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Acórdão
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Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.007.725-1, DA VARA CÍVEL E ANEXOS DA COMARCA DE PITANGA APELANTES 1: HILÁRIO PAULO BINI E OLANDA ACKER BINI APELANTE 2: VALMOCIR BINI APELANTES 3: JOSÉ LUIZ BINI E OLAÍDES LOURDES PARISOTO BINI APELADOS: OS MESMOS RELATORA: DESª. ÂNGELA KHURY
APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DOAÇÃO COM ENCARGO C/C REVOGAÇÃO POR INEXECUÇÃO DO ENCARGO E ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. 1. APELO 1. NEGÓCIO SIMULADO. NULIDADE DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. "APROVEITAMENTO RACIONAL DO NULO" (ARTS. 167 E 170, CC). IMÓVEL QUE DEVE SER REGISTRADO EM NOME DOS APELANTES, VERDADEIROS COMPRADORES. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 2. APELO 2. RECONHECIMENTO EX OFFICIO DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO REQUERIDO/APELANTE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO (ART. 267, VI, CPC). EXAME DAS DEMAIS TESES PREJUDICADO. 3. APELO 3. SENTEÇA EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO SINGULAR NOS LIMITES DO PEDIDO INICIAL. RECURSO DESPROVIDO. APELO 1 PARCIALMENTE PROVIDO. APELO 2 CONHECIDO COM EXTINÇÃO DO PROCESSO, DE OFÍCIO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. CARÊNCIA DE AÇÃO. APELO 3 DESPROVIDO. Página 1 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1.007.725-1, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Pitanga, em que são apelantes HILÁRIO PAULO BINI, OLANDA ACKER BINI, JOSÉ LUIZ BINI, OLAÍDES LOUREDES PARISOTO BINI e VALMOCIR BINI e apelados OS MESMOS.
1. Tratam os autos de recursos de apelação interpostos da sentença (fls. 298/309) que, nos autos de "Ação Declaratória de Doação com Encargo c/c Revogação por Inexecução do Encargo e Anulação de Ato Jurídico" nº 47/2009 ajuizada por Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini contra José Luiz Bini, Olaídes Lourdes Parisoto Bini e Valmocir Bini, julgou parcialmente procedentes os pedidos para declarar a existência de contrato de doação de dinheiro, com encargo, para aquisição de bem imóvel, determinando a revogação da doação por inexecução do encargo; diante da sucumbência recíproca, condenou os autores ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais e José Luiz Bini aos 50% (cinquenta por cento) restantes, deixando de condenar Valmocir Bini, por não fazer parte do contrato de doação ou da compra e venda, bem como Luiz Carlos Vallarini e Maria Teresa Vallarini, porquanto o pedido em relação a eles foi julgado improcedente; condenou os autores e o réu José Luiz Bini ao pagamento de R$1.000,00 (mil reais) ao patrono de Valmocir Bini e R$1.000,00 (mil reais) ao patrono de Luiz Carlos Vallarini e Maria Teresa Vallarini, com fulcro no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil; aos patronos dos autores, fixou honorários de R$3.000,00 (três mil reais), mesmo valor fixado ao patrono de José Luiz Bini, possibilitada a compensação, nos termos do artigo 21, do Código de Processo Civil, a qual não atinge os honorários dos advogados de Valmocir Bini, Luiz Carlos Vallarini e Maria Teresa Vallarini. Página 2 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini ingressaram com ação declaratória afirmando que no ano de 1999 adquiriram um imóvel rural, localizado na Comarca de Pitanga, de propriedade de Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini, por R$120.000,00 (cento e vinte mil reais), pagos em 03 (três) parcelas anuais, sendo a primeira de R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais), a segunda no equivalente a 2.000 (duas mil) sacas de soja e a terceira no equivalente a 2.000 (duas mil) sacas de soja, com o intuito de doarem o bem a seus filhos José Luiz Bini e Valmocir Bini, no equivalente a 50% (cinquenta por cento) para cada um. Quando do pagamento da última parcela os vendedores deveriam outorgar a Escritura Pública de Compra e Venda aos referidos filhos, porém, na ausência de Valmocir Bini, foi lavrada em 18 de julho de 2001 e levada a registro em 03 de agosto de 2001, em favor apenas de José Luiz Bini, o qual se comprometeu a transferir 50% (cinquenta por cento) do imóvel ao irmão sem qualquer pagamento ou indenização. Foram averbadas no registro do imóvel Cédulas Rurais Pignoratícias e Hipotecárias entre Hilário Paulo Bini e o HSBC Bank Brasil S/A e Banco do Brasil S/A, sempre figurando como "intervenientes anuentes hipotecantes" José Luiz Bini e sua esposa (18/08/2001; 14/10/2002; 28/11/2005; 17/04/2006), eis que o imóvel sempre foi explorado pelos autores e réus. Em 30 de julho de 2008, os requeridos foram interpelados judicialmente por Valmocir Bini (autos nº 255/2008, Comarca de Pitanga) para que lhe outorgasse a referida escritura, no prazo de 30 (trinta) dias, não sendo atendido o pedido. Desta forma, os requeridos não cumpriram com o encargo assumido. Ao final, pedira fosse declarada "a doação do imóvel em favor dos requeridos, (...) com a revogação por inexecução do encargo e que seja anulado o ato jurídico de escritura pública de compra e venda" e retorno do bem doado ao patrimônio dos autores, bem assim a notificação de Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini para que, no prazo solicitado, outorguem nova escritura em nome dos requerentes. Página 3 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Atribuíram à causa o valor de R$740.000,00 (setecentos e quarenta mil reais).
