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Acórdão
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Certificado digitalmente por: LUIS CARLOS XAVIER APELAÇÃO CRIME Nº 1728472-9, DE DOIS VIZINHOS - VARA CRIMINAL, FAMÍLIA E SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE E JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL APELANTE : PEDRO BRANDAO APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR : DES. LUÍS CARLOS XAVIER APELAÇÃO CRIME FALSO TESTEMUNHO, VISANDO PRODUZIR PROVA EM PROCESSO PENAL (ART. 342, §1°, DO CP) - PLEITO ABSOLUTÓRIO CABIMENTO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO AUSÊNCIA DE JUÍZO DE CERTEZA ACERCA DO DOLO POR PARTE DO ACUSADO RÉU QUE, NA CONDIÇÃO DE TESTEMUNHA, APRESENTOU DEPOIMENTO CONTRADITÓRIO E SEM CLAREZA, NÃO PODENDO SER CONCLUÍDO QUE POSSUÍA VONTADE LIVRE E CONSCIENTE DE FAZER AFIRMAÇÃO FALSA, NEGAR OU CALAR A VERDADE - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE RECURSO PROVIDO. Ante a inexistência de prova suficiente para a condenação, impõe-se a absolvição do acusado, com base no princípio in dubio pro reo. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 1728472-9, de Dois Vizinhos - Vara Criminal, Família e Sucessões, Infância e Juventude e Juizado Especial Criminal, em que é Apelante Pedro Brandao, e Apelado Ministério Público do Estado do Paraná.
Trata-se de Apelação Crime interposta em face da r. sentença (mov. 99.1), proferida nos autos de Ação Penal n° 4027- 74.2014.8.16.0079, que julgou procedente a denúncia, para condenar Pedro Brandão nas penas do artigo 342, §1°, do Código Penal.
Fixou a pena em 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprido inicialmente no regime semiaberto, e 136 (cento e trinta e seis) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na época dos fatos.
Fixou em favor do defensor nomeado, Dr. Clodoaldo Mazurana, honorários advocatícios no valor de R$1.800,00 (mil e oitocentos reais), a serem custeadas pelo Estado do Paraná.
Inconformado, Pedro Brandão interpôs recurso de apelação (mov. 119.1) alegando, em síntese, pela ausência de provas para a condenação. Defende pela reforma da pena e do regime de cumprimento.
O representante do Ministério Público do Estado do Paraná apresentou contrarrazões (mov. 122.1), manifestando pelo conhecimento e desprovimento do apelo.
Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça exarou parecer (fls. 10/15-TJPR), manifestando pelo conhecimento e 2
desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, é de se conhecer o recurso.
Do pedido de absolvição
Alega o Apelante, em síntese, pela ausência de provas para a condenação.
Pedro Brandão foi denunciado por fazer afirmação falsa como testemunha em razão dos seguintes fatos (mov. 18.1):
"No dia 24 de junho de 2014, por volta das 15h, no Fórum desta Cidade e Comarca de Dois Vizinhos/PR, localizado na Av. Dedi Barrichelo Montagner, 680, o denunciado PREDO BRANDÃO, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de seu comportamento fez afirmação falsa como testemunha no processo n. 2014.322-9, que tramitava nesta Comarca de Dois Vizinhos/PR (sendo acusado Antônio Jocemar dos Santos), afirmando que no dia do fato apuado o carro de Antônio Jocemar dos Santos, com certeza, não saiu da garagem da casa dele, sendo que PEDRO BRANDÃO não residia na mesma rua que Antônio e não tinha como garantir a informação que prestara."
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Quando ouvido nos autos de Ação Penal n° 2014.322- 9 (mov. 63.4), Pedro Brandão, na qualidade de testemunha, após prestar compromisso legal de dizer a verdade, afirmou que conhece o réu Antônio, sabendo que ele era pintor, morando "pra baixo" da casa de Antônio. Declarou não saber dos fatos. Questionado se visualizou o carro de Antônio sair da garagem dia 28 de março, respondeu "que sei não". Confirmou ver o momento da prisão de Antônio. Asseverou não ter "nada de mal" a dizer de Antônio. Ao ser questionado pelo Ministério Público, respondeu não ter visto Rubens na vizinhança com Antônio. Declarou que Antônio nunca ofereceu algum objeto para vender, sabendo que ele trabalhava com pintura. Afirmou que todo dia Antônio saia com seu carro, de cor vermelha, para trabalhar com pintura.
Na sequência, a magistrada ressalta que a testemunha afirmou que todo dia Antônio saia com o carro para trabalhar, e que no dia dos fatos o carro de Antônio permaneceu na garagem o dia todo, de forma que a testemunha estaria mentindo em alguma das afirmações. Em resposta, Pedro respondeu: "nesse dia ele não trabalhou, dê certo né?!". A magistrada questionou da onde a testemunha conseguia ver a residência de Antônio, sendo respondido que mora "pra baixo", não morando na mesma rua, vendo o carro de Antônio quando ele passava. Foi advertido estar sob compromisso legal de dizer a verdade, respondendo não ter ido em juízo para mentir. Questionado se achava que o carro não saiu da residência de Antônio pois não teria passado na sua casa, a testemunha disse não ter ficado o dia inteiro cuidando do carro.
A magistrada perguntou se a testemunha tinha 4
certeza que o carro não saiu da residência, sendo apresentada resposta inaudível, dizendo que não sabia como afirmar, posteriormente respondendo ter certeza por ser vizinho, declarando que no dia dos fatos estava trabalhando nos fundos da sua residência e conseguia ver a casa de Antônio.
