Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.
Certificado digitalmente por: PAULO ROBERTO VASCONCELOS
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.746.475-8 ÓRGÃO ESPECIAL ORIGEM: FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR AUTOR: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ INTERESSADOS: MUNICÍPIO DE TOLEDO/PR E CÂMARA MUNICIPAL DE TOLEDO/PR RELATOR: DES. PAULO ROBERTO VASCONCELOS AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ARTIGOS 122, INC. III, E 131 A 135, E DO ANEXO XII, TODOS DA LEI MUNICIPAL Nº 1.931, DE 26 DE MAIO DE 2006, DE TOLEDO/PR - CÓDIGO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL INSTITUIÇÃO DA TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO PELO MUNICÍPIO ESTADO DO PARANÁ QUE É O ENTE POLÍTICO TITULAR DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL OVERRULING REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 643.247: "DESCABE INTRODUZIR NO CENÁRIO TRIBUTÁRIO, COMO OBRIGAÇÃO DO CONTRIBUINTE, TAXA VISANDO A PREVENÇÃO E O COMBATE A INCÊNDIOS, SENDO IMPRÓPRIA A ATUAÇÃO DO MUNICÍPIO EM TAL CAMPO." (TRIBUNAL PLENO, DJE. 19.12.2017) SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIXADO POR OCASIÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 206.777 (STF, TRIBUNAL PLENO, DJ. 30.04.1999) JULGADO NO RE Nº 643.247 QUE SE CARACTERIZA COMO PRECEDENTE VINCULANTE EM RELAÇÃO AOS DEMAIS TRIBUNAIS ART. 927, INCISOS III E V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NA INSTITUIÇÃO DE TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO PELO MUNICÍPIO INVASÃO DA MATRIZ DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ESTADO VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 46, INC. III E PARÁGRAFO ÚNICO, 48, CAPUT, 49, CAPUT, E 129, INC. III, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ - MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EFICÁCIA A PARTIR DA DATA DE PUBLICAÇÃO DESTE ACÓRDÃO NA IMPRENSA OFICIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.746.475-8, em que figura como autor o
TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná e interessado o Município de Toledo/PR e a Câmara Municipal de Toledo/PR.
1. RELATÓRIO
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, em razão de suposta inconstitucionalidade dos artigos 122, inc. III, e 131 a 135, e do Anexo XII, todos da Lei Municipal nº 1.931, de 26 de maio de 2006, de Toledo/PR (Código Tributário Municipal).
Alega, em síntese, que os normativos instituíram a taxa de combate a incêndio naquela municipalidade com violação às normas de competência previstas nos artigos 45, caput, 46, parágrafo único, 48, caput, e 129, inc. II, todos da Constituição do Estado do Paraná.
Refere que o combate a incêndio é matéria que não incube aos municípios, porque se trata de serviço que deve ser prestado e mantido pelo Estado do Paraná, por meio do Corpo de Bombeiros, disto decorrendo que o respectivo tributo somente poderá ser instituído pelo ente estadual.
Sustenta que a Constituição do Estado atribuiu a titularidade do serviço de combate a incêndio ao Estado do Paraná, razão pela qual apenas o referido ente político tem a competência tributária ativa, cujo exercício é irrenunciável e indelegável.
Aduz que, neste sentido, há entendimento fixado no Supremo Tribunal Federal, em julgado pela sistemática da Repercussão Geral (Tese nº 16).
Relembra que o Órgão Especial decidiu diversamente na ADI nº 1.345.348-4, mas que o precedente não refletiu o melhor
2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
entendimento, porque a questão foi analisada apenas pela perspectiva material (especificidade e divisibilidade do tributo). Além disto, defende que no referido julgado aplicou-se indevidamente a regra da competência legislativa local (art. 30, inciso I, da Constituição Federal).
Conclui, ainda, que a Constituição do Estado do Paraná é taxativa ao delegar à Polícia Militar, por meio do Corpo de Bombeiros, a prevenção e o combate a incêndios, de modo que o Município só pode atuar neste ramo agindo em cooperação com o titular do serviço.