O Juízo a quo entendeu que não houve doação e que a compra e venda lavrada na escritura do imóvel foi simulada. Em seguida, reconheceu a decadência do direito dos autores para pedir a anulação do ato, extinguindo o feito, com julgamento do mérito (art. 269, IV, CPC), condenando-os ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) (fls. 164/164-v). Ambas as partes apelaram da sentença (fls. 165/168 e 178/189), sobrevindo o Acórdão de fls. 232/241 que, por unanimidade de votos, deu provimento ao apelo de Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini, "a fim de anular a r. sentença de primeiro grau, restando prejudicado aquele (apelo I), interposto por José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini".
Baixados os autos à Comarca de origem (fl. 242) e instruído o feito com a realização de prova testemunhal, o Juízo a quo declarou extinto o processo sem resolução do mérito, sob entendimento de ser necessária a constituição de litisconsórcio passivo com os vendedores do imóvel (art. 47, CPC), pois não lhes foi oportunizado o direito de defesa, eis que a questão envolve seu patrimônio (fls. 250/259). Opostos embargos declaratórios pelos autores (fls. 261/264), foram acolhidos com a determinação de citação dos litisconsortes passivos necessários, para apresentação de contestação, sob pena de revelia (fls. 267/269). Apresentada contestação pelos litisconsortes (fls. 277/278), vieram as alegações finais (fls. 285/286, 287 e 288/289), sobrevindo a sentença recorrida (fls. 298/309).
Irresignados, Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini apelaram da sentença (fls. 316/324). Alegaram que deve ser declarada nula a escritura de compra e venda, nos termos do artigo 167, do Código Página 4 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Civil, pois o negócio jurídico foi firmado entre Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini e os apelantes, não fazendo parte da relação o apelado José Luiz Bini.
Sustentam que (a) o pagamento foi integral em moeda corrente e parte em produto agrícola (soja depositada em nome do vendedor junto à COAMO); (b) houve um único negócio jurídico; (c) sua intenção era adquirir o imóvel para doar aos dois filhos José Luiz e Valmocir, 50% (cinquenta por cento) para cada um; porém, quando foi lavrada a escritura do imóvel, Valmocir não estava presente, de maneira que foi feita somente em nome de José Luiz; (d) o correto seria transferir o imóvel para os autores e, após, efetuar a doação para os filhos com a anuência das demais herdeiras (5 filhas); assim, houve simulação da doação, sendo nula a compra e venda, porque não houve negócio jurídico entre os vendedores e José Luiz Bini; (e) a simulação foi reconhecida no Acórdão de fls. 233/241; (f) se persistir a escritura de compra e venda, haverá enriquecimento ilícito dos apelados, em prejuízo aos demais herdeiros; (f) não houve doação em dinheiro, porque nesse caso o valor deveria ser passado aos apelados para que esses transmitissem aos compradores.
Afirmam que a sentença deve ser reformada para que se declare a doação do imóvel e sua revogação, por inexecução do encargo, com a anulação do negócio jurídico (escritura pública e registro), e o imóvel retorne aos antigos proprietários e estes possam outorgar a escritura aos apelantes. Consequentemente, pedem sejam os honorários advocatícios fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) sobre o valor causa, acrescidos de correção monetária até o efetivo pagamento, devendo os apelados arcar também com as custas processuais.
