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Acórdão
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Certificado digitalmente por: RENATO LOPES DE PAIVA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1734757-4, DE REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO CENTRAL DE LONDRINA - 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA APELANTE : KENIA LOBO PEREIRA APELADO : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA RELATOR : DESEMBARGADOR RENATO LOPES DE PAIVA DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INGRESSO EM UNIVERSIDADE EM VAGA RESERVADA ÀS COTAS RACIAIS. GRATUIDADE DA JUSTIÇA PLEITO JÁ DEFERIDO EM PRIMEIRO GRAU AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL NÃO CONHECIMENTO. INDEFERIMENTO DE MATRÍCULA POR AUSÊNCIA DE FENÓTIPO PREVISÃO EM EDITAL DE CRITÉRIOS OBJETIVOS AUTODECLARAÇÃO NÃO CONFIRMADA POR COMISSÃO INSTITUÍDA PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA FORMADA POR MEMBROS DA UNIVERSIDADE, DA COMUNIDADE EXTERNA E DO CONSELHO MUNICIPAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL DE LONDRINA OBSERVÂNCIA DA LEI Nº 12.990/14 E DAS RESOLUÇÕES Nº Nº 15/2012 DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO E Nº 45/2016 DO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DA UEL APELANTE QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS PARA INGRESSAR NA UNIVERSIDADE PELO SISTEMA DE COTAS RACIAIS. IMPOSSIBILIDADE, ADEMAIS, DO JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A BANCA EXAMINADORA QUANTO AOS CRITÉRIOS SUBJETIVOS DO EDITAL DO CERTAME. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1734757-4, de Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - 1ª Vara da Fazenda Pública, em que é Apelante KENIA LOBO PEREIRA e Apelado UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA. I RELATÓRIO: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por KENIA LOBO PEREIRA (mov. 60.1) contra a sentença proferida nos autos da ação de mandado de Segurança nº 0019407-36.2017.8.16.0014 (mov. 46.1), que julgou improcedente o pedido inicial para denegar a segurança, e condenou a impetrante no pagamento das custas processuais observada a inexigibilidade dessa verba diante da gratuidade da justiça deferida. Segundo a apelante, esta possui o direito à gratuidade da justiça porque não tem condições de pagar as custas e honorários sem prejuízo de seu sustento próprio ou da família. No mérito, aduz que: a) nos termos do edital do concurso vestibular, bem como da legislação (arts. 2º da Lei nº 12.990/2014 e 5º da Resolução n. 203/2015 do CNJ), "as vagas reservadas a candidatos negro, se
destinam aos candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição, o que ocorre com a apelante que se declarou parda"; b) "conforme todos os documentos probatórios anexados nestes autos (fotos da família, documento oficial, auto declaração), não deixam dúvidas quanto a miscigenação da mesma", razão pela qual a apelante faz jus à cota racial nos termos do manual do IBGE que "define o significado atribuído ao termo como pessoas com uma mistura de cores de pele, seja essa miscigenação mulata (descendentes de brancos e negros), cabocla (descendentes de brancos e ameríndios), cafuza (descendentes de negros e indígenas) ou mestiça". c) "a cópia colorida do registro geral bem como a carteira de trabalho e previdência social são emitidos por órgãos oficiais de caráter a comprovar a identidade civil da pessoa", de modo que "não há que se falar em alteração na fotografia da pessoa, haja vista que a foto é tirada no ato da emissão do documento por um profissional do órgão oficial ao qual está encarregado de emitir o mesmo, atestando a sua credibilidade em nível nacional"; d) a submissão do candidato que se autodeclara negro à uma comissão para a avaliação da sua condição, "não tem nenhum respaldo científico, servindo apenas à arbitrariedade" e, "embora a comissão ser formada por pessoas de notável conhecimento e intelectualidade, ser negro está muito além de ter sofrido alguma discriminação", de forma que, o fato da apelante não ter respondido à pergunta sobre se teria sofrido discriminação, demonstra que a comissão não levou em conta os fenótipos da raça negra, o que implica em arbitrariedade; e) os recursos administrativos foram indeferidos sem a devida motivação, o que ofende a necessidade de motivação dos atos administrativos. Requer os benefícios da gratuidade da justiça e o provimento do recurso para reformar a sentença para que seja reconhecida a condição de parda da apelante e, consequentemente, seja deferida a homologação da matrícula, com a condenação da parte adversa nas custas processuais e
