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Certificado digitalmente por: OCTAVIO CAMPOS FISCHER INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.512.059-5/01 RELATOR: DES. OCTAVIO CAMPOS FISCHER SUSCITANTE: 4ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ INTERESSADOS: ESTADO DO PARANÁ E OUTROS INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ART. 17 DA LEI ESTADUAL Nº 16.537/10 DIPLOMA QUE DISPÕE SOBRE O QUADRO PRÓPRIO DO INSTITUTO PARANAENSE DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EMATER DISPOSITIVO INCLUÍDO POR EMENTA PARLAMENTAR VISANDO O MERO AJUSTAMENTO DA SITUAÇÃO FUNCIONAL DOS SERVIDORES JUNTO À AUTARQUIA ESTADUAL INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL ORGÂNICA POR AFRONTA AO INCISO II DO ART. 66 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL ANTE A IRREGULAR TRANSPOSIÇÃO DE SERVIDORES (INCISO I DO ART. 68 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL) SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA REVERSÃO QUE TRARIA MAIORES PREJUÍZOS TANTO À Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01 EMATER QUANTO AOS SERVIDORES IRREGULARMENTE VINCULADOS À AUTARQUIA - PROVIMENTO JURISDICIONAL ATÍPICO SENTENÇAS INTERMEDIÁRIAS RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE SEM EFEITO OBLATIVO (INCONSTITUCIONALIDADE DESTITUÍDA DA PRONÚNCIA DE NULIDADE) MANUTENÇÃO EXCEPCIONAL DO ESTADO DE COISAS INCIDENTE IMPROCEDENTE. O Poder Público não se encontra preso às amarras do imobilismo da estruturação funcional. Em maior ou menor grau, a realidade fática e as possíveis intempéries jurídicas sofridas pelo regime estatutário podem revelar a necessidade de ajustamento do capital humano, gestão essa que pode variar de uma simples alteração de nomenclatura a verdadeiros rearranjos de estrutura funcional. Contudo, há que se reconhecer os limites impostos pela atual ordem constitucional. As chamadas Sentenças Intermediárias rechaçam o dogma do imprescindível efeito nulificador da declaração de inconstitucionalidade ao reconhecer que certas e determinadas relações fáticas e jurídicas não devem ser solvidas com base no dualismo validade/invalidade normativa. Nas hipóteses nas quais a retirada da norma inconstitucional demonstra ser mais prejudicial à consecução dos objetivos constitucionais do que sua Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01 permanência no mundo jurídico, possibilita-se ao julgador declarar o vício da inconstitucionalidade sem expurgar a regra do mundo jurídico. Justifica-se, dessa maneira, a legitimidade da declaração de inconstitucionalidade sem efeito ablativo. Em outras palavras, reconhece-se a inconstitucionalidade normativa sem, contudo, pronunciar sua nulidade. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 1512059- 5/01, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é Suscitante a 4ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ e Interessados o ESTADO DO PARANÁ E OUTROS. I - RELATÓRIO: Trata-se de incidente de declaração de inconstitucionalidade suscitado pela Quarta Câmara Cível deste Tribunal. O procedimento foi instaurado na Ação de Cobrança, em sede de apelação, ajuizada por Taciane Moreira Machado em face do Estado do Paraná e do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). Aduz a relatora suscitante, que a temática do recurso de apelação envolve a eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 17 da Lei Estadual nº 16.537/2010,
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dispositivo esse que permitiu o enquadramento, na estrutura funcional da EMATER, dos servidores ocupantes do cargo de Agente Profissional e Agente de Execução, ambos advindos do Quadro Próprio do Poder Executivo. Tais servidores efetivos passaram a ser readequados no cargo único de Agente de Assistência e Extensão da EMATER por ocasião da Lei Estadual nº 17.451/2012. Afirma que o art. 17 da Lei Estadual nº 16.537/2010 fere o disposto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal por ensejar em irregular transposição de cargos em afronta ao enunciado nº 685 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, atualmente enunciado 43 da Súmula Vinculante, nos seguintes termos: "É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido". Suscitou, portanto, o presente incidente, nos termos do art. 270 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça a fim de que seja declarado eventual vício de inconstitucionalidade no dispositivo legal objurgado. Inicialmente, o parecer da Procuradoria Geral de Justiça de fls. 58/62 opinou pelo não conhecimento do presente incidente. Posteriormente, reiterou a ausência de pressupostos de aceitabilidade do incidente, e, subsidiariamente, manifestou-se pela necessidade de declaração incidental de inconstitucionalidade do dispositivo legal, reconhecendo-se,