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Valmocir Bini apelou da sentença (fls. 327/331) alegando, em síntese, que (a) deveria ter sido agraciado com a doação efetuada pelos requerentes, seus genitores, porém, se esta tivesse ocorrido, haveria simulação, causando sérios prejuízos aos demais herdeiros; (b) como José Luiz Bini não lhe entregou 50% (cinquenta por cento) do imóvel, como pretendiam seus pais, também sofreu prejuízos; (c) quem comprou e pagou pelo bem foi Hilário Paulo Bini, restando demonstrado que houve negócio simulado, nulo nos termos do artigo 167, do Código Civil; (d) Luiz Carlos Vallarini confirmou que não realizou nenhum negócio com José Luiz Bini e que não tem impedimento em outorgar a escritura em favor do verdadeiro comprador, Hilário Paulo Bini, caso a anterior seja anulada. Ao final, pede a reforma da sentença para que se reconheça que houve doação de imóvel, não de dinheiro e, consequentemente, seja declarada nula a escritura e o registro do imóvel (matrícula nº 9083, fl. 01, livro 02, do Cartório de Registros de Imóveis da Comarca de Pitanga), bem como sejam majorados os honorários advocatícios.
José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini interpuseram apelação (fls. 334/341). Alegam que (a) a decisão é nula, pois extra petita, na medida em que os apelados não postularam o reconhecimento de doação em dinheiro, requerendo, apenas, a declaração de doação do imóvel, ficando os demais pedidos (revogação da doação e anulação da escritura) condicionados a este reconhecimento; os artigos 128 e 460, ambos do Código de Processo Civil, determinam que o Juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta e que é defeso proferir sentença, em favor do autor, de natureza diversa do pedido, devendo ser reconhecida a nulidade do decisum por não guardar vínculo com os pedidos formulados; (b) a suposta doação verbal não é de pequeno valor, eis que a inicial informa que o valor atualizado do imóvel é R$740.000,00
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(setecentos e quarenta mil reais); (c) o Código Civil (art. 541) limita a validade de doação verbal a imóveis de pequeno valor, sendo nulo o negócio jurídico que não se revestiu da forma prescrita em lei, nos termos dos artigos 145, inciso III, do Código Civil de 1916, e artigo 166, do Código Civil de 2002; (d) ausente documento que comprove a doação, impossível e ilegal a declaração de existência de contrato de doação em dinheiro; (e) apresentaram contestação pautada no conteúdo da inicial, não podendo ser surpreendidos com julgamento e condenação sobre questão diversa, sob infração ao princípio da ampla defesa; (f) comprovado que não existiu doação do imóvel, não há que se falar em sua revogação ou anulação da escritura, devendo ser julgada totalmente improcedente a ação. Por fim, pede a reforma parcial da sentença, reconhecendo sua nulidade, sendo julgado totalmente improcedente o pedido inicial e, consequentemente, devem os autores arcar com as custas e honorários advocatícios, os quais entendem devam ser majorados, considerando o trabalho desenvolvido pelos procuradores, para ser fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil. Apresentaram prequestionamento à matéria legal e constitucional, para o caso de interposição de recursos aos Tribunais superiores.
Os recursos foram recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo (fl. 345), sendo a decisão publicada em 25 de janeiro de 2012, com início do prazo para manifestação dos apelados no dia seguinte (26/01/2012), encerrando-se em 09 de fevereiro de 2012 (fl. 346).
Foram apresentadas contrarrazões pelos autores (fls. 347/352) e réus (fls. 353/367). Apesar de intimado o procurador de Valmocir Bini (fl. 346), quedou-se inerte, deixando transcorrer in albis o prazo.
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2. Presentes os pressupostos de admissibilidade extrínsecos e intrínsecos, os recursos devem ser conhecidos.
- Do apelo de Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini
Pretendem os apelantes a reforma da sentença para que se reconheça a doação do imóvel e se declare sua revogação, por inexecução do encargo (transferência de 50% do bem a Valmocir Bini), com a anulação do negócio jurídico (escritura pública e registro).
O instituto da doação está previsto no Código Civil:
"Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra".
