devem incidir, conforme entendimento adotado por esta c. 10.ª Câmara Cível, a partir da data em que a seguradora deveria ter efetuado o pagamento da indenização, ou seja, trinta dias do aviso do sinistro e juntada de documentos ou, na ausência de prova da data de comunicação, desde a recusa da seguradora em efetuar o pagamento da indenização.
Assim, com relação aos juros de mora, seu termo inicial deve ser mantido, tal como consignado na sentença.
Quanto a correção monetária, assiste razão parcial a seguradora, devendo ser adotado como marco inicial para o cômputo deste consectário, também a data da sua recusa em efetuar o pagamento da indenização (e não a data do ajuizamento da demanda, muito menos as datas das contratações dos seguros sentença - ou ainda a partir de fevereiro de 2010 capital segurado da data do acidente).
Tendo em vista que não houve alteração substancial das sentenças, mantém-se os ônus sucumbenciais tais como lançados.
Ex positis, o voto é no sentido de não conhecer do recurso de Agravo Retido, bem como em dar parcial provimento aos recursos de Apelação interpostos pela seguradora, para o fim de, tão somente, alterar o termo inicial da correção monetária para a data da recusa administrativa. ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA DÉCIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM NÃO CONHECER DO RECURSO DE AGRAVO RETIDO INTERPOSTO, BEM COMO EM DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS DE APELAÇÃO INTERPOSTOS.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores ÂNGELA KHURY e ALBINO JACOMEL GUERIOS.
Curitiba, 23 de novembro de 2.017.
DES. LUIZ LOPES
Relator
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