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entretanto, a "modulação de efeitos de forma a contemplar o contexto jurídico-social" (fls. 615/631). Nos termos do art. 10 do novo Código de Processo Civil foi oportunizado às partes que se manifestassem sobre o objeto do incidente, providência cumprida tão somente pelo Estado do Paraná (fls. 77/80). Ao final, cumpriu-se a norma do §1º do art. 271-A do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça (fl. 94) e verificou-se que a Lei Estadual nº 16.537/10 fora revogada pela Lei Estadual nº 17.451/2012 (fl. 99). É, em síntese, o relatório. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: A disposição normativa ora questionada possui a seguinte redação:
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Art. 17°. Os funcionários integrantes do Quadro Próprio do Poder Executivo - QPPE, regido pela lei nº 13.666/2002, ocupantes do cargo de Agente Profissional e Agente de Execução, em exercício no Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural EMATER, nomeados após aprovação do Concurso Público, realizado nos termos do Edital nº 197/2006, ficam automaticamente enquadrados no presente Quadro Próprio e Plano de Carreira, no cargo de Agente de Assistência e Extensão, na classe com vencimento igual ou imediatamente superior ao seu vencimento base no QPPE. § 1°. O candidato aprovado no concurso público acima referido, de Agente de Profissional ou Agente de Execução, previsto no Anexo III, para atuação em extensão rural, nos termos da Lei nº 13.666/2002, para prestar serviço no Instituto EMATER, será investido no
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cargo de Agente de Assistência e Extensão, nos termos desta lei. § 2°. As vagas não ocupadas serão providas através de Concurso Público específico para o Quadro Próprio do Instituto EMATER.
Entretanto, cabe ressaltar que a Lei Estadual nº 16.537/2010 foi ab-rogada pelo art. 31 da Lei Estadual nº 17.451/12 nos seguintes termos: "Art. 31. Revoga-se a Lei 16.537, de 30 de junho de 2010". Contudo, tal revogação não impede o exame de constitucionalidade por envolver controle incidental, intrínseco ao caso em concreto. Depreende-se dos autos que a recorrente postula a diferença de valores decorrentes da demora na implementação dos efeitos financeiros em seu enquadramento na EMATER. Afirma que, em que pese ter percebido o novo vencimento básico a partir de janeiro de 2011, deixou de receber a remuneração decorrente do reenquadramento no interregno de julho a dezembro de 2010. Preliminarmente ao enfrentamento da temática do presente incidente, é necessário abordar alguns aspectos históricos da Lei Estadual nº 16.537/10 para que se tenha uma melhor compreensão do objeto da presente lide objetiva. Depreende-se dos elementos de prova fornecidos com base nas diligências complementares de fls. 104- A/105 e da Folha de Informação nº 48/2017 (fls. 260/262) que: a) após a transformação da EMATER em autarquia (art. 1º da Lei
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Estadual nº 14.832/051), coube ao Governador do Estado apresentar projeto de lei visando instituir o quadro próprio de pessoal da Emater conforme consta das fls. 115/122 (Projeto nº 290/2010); b) referido projeto instituiu a carreira única e cargo exclusivo de Agente de Assistência Técnica e Extensão Rural e dispôs, originariamente, em seu art. 17, que "as vagas não ocupadas serão providas através de Concurso Público específico para o Quadro Próprio do Instituto Emater"; c) quando do trâmite legislativo, referido artigo foi objeto de emenda aditiva e modificativa, cujo texto reflete o dispositivo normativo questionado no presente incidente. Em forçosa síntese, a emenda parlamentar reenquadrou automaticamente os servidores nomeados no concurso público decorrente do Edital nº 197/2006 (do Poder Executivo), determinando, ainda, que fossem investidos no cargo de Agente de Assistência e Extensão. Referido projeto de lei convolou-se na Lei Estadual nº 16.537/2010; d) posteriormente, o Governador do Estado apresentou novo Projeto de Lei (nº 632/12 fls. 170/178). Por meio de tal projeto, a carreira única criada anteriormente (Agente de Assistência Técnica e Extensão Rural) foi desmembrada em duas outras, quais sejam, a Carreira Profissional de Extensão Rural (cargo de Profissional de Extensão Rural) e a Carreira Técnica de Extensão Rural (cargo de Técnico em Extensão Rural). Tal projeto foi transformado na Lei Estadual nº 17.451/12, cujo art. 31 revogou a anterior Lei Estadual nº 16.537/2010; e e) diante das novas disposições funcionais decorrentes da Lei Estadual nº 17.451/12, editou-se o Decreto nº 1 Art. 1º. A Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural EMATER/PR, criada pela Lei Estadual nº 6.969, de 26 de dezembro de 1977, fica transformada em Autarquia sob a denominação de Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural EMATER, integrante da Administração Indireta do Estado, conforme dispõe o artigo 7º, inciso I da Lei nº 8.485, de 03 de junho de 1987.