Extrai-se do Registro de Imóveis que a propriedade do imóvel rural, objeto da demanda (matrícula 9083, lotes 76, 76-A e 120, Gleba nº 1, Santa Maria, Colônia Piquiri, Município de Pitanga), foi transferida diretamente de Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini para José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini (fls. 16/19). Os vendedores Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini firmaram Escritura Pública de Declaração nos seguintes termos:
"Que no ano de 1999 (mil novecentos e noventa e nove), vendeu ao Sr. Hilário Paulo Bini, (...) uma área de terras medindo 1.782.200,00 metros quadrados, constituída pelos lotes nºs 76.076-AS e 120, da Gleba nº 01 Santa Maria, Colônia Piquiri, no Município e comarca de Pitanga Estado do Paraná, com as divisas e confrontações constantes da matrícula nº 9083 Registro nº 03, do Cartório de Registro Página 8 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de Imóveis da Comarca de Pitanga Estado do Paraná, pelo preço certo e ajustado de R$120.000,00 (cento e vinte mil reais), (...) Declaram ainda, que na época da compra do imóvel o Sr. Hilário Paulo Boni (sic), declarou aos vendedores, que embora fosse o real pagador, desejava escriturar o imóvel em nome de seus dois filhos, José Luiz Bini e Valmocir Bini. Que acontecendo no entanto, que por ocasião da integralização do pagamento, seu filho Valmocir Bini estava ausente, e os declarantes outorgaram a escritura de venda e compra, somente em nome de José Luiz Bini, o qual na época na presença dos declarantes, se comprometeu verbalmente perante seu pai, que em ocasião oportuna, transferiria a seu irmão, Valmocir Bini, a parte que lhe caberia na proporção de 50% (cinquenta por cento) do imóvel adquirido. Que a presente escritura de declaração reflete a verdadeira expressão da verdade. (...)". (fls. 20/21 grifou-se)
A veracidade das declarações constantes na Escritura Pública foram confirmadas pelos vendedores em audiência judicial conforme consta de mídia digital gravada (CD-Room fl. 260). A prova dos autos demonstra que os apelantes adquiriram o imóvel rural com recursos próprios e permitiram a escritura diretamente em nome do requerido José Luiz Bini, sem o prévio registro de imóveis em seus nomes (Hilário e Olanda), porém, pretendiam que o bem também fosse registrado em nome do filho Valmocir Bini. Portanto, restou comprovada a intenção de realizar doação aos filhos José Luiz e Valmocir, na medida em que disponibilizaram seu patrimônio financeiro para a aquisição do bem imóvel (art. 538, CC). Todavia, há nulidade na compra e venda (fls. 83/83-v) na parte em que o negócio jurídico se deu por simulação, considerando Página 9 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que foi firmado entre José Luiz Bini e os proprietários anteriores (Luiz Carlos e Maria Tereza), quando, em verdade, o negócio foi entabulado entre os apelantes (Hilário e Olanda) e os vendedores. Outrossim, o Código Civil veda a doação verbal com exceção de bens móveis e de pequeno valor, de modo que, obrigatoriamente, a doação realizada deveria ocorrer por escritura pública ou instrumento particular:
"Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular. Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição".
Nesse sentido:
"A escritura pública ou o instrumento particular são formas jurídicas permitidas à doação. O ato, de regra, é não solene, podendo ocorrer por escrito particular ou por escritura pública. A escritura pública é requisito essencial quando a doação objetivar a transferência de bens imóveis de valor superior ao legal (art. 172 da Lei n. 6.015 de 31.12.1973). O artigo fixa o que se denomina requisito formal às doações. A doação verbal somente é admitida para bens móveis e de pequeno valor com tradição imediata da coisa ao donatário. (...)". (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (organizador). Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4º ed. Barueri, SP : Manole, 2011, p.413)
Apesar de haver notícias nos autos de que José Luiz Bini não honrou o compromisso assumido com os genitores (consistente em Página 10 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
transferir 50% do imóvel a seu irmão Valmocir Bini), não há que se falar em descumprimento de encargo, eis que, necessária a formalidade referente à doação (escritura pública ou instrumento particular), este igualmente deveria ser estabelecido por escrito, o que não ocorreu. Restou demonstrada a intenção dos pais (Hilário e Olanda) em doar o bem aos filhos (José Luiz e Valmocir), porém, não há comprovação de que José Luiz Bini tenha pago pelo imóvel, confirmando a simulação do negócio jurídico. Configurada a nulidade da compra e venda, procede a pretensão dos apelantes em ver declarada nula a escritura de compra e venda e o registro de imóveis. Todavia, Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini confirmaram a intenção de manter o negócio jurídico (compra e venda) firmado com os apelantes (Hilário e Olanda):
"(...) Na qualidade de litisconsortes na presente lide, conforme determinado por esse Juízo, os mesmos têm a se manifestar no sentido de que a ação seja julgada procedente, conforme pedido na inicial, devendo a Escritura Pública de Compara e Venda outorgada em favor de JOSÉ LUIZ BINI e sua esposa, seja declarada NULA, sendo que os mesmos desde já se prontificam em outorgar nova Escritura em favor de quem de direito, ou seja: em favor do verdadeiro comprador, Sr. HILÁRIO PAULO BINI, por ser uma medida de inteira justiça. Esclarecem ainda, que não possuem nenhum impedindo (sic) para outorgar nova Escritura Pública, pois receberam a totalidade do valor de vedam (sic) diretamente de Hilário Bini, nada tendo a reclamar do mesmo. (...)". (fls. 277/278)
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Assim, declarada a nulidade do negócio jurídico, porém, válido em sua substância, eis que presentes os requisitos da compra e venda, possível aproveitar-se quanto à sua finalidade, nos termos dos artigos 167, § 1ª, incisos I e II, e artigo 170, ambos do Código Civil:
"Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º. Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I apontarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; (...)".
"Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade".
O artigo 167, caput, do Código Civil, afirma ser nulo o negócio jurídico na parte em que houver simulação (compra e venda por José Luiz Bini), mas ressalva a substância do ato de compra e venda no que tem de verdadeiro (entre Vallarini e Hilário). Nesse sentido:
"(...) pode-se dicotomizar a simulação em absoluta, quando necessariamente acarreta a nulidade do todo o relacionamento jurídico havido entre os sujeitos, e relativa, que conduz à nulidade do que se simulou, mas não necessariamente do que se dissimulou. Simulação absoluta é, pois, aquela em que o negócio realizado não deseja
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ocultar de terceiros algum outro negócio verdadeiramente desejado pelos simuladores, por exemplo, alguém que, para livrar-se de familiares que lhe pedem fiança, simula a venda de seu patrimônio. Vê-se que não se pretendeu encobrir com essa simulação nenhum outro negócio. Será relativa aquele em que o negócio simulado encobre outro (dissimulado), que é o realmente almejado pelos sujeitos. Então, o negócio simulado sempre será nulo, mas o negócio dissimulado, ou seja, aquele que se procurou encobrir, será mantido, desde que seja válido na substância e na forma, por exemplo, simular-se um contrato de venda e compra para encobrir uma doação. (...)". (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Op. cit., p. 176-177) (grifou-se)
Esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"O instituto da simulação, entendido em sentido largo, comporta duas espécies: a absoluta e a relativa. Na primeira, a própria essência do negócio jurídico é simulada, de modo que na ação deve-se anulá-lo (conforme o CC/16) ou declará- lo nulo (conforme o CC/02) de maneira integral, com o retorno das partes ao `status quo ante'. Na segunda, também chamada dissimulação, o que ocorre é que as partes declararam praticar um negócio jurídico, mas na verdade tinham a intenção de praticar outro. Nessas situações, não é necessário requerer que seja restabelecido o estado anterior, bastando que o autor da ação requeira a conversão do negócio jurídico, de modo que ele corresponda precisamente à intenção das partes". (REsp, 918.643, 3ª Turma, Rel. Desª. Nancy Andrighi, julg. 26.04.2011, DJ 13.05.2011) (grifou-se)
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Dessume-se dos autos que a intenção de Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini (compradores) e de Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini (vendedores) ao efetuar o negócio jurídico permitindo que constasse como comprador José Luiz Bini foi, na verdade, fazer uma doação de parte do patrimônio dos apelantes (Hilário e Olanda) a seus filhos (José Luiz e Valmocir). Assim, não há nulidade total do negócio jurídico mas, sim, da parte em que houve simulação, devendo ser declarada nula a escritura pública de compra e venda, com o cancelamento da escritura em nome de José Luiz Bini, passando a constar como compradores Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini. Permanece hígido o negócio jurídico realizado entre Hilário e Vallarini porque corresponde precisamente à intenção das partes. Portanto, o apelo comporta parcial provimento, para fim de decretar a nulidade da escritura pública de compra e venda entre Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini e José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini, com o cancelamento da escritura em nome de José Luiz Bini, constando como vendedores Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini e compradores Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini, de forma que possam dispor do bem da forma que melhor lhes aprouver. Ressalve-se, ainda, a impossibilidade de Luiz Carlos Vallarini, Maria Tereza Vallarini, José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini, postularem retenção do bem decorrente de benfeitorias realizadas ou qualquer indenização por sua utilização, tendo em vista que participaram do ato simulado, sendo aplicável ao caso o princípio "nemo auditur propriam turpitudinem allegans" segundo o qual a ninguém é dado alegar em seu proveito a própria torpeza.
