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Acórdão
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Certificado digitalmente por: D ARTAGNAN SERPA SA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.739.754-3, DE FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - VARA DESCENTRALIZADA DE SANTA FELICIDADE NÚMERO UNIFICADO: 0003199-83.2016.8.16.0184 APELANTE : MUNICÍPIO DE CURITIBA - PR APELADO : L. S. A. REPRESENTADO POR E. S. RELATOR : DES. D'ARTAGNAN SERPA SÁ APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. INSURGÊNCIA. MATRÍCULA EM CRECHE DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. AUSÊNCIA DE VAGA. GARANTIA CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO QUE SE SOBREPÕE AO ARGUMENTO DE LISTA DE ESPERA. PREVISÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O DEVER DO ESTADO EM ASSEGURAR À CRIANÇA O ATENDIMENTO A CRECHE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA, DA RESERVA DO POSSÍVEL E SEPARAÇÃO DOS PODERES. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO LEI Nº 13.005/2014. NÃO APLICADO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS MANTIDOS. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Direito a educação que se configura como direito social e necessário ao mínimo básico e existencial ao ser humano. 2. O serviço de educação é dever fundamental do estado, e ante o descumprimento do dever constitucional pelo município, deve o judiciário, quando provocado, determinar que se cumpra a ordem fundamental, sob pena de aplicação de multa diária. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação
Cível nº 1.739.754-3, de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Vara Descentralizada de Santa Felicidade, em que é Apelante MUNICÍPIO DE CURITIBA - PR e Apelado L. S. A. representado por E. S. I RELATÓRIO Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer, com pedido de antecipação de tutela, proposta por L. S. A. representado por E. S., em face do Município de Curitiba, em que alega ter buscado vaga em creche próximo à sua residência, porém, obteve resposta negativa, por inexistência de vagas. O pedido liminar foi deferido (mov. 8). Sobreveio sentença (mov. 37) em que o magistrado a quo julgou precedente o pedido inicial, para o fim de determinar que o réu efetue a matrícula do infante em creche da rede pública ou conveniada ou, não havendo vaga disponível, seja matriculado em creche particular, sob pena de multa de R$ 300,00 (trezentos reais). Ante a sucumbência, condenou o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como aos honorários sucumbenciais, os quais fixou em R$ 500,00 (quinhentos reais), nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Inconformado, o Município de Curitiba interpôs recurso de Apelação Cível (mov. 43). Alega, em síntese, que: a) a implantação de unidades educacionais envolve um levantamento de vários fatores, bem como disponibilização de recursos financeiros e projetos; b) há um processo construtivo em diversos fatores impactante. Afirma que em cada unidade representa um gasto de R$ 2,5 milhões; c) os esforços relacionados ao cumprimento do Plano Nacional de Educação demonstram que não há descaso por parte da Administração Pública, não havendo negligência ou alocação de verbas para setores não
prioritários; d) a determinação para concessão de vaga em creche contraria o princípio da reserva do possível, pois a obrigação se torna incompatível com restrições de caráter orçamentário; e) o acolhimento da pretensão deduzida, importa em ofensa ao princípio da isonomia, implicando em preterição quanto às demais crianças em lista de espera. O apelado apresentou contrarrazões (mov. 49). A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se (fls. 8/10) pelo desprovimento do recurso de Apelação. É a breve exposição. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO Presentes os pressupostos recursais intrínsecos, referentes ao cabimento, à legitimação e ao interesse para recorrer e os extrínsecos de tempestividade, de regularidade formal, dispensado o preparo recursal, conforme o art. 1.007, §1º do CPC/15, conheço do recurso interposto. Também conheço do reexame necessário, porquanto o presente caso se amolda ao disposto no artigo 496, I, do Código de Processo Civil. Como as matérias alegadas pelo apelante se confundem em medida significativa com o Reexame Necessário, o recurso e a remessa necessária serão apreciados concomitantemente. No mérito Insurge-se o apelante, Município de Curitiba, contra a sentença que julgou procedente o pedido contido na inicial, confirmando a liminar
anteriormente deferida, a qual determinou que o apelante efetuasse a matrícula da criança na creche mais próxima da residência desta. Contudo, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Isto porque, como se observa dos autos, o menor impúbere, representado por sua genitora, apresentou a presente ação visando a sua matrícula em creche municipal, por ter sido tolhido de tal direito constitucionalmente garantido, sob a escusa de inexistência de vaga. Nota-se, ainda, que o fato do infante não estar matriculado em creche da rede municipal acaba por prejudicar o sustento da família, diante do impedimento de sua genitora de buscar trabalho remunerado. Assim, entendo ter agido com acerto o juízo a quo ao julgar procedente a ação, vez que a negativa do direito de acesso a creche acaba por violar diretamente o direito à educação, constitucionalmente garantido, e também assegurado no Estatuto da Criança e do Adolescente. Como se sabe a Constituição Federal em seu artigo 208, inciso IV, estabelece que: Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; Corolário lógico, se a educação é um direito de todos e dever da família e do Estado (art. 204, CF) deve o ente estatal garantir o acesso às creches e pré-escolas aos menores de até cinco anos de idade, como é o caso do apelado. Tal direito também se encontra assegurado no Estatuto da Criança e do Adolescente, mais especificamente nos artigos 53 e 54, in verbis:
Art. 53 - A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (...) IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. (...) Art. 54 É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (...) IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; (...) VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente. Do exposto se extrai que qualquer obstáculo existente no
sentido de negar ou impedir o acesso da criança à rede pública municipal de ensino, como exemplo, lista de espera, implica em ato abusivo ou ilegal contra aquela. Neste sentido, é a jurisprudência do Supremo Tribunal de Federal: "CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE MUNICIPAL. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas asseguram, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e, também, o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a
educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças até 5 (cinco) anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e de executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". (RE 956475, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 12/05/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16/05/2016 PUBLIC 17/05/2016) Relevante lembrar que a creche e a pré-escola visam o desenvolvimento integral da criança, e servem para iniciação no ensino fundamental. Por isso, tem-se que a educação infantil é um direito indisponível que deve ser assegurado às crianças com até 5 (cinco) anos de idade. Noutro modo, apontou o ente municipal que a inserção das crianças em creche trata-se de uma transferência de responsabilidade da família ao Estado. Ora, como se vê da referida LDBE (Lei 9.394/96), assim mencionada pelo apelante, dispõe, também, ser dever de ambas as partes a alocação de crianças na educação básica, sendo esta obrigatória. Ademais, equivocado está o apelante, eis que é direito de qualquer criança estar em estabelecimento de ensino, amparados pelo Município, como estabelece no artigo 54, da Constituição Federal. Assim, é dever da municipalidade organizar seu orçamento público em relação à educação, a fim de que seja concedido vaga à toda criança. Sobre o tema, refere-se a doutrina abaixo:
"O dever do Estado para com a educação encontra-se tanto na oferta direta, ou seja, mediante a criação ou incorporação, manutenção e administração de estabelecimentos escolares públicos, como também por mecanismos indiretos, como a oferta de bolsas, financiamentos e outras formas de estímulo que possam dar condições para a frequência à escola". (CANOTILHO, j. j. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1.642 Destarte, preleciona o art. 4º, II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) que assegura às crianças de zero a seis anos de idade o atendimento gratuito em creches e pré-escolas. Corrobora este entendimento o disposto no art. 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), quando dispõe que "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes [...] à educação". Com efeito, a interpretação conjunta desses dispositivos legais infraconstitucionais, com a Constituição Federal, em especial seu art. 208, IV, conclui-se que o direito das crianças de zero a cinco anos de idade à vaga em creche e/ou pré-escola encontra embasamento legal. Por conseguinte, cabe aos entes públicos, como o Município, e seus organismos, executar programas que garantam a integridade e o gozo desse direito indisponível. Do Princípio da Reserva do Possível Insurge-se o Município que o Poder Público não pode dar cumprimento integral à política pública, sem comprometer-se com as demais áreas abrangidas pela municipalidade. Sem razão o apelante. Posto isso, há que se lembrar que a reserva do possível não se relaciona exclusivamente à existência de recursos, mas sim à razoabilidade da pretensão proposta frente à sua concretização; à efetividade dos direitos sociais materiais e prestacionais condicionado à reserva do que é possível. Sobretudo, este princípio vem sendo usado como óbice na efetivação dos direitos sociais prestacionais. Neste sentido, Ana Paula de Barcellos (2008, p. 271-272) aduz que: "A limitação de recursos existe e é uma contingência do argumento da reserva do possível pelo Poder Público, que acabou por gerar certa reação de descrédito, é preciso não ignorar o assunto, sob pena de divorciar o discurso jurídico da prática de tal forma que o jurista pode até prosseguir confiante, quilômetros de distância, até olhar para trás e para os lados e perceber que está sozinho. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. O equilíbrio entre esses dois elementos pode ser obtido da seguinte forma. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuas, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (mínimo existencial) estar-se-á estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que projetos se deverá investir. Como se vê, o mínimo existencial associado ao estabelecimento de prioridade orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível. Qualquer norma que disponha acerca da previsão orçamentária ou etapas administrativas de admissão de vaga, não se sobrepõe aos direitos e garantias fundamentais, como a educação, conforme disposto na Constituição Federal. Mesmo que se alegue a existência de superlotação em creches, esse fator não exime o Estado de viabilizar políticas públicas e destinação de recursos específicos para a inclusão, realizando assim a observância a Lei Maior. Desse modo, não pode este princípio impedir a concretização de direitos constitucionais que assegurem um "mínimo