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10.262/13 (fls. 531/532), bem como a Lei Estadual nº 18.248/2014 (fl. 571), os quais objetivaram solucionar a transição e enquadramento dos servidores. Assim, evidente que a emenda parlamentar apresentada no art. 17 da Lei Estadual nº 16.537/2010 afigura-se inconstitucional. Além de afrontar diretamente o inciso II2 do art. 66 da Constituição do Estado do Paraná pelo fato da emenda aditiva fomentar verdadeiro rearranjo de recursos humanos atentando contra a atribuição "jus variandi" e o poder hierárquico de organização e funcionamento dos servidores públicos estaduais infringiu, também, o disposto no inciso I do art. 683 da Constituição Estadual frente o "acréscimo mensal aproximado de R$ 100.000,00 na folha salarial do Estado decorrente da Emenda Parlamentar que aprovou o enquadramento automático" (fl. 325). Convém notar que o objetivo da emenda parlamentar foi o mero aproveitamento de pessoal que já prestava serviços junto à EMATER, nos termos da justificativa da emenda parlamentar de fls. 133: "é inequívoco que os servidores 2 Art. 66. Ressalvado o disposto nesta Constituição, são de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre: (...) II - servidores públicos do Poder Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria, reforma e transferência de policiais militares para a reserva. No mesmo sentido, o art. 61, §1º, II, alínea "c" da Constituição Federal (vide ADI 2689/RN).
3 Art. 68. Não é admitido aumento de despesa prevista: I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, ressalvadas as emendas ao projeto de lei do orçamento anual, quando compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias e com o plano plurianual;
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aprovados no concurso de 2006, nomeados no ano seguinte e, desde então, estão em exercício na função de extencionistas junto ao Instituto Emater. Portanto, o rigor das atividades institucionais cabíveis, exercíveis ou exercitáveis pelo Instituto Emater, todas elas, é verdade, já estão sendo exercidas pelos servidores que ora se reposiciona no lugar devido. Não se trata de burlar a exigência do concurso, pois eles prestaram concurso para integrar o quadro próprio do Instituto Emater, implicitamente, e apenas não textualmente, pois na época não havia o quadro próprio. Princípio do concurso público foi atendido, portanto". Vislumbra-se que, por meio da emenda parlamentar, procurou-se dar guarida aos servidores que exerciam materialmente atividades no âmbito da Emater sob o pretexto de melhor estruturar os recursos humanos da citada autarquia. Rememore-se que a própria Procuradoria-Geral do Estado já havia apontado os indícios de inconstitucionalidade da norma questionada (fls. 81/93 e 540, verso), inexistindo estudos de viabilidade no âmbito do Poder Executivo que justifiquem o enquadramento. Desta forma, presente a ofensa ao disposto no art. 37, II da Constituição Federal, eis que a emenda parlamentar instituiu irregular transposição de cargos àqueles servidores originariamente vinculados à administração direta estadual. Cabe ressaltar que o Poder Público não se encontra preso às amarras do imobilismo da estruturação
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funcional. Em maior ou menor grau, a realidade fática e as possíveis intempéries jurídicas sofridas pelo regime estatutário podem revelar a necessidade de ajustamento do capital humano, gestão essa que pode variar de uma simples alteração de nomenclatura a verdadeiros rearranjos de estrutura funcional. Nas palavras de Osvaldo Rodrigues de Souza: "As transposições e transformações de cargos e empregos são, desse modo, procedimentos administrativos, autorizados em lei, decorrentes de política de pessoal, com o propósito de aprimorar e compatibilizar planos de retribuição de cargos no serviço público, voltada essa política para a valorização dos servidores. Motivam ou influenciam isso, também, a natural evolução dos conhecimentos tecnológicos e científicos, as modernas técnicas organizacionais, a criação ou supressão de serviços, enfim, a necessidade e conveniência de adaptação do serviço público às novas realidades, no tocante a recursos humanos"4
