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Acórdão
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Certificado digitalmente por: ROBSON MARQUES CURY
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.657.284-2 DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - ÓRGÃO ESPECIAL AUTOR: ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE SUPERMERCADOS - APRAS.CURADOR: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO RELATOR: DES. MARQUES CURY AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL Nº 4.345/2015, DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU DISPOSIÇÃO SOBRE OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO DE BOMBEIRO CIVIL POR ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS ESPECÍFICOS, INCLUSIVE SUPERMERCADOS PRELIMINAR PERDA DO INTERESSE PROCESSUAL SUPERVENIENTE REVOGAÇÃO DO DIPLOMA NORMATIVO OBJURGADO PUBLICAÇÃO DA LEI MUNICIPAL Nº 4.588/2017 NORMA QUE REPRISA, QUASE QUE INTEGRALMENTE, AS PREVISÕES REVOGADAS, EM ESPECIAL A EXIGÊNCIA DE BOMBEIRO CIVIL NOS ESTABELECIMENTOS QUE MENCIONA SUBSISTÊNCIA DO OBJETO DE CONTROLE HÍGIDOS O SENTIDO E O ALCANCE DA PREVISÃO ORIGINARIAMENTE ATACADA, AGORA SOB A ROUPAGEM DA NOVA LEGISLAÇÃO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE NÃO PREJUDICADO PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PRELIMINAR RECHAÇADA MATERIAL DA LEI NÃO IDENTIFICADAS INEXISTÊNCIA DE INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO OU DO ESTADO PARA LEGISLAR SOBRE E PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIOS NORMA QUE NÃO AFRONTA A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA ESTADUAL A RESPEITO DA SEGURANÇA PÚBLICA - PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA NÃO AVILTADO LEGISLAÇÃO CALCADA EM RAZÕES DE RELEVANTE INTERESSE PÚBLICO EXIGÊNCIAS AMPARADAS PELOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR CONSTITUCIONALIDADE DO ATO NORMATIVO - AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.657.284-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é autora ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE SUPERMERCADOS APRAS.
I- RELATÓRIO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Paranaense de Supermercados APRAS, em face da Lei Municipal nº 4.345/2015, de Foz do Iguaçu - PR, publicada em 02 de julho de 2015, que dispõe
2 que menciona. Consigna a autora (fls. 02/42), preliminarmente, a sua legitimidade ativa e a pertinência temática para propor a ação, a teor do disposto no artigo 111, da Constituição do Estado do Paraná. Fundamenta que é associação civil, sem fins lucrativos, com abrangência de representação das empresas que exercem atividade de supermercados em todo o Estado do Paraná (art. 4º, do seu Estatuto Social). Sustenta a competência do Órgão Especial para o julgamento da ação, em conformidade com o disposto no artigo 101, VII, alínea "f", da Constituição Estadual do Paraná. No mérito, no tocante ao poder de legislar do Município, destaca: a) a ofensa à previsão de competências legislativas dos Municípios (artigos 15 e 17, da Constituição Estadual), contrariando o pacto federativo (artigo 1º, inciso I), as disposições sobre segurança pública (artigo 46, da CE) e a organização da atividade econômica fundada na livre iniciativa (artigo 139); b) a usurpação da competência privativa da União; c) a suficiência não só dos atos normativos já emanados pelo Estado do Paraná, mas também do Corpo de Bombeiros para garantir a proteção e a segurança das pessoas. Ressalta as regulamentações existentes sobre a prevenção e o combate ao incêndio, explanando que: a) a segurança pública é prevista na Constituição do Estado do Paraná, como dever do estado (art. 46), sendo de responsabilidade dos órgãos: Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Científica; b) a Lei Estadual nº 1.943/54 dispõe sobre a Polícia Militar no Estado do Paraná, definindo a competência do Corpo de Bombeiros de proteger a propriedade pública e particular contra o fogo (artigo 28); c) a Lei Estadual nº 16.575/2010 também elenca atribuições do Corpo de Bombeiros (artigo 50); d) a Lei Estadual nº 13.976/2002 estabelece as Taxas de Serviços Prestados pelo Corpo de Bombeiros, delimitando as suas hipóteses de incidência; e) a Lei Estadual nº 16.567/2010 institui normas gerais para