honorários advocatícios de sucumbência. Contrarrazões no mov. 65.1, pelo não provimento do apelo, pois: i) "as regras impostas pelo edital do processo seletivo foram claras e precisas, determinando claramente a insuficiência da autodeclaração de raça e a necessidade de submissão e aprovação dos candidatos que se autodeclararam negros à Comissão de Cotas desta Universidade, critério em que A APELANTE FOI DESCLASSIFICADA POR NÃO SER NEGRA NEM PARDA"; ii) A UEL é autarquia e integra a Administração Indireta do Estado do Paraná, gozando de prerrogativas constitucionais nos termos do art. 207 da Constituição Federal, e devendo obediência à Lei de Diretrizes e Base da Educação, normas essas que preceituam que a matéria relativa à reserva de vagas é de responsabilidade da própria Universidade; iii) para ocupar uma das vagas é preciso atender a outros critérios estipulados pela Instituição de Ensino dentro dos limites de sua legalidade e, no caso, a Universidade-apelada adotou no edital do concurso, além da autodeclaração de raça, o critério de aferição fenotípica de raça negra, assim como estipulou que "a ascendência negra NÃO seria fator válido para atestar a raça negra dos candidatos, e que este critério (ser negro) seria analisado e atestado por uma Comissão de Cotas composta por antropólogos e cientistas sociais da Universidade e membros da Comunidade Negra de Londrina"; iv) "desde o momento em que a apelante se inscreveu no processo seletivo de 2017 já estava ciente dos trâmites que precisaria se submeter ao optar por concorrer às vagas reservadas aos cotistas negros, além da conseqüência caso não fosse aprovada pela Comissão"; v) "o edital foi muito claro ao informar que, sob pena de perder o direito à vaga, o candidato que optar concorrer às vagas reservadas para negros deverá: (a) ser de cor preta ou parda e possuir traços fenotípicos; (b) declarar-se negro; (c) optar por este sistema; (d) ser aprovado pela Comissão de Homologação de Cotas. As
regras devem ser interpretadas restritivamente aos casos a que se referem, sendo inadmissível estender a regra a situações não contempladas pela norma, como, por exemplo, admitir como negro a ascendente de negro que, contudo, não possui pele de cor preta ou parda, como é o caso da apelada"; vi) "os candidatos do certame seletivo têm o direito de concorrerem de forma igualitária e a garantia à vaga reservada às cotas raciais só pode ser assegurada caso atenda aos requisitos previamente estabelecidos em edital, caso contrário estaria atribuindo indevidamente vantagens a uns, em detrimento de outros"; vii) "em sede de interpretação de normas editalícias, o Poder Judiciário deve restringir-se ao exame da legalidade de determinado edital. Logo, a norma é clara e precisa: para ser aprovado dentro do limite de vagas reservadas aos candidatos negros, deverá será atestada, por Comissão, a condição de negro ou pardo do candidato. Assim, se a candidata não apresenta características físicas que a enquadre na raça negra, não pode beneficiar- se do sistema de cotas para ingresso ao ensino superior"; viii) "em razão do racismo no Brasil ser claramente pelo fenótipo das pessoas, é necessária a realização de entrevista para aferição de adequação dos candidatos que se autodeclaram negros. O objetivo desta entrevista é efetivar os direitos das pessoas contempladas pela política de ação afirmativa, alcançando quem realmente é prejudicado na sociedade como vítima de racismo e preconceito. Dessa forma, a contribuição da Comissão de Cotas é trazer a referência ao fenótipo das pessoas de forma a manter a legalidade do processo, em razão da ação fraudulenta de tantos outros candidatos. Com o objetivo de evitar a utilização irresponsável e descontrolada desta política afirmativa, a Comissão de Cotas é necessária para averiguar o devido enquadramento dos candidatos que pleiteiam vaga reservada às cotas raciais".
Parecer da D. Procuradoria Geral de Justiça pelo não provimento do recurso (f. 12/15-TJ). É a breve exposição. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: 1. Recebimento e admissibilidade do recurso Recebo o recurso interposto por Kenia Lobo Pereira no duplo efeito em razão do disposto nos artigos 1.012 e 1.013 do CPC. Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer) e extrínsecos (preparo, tempestividade e regularidade formal), conheço em parte do recurso e passo à análise do mérito. Não se conhece do pedido de gratuidade da justiça por ausência de interesse recursal diante do seu deferimento pelo juízo de primeiro grau (mov. 7.1), uma vez que a gratuidade concedida pelo juízo monocrático se estende para todos os atos do processo, inclusive em sede recursal, nos termos do contido no art. 9º da lei 1.060/1.9501.