Contudo, como sói de ser, tal gestão de recursos humanos comporta limites na forma do art. 37, II da Constituição Federal. A investidura em cargo ou emprego público deve obedecer ao regime jurídico e a finalidade institucional para a qual a vaga foi criada. Descabe falar em provimento derivado que permita ao agente público transitar entre carreiras ou cargos (quando não isolados) eis que, diversamente do regime constitucional anterior que exigia o concurso apenas para o provimento inicial, a atual ordem constitucional não permite que 4 SOUZA, Osvaldo Rodrigues de. Reflexões sobre os institutos da transposição e transformação de cargos públicos. Capturado em 08/03/18 no endereço eletrônico: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/191/r133-04.PDF?sequence=4 Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01
o agente público integre carreira diversa da qual originariamente investido, nos exatos termos da SV nº 43 do STF. Entretanto, conforme mencionado alhures, as necessidades públicas e as mutações da realidade fático-jurídico condicionam as legítimas transformações na vida funcional do servidor público, as quais, podem ser abaixo exemplificadas: a) conforme entendimento adotado pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão 569/2006 Plenário), se admite o aproveitamento de candidatos aprovados em concurso público diverso desde que presentes os seguintes requisitos: (i) o aproveitamento ocorra dentro de um mesmo Poder; (ii) o provimento seja em cargo idêntico àquele para o qual foi realizado, com iguais denominação e descrição e que envolva as mesmas atribuições, competências, direitos e deveres; (iii) sejam exigidos os mesmos requisitos de habilitação acadêmica e profissional; (iv) sejam observadas a ordem de classificação e a finalidade ou destinação prevista no edital; (v) seja prevista no edital a possibilidade de aproveitamento (STF - MS 26294);
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b) racionalização de custos e evitar disputas internas (ADI 1591); c) fusão de carreiras que comportem semelhantes atribuições e estejam atendidas a similaridade de exigências e requisitos de complexidade de ingresso; e d) enquadramento decorrente da alteração de escolaridade (ADI 1561MC), ainda que importe em novo padrão remuneratório (ADI 4303). Todavia, estão vedadas as seguintes práticas irregulares não exaustivas: a) movimentações funcionais que caracterizem provimento derivado (ADI 1329 e ADI 2689); b) ascensão funcional e transposição por mero alcance do último padrão de vencimentos (ADI 3341/DF) ou de forma automática (ADI 1150/RS); c) modificação das atribuições por meio de portaria (MS 26.955 e MS 26.740); d) transferência ou aproveitamento de funcionários de sociedades de economia mista em liquidação para cargos ou empregos de entidades e órgãos da administração pública estadual (ADI 2689/RN); e
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e) transposição em casos em que o servidor obteve qualificação profissional ulterior e a investidura no novo cargo seja veiculada por meio de processo seletivo interno (ADI 362). Reconhecidos os vícios de inconstitucionalidade formal orgânico e de natureza material, cabe enfrentar os possíveis efeitos decorrentes da inconstitucionalidade no presente caso. Em atendimento ao item b3 da determinação jurisdicional de fl. 105, a Emater relacionou todos os servidores cujos cargos foram transpostos conforme demonstra a listagem de fls. 589/592. Oportuno frisar que tal relação passa de 100 pessoas. De plano, percebe-se que seria inócuo o reconhecimento de inconstitucionalidade por meio do viés clássico da nulidade normativa. Em primeiro lugar, porque a norma impugnada fora ab-rogada pelo programa normativo instaurado pela Lei Estadual nº 17.451/12, o Decreto nº 10.262/13 e a Lei Estadual nº 18.248/2014. Poder-se-ia cogitar na adoção da técnica da inconstitucionalidade por arrastamento (vertical e horizontal), mas tal providência ensejaria efeitos drásticos tanto nos