existencial", onde o Estado deve tratar de todos, ponderando o princípio da igualdade. Do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014) Argumentou o apelante que deve ser considerado os parâmetros e metas estabelecidos no Plano Nacional de Educação PNE (Lei nº 13.005/2014) que dispõe sobre a obrigação do munícipio universalizar e ampliar a oferta de educação infantil no mínimo em 50% (cinquenta por cento) das crianças até 3 (três) anos de idade. Num primeiro momento, há que destacar-se, como já ponderado em momento anterior, ser dever do Município assegurar o direito de vaga em creche, assim ofertando a educação infantil para às crianças de zero a três anos de idade. Posto isso, acolher o declarado pelo apelante, seria violar os princípios que asseguram o direito a educação, assim previstos na Constituição Federal. Dessa forma, tal alegação não pode ser capaz de obstar, nem que seja por um período (lista de espera), a proteção ao direito social. Com efeito, o ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, ou seja, a lei posta ao caso é hierarquicamente inferior à Constituição Federal, não tendo o condão de afastar o comando constitucional. Ademais, o princípio da supremacia constitucional assenta no pressuposto da superioridade hierárquica da Constituição sobre as demais normas, não podendo estas, em contrariedade, substituí-la. Noutro modo, a Constituição Federal confere a aplicação de um plano nacional de educação, em seu artigo 214, que possui a seguinte redação: Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que
conduzam a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; [...] Assim, o artigo 214 acima declinado corrobora o que determina o art. 208, também da Constituição Federal, que têm por finalidade garantir e ampliar o direito ao ensino público e não limitar de forma mínima o atendimento deste, como prevê o PNE, que estabelece limitação mínima em 50% à oferta para às crianças de até cinco anos de idade. Sendo assim, o plano nacional de educação não pode conferir interpretação divergente ao que estabelece o art. 214 da Constituição Federal, retirando a executividade de um direito fundamental. Desse modo, a Lei nº 13.005/2014 não pode ser aplicada ao caso sob exame. Da violação ao Princípio da Isonomia Alegou a Municipalidade que conceder vagas imediatas afrontam o princípio da isonomia, eis que ferirá o acesso igualitário das demais crianças que estão aguardando em lista de espera. De todo o exposto, não pode o Município alegar violação ao Princípio da Isonomia, para o fim de fornecer tratamento padrão "lista de espera" ao infante, haja vista que acatar essa tese, poderia servir de respaldo à omissão do ente municipal sob pena de chancelar a incapacidade de gerir o seu próprio sistema de educação.
O fornecimento de vaga em CMEI busca tão somente respeitar o direito à educação constitucionalmente garantido a todos, desse modo, tratando de forma igualitária o direito de todas as crianças em serem incluídas na primeira etapa da educação básica, objetivando o desenvolvimento em seu aspecto físico, psicológico, intelectual e social. Do Princípio da Separação dos Poderes É de se esclarecer que não há violação ao Princípio da Separação dos Poderes, ou seja, o Poder Judiciário não invade a competência do Executivo e Legislativo quando determina a implementação de políticas públicas constitucionalmente previstas, como é o caso dos autos. Afinal, é manifesto que o princípio da inafastabilidade da jurisdição confere ao Poder Judiciário, quando provocado, o poder-dever de afastar ameaça ou ofensa a direitos, não prospera qualquer alegação de ingerência em atribuições de natureza administrativa. Neste sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que há muito já pacificou a matéria: (...) 3. No mais, razão não assiste à parte recorrente. Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que não viola o princípio da separação dos Poderes a intervenção excepcional do Poder Judiciário nas políticas públicas do Poder Executivo, com vistas à garantia de direitos constitucionalmente previstos. Precedentes: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. GARANTIA ESTATAL DE VAGA EM CRECHE. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO.PRECEDENTES. 1. A educação infantil é prerrogativa constitucional indisponível, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a creches e unidades pré- escolares. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implção pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. 3. Agravo regimental improvido. (RE 464.143 AgR/SP, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 19/2/2010)". (STF - ARE: 698258 SP, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 08/09/2014, Data de Publicação: DJe-177 DIVULG 11/09/2014 PUBLIC 12/09/2014) Assim, não há que se falar em invasão de competência do Poder Judiciário, pois está apenas garantindo direitos constitucionalmente e legalmente previstos àqueles a quem estes direitos se destinam. Dessa forma, entendo pela conservação da sentença proferida, garantindo ao autor o direito de se matricular em creche da rede municipal de ensino. Quanto às custas e honorários sucumbenciais, agiu com acerto o magistrado a quo. Feitas estas considerações, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso de apelação interposto e, em reexame necessário, mantenho a sentença. III - DECISÃO Diante do exposto, acordam os Magistrados da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso de apelação cível, mantendo a sentença em reexame necessário, nos termos do voto do relator. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores LUIZ ANTÔNIO BARRY e ANA LÚCIA LOURENÇO. Curitiba, 06 de março de 2018.
Des. D'ARTAGNAN SERPA SÁ Relator (mcp)
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