2. Remessa necessária Nos termos do artigo 496, inciso I, do CPC/20152 e do artigo 14, §1º, da Lei 12.016/20093, a sentença não está sujeita ao duplo grau de jurisdição, uma vez que foi favorável à Autarquia. 3. Mérito Recurso que se volta contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial para denegar a segurança e, consequentemente negar a homologação da matrícula da impetrante junto à Universidade Estadual de Londrina nas vagas destinadas às cotas raciais. Dos fatos Kenia Lobo Pereira obteve aprovação no vestibular da UEL para o curso de Direito (período matutino), classificando-se em uma das vagas disponibilizadas pelo sistema de cotas raciais (mov. 1.8).
A homologação de sua matrícula foi negada pela Comissão instituída pela UEL (mov. 1.9 e 1.11), contra a qual a candidata interpôs recurso administrativo (mov. 1.10), que foi indeferido pelo perecer de mov. 30.4. Diante desses fatos, a candidata impetrou Mandado de Segurança em face da Universidade Estadual de Londrina ao argumento de que a decisão administrativa que não homologou sua matrícula é nula por falta de motivação assim como pertence à raça negra e faz jus a concorrer às vagas destinadas às cotas raciais. A segurança foi denegada pela sentença de mov. 46.1, contra a qual a impetrante interpôs o presente recurso de apelação. Da motivação da decisão administrativa A impetrada Universidade Estadual de Londrina UEL, é pessoa jurídica de direito público interno, constituída sob a forma de autarquia estadual e, portanto, pertencente à Administração Pública Indireta. A motivação dos atos administrativos é princípio implícito na Constituição Federal decorrente do Estado Democrático de Direito e dos princípios do contraditório e da ampla defesa, nos termos do art. 1º, caput e art. 5º, LV, da CF4;
4 "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ..."
assim como é princípio expresso na Lei que regula o Processo Administrativo, nos termos do art. 2º, caput e art. 50, ambos da Lei 9.784/19995. Com base nesses dispositivos legais, todas as decisões dos atos administrativos praticados pela Administração Pública devem ser fundamentadas/motivadas, sob pena de nulidade. A doutrina6:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"; "Para ser mais preciso, a motivação consiste na exposição por escrito da representação mental do agente relativamente aos fatos e ao direito, indicando os fundamentos que o conduziram a agir em determinado sentido. Jurisprudência do STJ "2. A motivação do ato administrativo consubstancia-se na exposição dos motivos; é a demonstração das razões que levaram à pratica do ato, presentes, na espécie" (MS 13.828/DF, 3.ª S., rel. Ministro Jorge Mussi, j. 13.03.2013, DJe 22.03.2013). (...) A validade formal de todo e qualquer ato administrativo de cunho decisório depende de uma motivação, porque nenhuma competência administrativa é atribuída para que o agente realize o intento que bem desejar ou decida como bem o entender. A exigência e a extensão da motivação devem ser compatíveis com a natureza do ato administrativo praticado. O exercício de poder decisório exige motivação, a qual deverá ser suficiente para fundamentar a decisão adotada. Bem por isso, atos de mero expediente dispensam motivação. Essa afirmativa não é desmentida pela regra do art. 50 da Lei de Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/1999), que contempla um elenco de oito incisos em que a motivação seria indispensável. A amplitude das situações ali indicadas abrange todas as hipóteses de atos dotados de cunho decisório. (...) Outro argumento relevante reside em que o direito administrativo disciplina os motivos do ato administrativo, tanto quando se trata de atividade discricionária como nos casos de vinculação. A motivação é 6 Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo [livro eletrônico]. 4ª edição em e-book baseada na 12 ed. impressa. São Paulo, RT: 2016. p.
necessária para permitir o conhecimento dos motivos que nortearam a conduta, propiciando o controle quanto à regularidade do ato. Suprimir a motivação dificulta a avaliação dos motivos e gera o risco de que atos defeituosos sejam considerados como válidos. A motivação não se confunde com o motivo. O motivo consiste na circunstância interna do agente, integrante do processo psicológico que conduz à prática do ato administrativo. Já a motivação é a exposição formal dessa circunstância interna que conduziu à prática do ato. A motivação consiste, portanto, em um requisito quanto à formalização material do ato administrativo."
