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Certificado digitalmente por: ESPEDITO REIS DO AMARAL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.723.705-3, DO FORO REGIONAL DE CAMPO LARGO DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 2ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA NPU: 0010390-42.2014.8.16.0026 APELANTE: CELIA MARIA BARRETO APELADA: RUTH MACIEL CARDOSO RELATOR: DES. ESPEDITO REIS DO AMARAL AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. LOTE DE TERRENO URBANO. PERDAS E DANOS. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE. DECLARAÇÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO POR INADIMPLÊNCIA DA PARTE RÉ. PAGAMENTO DEVIDO A TÍTULO DE CLÁUSULA PENAL. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA, A PARTIR DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA PELA MÉDIA DO INPC/IGP-DI, A PARTIR DA RESCISÃO. COMPENSAÇÃO COM O VALOR DA MULTA E DEVOLUÇÃO DOS VALORES ADIMPLIDOS PELA RÉ, ACRESCIDOS DE CORREÇÃO MONETÁRIA PELOS ÍNDICES DO INPC/IGP-DI, A PARTIR DE CADA DESEMBOLSO E JUROS DE MORA, À BASE DE 1% A PARTIR DA CITAÇÃO VINCULADA E CONDICIONADA AO DEPÓSITO JUDICIAL DOS VALORES PELA PARTE AUTORA. SUCUMBÊNCIA. CONDENAÇÃO EXCLUSIVA DA PARTE RÉ. DECAIMENTO MÍNIMO DA PARTE AUTORA. DÉBITO EQUIVALENTE A 3,01% EM RELAÇÃO AO VALOR TOTAL DA OBRIGAÇÃO. INTENTO DE PRESERVAÇÃO DO CONTRATO. INVOCAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. CONTESTAÇÃO. DEFESA BASEADA NA QUITAÇÃO DO CONTRATO ANTERIORMENTE RECHAÇADA POR DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA PROPOSTA PELA RÉ. FATO CONSIDERADO NA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA RESCISÃO CONTRATUAL. TESE RECURSAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL (ADIMPLEMENTO SUPERIOR A 95% DA OBRIGAÇÃO). IMÓVEL UTILIZADO COMO MORADIA. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL, DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. COTEJO COM O ASPECTO QUALITATIVO DA TEORIA INVOCADA PELA PARTE RÉ/DEVEDORA. MORA REITERADA EM VÁRIOS MOMENTOS DA RELAÇÃO CONTRATUAL. ADIMPLEMENTO OPORTUNIZADO. CONFISSÃO E RENOVAÇÃO DA DÍVIDA. DESCUMPRIMENTO. ALEGAÇÃO DE QUITAÇÃO QUE FOI AFASTADA EM SEDE DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, POR ELA PROPOSTA. COMPORTAMENTO DA RÉ QUE NÃO DÁ TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.723.705-3 GUARIDA À APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RECURSO NÃO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.723.705-3, de Campo Largo 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública, em que é apelante CELIA MARIA BARRETO e apelada RUTH MACIEL CARDOSO.
1 EXPOSIÇÃO FÁTICA:
Trata-se de recurso de apelação voltado a impugnar a sentença (mov. 64.1 PROJUDI) proferida na Ação Declaratória de Resolução de Contrato de Compra e Venda c/c Reintegração de Posse e Perdas e Danos NPU 0010390-42.2014.8.16.0026, ajuizada por RUTH MACIEL CARDOSO contra CELIA MARIA BARRETO, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, para o fim de: a) declarar a rescisão, por inadimplência da ré, do contrato de promessa de compra e venda indicado na inicial; b) condenar a ré ao pagamento do valor devido a título de cláusula penal, na quantia de R$ 5.754,30 (cinco mil, setecentos e cinquenta e quatro reais e trinta centavos), a serem acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação, e de correção monetária pela média do INPC/IGP-DI, a partir da rescisão; c) determinar a reintegração da autora na posse do imóvel, devendo haver a compensação do valor da multa com a devolução dos valores pagos pela parte ré, acrescidos de correção monetária pelos índices do INPC/IGP-DI, a incidir do efetivo desembolso, e de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação nesse ponto, condicionou a determinação ao depósito judicial dos valores pela parte autora. Considerando que a autora decaiu de parte mínima, condenou a ré ao pagamento das despesas e custas processuais, e ainda em honorários de advogado, fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, em conformidade com o disposto no artigo 85, § 3º, inciso I, e §4º, inciso III, do Código de Processo Civil. Todavia, por litigar a parte ré sobre o pálio da assistência judiciária gratuita, suspendeu a exigibilidade da condenação imposta, nos termos do artigo 98, §3º, do CPC.