Nos presentes autos, o réu Pedro declarou: "não saber se os fato imputados são verdadeiros; que foi testemunha no processo que respondeu Antônio Jocemar dos Santos; que Antônio era seu conhecido; que mora `longinho" da casa dele; que não lembra de ter falado que o carro permaneceu na garagem de Antônio; que via Antônio com o carro de vez em quando; que não podia garantir que todo dia o carro de Antônia permanecia na garagem; que não passava todo dia na casa de Antônio; que não tinha como garantir que o carro de Antônio estava lá, pois não tem garantia nem da sua vida; que não tem convivência com Antônio; que foi prestar depoimento a pedido da mulher de Antônio; que quando foi chamado por eles, eles não falaram especificamente o que tinha que falar; que não orientaram a falar que o carro estava lá, mas naquele dia que foi na audiência viu o carro lá mesmo; que não lembra de ter falado que o carro ficou lá o dia inteiro; que não foi orientado pela esposa e cunhado dele o que eu teria que falar; que não tinha interesse em ajudar Antônio; que o Antônio não lhe procurou nem antes ou depois pra me falar alguma coisa; que eles foram lá conversar comigo no dia para buscar; que da sua casa não enxerga a casa do Antônio; que as vezes que passava pela casa de Antônio e o carro dele estava na garagem; que no dia em que aconteceram os fatos do outro processo, não se lembro daquele dia; que passou lá e viu o carro, mas não pode afirmar que o carro ficou o dia inteiro." (Mov. 63.3).
Pois bem. O delito de falso testemunho, previsto no artigo 342, do Código Penal, dispõe que: 5
"Falso testemunho ou falsa perícia
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)
§ 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.
§ 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade."
Incidirá no crime de falso testemunho o agente que fizer afirmação falsa, negar ou calar a verdade como testemunha, entre outros sujeitos, em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral, sendo a pena aumentada se o crime for cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal.
Ainda, o crime exige o dolo, caracterizado pela vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade, devendo o agente possuir a ciência de estar incidindo em falsidade. 6
No caso em análise, no começo de seu depoimento como testemunha nos autos de Ação Penal n° 2014.322-9, ao ser questionado se o veículo de Antônio teria saído da garagem no dia dos fatos, o Apelante respondeu "que eu sei não".
Posteriormente, questionado se achava que o carro não saiu da residência de Antônio pois não teria passado na sua casa, o acusado, na qualidade de testemunha, disse não ter ficado o dia inteiro cuidando do carro de Antônio.
Cabe destacar que no decorrer do depoimento foram efetuados diversos questionamento pela magistrada, sendo que Pedro apresenta respostas vagas, se limitando a emitir alguns resmungos, os quais, em determinadas partes, são inclusive inaudíveis.
De tal forma, não é possível afirmar que no depoimento prestado nos autos de Ação Penal n° 2014.322-9, Pedro Brandão, na qualidade de testemunha compromissada, com clareza e com as suas próprias palavras, afirma com certeza que o no dia do fato o carro de Antônio Jocemar dos Santos não saiu da garagem da casa dele.
O que se observa no interrogatório da testemunha são diversas perguntas efetuadas de forma insistente, sendo, em contrapartida, apresentada respostas muito evasivas por Pedro.
Assim, das provas constantes nos autos, não é possível se extrair um juízo de certeza de que Pedro, de modo deliberado, prestou depoimento na qualidade de testemunha com vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade.
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Destarte, impõe-se absolver Pedro Brandão, com base no princípio in dubio pro reo.
Sobre o referido princípio, Mougenot1 disciplina que:
"Esse princípio tem por fundamento a presunção de inocência. Em um Estado de Direito, deve-se privilegiar a liberdade em detrimento da pretensão punitiva. Somente a certeza da culpa surgida no espírito do juiz poderá fundamentar uma condenação (art. 386, VII, do CPP). Havendo dúvida quanto à culpa do acusado ou quanto à ocorrência do fato criminoso, ele deve ser absolvido. "
Portanto, ante a existência de dúvida razoável, deve ser promovida a absolvição de Pedro, com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Nesse sentido:
"APELAÇÃO CRIME - FALSO TESTEMUNHO (ARTIGO 342, §1º, DO CÓDIGO PENAL) - PLEITO DE CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS - MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO - NÃO CONHECIMENTO - MÉRITO - NEGATIVA DE DOLO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - NECESSIDADE DE ABSOLVIÇÃO - ARTIGO 386, INCISO VII,
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, PROVIDO." (TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1610838-0 - Cambará - Rel.: José Carlos Dalacqua - Unânime - J. 20.04.2017)
Não havendo prova isenta de dívida acerca do dolo do Apelante em praticar o crime de falso testemunho (art. 342, §1°, do CP), é de se absolver Pedro Brandão, com fulcro no artigo 386, inciso VII, pela aplicação do princípio in dubio pro reo.
Nestas condições, dá-se provimento ao recurso, para absolver o Apelante, tudo nos termos da fundamentação.
ANTE O EXPOSTO, acordam os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, para o fim de absolver Pedro Brandão, com fulcro no artigo 386, inciso VII, pela aplicação do princípio in dubio pro reo.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador José Maurício Pinto de Almeida (sem voto) e dele participou o Desembargador José Carlos Dalacqua e o Juiz Substituto em Segundo Grau Mauro Bley Pereira Junior.
Curitiba, 22 de fevereiro de 2018.
Des. Luís Carlos Xavier Relator
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-- 1BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.
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