No caso dos autos, a UEL indeferiu a matrícula de Kenia Lobo Pereira nas vagas destinadas às cotas raciais (mov. 1.9, 1.11) conforme decisão de mov. 30.4 f. 04, nos seguintes termos: "Os Membros da Comissão abaixo relacionados, nomeada pela Portaria nº 0166/2017 de 01/02/2017, para homologação de Matrícula dos Candidatos que se Autodeclararem Negros no Processo seletivo Vestibular para ingresso em 2017, entendem que o candidata acima identificada ... Não atende ao critério de possuir cor de pele preta ou parda".
Contra essa decisão a candidata interpôs recurso administrativo (mov. 30.4 f. 02), que foi indeferido pelo perecer de mov. 30.4 f. 03, nos seguintes termos: "Após a entrevista os membros da comissão entenderam que a candidata Kenia Lobo Pereira não atende o art. 2º da Resolução C.U. nº 015/2012.
Assim, a comissão mantém o indeferimento de homologação da matrícula da candidata." As respectivas decisões administrativas não se encontram desprovidas de motivação, uma vez que indefere a homologação da matrícula da candidata sob dois fundamentos: (i) não atendimento ao critério de possuir cor de pele preta ou parda; e (ii) não cumprimento à Resolução C.U. nº 015/2012, mais especificamente o seu artigo 2º que dispõe: "Art. 2º Considera-se negro o candidato que assim se declare e que possua pele de cor preta ou parda e outros traços fenotípicos que o identifiquem como pertencente ao grupo racial negro. §1º Enquadram-se nesta opção somente os candidatos pertencentes ao grupo racial negro. §2º A ascendência negra não será fator a ser considerado na condição de ser negro. §3º A avaliação do enquadramento dos candidatos a esses traços fenotípicos será realizada por comissão conforme artigo 8º". Basta a simples leitura do art. 2º da Resolução C.U. nº 015/2012, para concluir que o ato administrativo impugnado negou a homologação da matrícula da impetrante porque esta, segundo a avaliação da comissão designada especialmente para esse fim, não pode ser considerada da raça negra (não possuir cor de pele preta ou parda), para o fim de concorrer às vagas destinadas às cotas raciais.
Registre-se, por oportuno, que a decisão liminar proferida no agravo de instrumento nº 1.677.037-9 (mov. 52.1), não vincula a decisão deste recurso de apelação, a uma porque aquela decisão foi proferida em caráter de cognição sumária não exauriente quando da análise tão somente do efeito suspensivo/ativo do recurso de agravo de instrumento que, todavia, perdeu o objeto diante da prolação da sentença ora combatida, e a duas porque aquela decisão foi proferida com base tão somente no documento de mov. 1.9, enquanto que a decisão no presente recurso de apelação tomou como base outros documentos (mov. 30.4). Desse modo, a decisão administrativa que negou a homologação da matrícula da candidata ora impetrante se encontra suficientemente motivada, com o que afasta-se o argumento de nulidade da respectiva decisão. Das vagas destinadas às cotas raciais De início cumpre destacar que, na forma dos artigos 5º, inciso LXIX da Constituição Federal e artigo 1º da lei 12.016/2009, respectivamente: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público", e "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".
Direito líquido e certo é aquele perceptível desde logo, prima facie, independentemente de dilação probatória. Conforme doutrina de Alexandre de Moraes7: "Direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, ou seja, é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documentação inequívoca. Note- se que o direito é sempre líquido e certo. A caracterização de imprecisão e incerteza recai sobre os fatos, que necessitam de comprovação. Importante notar que está englobado na conceituação de direito líquido e certo o fato que para tornar-se incontroverso necessite somente de adequada interpretação do direito, não havendo possibilidade de o juiz denegá-lo, sob o pretexto de tratar-se de questão de grande complexidade jurídica."
No caso em comento, o mandado de segurança tem como fundamento combater eventual ilegalidade do ato administrativo que negou a homologação da matrícula da candidata Kenia Lobo Pereira no curso de Direito da UEL, no qual concorreu às vagas destinadas às cotas raciais. O objetivo primordial das vagas reservadas às cotas raciais é o de compensar desigualdades vivenciadas pelo candidato em razão da cor de sua pele e de outros traços fenotípicos que o identifiquem como negro, visando dar concretude à dignidade da pessoa humana e ao princípio da igualdade material que
visa tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na medida das suas desigualdades. O sistema das cotas raciais é regulado pela Lei nº 12.990/2014, cujo artigo 2º dispõe: "Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE."