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 A ré CELIA MARIA BARRETO interpôs recurso de apelação (mov. 71.1), alegando, em síntese, que:
I. Do total avençado, o valor relativo à entrada foi pago, conforme comprovante de depósito (mov. 41.5). Quanto às parcelas, a apelada induziu o Juízo a erro, afirmando na exordial que não recebera nenhuma das prestações, o que não condiz com a verdade, consoante recibos juntados aos autos (mov. 41.5); II. A própria parte apelada admitiu em impugnação à contestação o pagamento de várias parcelas, ou seja, a parte litiga de má-fé, trazendo aos autos inverdades; III. Inobstante tenha a recorrente pago quase a integralidade do contrato, a pendência foi objeto de um acordo entre a recorrida e o pai da recorrente, que era quem pagava as parcelas, fato esse que é incontroverso entre as partes. O reparcelamento deu-se através da emissão de 5 novas notas promissórias assinadas por Ivêncio Medonça Barreto, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) cada uma; IV. Por dificuldades financeiras, somente a primeira foi adimplida, restando uma dívida de 1.600,00 (mil e seiscentos reais); V. A quantia devida equivale a somente 3,01% do valor total contratado. Há que ser considerado que a quantia já paga pela recorrente atinge praticamente a integralidade do contrato, ou seja, houve adimplemento substancial do contrato, uma vez que o valor já pago equivale a 96,99%; VI. Não está querendo fugir da responsabilidade contratual, apenas a maneira mais justa de garantir o direito das partes; VII. Desde a realização do contrato, a apelante destinou uma residência existente no imóvel para moradia de seu pai, Ivêncio Mendonça Barreto, o qual atualmente conta com 91 anos de idade e lá reside até os dias de hoje. Não pode ser deixada de lado a função social do imóvel; VIII. Evidente a vontade da apelada em reaver o imóvel, tanto que, apesar das dificuldades financeiras da apelante, em momento algum poupou meios para dificultar a realização dos pagamentos; IX. Também deixou de fornecer a última nota promissória, na qual, em seu verso, constava a quitação do negócio, uma vez que, com a suposta confissão e renegociação da dívida, criou-se um novo negócio, tudo com amparo da imobiliária familiar (Imobiliária TCI), cujo representante é sobrinho da apelada; X. A teoria do adimplemento substancial do contrato deve ser aplicada ao caso, mantendo-se o vínculo contratual estabelecido e preservando-se o contrato, visto que somente 3,01% da dívida não foi paga; XI. É necessário avaliar a gravidade do inadimplemento frente à obrigação como um todo, para então verificar se deve ou não ser promovida a resolução do contrato; XII. Não há que se falar em resolução de contrato e reintegração de posse, conservando-se o negócio jurídico entre as partes, à luz dos Princípios da Preservação dos Contratos, Boa-fé, Proporcionalidade, Dignidade da Pessoa Humana, Função Social do Contrato, dentre outros.