Pede a procedência da ação para declarar formalmente inconstitucionais os artigos 122, inc. III, e 131 a 135, e também o Anexo XII, todos da Lei Municipal nº 1.931/2006, de Toledo/PR (fls. 02/10). Não requer a concessão de medida cautelar.
Junta documentos (fls. 11/39).
Recebida a inicial, oportunizei as manifestações do Município de Toledo, da Câmara de Vereadores, do Procurador-Geral do Estado e do Procurador-Geral de Justiça (fl. 42).
A Procuradoria-Geral do Estado entende que a instituição da taxa de combate a incêndio pelo Município é formalmente inconstitucional, devendo a ação ser julgada procedente (fls. 51/56).
A Câmara Municipal de Toledo não se manifestou, tendo apenas apresentado certidão demonstrativa de que o normativo questionado está em vigor (fls. 59/60).
A Procuradoria-Geral de Justiça ratifica os fundamentos da inicial, requerendo a declaração de inconstitucionalidade formal dos dispositivos (fls. 63/64).
3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Considerando a relevância da matéria, determinei novamente a intimação do Município de Toledo e da Câmara Municipal de Toledo (fl. 67).
O Município de Toledo, por meio do Prefeito Municipal, defende a constitucionalidade dos dispositivos questionados com fundamento no art. 30, inciso I, da Constituição da República, que permite aos municípios legislarem sobre assuntos de interesse local.
Argui que o produto da taxa de combate a incêndio constitui receita do FUNREBOM, para reequipamento do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar.
Menciona que a competência do Estado do Paraná para a prestação de serviços de prevenção e combate a incêndio não afasta a possibilidade de o Município suplementar a legislação estadual.
Afirma que o Estado do Paraná, por meio da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná, celebrou convênio com o Município de Toledo no qual, dentre as atribuições do Município, está prevista a manutenção do FUNREBOM.
Argumenta que a integralidade da receita arrecadada com a taxa não permanece com o Município de Toledo, sendo repassada ao FUNREBOM para a manutenção da unidade local do Corpo de Bombeiros.
Requer a improcedência total do pedido (fls. 76/86). Junta documentação (fls. 97/249).
4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Recebendo a manifestação do Município, com a documentação juntada, determinei a intimação da Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 254).
A Procuradoria-Geral de Justiça, em sua manifestação, reafirma a procedência da ação (fls. 258/262).
É o relatório.
2. VOTO
A Lei Municipal nº 1.931/2006 de Toledo/PR (Código Tributário Municipal) instituiu a taxa de combate a incêndio naquela municipalidade, nos seguintes termos:
"Art. 122 - As taxas decorrentes da utilização efetiva ou potencial dos serviços públicos, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, compreendem: III - Taxa de Combate a Incêndios. Art. 131 - A Taxa de Combate a Incêndios será cobrada sobre os serviços decorrentes de utilização da vigilância e prevenção de incêndios, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Art. 132 - Os serviços de que trata o artigo anterior, compreendem-se em: I - potenciais, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à disposição do contribuinte, mediante atividades em efetivo funcionamento; II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade pública. Art. 133 - O contribuinte da taxa é o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor, a qualquer título, de imóveis edificados existentes no Município.
5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Art. 134 - A Taxa de Combate a Incêndios será devida anualmente e calculada de acordo com o ANEXO XII desta Lei. Parágrafo único - A taxa poderá ser lançada e arrecadada juntamente com o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), em nome do sujeito passivo. Art. 135 - O produto da Taxa de Combate a Incêndios constitui receita do Fundo de Reequipamento do Corpo de Bombeiros (FUNREBOM)."
Diversas leis municipais instituidoras de taxas idênticas, referentes a outros municípios, já foram analisadas por este Órgão Especial.