Importante consignar que o IBGE não determina a cor ou raça de determinado indivíduo, mas apenas o classifica conforme sua própria declaração, ou seja, se determinada pessoa se autodeclara preta ao IBGE, para este órgão ela será preta, se por outro lado, a mesma pessoa se declara branca, para o IBGE ela será branca. Nesse contexto, ao contrário do que alega a impetrante, a autodeclaração não pode ser utilizada como única maneira de considerar uma pessoa preta ou parda, na medida em que o próprio IBGE classifica a cor ou raça conforme autodeclaração da população. Assim, a autodeclaração que permite o candidato concorrer às vagas destinadas às cotas raciais possui presunção relativa, podendo o pedido ser afastado mediante análise da banca constituída pela instituição de ensino, no uso da
sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira conferida a tais instituições, garantida expressamente pelo art. 207 da Constituição Federal8. Desse modo, conclui-se que, no uso de sua autonomia didático-científica e administrativa, perfeitamente possível admitir que as Instituições de Ensino possuam normas e regulamentos próprios no que diz respeito ao sistema de reserva de vagas destinadas às cotas raciais, sendo que os candidatos devem observar obrigatoriamente a regulamentação adotada nas resoluções e editais de concursos lançados pelas instituições de ensino. O tema já foi abordado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 186/DF, conforme Acórdão que restou assim ementado: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I Não contraria - ao contrário, prestigia o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais 8 "Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão."
determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico- raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação é escusado dizer incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. (ADPF 186, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10- 2014 PUBLIC 20-10-2014)
Não obstante a ementa do Acórdão nada disponha a respeito da criação de comissões para a análise do enquadramento do candidato às vagas reservadas, no voto condutor do acórdão, o Ministro relator Ricardo Lewandowski anotou que: "Como se sabe, nesse processo de seleção, as universidades têm utilizado duas formas distintas de identificação, quais sejam: a autoidentificação e a heteroidentificação (identificação por terceiros). Essa questão foi estudada pela mencionada Daniela Ikawa, nos seguintes termos: `A possibilidade de seleção por comitês é a alternativa mais controversa das apresentadas (...). Essa classificação pode ser aceita respeitadas as seguintes condições: (a) a classificação pelo comitê deve ser feita posteriormente à autoidentificação do candidato como negro (preto ou pardo), para se coibir a predominância de uma classificação por terceiros; (b) o julgamento deve ser realizado por fenótipo e não por ascendência; (c) o grupo de candidatos a concorrer por vagas separadas deve ser composto por todos os que se tiverem classificado por uma banca também (por foto ou entrevista) como pardos ou pretos, nas combinações: pardo- pardo, pardo-preto ou preto-preto; (d) o comitê deve ser composto tomando-se em consideração a diversidade de raça, de classe econômica, de orientação sexual e de gênero e deve ter mandatos curtos'. Tanto a
autoidentificação, quanto a heteroidentificação, ou ambos os sistemas de seleção combinados, desde que observem, o tanto quanto possível, os critérios acima explicitados e jamais deixem de respeitar a dignidade pessoal dos candidatos, são, a meu ver, plenamente aceitáveis do ponto
de vista constitucional". (grifei)
Mais recentemente 17/08/2017, o Supremo Tribunal Federal confirmou seu entendimento no julgamento da ADC nº 41/DF: Ementa: Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Procedência do pedido. 1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. (...). 2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3. (...). 4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: "É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa". (ADC 41, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em
08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017) (destaquei) O TRF da 4ª Região tem precedente no mesmo sentido: "ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. CRITÉRIO DE AUTODECLARAÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA. COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO. CRITÉRIO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO BASEADO NO FENÓTIPO. LEGALIDADE. 1. A autodeclaração não constitui presunção absoluta de afrodescendência, evitando, assim, que se transforme em instrumento de fraude à lei, em prejuízo justamente do segmento social que o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288 /2010) visa a proteger. 2. A autodeclaração pode ser avaliada por comissão designada pelo Poder Público para tal fim. Neste desiderato, devem ser considerados os aspectos fenotípicos do candidato, pois, se o sistema de cotas raciais visa a reparar e compensar a discriminação social, real ou hipotética, sofrida pelo afrodescendente, para que dele se valha o candidato, faz-se imperioso que ostente o fenótipo negro ou pardo. Se não o possui, não é discriminado, e, consequentemente, não faz jus ao privilégio concorrencial. 3. Tendo a Comissão Avaliadora, no exercício de sua legítima função regimental, afastado o conteúdo da autodeclaração, o acolhimento da pretensão da parte autora requer a superação da presunção de legitimidade desse ato administrativo, que somente pode se elidida mediante prova em contrário." (TRF4, AC 5004760-40.2015.404.7110, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, data de publicação: 05/4/2017).