A autora RUTH MACIEL ofereceu contrarrazões ao recurso
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 (mov. 75.1), sustentando, em síntese, que:
I. Uma das cláusulas da compra e venda firmada entre as partes, através de escritura pública, diz: "[...] foi dito que, de comum acordo, submetem o presente negócio jurídico de compra e venda à condição resolutiva expressa, de modo que o não pagamento de qualquer uma das parcelas no prazo estabelecido, ficará resolvido ou desfeito, de pleno direito, o referido negócio jurídico"; II. Dessa forma, não deve prosperar a alegação da apelante, de que a quantia devida equivale a 3,01% do total contratado, havendo assim o adimplemento substancial do contrato; III. Acerca da alegação de que, desde a realização do contrato, a apelante destinou uma residência no imóvel para moradia de seu pai, ressalta que a apelante utiliza o terreno para locação da casa que lá possui. Ademais, a apelante estava ciente de que o inadimplemento do contrato resultaria na resolução do negócio jurídico; IV. Pugnou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
2 FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
Versa a presente sobre a pretensão de rescisão contratual cumulada com pedido de reintegração de posse e indenização por perdas e danos em razão do inadimplemento de contrato de compra e venda de um lote de terreno urbano, sob nº 34, da Quadra 03, da Planta Loteamento Jardim Bela Vista, na localidade Itaqui, matrícula nº 12.506, do CRI de Campo Largo/PR, nos termos da escritura pública (mov. 1.8) firmada pelas partes.
A parte autora lastreou o pedido inicial com a escritura de compra e venda (mov. 1.8), firmada em 30.06.2009, entre RUTH MACIEL (vendedora) e CÉLIA MARIA BARRETO (compradora), tendo sido ajustada a venda pelo preço de R$ 53.043,00 (cinquenta e três mil e quarenta e três reais), pagos da seguinte forma: R$ 46.500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos reais) no ato, com plena quitação no ato e o saldo restante no valor de R$ 6.543,00 (seis mil, quinhentos e quarenta e três reais) em 18 (dezoito) parcelas mensais no valor de R$ 363,50 (trezentos e cinquenta e três reais e cinquenta centavos), cada uma, vencendo-se a primeira em 30 de julho de 2009 e as demais sucessivamente, representadas por igual número de notas promissórias emitidas pela compradora em favor da outorgante; servindo de quitação total do preço o
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 recibo passado no verso da última nota promissória, a qual, com firma reconhecida será documento hábil para averbação, no registro imobiliário, a requerimento da parte interessada da quitação da dívida e do cancelamento da condição resolutiva, convencionada.
A parte autora alegou que, após o pagamento no ato da escritura do valor de R$ 46.500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos reais), não houve o adimplemento do restante da obrigação.
Afirmou, outrossim, ter encaminhado diversas notificações à devedora principal e ao avalista IVÊNCIO (genitor da ré), em datas de 22.12.2011, 29.10.2012, 21.05.2013, 31.05.2013, 12.06.2013 e 12.06.2013, consignando-se no termo de confissão de dívida, firmado com IVÊNCIO MENDONÇA BARRETO em 11.01.2012, o seguinte (mov. 1.9):
"Retratação por Falta de Pagamento e novo Acordo, com confissão de dívida: Pelo presente, eu IVENCIO MENDONÇA BARRETO, venho admitir a dívida, com a Srª Ruth Maciel Cardoso, da compra de sua propriedade e por minha vontade oferecer como quitação, a seguinte forma de pagamento. 1)05 notas promissórias no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais); 2) 05 meses de locação da casa da frente da propriedade, conforme ajustado entre nós (sic), sendo o Aluguel de R$ 350,00, ficando assim R$ 150,00 para a Vendedora ou seja 05 parcelas de R$ 150,00. Desta forma tenho ciência que estou solicitando pela terceira vez (sic) um acordo de quitação de débitos" IVENCIO MENDONÇA BARRETO."
A parte autora alegou, outrossim, ter havido o descumprimento, agora por parte do avalista, que confessara a dívida.
Em contestação (mov. 41.1) a parte ré/apelante apresentou recibos (mov. 41.5), sustentando ter ingressado com a Ação de Adjudicação Compulsória NPU 0004355-66.2014.8.16.0026 e que a parte autora é a devedora, por ter deixado de adimplir com as obrigações mutuamente pactuadas no contrato de compra e venda, pois foi adimplida em sua integralidade a obrigação, recusando-se a parte autora/vendedora de conferir a obrigatória quitação.