O julgado mais recente foi proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.345.348-4, na qual se examinou a constitucionalidade da Lei Municipal nº 1.983/2013 de Capitão Leônidas Marques.
A decisão foi assim ementada:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - TRIBUTÁRIO - LEI MUNICIPAL - TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO - SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL, ESPECÍFICO E DIVISÍVEL - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO URBANÍSTICO E ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL - FATO GERADOR E BASE DE CÁLCULO PRÓPRIOS - CONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO - PRECEDENTES DA SUPREMA CORTE - PEDIDO IMPROCEDENTE. Não ofende a Constituição Estadual a taxa de combate a incêndio instituída pelo Município para custeio do Programa Corpo de Bombeiros Comunitário, visto remunerar serviço público essencial, específico e divisível, inserido no âmbito do Direito Urbanístico e prestado em cooperação com o Estado por meio de convênio, certo, ainda, atender a notório interesse local. Proporciona, assim, ao ente municipal exercer atividade voltada à preservação da vida, do patrimônio e da segurança dos
6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
munícipes, que a custeiam." (TJPR - Órgão Especial - AI - 1345348-4 - Curitiba - Rel.: Des. Prestes Mattar - Rel. Desig. p/ o Acórdão: Des. Telmo Cherem - Por maioria - J. 21.09.2015 - DJ. 06.11.2015).
Este julgado, após profundo enfrentamento de teses jurídicas instaurado nesta Corte, estabeleceu a orientação de que o Município, com fundamento no interesse local, poderia legislar sobre o custeio do Programa Corpo de Bombeiros Comunitário. Concluiu-se, naquela ocasião, que tal possibilidade seria decorrente do sistema constitucional de cooperação entre os entes políticos, especialmente em se tratando de tema afeto ao Direito Urbanístico, cuja competência legislativa é concorrente entre a União e os Estados, e supletiva em relação aos municípios.
Sob o aspecto formal, o precedente expôs que o serviço de combate a incêndio teria natureza divisível e específica, e que, portanto, seria legítimo ao Município cobrar o respectivo tributo, "cujos beneficiários seriam suscetíveis de referência".
A tese defendida no voto vencedor, da lavra do Desembargador Telmo Cherem, amparou-se em posicionamento do Supremo Tribunal Federal exposto no RE nº 206.777/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgado em 25.02.1999, DJ. 30.04.1999, seguido por outros julgados: RE nº 233.784/SP, Primeira Turma, DJU. 12.11.1999; AI nº 551.629 AgR/SP, Primeira Turma, DJU. 08.09.2006; AI nº 408.062 ED/SP, Primeira Turma, DJU. 04.08.2006.
Antes desta ADI nº 1.345.348-4, contudo, a orientação que vigorava no Órgão Especial era diversa. Esta Corte entendia ser constitucional a instituição da taxa de combate a incêndio pelo Estado do Paraná, mas inconstitucional pelos municípios. Mencionava-se nestes julgados, inclusive, o teor do Enunciado nº 6 das Câmaras de Direito
7 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Tributário deste Tribunal de Justiça: "A taxa de prevenção e combate a incêndio é legitima, quando atende aos requisitos de especificidade e divisibilidade, correspondendo a serviços prestados ou postos à disposição do contribuinte. Entretanto, o Município não pode instituí-la, por ser da competência tributária do Estado."
Apenas para melhor contextualizar a evolução da discussão, é oportuno citar os precedentes:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO DA LEI MUNICIPAL Nº 1413/2012 DE CAPANEMA. INSTITUIÇÃO DE TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ESTADO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL RECONHECIDA. EFICÁCIA EX NUNC DA DECISÃO, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO. AÇÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE." (TJPR - Órgão Especial - AI - 1230407-3 - Curitiba - Rel.: Des. Renato Lopes de Paiva - Unânime - J. 01.12.2014).