No caso, a impetrante se inscreveu no Vestibular/2017 concorrendo como candidata às vagas destinadas às cotas raciais do Curso de Direito (matutino), se autodeclarando negra (cor parda), e recebeu as informações
constantes do Manual do Candidato, entregues a todos os concorrentes, que esclarece que a autodeclaração depende da confirmação pela comissão indicada pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da UEL (mov. 30.3). Assim, a candidata ora impetrante/apelante tinha conhecimento de que a homologação de sua matrícula estava sujeita a entrevista com Comissão encarregada de avaliar o seu enquadramento nas cotas raciais, nos termos das Resoluções nº 15/2012 do Conselho Universitário (art. 8º, c/c o § 3º do art. 2º) e nº 45/2016-CEPE (art. 9º, § 3º, c/c o art. 91). Os arts. 2º, §3º e 8º, da Resolução CU nº 12/2015 estabelecem que: "Art. 8º Considera-se negro o candidato que assim se declare e que possua pele de cor preta ou parda e outros traços fenotípicos que o identifique como pertencente ao grupo racial negro. § 1º Enquadram-se nesta opção somente os candidatos pertencentes ao grupo racial negro. § 2º A ascendência negra não será fator a ser considerado na condição de ser negro. § 3º A avaliação do enquadramento dos candidatos a esses traços fenotípicos será realizada por comissão conforme artigo 8." "Art. 8º. A homologação da matrícula dos candidatos que optarem pela reserva de vagas para negros, conforme descrito no art. 2º, será realizada por por uma Comissão indicada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) composta por: I- Coordenador do Núcleo de Estudos Afroasiáticos (NEAA);
II- Representante do Núcleo Regional de Ensino; III- Representante do Conselho Municipal de promoção da Igualdade Racial de Londrina (CMPIR); IV- Representante da Pró-reitoria de Graduação (PROGRAD); V- Representantes da Coordenadoria de Processos Seletivos (COPS); VI- Representante discente. Parágrafo único. A comissão será composta por servidores da Universidade, representantes da comunidade externa e do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina, estas duas na proporção de até 1/3 (um terço) do total dos membros."
Os arts. 9º e 91 da Resolução CEPE n. 45/2016 possuem redações praticamente iguais: "Art. 9º Considera-se negro o candidato que assim se declare e que possua pele de cor preta ou parda e outros traços fenotípicos que o identifiquem como pertencente ao grupo racial negro. § 1º Enquadram-se nesta opção somente os candidatos pertencentes ao grupo racial negro. § 2º A ascendência negra não será fator a ser considerado na condição de ser negro. § 3º A avaliação do enquadramento dos candidatos a esses traços fenotípicos será realizada por comissão, conforme Art. 91". "Art. 91. A homologação da matrícula dos candidatos que concorrerem pelo sistema de cotas para candidatos autodeclarantes negros oriundos de instituições públicas brasileiras de ensino e convocados como cotistas negros oriundos de instituições públicas de ensino será feita por uma Comissão indicada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE),
exclusivamente para este fim, composta por membros da comunidade interna da UEL e da comunidade externa."