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servidores afetados (com risco de afetar aposentados), quanto na própria autarquia, a qual seria destituída de boa parte (senão a quase totalidade) dos seus agentes públicos (fls. 595/596). Desproporcional, portanto, a concretude de tais consequências prejudiciais. E em segundo lugar, porque a situação encontra-se consolidada, de modo que eventuais alterações de ordem fática ou jurídica certamente ensejariam novas demandas ao Poder Judiciário, tornando incerto o futuro dos então servidores da Emater. Nas hipóteses em que a situação fática encontra-se estabilizada e a alteração implica em prejuízos maiores que a tolerável manutenção de um "status" jurídico de invalidade normativo, cabe a aplicação da técnica da inconstitucionalidade sem efeitos ablativos. Neste sentido, leciona José Adércio Leite Sampaio: "o reconhecimento da inconstitucionalidade pode não ser seguido da expulsão da norma do ordenamento jurídico, se a declaração de nulidade produzir uma situação jurídica insuportável ou um grave perigo ao orçamento do Estado, estando, assimilada, pela Corte Constitucional Federal alemã, a: (i) declaração de inconstitucionalidade em relação ao direito transitório, v. g., quando o legislador não tinha nenhuma alternativa de regulação, levando-se em conta a situação histórica; (ii) vícios procedimentais não evidentes; (iii) maior proximidade constitucional, quando a ausência da norma inconstitucional torna ainda mais gravosa a situação constitucional apresentada; (iv) Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01
consequências econômicas danosas, assim quando uma declaração de nulidade e uma exação parafiscal provocasse a perda de fundamento do pretendido fomento da produção de energia elétrica à base de carbono, a exigir um trânsito pacífico entre a situação de inconstitucionalidade apresentada e a situação constitucional, ordenada a vigência transitória da norma inconstitucional; (v) regulações discriminatórias, que importem concessão de benefícios a determinados grupos e a exclusão tácita de outros, a menos que exista uma única possibilidade para eliminar a discriminação, vale dizer, quando o legislador houver escolhido um caminho determinado ou quando o sistema de regulação só admitir uma solução apenas ou quando a liberdade de configuração do legislador se conduzir a uma única alternativa constitucional".5
Fruto do VII Congresso de Tribunais Constitucionais Europeus6, as chamadas Sentenças Intermediárias rechaçam o dogma do imprescindível efeito nulificador da declaração de inconstitucionalidade ao reconhecer que certas e determinadas relações fáticas e jurídicas não precisam ser solvidas com base no dualismo validade/invalidade normativo. Conforme ensina Bernardo Gonçalves Fernandes: "o termo sentença intermediária, conforme já descrito, compreende uma diversidade de tipologias
5 SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada. Pg. 218, capturado 08/03/18 no endereço eletrônico: https://books.google.com.br/books?id=CVPNyM4iurwC&pg=PA218&lpg=PA218&dq=inconstitu cionalidade+sem+efeito+ablativo&source=bl&ots=_-OFXu4L1U&sig=WPPqbPraKxoi9rOvt- Jn8emZWB4&hl=pt- BR&sa=X&ved=0ahUKEwj70Yvqyd3ZAhWBjVkKHQcsBxoQ6AEIZDAI#v=onepage&q=incon stitucionalidade%20sem%20efeito%20ablativo&f=false 6 SAMPAIO, José Adércio Leite. As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, Belo Horizonte: Del Rey, 2001 p. 159 Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01
de decisões utilizadas pelos Tribunais Constitucionais e/ou Cortes Constitucionais em sede do controle de constitucionalidade, com o objetivo de relativizar o padrão binário do direito(constitucionalidade/inconstitucionalidade) (...) Como salientamos, onde antes somente era cabível ao Tribunal Constitucional posicionar-se pela declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei ou ano normativo, agora, assistimos a uma pluralidade de medidas intermediárias, que relativizam tais julgamentos, abrindo a um espectro de possibilidade para os juízes constitucionais"7.
Mais que enfrentar os problemas normativos decorrentes das situações que afrontam o ordenamento constitucional, as Sentenças Intermediárias possibilitam - às cortes que controlam a constitucionalidade - um legítimo espaço político-institucional de atuação, encerrando, de uma vez por todas, a visão distorcida da separação "estanque" de poderes ou de que o magistrado deve se limitar ao seu papel "juiz- boca-da-lei".