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SISTEMA TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE ROLÂNDIA. PERDA PARCIAL DE OBJETO, EM RAZÃO DA REVOGAÇÃO DO INC. I, DO ART. 215, DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 69/2012, POR LEI POSTERIOR. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EM RELAÇÃO AOS DEMAIS DISPOSITIVOS LEGAIS IMPUGNADOS. TAXA DE CONSERVAÇÃO DE VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS. SERVIÇOS DE CARÁTER UNIVERSAL E INDIVISÍVEL, QUE BENEFICIA A COLETIVIDADE GENERICAMENTE CONSIDERADA.VIOLAÇÃO AO ART. 129, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ, QUE EXIGE PARA A CRIAÇÃO DE TAL ESPÉCIE DE TRIBUTO A ESPECIFICIDADE E DIVISIBILIDADE DOS SERVIÇOS DISPONIBILIZADOS. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO. AFRONTA AO ART. 45 E ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ESTADO, QUE É
8 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
O ENTE RESPONSÁVEL PELOS SERVIÇOS DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS CORRESPODENTES DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR EIVADOS DOS MESMOS VÍCIOS, A FIM DE EVITAR O EFEITO REPRISTINATÓRIO INDESEJADO. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO, NOS TERMOS DO ART. 27 DA LEI Nº 9.868/99, POR RAZÕES DE SEGURANÇA JURÍDICA E EXCEPCIONAL INTERESSE SOCIAL. EFICÁCIA A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DESTE ACÓRDÃO. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA, COM EFEITOS EX NUNC." (TJPR - Órgão Especial - AI - 1168518- 0 - Curitiba - Des. Rel.: Luis Espíndola - Unânime - J. 04.08.2014) (grifamos).
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - INSTITUIÇÃO PELO MUNICÍPIO DE CASCAVEL DA TAXA DE SINISTRO - IMPOSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 129, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EXCLUSIVA DO ESTADO DO PARANÁ. SERVIÇOS PRESTADOS PELA POLÍCIA CIVIL, POR MEIO DO CORPO DE BOMBEIROS. AÇÃO PROCEDENTE. 1. Opõe-se à redação do art. 129, inciso II, combinado com o art. 46, parágrafo único, e art. 48, todos da Carta Estadual, a instituição pelo ente municipal da taxa de sinistro, atrelada a serviços referentes à defesa civil e ao combate a incêndio. 2. Hipótese de competência legislativa exclusiva do ente estadual, indelegável por lei ou por convênio." (TJPR - Órgão Especial - AI - 904282-6 - Curitiba - Rel.: Des. Campos Marques - Unânime - J. 17.02.2014).
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE TAXA DE INCÊNDIO INSTITUÍDA POR LEI MUNICIPAL - COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO ESTADO - EXEGESE DOS ARTS. 46, 48 E 129, II, DA CONSTITUIÇÃO PARANAENSE - DECLARAÇÃO DE
9 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ANTERIORES DE MESMA MATÉRIA, A FIM DE EVITAR O EFEITO REPRISTINATÓRIO - MODULAÇÃO EX NUNC DOS EFEITOS DA DECISÃO CONSIDERANDO AS PARTICULARES DA HIPÓTESE (POR MAIORIA) AÇÃO PROCEDENTE (un)." (TJPR - Órgão Especial - AI - 740716-9 - Curitiba - Rel.: Des. Antônio Martelozzo - Por maioria - J. 18.06.2012).
"INCIDENTE DECLARATÓRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CÓDIGO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL DE LONDRINA QUE INSTITUIU A TAXA DE COMBATE À INCÊNDIO. INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 145, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ESTADO, QUE É O ENTE RESPONSÁVEL PELOS SERVIÇOS DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIO. ART. 42 E 144, § 6º DA CF. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 06 DAS CÂMARAS DE DIREITO TRIBUTÁRIO DO TJ/PR INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DE LEI MUNICIPAL DECLARADA. "A taxa de prevenção e combate a incêndio é legitima, quando atende aos requisitos de especificidade e divisibilidade, correspondendo a serviços prestados ou postos à disposição do contribuinte. Entretanto, o Município não pode instituí-la, por ser da competência tributária do Estado" (Enunciado nº 6 das Câmaras de Direito Tributário do TJ/PR)." (TJPR - Órgão Especial - IDI - 588425-3/01 - Londrina - Rel.: Des. ª Maria José de Toledo Marcondes Teixeira - Unânime - J. 21.05.2010).