- Do apelo de Valmocir Bini
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Pretende o apelante a reforma da sentença para que se reconheça que houve doação de imóvel, não de dinheiro e, consequentemente, seja declarada nula a escritura e o registro do imóvel (matrícula nº 9083, fl. 01, livro 02, do Cartório de Registros de Imóveis da Comarca de Pitanga), bem como sejam majorados os honorários advocatícios fixados. Entretanto, importa reconhecer, preliminarmente e de ofício, a ilegitimidade passiva do apelante, na medida em que jamais fez parte da relação jurídica estampada nos autos, cuja nulidade se postulou. Ainda que haja interesse financeiro do apelante na resolução do conflito, esse decorre da declaração dos autores de que pretendiam que o bem fosse dividido entre os filhos (José Luiz Bini e Valmocir Bini). Porém, o imóvel não está registrado em seu nome, não ostentando legitimidade passiva ad causam. Assim, importa em reconhecer, de ofício, a ilegitimidade passiva do apelante, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, extinguindo o processo sem julgamento do mérito em relação a Valmocir Bini, restando prejudicado o recurso interposto, inclusive no tocante ao pedido de majoração de honorários.
- Do apelo de José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini)
Alegam José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini que a sentença é nula, pois extra petita, na medida em que os apelados não postularam o reconhecimento de doação em dinheiro, requerendo, apenas, a declaração de doação do imóvel, ficando os demais pedidos (revogação da doação e anulação da escritura) condicionados a este reconhecimento. Não lhes assiste razão. Página 15 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conforme fundamentação já lançada, ficou caracterizada a simulação de negócio jurídico (da qual participaram os apelantes), na medida em que pretenderam encobrir uma doação por meio do contrato de compra e venda de imóvel. Ao contrário, o Magistrado, ao declarar a doação em dinheiro, atendeu em menor amplitude o pedido dos apelantes de receberem o imóvel em doação. Assim, impõe-se o não provimento do recurso de José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini.
Por fim, considerando o provimento parcial do apelo 1 (Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini), o conhecimento do recurso e extinção do processo, de ofício, sem julgamento do mérito (art. 267, VI, c/c 295, II, CPC), em relação a Valmocir Bini (apelo 2) e o não provimento do apelo 3 (José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Prisoto Bini), impõe-se a reforma da sentença no que se refere à distribuição dos ônus de sucumbência, devendo os autores (Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini) e réus (José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Prisoto Bini) arcar, cada um, com 50% das custas e despesas processuais, bem como com o pagamento de honorários advocatícios da parte adversa arbitrados em R$3.000,00 a cada patrono, possibilitada a compensação nos termos do artigo 21, do Código de Processo Civil; condenar-se os autores (Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini) e os réus (José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Prisoto Bini) ao pagamento pro rata dos honorários advocatícios ao patrono de Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini, no importe de R$1.000,00 (mil reais), nos termos do artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil; mantendo-se, ainda, a condenação de Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini ao pagamento de R$1.000,00 (mil reais) ao patrono de Valmocir Bini, nos termos do artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, diante da carência de ação. Página 16 de 17 Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Diante do exposto:
ACORDAM os integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini, para decretar a nulidade da escritura pública de compra e venda em relação a José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Prisoto Bini, que na nova escritura figure como compradores Hilário Paulo Bini e Olanda Acker Bini e como vendedores Luiz Carlos Vallarini e Maria Tereza Vallarini; conhecer do apelo de Valmocir Bini e, de ofício, DECRETAR A EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, diante da ilegitimidade passiva ad causam (art. 267, VI, c/c 295, II, CPC); e NEGAR PROVIMENTO ao apelo de José Luiz Bini e Olaídes Lourdes Parisoto Bini, com a adequação dos ônus de sucumbência, nos termos da fundamentação. O julgamento foi presidido pelo Desembargador PRESTES MATTAR (sem voto) e dele participaram, acompanhando o voto da Relatora os Desembargadores CARLOS EDUARDO ANDERSEN ESPÍNOLA e CLAYTON DE ALBUQUERQUE MARANHÃO.
Em 10 de dezembro de 2013.
Desª ÂNGELA KHURY Relatora
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