3 vigente Código de Segurança contra Incêndio e Pânico CSPIP, editado pelo Comando do Corpo de Bombeiros, em atendimento ao disposto no artigo 144, § 5º, da Constituição Federal, artigo 48, da Constituição Estadual e à Lei 16.575/2010. Reitera a incompetência do Município para legislar sobre segurança pública, tendo em vista que a Constituição Estadual prevê a competência apenas para "suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber" (artigo 17, inciso II) e para legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 17, inciso I), disposições coerentes com o sistema adotado pelo constituinte federal, hierarquia normativa que deve ser observada. Neste tema, argumenta que a competência material administrativa quanto à segurança pública é dos Estados, sendo desnecessária a suplementação da legislação pelo Município, asseverando a inexistência de interesse local a justificar a edição da norma. Defende que há contradição de critérios entre a lei municipal impugnada e a estadual, pois esta classifica o risco das edificações com base em diversos fatores, tais como altura, utilização e carga de incêndio, enquanto que a Lei Municipal 4.345/2015 estabelece contratação de bombeiro civil de acordo com a área do estabelecimento ou número de pessoas no recinto. No que é pertinente à incompetência dos Municípios para legislar sobre a matéria, cita precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (ADI 2100835-06.2016.8.26.0000) e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (ADI 1.0024.12.202474-8/002). Sustenta a insuficiência da justificativa do projeto que deu origem à Lei nº 4.435/2015, ao se reportar ao acidente ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, tendo em vista que são diferentes as condições de segurança e evasão em caso de incêndio, ao se comparar os supermercados e hipermercados de Foz do Iguaçu com a maioria das casas de espetáculos. Aponta ser desproporcional e desnecessária a lei, pois criou ônus excessivo aos
4 de segurança contra incêndio, salientando que "a necessidade de brigadas de incêndios e bombeiros civis já é analisado por normas técnicas de acordo com o grau de risco do estabelecimento específico". Ponderou, neste ponto, que a lei previu os destinatários da obrigação, contudo não foi analisado o risco efetivo de incêndio em cada estabelecimento, o que denota sua desproporcionalidade. Afirma que a lei, ao determinar a proporção do quadro de empregados nas empresas, intervém na livre iniciativa e viola o artigo 139 da Constituição do Estado do Paraná, referente ao artigo 170, IV, da Constituição Federal, o que torna desestimulante a atividade. Por fim, consigna que o bombeiro civil é profissional de dedicação exclusiva e que a lei impõe obrigação laboral às empresas, sendo certa a incompetência do Município para legislar sobre direito do trabalho, ante a competência legislativa privativa da União sobre o tema (art. 22, inciso I, da CF). Cita precedentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo e do Tribunal de Justiça da Paraíba de que a determinação de contratação de empregados diz respeito à matéria de "direito do trabalho" (ADI nº 70019590975 TJRS, REO 24040178253- TJES, 00020810620158150000 TJPB). Pugna pela concessão de medida cautelar liminar, para o fim de suspender a eficácia da lei impugnada, fundando o periculum in mora no fato de a lei prever pesadas multas, de modo que é evidente a possibilidade de prejuízos às empresas, decorrente do poder/dever de fiscalização do Município. Ao final, pede a procedência do pedido para o fim de declarar a inconstitucionalidade da lei em questão. Junta documentos (fls. 44/71).
5 preliminarmente, afirmando que o pedido é genérico e ilógico, pois ausente, na inicial, pleito de julgamento do mérito. Pugna pelo indeferimento da petição inicial, com fulcro no art. 330, § 1º, incisos II e II, do CPC. No mérito, aduz que a alegada ofensa aos artigos 15 e 17 da Constituição Estadual não prospera, tendo em vista que os dispositivos, em verdade, reforçam a competência municipal para legislar sobre o tema. Ressaltou que o interesse local é representado pelo poder legislativo municipal, cuja competência para legislar sobre a matéria é consagrada também na Lei Orgânica do Município. Cita precedentes desta Corte. Assevera que a segurança pública não contempla a atividade de bombeiro civil, somente bombeiro militar, descaracterizando a atividade como típica de estado, "possuindo como objeto a prevenção de perigo ou risco coletivo, não especificamente nos organismos públicos". Refere que o Supremo Tribunal Federal (HC 101.300, DJE 18.11.2010) difere o conceito jurídico de "ordem pública" do de incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, da CF), ponderando que a atividade de bombeiro civil tem como foco o setor privado, o que torna "inválida a assertiva de inconstitucionalidade por vício de origem, eis que a atividade de bombeiro civil não pode ser enquadrada como atividade de segurança pública típica (art. 46, CE)". Afirma a inocorrência de ofensa à livre iniciativa (art. 139, da CE), porque preservado o postulado da "valorização do trabalho". Por fim, pugna pelo indeferimento da inicial e, no mérito, pela improcedência do pedido (fls. 84/95). Junta documentos (fls. 96/98). A autora reitera o pedido de medida cautelar para o fim de suspender a eficácia da lei, apontando fatos novos no tocante à fiscalização do Município de Foz do Iguaçu, a qual tem exigido o cumprimento da lei perante estabelecimentos comerciais, conferindo-lhes 30 dias para regularização, sob pena de multa. Alega configurado o periculum in mora (fls. 101/105).