Pois bem. O que está claro agora, no atual contexto da matéria, é que este entendimento anterior, superado por ocasião do julgamento da ADI nº 1.345.348-4, merece ser novamente ponderado no âmbito desta Corte.
10 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
É que em 2016, no julgamento do RE nº 643.247/SP, o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, fixou nova tese sobre a taxa de combate a incêndio:
"TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO INADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL. Descabe introduzir no cenário tributário, como obrigação do contribuinte, taxa visando a prevenção e o combate a incêndios, sendo imprópria a atuação do Município em tal campo." (RE 643247, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-292 DIVULG 18-12-2017 PUBLIC 19-12- 2017)
A conclusão alcançada pelo Supremo sufraga dois entendimentos.
O primeiro, no sentido de que descabe instituir taxa de combate a incêndio porque o serviço público não é específico e divisível, mas sim geral e indivisível, podendo ser tributado eventualmente por meio de imposto (art. 129, inc. I, da CEPR).
O segundo posicionamento reconhece inexistir competência tributária aos Municípios para a instituição de taxa de custeio dos serviços prestados por órgãos de Segurança Pública, o que é justamente o caso da taxa de combate a incêndio, cuja prestação do serviço público subjacente está constitucionalmente atrelada aos Estados.
Sobre tais serviços, a combinação do art. 46, inc. III e parágrafo único, com o art. 48, caput, ambos da Constituição do Estado, estabelece que a prevenção e o combate a incêndio são serviços de titularidade da Polícia Militar, a serem prestados por meio do Corpo de Bombeiros, nos seguintes termos:
11 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
"Art. 46. A segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos é exercida, para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, pelos seguintes órgãos: I - Polícia Civil; II - Polícia Militar; III - Polícia Científica. Parágrafo único. O Corpo de Bombeiros é integrante da Polícia Militar. Art. 48. À Polícia Militar, força estadual, instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e disciplina militares, cabe a polícia ostensiva, a preservação da ordem pública, a execução de atividades de defesa civil, prevenção e combate a incêndio, buscas, salvamentos e socorros públicos, o policiamento de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais, além de outras formas e funções definidas em lei." (grifamos).
A Constituição do Estado, replicando o conteúdo político estruturante da Constituição da República, dispõe ainda que "A Polícia Militar, comandada por oficial da ativa do último posto, força auxiliar e reserva do Exército, e a Polícia Civil subordinam-se ao Governador do Estado e serão regidas por legislação especial, que definirá suas estruturas, competências, bem como direitos, garantias, deveres e prerrogativas de seus integrantes, de maneira a assegurar a eficiência de suas atividades" (grifamos) (art. 49), ou seja, todo este trabalho está materialmente vinculado ao Estado do Paraná, como pessoa jurídica de direito público.
Em conclusão, o resultado colhido no RE nº 643.247, nas palavras do Ministro Edson Fachin, superou o entendimento firmado no RE nº 206.777, evidenciando situação de overruling.
12 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Trata-se, à toda evidência, de julgado com eficácia vinculante aos demais tribunais brasileiros, nos termos dos incisos III e V do art. 927 do Código de Processo Civil:
"Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados."
Assim, o momento impõe ao Órgão Especial retomar a sua jurisprudência anterior, aplicando a orientação superior emanada da Repercussão Geral no RE nº 643.247.
A conclusão, em suma, é a de que Município não detém competência tributária para instituir taxa de combate a incêndio, seja porque materialmente não se está diante de serviço específico e indivisível, daí porque a hipótese seria na realidade de imposto, seja porque não detém o referido ente político a competência tributária para tributar serviços públicos que são prestados pelo Estado, nos termos dos artigos 46, 48 e 49 da Carta Estadual.