Em sede de impugnação à contestação, a parte autora refutou os argumentos deduzidos pela ré, invocando que, no ato da venda do imóvel, foram, verbis (mov. 47.1):
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 "(...) emitidas 18 (dezoito) notas promissórias, no valor de R$ 363,50 (trezentos e sessenta e três reais, cinquenta centavos) e por ocasião de seu adimplemento, estas seriam entregues a requerida. Assim demonstra-se, conforme promissórias juntadas pela própria requerida, que foram realizados somente os quatro primeiros pagamentos nos meses de julho, agosto, setembro e outubro/2009, referente às notas promissórias de números 01, 02, 03 e 04, dentro do prazo acordado. As parcelas de número 05 (cinco) a 12 (doze), não foram adimplidas e se encontram em posse da requerente, conforme se demonstra das promissórias anexas a inicial. A requerida somente retornou a pagar em julho/2010 até dezembro/2010, referente às notas promissórias de números 13, 14, 15, 16, 17 e 18, conforme recibos juntados, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), com acréscimos e reajustes pelos atrasos. Tal adimplemento resultou na entrega de recibos e notas promissórias, referentes aos meses citados, conforme se observa os anexos da requerida. Ressalta-se que não houve pagamento a maior por parte da requerida, pois foram entregues recibos bem como as promissórias referentes aos pagamentos supracitados. A imobiliária emitia um recibo, quando o pagamento era feito junto à mesma, e posteriormente era entregue a nota promissória que estava em posse da requerente à requerida, como se comprova através das anotações em alguns recibos juntados. Com relação às parcelas em atraso, que totalizaram R$ 2.908,00 (dois mil novecentos e oito reais) foi realizado novo acordo pelo Sr. Ivêncio (pai da requerida) de pagar 05 (cinco) parcelas de R$ 400,00 (quatrocentos reais) com emissão de novas notas promissórias de números: 01/2012, 02/2012; 03/2012; 04/2012 e 05/2012, com respectivos vencimentos: 08/02/2012; 08/03/2012; 08/04/2012; 08/05/2012 e 08/06/2012, conforme acordo também juntado na inicial. Porém, ocorre que somente a primeira nota promissória 01/2012, com vencimento em 08/02/2012 desta renegociação, foi paga (promissória original juntada pela requerida), restando em aberto quatro parcelas de R$ 400,00 (quatrocentos reais) cada, totalizando R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) a pagar, conforme as promissórias originais juntadas pela requerente, onde consta a assinatura do Sr. Ivêncio Barreto. Faz-se observar que pela requerida foram juntadas apenas cópias das promissórias de números 02/2012; 03/2012; 04/2012 e 05/2012 com falsas alegações de que foram adimplidas, tal fato é tão verdade que a promissória de nº: 01/2012 foi anexada em duplicidade, ou seja, a original e também a cópia da mesma. Com relação ao comprovante de depósito na importância de R$ 3.000,00 (três mil reais) datado de 30/06/2009, ressalta-se que não se trata de pagamento realizado a requerente, e sim sinal de negócio pago a imobiliária, conforme se comprova da documentação anexa, e do próprio comprovante juntado pela requerida em nome do então proprietário da imobiliária.
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 Ainda vale ressaltar, que o recibo no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), datado de 10/03/2011, não faz parte da presente ação, visto que não consta a que se refere e ainda foi "assinado" com as iniciais MRJ, ou seja, por pessoa desconhecida e que certamente não faz parte da presente lide. Sobre a alegação de que em dois recibos consta a informação de "acordo final contrato" e "término contrato", não merecem acolhimento, haja vista que tais recibos datam de 31/10/2011 e 08/11/2011, e que conforme declaração em anexo, houve pagamentos posteriores a tais datas, inclusive com nova renegociação assinada pelo Sr. Ivêncio. Assim sendo tais recibos não são referentes ao término do pagamento do contrato celebrado com a requerente, conforme quer fazer acreditar a requerida."