6 O Estado do Paraná, no exercício da curadoria de presunção de constitucionalidade, afirma a ausência de urgência a justificar a concessão da medida cautelar, tendo em vista que a lei está em vigor desde 02.07.2015, sem notícias de prejuízos aos estabelecimentos. Destaca que a ação foi ajuizada cerca de 02 (dois) anos após a publicação da norma, inexistindo, assim, perigo de dano irreparável. Sustenta que é competente o Município para legislar sobre segurança pública, citando o precedente da ADI nº 1.345.348-4, julgado neste colendo Órgão Especial, em 21.09.2015 e da AC 1509751-9, julgado na 3ª CC desta Corte, em 21.02.2017. Registra que, nos julgados citados, a argumentação se refere à competência do Município para instituir taxa de combate a incêndio, o que retrata a profundidade da interpretação em relação ao denominado "interesse local" previsto na Constituição Estadual e Federal. Argumenta o desacerto da autora ao invocar o art. 22, I, da CF, pois o paradigma deve ser a Constituição Estadual. Assevera que a União disciplina a questão laboral no tocante ao bombeiro civil, na Lei Federal 11.901/2009 e que o Município, no presente caso, valeu-se de profissão já regulamentada, para concretizar o valor da segurança pública, na seara do direito urbanístico, concretizando-se o interesse local. Afasta o argumento quanto à desnecessidade e desproporcionalidade da norma, visto que a prevenção de incêndios deve ser vista sob o aspecto do interesse local. Menciona como exemplo o evento ocorrido na "boate Kiss", no Rio Grande do Sul, cujo resultado catastrófico somente foi minimizado em razão da atuação do corpo municipal de auxiliares ao corpo de bombeiros estadual. Destaca que a preservação da vida "proporciona resultados muito mais vantajosos para a comunidade local". Aduz que não há afronta à livre concorrência, frisando que a liberdade de iniciativa não é direito absoluto, devendo ser dosado com os demais direitos envolvidos como a vida, a proteção do patrimônio e a segurança pública. Manifesta-se pelo indeferimento da medida cautelar (fls. 114/120).
7 pronuncia-se pelo afastamento das arguições de inépcia da inicial e de indeferimento da inicial, no tocante à alegada ofensa ao artigo 22, I, da Constituição Federal. Manifesta que, a princípio, não há excesso no exercício da competência legislativa suplementar do município. Ressalta, por outro lado, que a lei impugnada não trata de direito do trabalho, mas sim de "segurança urbana afeto ao poder de polícia municipal", rechaçando, portanto, a hipótese de usurpação da competência privativa da União. Afirma a ausência do fumus boni iuris no que concerne à ofensa ao princípio da livre iniciativa, pois aponta que a lei, inclusive, "guarda absoluta convergência com os princípios que regem a ordem econômica (...) e com as diretrizes traçadas pelo Código de Defesa do Consumidor". Aponta que a norma guarda obediência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois "fomenta a defesa mais efetiva do consumidor que frequenta os estabelecimentos relacionados". Por fim, aduz ser ausente o periculum in mora, tendo em vista que a legislação entrou em vigor em 02.07.2015 e a ação foi ajuizada em 07.03.2017, decorrido lapso temporal que desautoriza a concessão da medida cautelar. Sugere o afastamento das preliminares suscitadas e o indeferimento da medida cautelar (fls. 125/137). Às fls. 140/156, a parte autora reitera sua argumentação expendida na inicial, refutando as teses contrárias que foram trazidas aos autos. Preliminares rechaçadas pelo Colendo Órgão Especial e medida cautelar indeferida (fls. 162/181) Intimada a se manifestar sobre o mérito da ação objetiva, a douta Procuradoria-Geral do Estado requer a extinção do feito, sem resolução do mérito, alegando que houve a revogação do diploma normativo objurgado pela Lei nº 4.588 de 26 de dezembro de 2017.
8 pelo prosseguimento da ação, uma vez que a lei revogadora, que supostamente retiraria o objeto do presente controle de constitucionalidade, na realidade promoveu tão somente pequenas alterações no diploma anterior, de sorte que manteve a combatida obrigatoriedade de contratação de Bombeiro Civil pelos estabelecimentos comercias que menciona. Salienta, ademais, que o STF já reconheceu que inexiste prejuízo no prosseguimento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade quando a revogação de determinada lei ou ato normativo ocorreu com a evidente intenção de burlar a jurisdição constitucional (fls.209/217). Em derradeiro pronunciamento, a douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 221/238) sustenta, preliminarmente, a inexistência de perda do interesse processual e, no mérito, defende a improcedência da ação. Ao que aduz, não há inconstitucionalidade formal ou material na legislação atacada.