Neste sentido, extrai-se do voto do Ministro Edson Fachin, no RE nº 643247, passagem que expõe com clareza tais conclusões:
"Porém, ante a realidade constitucional subjacente ao litígio constitucional, firmo convicção no sentido de superar expressamente o precedente firmado no âmbito do RE 206.777, embasado nas seguintes razões: (i) a atividade de combate a incêndios e demais sinistros é serviço público geral e indivisível, portanto deve ser remunerada por meio de impostos; (ii) a ausência de prestação de serviço público na espécie, pois a taxa
13 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
foi criada para custear convênio administrativo entre os litigantes; e (iii) a inexistência de competência tributária do Município, à luz da função constitucional da instituição Corpo de Bombeiros."
Ainda que o Prefeito Municipal, munido do interesse de preservar a arrecadação para o FUNREBOM, alegue que a instituição da taxa decorre do dever de cooperação entre o município de Toledo e o Estado do Paraná, este argumento também decai diante dos fundamentos acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal.
Não se ignora que os entes políticos devam cooperar materialmente entre si para a preservação de eventos desastrosos (nos termos do art. 51, inc. I, da Constituição do Estado), mas, neste ponto, está o texto constitucional conclamando o auxílio em relação às ações materiais, nada dispondo sobre a instituição dos respectivos tributos, cuja competência é indelegável e pertence ao Estado do Paraná.
A existência de convênio firmado entre o Município de Toledo e o Estado do Paraná (fls. 83 e seguintes) não altera o panorama, porque acerca disto, novamente do voto do Ministro Edson Fachin no RE nº 643.247, reconheceu a Corte Excelsa:
"No tocante à segunda razão para revisão de precedente, observa-se a inexistência fática do pressuposto material do tributo que é a disponibilidade, efetiva ou potencial, de serviços públicos aos contribuintes. Como se depreende da articulação argumentativa da própria parte Recorrente, a presente taxa teria sido instituída pela Lei 8.822/78 de Município de São Paulo, após a celebração de convênio com o Governo do Estado de São Paulo, para fins de prestação de prevenção e extinção de incêndios.
14 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Assim, "A taxa de combate de sinistros, portanto, foi criada com a finalidade exclusiva de ressarcir o erário municipal do custo da manutenção desses serviços, postos à disposição da coletividade paulistana" (fl. 88). Assim, não nos parece ser solução constitucionalmente possível a instituição de taxa com o fito de arcar com custos resultantes da formalização de acordo baseado na convergência dos interesses de entes federativos para a prestação de serviço público de interesse da coletividade. Na direção aqui proposta, cita-se a ADI 447, de relatoria do ministro Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ 05.03.1993. Enfim, relativamente à inexistência de competência tributária da parte Recorrente para instituir serviço público de prevenção e extinção de incêndios, haure-se da normatividade constitucional que as incumbências da municipalidade em relação ao ordenamento territorial traduzem-se em desenvolvimento da política urbana. No presente caso, a defesa civil não se enquadra na plêiade de competências administrativas do ente municipal, assim como não guarda similitude ao conceito de poder de polícia, como há muito assente na jurisprudência desta Corte. Nesses termos, remete-se à discussão levada a efeito no Tema 472 da sistemática da repercussão geral, cujo recurso-paradigma é o RE-RG 658.570, de relatoria do Ministro Marco Aurélio e com acórdão redigido pelo Ministro Luís Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 30.09.2015, em que se assentou, por maioria, a seguinte tese: "é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas." Diante dessas razões, entendo pela inconstitucionalidade da taxa em comento, com superação explícita do precedente firmado no RE 206.777."