Na sentença foi reconhecida a mora da ré, em síntese, sob os seguintes fundamentos, verbis: "ao deixar de efetuar o pagamento dos valores devidos originados da confissão de dívida assinada pelo genitor da ré, esta incorreu em mora prevista no artigo 394 do Código Civil. E sendo assim, aplicável à espécie o previsto no artigo 475, do Código Civil, devendo ser rescindido o presente contrato por inadimplemento das cláusulas contratadas" (mov. 64.1)
E quanto ao pedido de conexão com a Ação de Adjudicação Compulsória deliberou, verbis (mov. 64.1):
"Já quanto ao pedido de conexão prevê o Código de Processo Civil em seu artigo 55: "reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir". Nos autos de Ação de Adjudicação Compulsória c.c. Pedido Liminar de Manutenção da Posse e Indenização Por Danos Morais n.º 0004355-66.2014.8.16.0026, podemos identificar como causa de pedir o cumprimento do contrato pela Ré, originando como pedido a adjudicação compulsória. Nestes autos, a Autora em sua causa de pedir alega o não cumprimento do acordo, originando como pedido a rescisão do contrato. Desta forma, identifico semelhança quanto à causa de pedir em ambos os processos. Porém, o mesmo artigo 55 do Código de Processo Civil, em seu § 1º, diz: `os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo de um deles já houver sido sentenciado.' Da análise dos autos nº 0004355-66.2014.8.16.0026 verifico que na data de 03/04/2017 foi proferida sentença de improcedência, mostrando-se, assim, impraticável a conexão entre as ações. Evidentemente, a fim de afastar o risco de decisões conflitantes ou contraditórias, será levado em conta os termos da sentença prolatada naqueles autos, que passo a fazer em seguida . Analisando a fundamentação exarada nos autos nº 0004355- 66.2014.8.16.0026, podemos chegar a algumas conclusões:
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 1) que o pedido de adjudicação compulsória foi julgado improcedente, haja vista que a Ré Célia não se desincumbiu de seu ônus probatório acerca do pagamento; 2) que as notas promissórias apresentadas pela Ré Célia são irregulares, diante da impugnação levantada e não afastada. Cabe aqui a transcrição de parte da fundamentação exarada no referido processo: `Analisando as provas produzidas, encontramos no movimento nº 97.6 uma `Retratação por falta de pagamento e novo acordo, com confissão de dívida', na qual é prevista: `(...) Pela presente retratação, eu IVÊNCIO MENDONÇA BARRETO, venho admitir a dívida, com a Sra. Ruth Maciel Cardoso, da compra de sua propriedade e por minha livre vontade oferecer como quitação, a seguinte forma de pagamento. 1) 05 notas promissórias no Valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) (...)". Atento que referida "confissão" data do dia 08/01/2012. Deste modo, pode-se extrair que: 1) o Autor IVÊNCIO admitiu a dívida com a Ré Ruth; 2) a dívida se refere à compra da propriedade desta; 3) o valor devido era de R$ 2.000,00 (dois mil reais). A legitimidade de tal documento não foi impugnada pelos Autores, de modo a se confirmar a sua autenticidade. Em que pese a `confissão' não ter sido firmada pela parte legítima (Sra. Célia), pelo conjunto probatório tem-se que o Autor Ivêncio era o responsável pelos pagamentos com relação ao imóvel, como se depreende dos recibos juntados e pelos fatos narrados na petição inicial. De qualquer forma, e em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva, tem-se que o Autor Ivêncio admitiu dever a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), fato este incontroverso. Cabe agora a análise das notas promissórias representativas da quantia acima referida. Os Autores, na petição inicial, trouxeram aos autos as cinco notas promissórias firmadas pelo Autor Ivêncio após a admissão da dívida, datados de 08/02/2012, 08/03/2012, 08/04/2012, 08/05/2012 e 08/06/2012 (todos emitidos em 08/01/2012). Na contestação da Ré TCI, foi alegado `(...) que os Autores juntaram aos autos apenas cópias das promissórias 02-05 de 2012, com falsas alegações de que foram adimplidas (...)'. Logo, à Ré TCI afirma que as notas promissórias juntadas na petição inicial não foram resgatadas, inclusive juntando cópias no movimento nº 97.9 a 97.12. Apesar do sistema Projudi não ser capaz de identificar a juntada de documentos originais (haja vista que a juntada de cópia colorida não presume a autenticidade) tem-se que o entendimento empossado pelos Tribunais é a de que caso a cópia do título de crédito seja impugnada, necessária a juntada da cártula original (...)." Deste modo, o pedido de rescisão da parte Autora merece acolhimento.