Os autos vieram-me conclusos. É o relatório.
II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO.
II.I PRELIMINAR
Antes de adentrar no mérito, cumpre-me o enfrentamento da preliminar suscitada pela Douta Procuradoria-Geral do Estado e fundamentada numa suposta perda superveniente do objeto da presente ação objetiva. Ao que sustenta, a Lei Municipal nº 4.345/2015 foi expressamente revogada pelo art. 11 da Lei nº 4.588/2017, de modo que o feito deveria ser extinto sem resolução de mérito.
Sem razão, contudo.
9 Tribunal Federal, não vejo prejudicado o controle de constitucionalidade a ser realizado no presente processo. Isso porque, muito embora o diploma normativo originariamente objurgado tenha sido revogado no curso dessa ação, a sobrevinda alteração legislativa não extirpou do mundo jurídico as normas atacadas, tão somente conferiu-lhes nova roupagem. Tenho que o controle de constitucionalidade não se reduz à análise fria do texto de lei, mas sim, e também, da norma que dele se extrai e das consequências dela no mundo fenomênico (nesse caso, especificamente, quando se aquilata eventual inconstitucionalidade material da lei). Bem por isso, após o cotejo entre as duas previsões a revogada e a revogadora - identifico que o conteúdo normativo outrora constante da Lei nº 4.345/2015 foi transferido com tímidas alterações para a Lei nº 4.588/2017, de sorte que a mens legis que se extrai de ambos os diplomas é a mesma, justificando-se, destarte, o prosseguimento do controle de constitucionalidade, agora sobre o novo objeto, mas com os mesmos parâmetros. O que houve, em última análise, foi a troca de numeração da lei; a de 2015 foi substituída pela de 2017. Essa foi, inclusive, a informação corretamente trazida aos autos pela parte autora (fls. 209/217), oportunidade em que sustentou que a indigitada alteração legislativa se deu tão somente com a finalidade de esvaziar o objeto da presente ADI, em aparente fraude processual; fato que foi endossado pelo i. representante do parquet. Não se pode aceitar que, por meio de manobras legislativas, se consiga o afastamento da jurisdição constitucional. A chancela de posturas como essa, que levariam, via de regra, à extinção do processo de controle de constitucionalidade, conduziria paulatinamente ao enfraquecimento da força normativa da Constituição e da máxima efetividade de suas previsões.
10 de controle configuraria patente postura antieconômica (afronta ao princípio da economia processual1). Se estão preservadas as disposições legais no novel diploma publicado em 2017, muito provavelmente uma outra ação objetiva seria ajuizada após o arquivamento deste feito, vez que a extinção processual perpetuaria a tensão constitucional provocada pela questionada compatibilidade vertical da norma aguerrida. A título ilustrativo, colaciono abaixo trecho da ementa e do art. 1º de ambas as leis, por meio dos quais se pode precisar a identidade das previsões legais:
LEI Nº 4345, DE 30 DE JUNHO DE 2015. DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO DE BOMBEIRO CIVIL PELOS ESTABELECIMENTOS QUE MENCIONA. A Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná, aprovou e eu, Prefeito Municipal, sanciono a seguinte Lei: Art. 1º A presença do Bombeiro Civil é obrigatória nos estabelecimentos a que refere esta Lei, devendo o profissional zelar e estar atento a todos os itens de segurança exigidos, incluindo os que possam potencialmente gerar acidentes ou por em riscos a integridade física dos usuários dos estabelecimentos de que trata esta Lei.
LEI Nº 4588, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2017. DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE MANUTENÇÃO DE EQUIPES DE BRIGADA CIVIL DE EMERGÊNCIA, COMPOSTA POR BOMBEIRO CIVIL, NOS ESTABELECIMENTOS QUE MENCIONA.
e eu, Prefeito Municipal, sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica instituída, no âmbito do Município de Foz do Iguaçu, a obrigatoriedade de manutenção de equipes de Brigada Civil de Emergência, composta por Bombeiro Civil, nos estabelecimentos que menciona.