No caso, a decisão administrativa de mov. 30.4 foi firmada pelo Presidente da Prograd (Adriano Luiz da Costa Farinasso), por outro membro da Prograd (Elaine Oliveira de Jesus), pelo titular da NEAB (Maria Nilza da Silva), pelo membro titular do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina CMPIR (Maria de Fátima Beraldo), e pelo membro do DCE (Daniele Barbosa Daniel). A Comissão que analisou a condição da candidata ora impetrante/apelante, portanto, foi composta de integrantes de servidores da Universidade, da comunidade externa e do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina, o que reveste de legalidade o ato que considerou que a candidata não é considerada preta ou parda, e por conseguinte, não homologou a sua matrícula no curso de direito. Como bem apontou a D. Procuradoria Geral de Justiça "segundo critério previsto em edital, a análise para a homologação da vaga reservada considera apenas o fenótipo da pessoa, não tendo relevância sua ancestralidade e consaguinidade, razão pela qual as fotografias de familiares não são úteis para a análise do pleito formulado na exordial" (f. 13-TJ) Em caso análogo, o Órgão Especial deste Tribunal reconheceu que não há ilegalidade de decisão administrativa devidamente fundamentada e que atende os requisitos legais e critérios estabelecidos no edital. Vejamos:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ANÁLISE DA CONDIÇÃO DE AFRODESCENDENTE DE CANDIDATA EM CONCURSO PÚBLICO. QUESTIONAMENTO EM TORNO A DECISÃO DA COMISSÃO DO CERTAME QUE DESCLASSIFICOU A IMPETRANTE EM RAZÃO DE NÃO PREENCHER OS REQUISITOS PARA O PREENCHIMENTO DE VAGA DESTINADA A AFRODESCENDENTE. PRELIMINARES. AFASTADA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DA BANCA EXAMINADORA. OBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL PARA A IMPETRAÇÃO DO "MANDAMUS". IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. ATO ADMINISTRATIVO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. VIA MANDAMENTAL INADEQUADA PARA AFERIR A CERTEZA SOBRE O TEMA, DADA A NECESSIDADE DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA O QUE É INVIÁVEL O ENFRENTAMENTO NO REMÉDIO HERÓICO. DECISÃO IMPUGNADA FUNDAMENTADA E QUE ATENDE OS REQUISITOS LEGAIS E CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO EDITAL. ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA. SEGURANÇA DENEGADA. (TJPR, Órgão Especial, MSOE - 506373-2, Rel.: Sérgio Arenhart, J. 21.05.2010)" Esta 6ª Câmara Cível também já se pronunciou no mesmo sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMNISTRATIVO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER - TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA NA ORIGEM - REQUISITOS AUSENTES - MATRÍCULA EM UNIVERSIDADE - VAGAS DESTINADAS ÀS COTAS RACIAIS - CRITÉRIO SUBJETIVO APLICADO DE FORMAS DIVERSAS EM CANDIDATOS QUE SE
AUTODECLARARAM NEGROS OU PARDOS - PROCEDIMENTO EVENTUALMENTE EQUIVOCADO QUE NÃO TERIA O CONDÃO DE GERAR DIREITOS - RECURSO PROVIDO. (TJPR, 6ª C. Cível, AI - 1686734-2, Rel.: Prestes Mattar, J. 28.11.2017) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. COTAS RACIAIS. INDEFERIMENTO DE MATRÍCULA POR AUSÊNCIA DE FENÓTIPO. AUTOAFIRMAÇÃO NÃO CONFIRMADA POR COMISSÃO INSTITUÍDA PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL. PREVISÃO EM EDITAL DE CRITÉRIOS OBJETIVOS. ARTIGO 2º DA LEI Nº 12.990/14 E ARTIGO 9º DA RESOLUÇÃO Nº 27/2015 DO CONSELHO DE ENSINO PESQUISA E EXTENSÃO DA UEL. APELANTE QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS PARA INGRESSAR NA UNIVERSIDADE PELO SISTEMA DE COTAS RACIAIS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR, 6ª C. Cível, AC - 1649322-2, Rel.: Carlos Eduardo Andersen Espínola, J. 25.07.2017) AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. COTAS RACIAIS. PLEITO DE GRATUIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. BENESSE JÁ CONCEDIDA. INDEFERIMENTO DE MATRÍCULA POR AUSÊNCIA DE FENÓTIPO. ARTIGO 2º DA LEI Nº 12.990/14 E ARTIGOS 9º DA RESOLUÇÃO Nº 27/2015 DO CONSELHO DE ENSINO PESQUISA E EXTENSÃO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA. AGRAVANTE QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS PARA INGRESSAR NA UNIVERSIDADE PELO SISTEMA DE COTAS RACIAIS. REVOGAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPPROVIDO. (TJPR, 6ª C. Cível, AI - 1529992-6, Rel.: Carlos Eduardo Andersen Espínola, J. 20.06.2017)
Calha mencionar que admitir que uma pessoa não reconhecida pela Comissão como negra ou parda seja inserida na universidade nas vagas destinadas às cotas raciais implica na exclusão de outra candidata que atenda aos critérios, o que ofende o princípio da igualdade material. Desse modo, a decisão da comissão avaliadora, quanto aos parâmetros relativos à cor e raça, está em consonância aos critérios legais estabelecidos pela Lei Federal nº 12.990/14 e pelas Resoluções nº 15/2012 do Conselho Universitário e nº 45/2016-CEPE, pelo que, conforme o conjunto probatório constante dos autos, conclui-se que a impetrante ora recorrente não possui direito líquido e certo na homologação da sua matrícula nas vagas destinadas às cotas raciais, pois não se enquadra na definição de cor preta ou parda, segundo os critérios utilizados pela Banca examinadora do concurso. Aliás, conforme se verifica da fotografia atual da impetrante (mov. 1.19), esta tem pele de tonalidade clara. Por outro lado, o controle do ato administrativo somente é permitido sob o aspecto da legalidade e moralidade, sendo incabível que o Poder Judiciário examine as questões de mérito do ato administrativo oportunidade e conveniência, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos Poderes previsto no artigo 2º da Constituição Federal. Sobre o tema, Marçal Justen Filho ensina que: "Utiliza-se a expressão mérito do ato administrativo para indicar esse núcleo de natureza decisória, produzido por uma escolha de vontade pessoal do agente estatal em virtude de uma autorização