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 Ao deixar de efetuar o pagamento dos valores devidos originados da confissão de dívida assinada pelo genitor da Ré, esta incorreu na mora prevista no artigo 394 do Código Civil. E sendo assim, aplicável à espécie o previsto o artigo 475, do mesmo Código, devendo ser rescindido o presente contrato por inadimplemento das cláusulas contratadas."
Em sede de apelação, a parte ré não se insurge contra o reconhecimento da mora; contudo, por considerá-la ínfima frente à obrigação total, em nome da boa-fé objetiva e demais princípios como o da proporcionalidade, invocou a possibilidade de conservação do contrato, mediante a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial, aduzindo que o inadimplemento atinge apenas o equivalente a 3,01% da obrigação, não se mostrando razoável e justo, a partir disso, declarar a rescisão do contrato, podendo a credora valer-se de meios menos gravosos, como o da execução do título, por exemplo.
Além disso, afirma que o imóvel serve de moradia para seu genitor, com 91 (noventa e um) anos de idade, até os dias de hoje e, assim, em nome da função social do imóvel e do princípio da dignidade humana, busca a conservação do contrato.
Invocou, ainda, que seja avaliada a gravidade do inadimplemento "frente à obrigação como um todo, para então verificar se deve ou não ser promovida a resolução do contrato", e ainda, observar o artigo 421, do Código Civil e "perceber qual a utilidade adviria ao credor com a resolução do contrato, bem como a que prejuízos estaria sujeito o devedor".
Observa-se, contudo, que em sede da contestação a parte ré não invocou a aplicação da supracitada teoria, mas apenas sustentou a quitação do contrato, conforme alhures se observou (mov. 41.1).
Tal comportamento poderia até mesmo ensejar em não conhecer do recurso; contudo, no sentido de priorizar a análise do mérito recursal, na esteira do que preconiza o Código de Processo Civil, como forma de responder aos argumentos apresentados pelas partes da maneira mais ampla possível, tem-se que, dadas as circunstâncias, deve ser enfrentado o argumento da ré, qual seja, se aplicável ou não a teoria invocada, porquanto corresponderia, em última análise em apreciar a "exceção de contrato não cumprido", com vistas a preservar o vínculo contratual.
A parte autora/apelada, em sede de contrarrazões, refutou a aplicação da teoria do adimplemento substancial, invocando o artigo 474 do Código Civil TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Cível nº 1.723.705-3 e ainda, que o imóvel não é utilizado para fins de moradia, mas que ré apenas o utiliza (a casa) para fins de locação, e mesmo que se abstraia esse aspecto, havia a ciência quanto ao inadimplemento e à sua inexorável consequência, qual seja, a rescisão do contrato (mov. 75.1).
Em relação a esse particular aspecto, qual seja, o de moradia de pessoa idosa no imóvel, não há qualquer comprovação de quem o alega, ou seja, da parte ré/apelante.
No que diz respeito à busca dos meios menos gravosos ao devedor, a parte autora/apelante ressaltou que por diversas vezes possibilitou à ré o adimplemento, mas esta sempre procrastinou o pagamento, sem buscar no Poder Judiciário a rescisão do contrato e a retomada do imóvel (mov. 75.1).
Pois bem.
Se por um lado, não há como afastar, em termos quantitativos, a insignificância da mora, porque o inadimplemento é de valor não superior a R$ 2.000,00 (dois mil reais), numa obrigação total no valor originário de R$ 53.043,00 (cinquenta e três mil e quarenta e três reais), de outro, não há como se olvidar e deixar de sopesar o "aspecto qualitativo", o mais relevante, ou seja, o fato de que por sucessivas vezes a ré incorreu em mora, inclusive, com a "confissão de dívida e novo acordo" pelo avalista (mov. 1.9).
Assim, o comportamento da parte ré/apelante não justifica a incidência da teoria por ele invocada, porquanto buscou antes disso, sem êxito, obter declaração de quitação da dívida, conforme alhures se observou, colacionando-se os fundamentos da respectiva sentença.