Bem de se ver que, ao fim e ao cabo, permanece o município de Foz do Iguaçu exigindo a presença de Bombeiro Civil nos estabelecimentos referidos. É exatamente essa exigência que consubstancia a causa de pedir dessa ação, visto que, segundo discorrido na proemial, ela é a provocadora da indesejada crise constitucional seja por violar normas repartitórias da competência legislativa, seja por afrontar princípios constantes da Constituição Estadual. O Pretório Excelso, ao enfrentar situação semelhante, em acórdão de relatoria do então Ministro Joaquim Barbosa, fixou o entendimento segundo o qual a prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade é afastada no caso de a norma revogadora superveniente não efetuar alteração substancial no diploma inicialmente atacado. Vejamos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. ALTERAÇÃO NÃO-SUBSTANCIAL DA NORMA IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. É correta decisão monocrática que entende não prejudicada ação direta de inconstitucionalidade em virtude de sobrevinda de alteração legislativa não-substancial da norma impugnada. Nova redação que não altere o sentido e o alcance do dispositivo atacado não implica a revogação deste, de sorte que permanece viável o controle concentrado de constitucionalidade. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - ADI-AgR-segundo: 2581 SP, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 28/09/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-12-2005 PP-00060 EMENT VOL-02218-02 PP-00277 LEXSTF v. 27, n. 324, 2005, p. 47-52 RT v. 95, n. 847, 2006, p. 127-129).
12 se aprecia, o saudoso Ministro Teori Zavascki relatou ADI em cujo bojo assentou a inexistência de perda do objeto processual no caso de o conteúdo normativo impugnado ser repetido, em sua essência, no diploma normativo revogador. A propósito:
Não haverá perda do objeto se ficar demonstrado que o conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua essência, em outro diploma normativo. Neste caso, como não houve desatualização significativa no conteúdo do instituto, não há obstáculo para o conhecimento da ação. (STF ADI 2418/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 4/5/2016. Info 824)
Nesse passo, o que se pode inferir é que, não obstante a revogação da lei ou do ato normativo implique, ordinariamente, a perda superveniente do interesse processual nas ações de controle de constitucionalidade (STF ADI 1203), em situações excepcionais, aí incluída a dos autos, admite-se o prosseguimento da demanda objetiva, sobretudo quando sinalizada eventual fraude processual (STF ADI 3306).
Pelo exposto, rejeito a preliminar. Passo, pois, ao enfrentamento do mérito.
II.II Mérito
O presente caso versa, originariamente, sobre a alegada inconstitucionalidade da Lei 4.345/2015, do Município de Foz do Iguaçu, que dispõe sobre a obrigatoriedade de contratação de bombeiro civil pelos estabelecimentos que menciona, com a seguinte redação:
13 estabelecimentos a que refere esta Lei, devendo o profissional zelar e estar atento a todos os itens de segurança exigidos, incluindo os que possam potencialmente gerar acidentes ou por em riscos a integridade física dos usuários dos estabelecimentos de que trata esta Lei. Parágrafo Único - Considera-se Bombeiro Civil, para efeitos desta Lei, aquele de que trata a Lei Federal nº 11.901, de 12 de janeiro de 2009 e a NBR-14608 da Associação Brasileira de Normas Técnicas, de outubro de 2000. Art. 2º Os estabelecimentos e locais a que esta Lei se refere são: I - shopping center; II - casas de shows e espetáculos com capacidade mínima de 250 (duzentas e cinquenta) pessoas; III - supermercados e hipermercados; IV - lojas de departamentos com área construída superior a 5.000 m² (cinco mil metros quadrados); V - hotéis com área construída superior a 5.000 m² (cinco mil metros quadrados); VI - edifícios ou imóveis comerciais que abrigam escritórios, consultórios, clínicas e outros estabelecimentos congêneres com público fixo acima de 500 (quinhentas) pessoas ou com circulação média diária acima de 1.500 (mil e quinhentas) pessoas; VII - entidades de ensino superior com área construída superior a 5.000 m² (cinco mil metros quadrados); VIII - locais de eventos públicos ou privados; IX - empresas de grande porte com área construída superior a 3.000 m² (três mil metros quadrados); e X - áreas destinadas a eventos esportivos com público acima de 1.000 (mil) pessoas. § 1º Para os fins dispostos nesta Lei considera-se: I - shopping center: empreendimento empresarial, com reunião de lojas comerciais, restaurantes e/ou cinemas, em um só conjunto arquitetônico; II - casa de shows ou espetáculos: empreendimentos destinados a realização de shows artísticos e/ou apresentação de peças teatrais e de reuniões públicas; III - supermercado: é o estabelecimento que comercializa, mediante auto-serviço, grande variedade de mercadorias, em especial