legislativa. A fiscalização poderá examinar os requisitos externos de regularidade da atuação discricionária, o que significa verificar se todos os requisitos legais procedimentais foram respeitados e se a autoridade administrativa atuou visando à realização dos direitos fundamentais, com observância dos valores democráticos. Não se admite que o juízo de conveniência e oportunidade, inerente à atividade administrativa, seja revisado pelo órgão de fiscalização. Mas isso não impede a invalidação de atos por defeitos formais: assim, não se pode invocar a competência discricionária para defender ato produzido com infração do devido processo legal. Por decorrência, deve ser pronunciado o defeito do ato quando se evidenciar que a Administração deixou de tomar todas as precauções necessárias para adotar a solução mais adequada em vista do caso concreto. Esse é um defeito atinente ao devido processo legal. Em última análise, aplica-se o princípio da proporcionalidade. O ato é reconhecido como defeituoso por se demonstrar que a decisão era inadequada ou desnecessária à produção do fim visado. Mas não cabe promover a desconstituição do ato sob o argumento de que o controlador teria adotado outra solução se estivesse investido de competência para tanto. Nem cabe reprovação sob o argumento de que existiam outras alternativas à escolha do titular da competência, todas elas relativamente equivalentes entre si. A avaliação quanto à adequação objetiva deve se fazer tomando em vista o cenário e as circunstâncias perante as quais se encontrava o titular da competência administrativa. Não se pode realizar um juízo retrospectivo, reputando inválido o ato com base em informações ou segundo eventos fáticos produzidos
posteriormente. Escolhas realizadas no exercício de competência discricionária podem revelar-se, posteriormente, como inadequadas, e isso não implica sua invalidade." Assim, a decisão da banca examinadora do certame que entendeu que a impetrante não pode ser considerada negra e não faz jus a participar da seleção nas vagas reservadas, se refere ao mérito do ato administrativo e, portanto, não pode ser revista pelo Poder Judiciário. Conforme bem apontado pela D. Procuradoria Geral de Justiça (f. 13) "o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI 80.5328, afirmou ser incabível ao Poder Judiciário atuar substituindo a banca examinadora, no que se refere aos critérios subjetivos do certame, vejamos: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. REVISÃO DE PROVA SUBJETIVA: ATRIBUIÇÃO DA BANCA EXAMINADORA. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (AI 805328 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 25/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 09-10-2012 PUBLIC 10-10-2012)". Ônus da sucumbência Diante no não provimento do recurso e da manutenção da sentença que denegou a segurança à impetrante, mantem-se a sua condenação nas custas processuais, observada a inexigibilidade dessa verba diante da gratuidade da justiça deferida à apelante em primeiro grau.
Como não há condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, por tratar-se de mandado de segurança (art. 25 da Lei 12.016/2.0099), não há que se aplicar a majoração prevista no art. 85, §11 do CPC10. 4. VOTO, em conclusão, por conhecer e negar provimento ao recurso de apelação interposto por Kenia Lobo Pereira.
9 "Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé." 10 "Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento."
III - DECISÃO: Acordam os Integrantes da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Desembargadores ROBERTO PORTUGAL BACELLAR e o Juiz Convocado ANDERSON RICARDO FOGAÇA. Curitiba, 30 de janeiro de 2018. [assinado digitalmente] Des. Renato Lopes de Paiva Relator
-- 1 "Art. 9º. Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias".
-- 2 "Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público" (destaquei). -- 3 "Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. §1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição"; --
-- 5 "Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência". "Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de ofício; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2º Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. § 3º A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito". --
-- 7 Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 29ª ed. Atlas - 2013. p. 161. --
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