O objeto de preocupação das Sentenças Intermediárias (sentença manipulativa "lato sensu" na sua vertente italiana8) não se restringe aos aspectos de validade da
7 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. Editora Jus Podium, 2017, pg. 1578. 8 Cristiano Soares Barroso Maia aponta que "o percurso argumentativo empreendido pelo STF concentra-se na comparação entre a realidade italiana e a brasileira. Para tanto, desenvolve-se a análise de alguns aspectos que estariam presentes nos dois contextos e que explicariam a adoção das sentenças manipulativas". MAIA, Cristiano Soares Barroso. A sentença aditiva e o Supremo Tribunal Federal: entre o estado de direito e soberania popular. Tese de Mestrado. Brasília. 2013. Capturado em 09/03/18 no endereço: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/15616/1/2013_CristianoSoaresBarrosoMaia.pdf Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01
norma impugnada. Igualmente merecem consideração os efeitos decorrentes do possível estado de nulificação.
Para além do mero juízo consequencialista, conforme pontua Luiz Henrique Boselli de Souza, "as decisões manipulativas na jurisdição constitucional são decorrentes da preocupação dos tribunais constitucionais com os "efeitos colaterais" de suas decisões. Em alguns casos, a mera opção entre a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade pode vir a ferir alguns princípios essenciais ao estado de direito"9.
Nas hipóteses nas quais a retirada da norma inconstitucional demonstra ser mais prejudicial à consecução dos objetivos constitucionais do que sua permanência no mundo jurídico, possibilita-se ao julgador declarar o vício da inconstitucionalidade sem expurgar a regra do mundo jurídico. Justifica-se, dessa maneira, a legitimidade da declaração de inconstitucionalidade sem efeito ablativo. Em outras palavras, reconhece-se a inconstitucionalidade normativa sem, contudo, pronunciar sua nulidade. Acerca das problemáticas decorrentes do estado das coisas e sua necessária consideração pelo julgador, oportuna é a observação de Konrad Hesse citada pelo Ministro Eros Grau na ADI 2240/BA "na vida da coletividade há realidades 9 SOUZA, Luiz Henrique Boselli. As sentenças aditivas na jurisdição constitucional. Capturado em 09/03/18 no endereço eletrônico: file:///C:/Users/lerm/Downloads/77-145-1-SM.pdf Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01
que se encontram em contradição com a Constituição, mas essas realidades não devem ser consideradas como insignificantes pelo intérprete da Constituição. O importante, em face delas, é fazer tudo aquilo que seja necessário para impedir o seu nascimento (da realidade inconstitucional) ou para pô-la, essa realidade, novamente em concordância com a Constituição", de forma que a providência aqui aventada objetiva, a um só tempo, impedir que se instale uma anarquia institucional na Emater e um estado de indefinição funcional aos servidores vinculados à referida autarquia.
Isto posto, não obstante o reconhecimento de que a norma impugnada (art. 17 da Lei Estadual nº 16.537/10 revogada pela Lei Estadual nº 17.451/2012) incide em manifesto vício de inconstitucionalidade formal (por afrontar o inciso II do art. 66 da Constituição Estadual) e material (por afrontar o I do art. 68 da Constituição Estadual), reconhece-se a viabilidade da excepcionalidade, mediante a adoção dos provimentos jurisdicionais atípicos - em especial as sentenças intermediárias - de reconhecer a inconstitucionalidade sem efeito oblativo (inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade), deixando-se, portanto, de nulificar o dispositivo impugnado ante a situação fática consolidada da transposição irregular de cargos na Emater, evitando-se, assim, prejuízos de qualquer ordem tanto à autarquia quanto aos seus respectivos servidores.
III - DECISÃO: Diante do exposto, acordam os Desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Inc. D. Inconstitucionalidade nº 1512059-5/01
Estado do Paraná por unanimidade de votos, em julgar improcedente o presente incidente nos termos da fundamentação, devolvendo-se os autos à 4ª Câmara Cível para prosseguir o julgamento da pretensão recursal. Participaram da sessão de julgamento e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Renato Braga Bettega (Presidente), Ramon de Medeiros Nogueira, Clayton Camargo, Ruy Cunha Sobrinho, Marques Cury, José Augusto Gomes Aniceto, Jorge de Oliveira Vargas, Sônia Regina de Castro, Lauro Laertes de Oliveira, Paulo Roberto Vasconcelos, Hamilton Mussi Correa, Arquelau Araujo Ribas, Antonio Loyola Vieira, D'artagnan Serpa Sá, Luís Carlos Xavier, José Laurindo de Souza Netto, Miguel Kfouri Neto, Sigurd Roberto Bengtsson, Ana Lúcia Lourenço, Carvílio da Silveira Filho.
Curitiba, 06 de agosto de 2018. Des. Octavio Campos Fischer Relator
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