14 atacado ou varejo, com área de vendas entre 2.501 m² (dois mil, quinhentos e um metros quadrados) a 5.000 m² (cinco mil metros quadrados); IV - hipermercado: supermercado com área de vendas acima de 5.000 m² (cinco mil metros quadrados), que, além dos produtos de gêneros alimentícios tradicionais, vendam eletrodomésticos, eletrônicos e roupas; V - lojas de departamentos: é o estabelecimento que comercializa uma larga variedade de produtos de consumo, tais como vestuário, mobiliário, decoração, produtos eletrônicos, cosméticos e brinquedos; VI - hotel: estabelecimento que se dedica ao alojamento de hóspedes ou viajantes de forma temporária; VII - entidades de ensino superior: escolas, faculdades ou universidades públicas ou privadas, com intuito lucrativo ou não, destinadas à formação profissional e científica em nível superior e/ou de pós-graduação; e VIII - eventos: todos os shows, feiras, exposições, eventos culturais, eventos esportivos, palestras e eventos empresariais realizados no Município. § 2º Tratando-se de supermercado, hipermercado ou de outro estabelecimento mencionado nesta Lei, que seja associado a shopping center, a unidade de bombeiros civis e combate a incêndio poderá ser única, atendendo ao shopping center e ao estabelecimento associado. Art. 3º A admissão de Bombeiro Civil será feita diretamente pelos estabelecimentos citados no art. 2º. Art. 4º Todos os locais e estabelecimentos de que tratam esta Lei deverão funcionar rigorosamente de acordo com as exigências do Código de Segurança Contra Incêndios e Pânico (CSCIP) e Normas de Procedimentos Técnicos (NPT´s), ambas do Corpo de Bombeiros do Estado do Paraná. Art. 5º É obrigatório nos locais mencionados nesta Lei a manutenção de um Desfibrilador Externo Automático (DEA), que deverá ser operado pelo Bombeiro Civil devidamente treinado, aparelhos e materiais de primeiros socorros, bem como a existência de local adequado para atendimento ao público nas situações de urgência e emergência.
15 no quadro de seus funcionários, no mínimo 1 (um) Bombeiro Civil, devidamente qualificado, capacitado e treinado para atuar preventivamente nas ações que visem conferir, apoiar e realizar a manutenção preventiva e/ou corretiva de suas instalações, bem como, atender casos de risco, ainda que iminentes, fornecendo orientações em situações de urgência e emergência. § 1º Tratando-se de casas de shows, o Bombeiro Civil contratado deverá conhecer todo o Planejamento de Prevenção e Combate a Incêndio do estabelecimento, estar no local, no mínimo, 2 (duas) horas antes do início do evento e, ali permanecer até o final, em condições de atuar imediatamente quando necessário. § 2º Nos eventos organizados pela casa de shows, o número de Bombeiros Civis deverá respeitar a proporção mínima de 1 (um) profissional para cada 250 (duzentas e cinquenta) pessoas no recinto. § 3º O número de Bombeiros Civis, por turno de trabalho, durante todo o período de funcionamento, respeitará as seguintes proporções: I - nos supermercados, um profissional; II - nos hotéis, lojas de departamentos e entidades de ensino superior, um profissional a cada 5.000 m² (cinco mil) metros quadrados de área construída; III - nos shoppings centers e hipermercados, dois profissionais a cada 5.000 m² (cinco mil) metros quadrados de área construída; e IV - nos locais de eventos públicos ou privados, um profissional a cada 1.000 (mil) pessoas presentes. Art. 7º O Bombeiro Civil deverá portar telefone, equipamento de rádio ou outro instrumento de comunicação similar, que lhe permita estabelecer, sempre que necessário, rápido contato ou chamada com o Corpo de Bombeiros Militar, com a Polícia Militar, com a Polícia Civil e/ou com serviços de urgência ou emergência médica. Art. 8º Aos infratores do disposto nesta Lei serão aplicadas as seguintes penalidades: I - multa no valor de 20 (vinte) UFFI`s - Unidades Fiscais de Foz do Iguaçu; II - em caso de reincidência, a multa será de valor dobrado. Art. 9º Os estabelecimentos e locais a que se refere esta Lei terão o prazo de 12 (doze) meses para se adequarem as normas estabelecidas.
16 de 20 de março de 2014. Art. 11 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."