Portanto, resta afastada, no caso, a aplicação da teoria do adimplemento substancial, conforme pretende a ré/apelante.
A respeito: "A evidenciar o grande desafio da ideia de cumprimento relevante, deve-se analisá-lo casuisticamente, tendo em vista a finalidade econômico-social do contrato e dos negócios envolvidos. Sobre a análise dos critérios para a aplicação da teoria, elucida Anderson Schreiber que `o atual desafio da doutrina está em fixar parâmetros que permitam ao Poder Judiciário dizer, em cada caso, se o adimplemento afigura-se ou não significativo, substancial.
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Apelação Cível nº 1.723.705-3 À falta de suporte teórico, as cortes brasileiras têm se mostrado tímidas e invocado o adimplemento substancial apenas em abordagem quantitativa. A jurisprudência tem, assim, reconhecido a configuração de adimplemento substancial quando se verifica o cumprimento do contrato `com a falta apenas da última prestação', ou o recebimento pelo credor de `16 das 18 parcelas do financiamento', ou a `hipótese em que 94% do preço do negócio de promessa de compra e venda de imóvel encontrava-se satisfeito'. Em outros casos, a análise judicial tem descido mesmo a uma impressionante aferição percentual, declarando substancial o adimplemento nas hipóteses `em que a parcela contratual inadimplida representa apenas 8,33% do valor total das prestações devidas', ou de pagamento `que representa 62,43% do preço contratado'." (A boa fé objetiva e o adimplemento substancial. Direito contratual. Temas atuais. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes e TARTUCE, Flávio. São Paulo: Método, 2008, p. 140). De fato, como pondera o jurista, a análise do adimplemento substancial não deve ser meramente quantitativa, levando-se em conta somente o cálculo matemático do montante do cumprimento do negócio. Deve-se considerar também o aspecto qualitativo, afastando-se a sua incidência, por exemplo, em situações de moras sucessivas, purgadas reiteradamente pelo devedor, em claro abuso de direito. A propósito, como têm pontuado doutrina e jurisprudência italianas, a análise do adimplemento substancial passa por dois filtros. O primeiro deles, é objetivo, a partir da medida econômica do descumprimento, dentro da relação jurídica existente entre os envolvidos. O segundo é subjetivo, sob o foco dos comportamentos das partes no processo contratual (CHINÉ, Giuseppe; FRATINI, Marco; ZOPPINI, Andrea. Manuale di Diritto Civile. Roma: Nel Diritto, IV Edizioni, 2013, p. 1369; citando a Decisão n. 6463, da Corte de Cassação Italiana, prolatada em 11 de março de 2008). Acreditamos que tais parâmetros também possam ser perfeitamente utilizados nos casos brasileiros, incrementando a sua aplicação em nosso País." (In https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/ ...a teoria do adimplemento substancial na doutrina e na jurisprudência, acessado em 27.11.2017). (grifou-se).
Dessa forma, não há como dar guarida à tese recursal da parte ré/apelante, adstrita à invocação da aplicação da teoria do adimplemento substancial do contrato e, sendo assim, mantém-se integralmente a sentença.
Por fim, de acordo com a nova sistemática do Código de Processo Civil, os honorários advocatícios devem ser majorados, em razão da apresentação de contrarrazões e não provimento do recurso interposto pela parte contrária.
Portanto, nos termos do art. 85, § 11 do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios em favor do procurador da apelada (a contemplar os
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Cível nº 1.723.705-3 honorários sucumbenciais de primeiro grau mais os honorários recursais) para 12% (doze por cento) do valor da condenação, com a observância da suspensão da exigibilidade da condenação, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC.
Em suma, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso.
3 DECISÃO:
ACORDAM os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto.
Participaram do julgamento os Desembargadores MARCELO GOBBO DALLA DÉA (Presidente, sem voto) e DENISE KRÜGER PEREIRA, e a Juíza Substituta em Segundo Grau LUCIANE BORTOLETO.
Curitiba, 7 de fevereiro de 2018.
ESPEDITO REIS DO AMARAL Relator
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