15 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Da mesma forma, a Lei nº 12.608/2010, que estabelece a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, nada dispõe acerca da possibilidade de os Municípios instituírem taxas relativas à segurança pública. O diploma limita-se a prever que "é dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à redução do risco de desastre", o que, definitivamente, não corresponde a qualquer hipótese legal de delegação tributária nesta seara. Inclusive, dentre as atribuições dos municípios previstas no art. 8º da referida lei, não consta qualquer competência tributária.
Desta forma, não é correto sustentar que o Município de Toledo, por meio da Lei nº 1.931/2006, tenha apenas suplementado lei federal, porque o normativo municipal questionado, no ponto em que instituiu a taxa de combate a incêndio, inovou no mundo jurídico, criando exação ao arrepio da regra de competência tributária, extrapolando assim os limites postos pelo constituinte.
De modo que, ainda que haja convênio entre os entes, e ainda que a arrecadação seja destinada ao FUNREBOM, nada remanescendo nos cofres do Município, a instituição da taxa de combate a incêndio pelo Município de Maringá, sob o enfoque formal, caracteriza inegável invasão da competência tributária do Estado, eiva que nem a lavratura de convênio é capaz de escoimar, porque se a competência para instituir tributo é indelegável por lei, certamente também o é por meio de convênio.
Ademais, em se tratando de hipótese tributária cuja instituição deveria, eventualmente, se dar pelo Estado, não se pode admitir que o município crie sua própria exação, com alíquotas e base de cálculos próprias, sem uniformidade de tratamento.
Por conseguinte, sob a ótima da vinculação aos precedentes oriundos do Plenário da Corte Excelsa, tem-se que os artigos
16 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
122, inc. III, e 131 a 135, e o Anexo XII, todos da Lei Municipal nº 1.931, de 26 de maio de 2006, de Toledo/PR, violam as previsões de competência tributária previstas no art. 46, inc. III e parágrafo único, 48, caput, 49, caput, e 129, inc. III, todos da Constituição do Estado do Paraná, devendo ser declarados formalmente inconstitucionais.
Contudo, considerando-se a repercussão econômica decorrente desta declaração de inconstitucionalidade, objetivando-se evitar situação de vulneração à segurança jurídica quanto aos débitos já constituídos e cobrados pelo município, há que se modular os efeitos da decisão, para que tenham eficácia somente a partir da data de publicação deste acórdão na imprensa oficial, nos termos do que prevê o art. 27 da Lei nº 9.868/99, e na forma como se decidiu nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 1.230.407-3, 1.168.518-0 e 904.282-6, todas deste Órgão Especial (retro).
Sendo assim, voto pela procedência da ação, modulando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para que tenha eficácia a partir da publicação deste acórdão na imprensa oficial.
É como voto.
3. DISPOSITIVO
ACÓRDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Arquelau Araujo Ribas, Presidente em exercício, com voto, e dele participaram, acompanhando o voto do Relator, as Senhoras e Senhores
17 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ
Desembargadores Ruy Cunha Sobrinho, Prestes Mattar, Marques Cury, Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, Jorge Wagih Massad, Sônia Regina de Castro, Lauro Laertes de Oliveira, Hamilton Mussi Correa, Carlos Mansur Arida, Antonio Loyola Vieira, José Laurindo de Souza Netto, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Sigurd Roberto Bengtsson, Ana Lúcia Lourenço, Carvílio da Silveira Filho, Ramon de Medeiros Nogueira (em substituição ao Des. Telmo Cherem), Nilson Mizuta (em substituição ao Des. D'Artagnan Serpa Sá), Miguel Kfouri Neto (em substituição ao Des. Luís Carlos Xavier) e Jorge de Oliveira Vargas (em substituição à Desª. Lenice Bodstein).
Ausentes justificadamente os Excelentíssimos Desembargadores Renato Braga Bettega, Regina Afonso Portes, Rogério Kanayama e Macedo Pacheco (em substituição ao Des. Clayton Camargo).
Curitiba, 20 de agosto de 2018
PAULO ROBERTO VASCONCELOS Desembargador Relator
18
|