Em dezembro de 2017, as disposições sobre a obrigatoriedade de manutenção de Brigada Civil de Emergência foram transferidas para Lei nº 4.588, do Município de Foz do Iguaçu, cujo teor colaciono a seguir:
Art. 1º Fica instituída, no âmbito do Município de Foz do Iguaçu, a obrigatoriedade de manutenção de equipes de Brigada Civil de Emergência, composta por Bombeiro Civil, nos estabelecimentos que menciona. Art. 2º Os estabelecimentos e locais a que esta Lei se refere são: I - shopping center; II - casas de shows e espetáculos; III - supermercados e hipermercados; IV - lojas de departamentos com área construída superior a 5.000m² (cinco mil metros quadrados); V - edifícios ou imóveis comerciais que abrigam escritórios, consultórios, clínicas e outros estabelecimentos congêneres com público fixo acima de 1.000 (mil) pessoas ou com circulação média diária acima de 1.500 (mil e quinhentas) pessoas; VI - entidades de ensino superior com área construída superior a 5.000m² (cinco mil metros quadrados); VII - espaços de eventos fechados que recebam grande concentração de pessoas, com circulação média acima de 1.000 (mil) pessoas por dia. § 1º Para os fins dispostos nesta Lei considera-se: I - shopping center: empreendimento empresarial, com reunião de lojas comerciais, restaurantes e/ou cinemas, em um só conjunto arquitetônico; II - casa de shows ou espetáculos: empreendimento destinado à realização de shows artísticos e musicais, em local fechado cuja capacidade de lotação seja igual ou superior a 250 (duzentos e cinquenta) pessoas; III - supermercado: é o estabelecimento que comercializa, mediante autosserviço, grande variedade de mercadorias, em especial produtos alimentícios em geral e produtos de higiene e limpeza, no
17 quinhentos e um metros quadrados) a 5.000m² (cinco mil metros quadrados); IV - hipermercado: supermercado com área de vendas acima de 5.000m² (cinco mil metros quadrados), que, além dos produtos de gêneros alimentícios tradicionais, vendam eletrodomésticos, eletrônicos e roupas; V - loja de departamentos: é o estabelecimento que comercializa uma larga variedade de produtos de consumo, tais como vestuário, mobiliário, decoração, produtos eletrônicos, cosméticos e brinquedos; VI - entidades de ensino superior: escolas, faculdades, centros de educação superior ou universidades públicas, privadas ou comunitárias, com intuito lucrativo ou não, destinadas a formação profissional e científica em nível superior e/ou de pós-graduação; e VII - espaço de eventos: compreende todos os espaços fechados, públicos ou privados, onde são realizadas feiras, exposições seminários, workshops, shows, palestras e eventos empresariais no Município. § 2º Tratando-se de supermercado, hipermercado ou de outro estabelecimento mencionado nesta Lei, que seja associado a shopping center, a unidade de Bombeiro Civil e combate a incêndio poderá ser única, atendendo ao shopping center e ao estabelecimento associado. Art. 3º Entende-se por Brigada Civil de Emergência o grupo organizado de pessoas, voluntárias ou não, treinadas e capacitadas, anualmente, para atuar na prevenção e em situações de risco, relativas a princípio de incêndio, em edificações industriais, comerciais e de serviço. § 1º São objetivos da Brigada Civil de Emergência, de que trata esta Lei, a redução aos danos ao meio ambiente, bem como o abandono de áreas, os primeiros socorros, a prevenção e o combate ao princípio de incêndio dentro de uma área pré-estabelecida até a chegada do socorro especializado. § 2º Para implantar a Brigada Civil de Emergência, os estabelecimentos deverão observar os critérios de composição, formação, implantação, treinamento e reciclagem definidos pela Norma de Procedimento Técnico nº 017 (NPT 017), do Corpo de Bombeiros do Estado do Paraná.
18 deverá conter pelo menos 1 (um) Bombeiro Civil de que trata a Lei Federal nº 11.901, de 12 de janeiro de 2009, podendo o referido profissional compor quadro próprio do estabelecimento ou ser contratado junto à empresa especializada na prestação de serviços de prevenção e combate a incêndios. Art. 4º Cada Brigada Civil de Emergência deverá ser estruturada do seguinte modo: I - recurso de pessoal: a equipe contratada deverá atender aos termos da Lei Federal nº 11.901, de 12 de janeiro de 2009 e a NBR- 14.608, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, de outubro de 2000, e, em locais onde haja frequência de pessoas do sexo feminino, pelo menos um membro da equipe deverá ser do sexo feminino; II - recursos materiais obrigatórios: a) materiais para inspeções preventivas e ações de resgate em locais de difícil acesso inerente aos riscos de cada planta; b) kit completo de primeiros socorros para ações de suporte básico de vida, incluindo o Desfibrilador Externo Automático (DEA) nos casos em que a lei exija, acima de 1.000 (mil) pessoas com Ambulância de Primeiros Socorros. Art. 5º Todos os locais e estabelecimentos de que tratam esta Lei deverão funcionar rigorosamente de acordo com as exigências do Código de Segurança Contra Incêndios e Pânico - CSCIP - e Normas de Procedimentos Técnicos - NPT's -, ambas do Corpo de Bombeiros do Estado do Paraná. Art. 6º O Bombeiro Civil, de que trata esta Lei, deverá ser devidamente qualificado e treinado para atuar de forma preventiva nas ações que visem conferir, apoiar e realizar a manutenção preventiva e/ou corretiva das instalações dos estabelecimentos em que atuam, bem como atender casos de risco, ainda que iminentes, fornecendo orientações em situações de urgência e emergência, obedecendo à seguinte proporção: I - tratando-se de casa de shows e espetáculos, o Bombeiro Civil contratado deverá conhecer todos os planejamentos de prevenção e combate a incêndio do estabelecimento, estar no local, no mínimo, 2 (duas) horas antes do início do evento e, ali permanecer até o final, em condições de atuar imediatamente quando necessário; II - nos eventos organizados por casas de shows e espetáculos, o número de Bombeiros Civis deverá respeitar a proporção mínima de
19 no recinto, contratado no momento do evento; III - nos supermercados e hipermercados, 1 (um) profissional; IV - nas lojas de departamentos e entidades de ensino superior, 1 (um) profissional a cada 5.000m² (cinco mil) metros quadrados de área construída; V - nos shoppings centers e hipermercados, 2 (dois) profissionais a cada 5.000m² (cinco mil) metros quadrados de área construída; VI - nos espaços de eventos fechados, contratar no momento do evento 1 (um) profissional a cada 1.000 (mil) pessoas presentes. Art. 7º O Bombeiro Civil deverá portar telefone, equipamento de rádio ou outro instrumento de comunicação similar, que lhe permita estabelecer, sempre que necessário, o rápido contato ou chamada com o Corpo de Bombeiros Militar, com a Polícia Civil e/ou com serviços de urgência ou emergência médica. Art. 8º Aos infratores do disposto nesta Lei será aplicada multa no valor de 20 (vinte) UFFI's - Unidades Fiscais de Foz do Iguaçu. Parágrafo único. Em caso de reincidência, a multa será de valor dobrado. Art. 9º Os estabelecimentos e locais a que se refere esta Lei terão o prazo de 6 (seis) meses para se adequarem as normas estabelecidas. Art. 10 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 11 Fica revogada a Lei nº 4.345, de 30 de junho de 2015.
Pois bem.
Consoante relatado, sustenta a autora que o diploma aguerrido (Lei Municipal nº 4.588/2017) estaria maculado por vícios de inconstitucionalidades formal e material. Ao que fundamenta, haveria: i) afronta ao art. 22, inc. I, da Constituição Federal, por suposta invasão da competência legislativa da União em matéria de direito do trabalho; ii) afronta aos arts. 17, incs. I e II, arts. 46 e 48, caput, todos da Constituição do Estado do Paraná, por violação à competência legislativa do Estado em matéria de segurança pública, prevenção e combate a incêndio; iii)
20 da razoabilidade e da proporcionalidade. Entretanto, razão não lhe assiste. No tocante à suposta afronta à competência legislativa da União, não identifico o alegado incurso do Poder Legislativo Municipal de Foz do Iguaçu/PR na seara trabalhista, o que levaria à inconstitucionalidade formal orgânica2 da assinalada lei. Assim dispõe o art. 22, inc. I, da Constituição Federal:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Saliento que, muito embora se trate de artigo constante da Magna Carta Republicana, o qual, a priori, não prestaria de parâmetro ao controle de constitucionalidade realizado pelos Tribunais de Justiça, a norma apontada pode também nos servir ao cotejo de compatibilidade constitucional em virtude de sua natureza repartitória de competência (STF, Rcl nº 15826-AgR/MG, Primeira Turma, Unânime, Rel. Min. Luiz Fux. J. em 12.05.2015).
obrigatórias pelos Estados (aplicação do princípio da simetria34).
A respeito dos contornos da disciplina do Direito do Trabalho, é a lição de SÉRGIO MARTINS:
"Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas". (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 16).
Na espécie, o diploma atacado não interfere na relação trabalhista estabelecida entre as pessoas jurídicas indicados pelo art. 2º da Lei nº 4.588/2017 e os Bombeiros Civis. Não há, igualmente, regulamentação da atividade desenvolvida por esses profissionais, previsão de direitos ou deveres ou qualquer normatização sobre essa Profissão.
Ao revés. Vejo que no § 3º, do art. 3º, da Lei nº 4.588/2017, há expressa referência à Lei Federal nº 11.901/2009, a qual dispõe sobre a profissão de Bombeiro Civil e dá outras providências. Tal fato nos permite afirmar, estreme privativa da União.
Não se ignora que algumas obrigações dirigidas a agentes privados podem provocar, ainda que indiretamente, reflexos nas atividades empresariais e nas relações de trabalho. No entanto, denota-se que o aspecto preponderante da lei em apreço, conforme se discorrerá nessa decisão, é a disciplina relacionada ao direito urbanístico, proteção do consumidor e defesa da saúde, vez que, ao instituir a obrigatoriedade na manutenção de Bombeiros Civis nos locais enumerados pela lei, o legislador municipal buscou conferir maior segurança e comodidade ao público.
Esse traço permite reconhecer que a matéria tratada pela lei é abrangida pela competência municipal, consoante previsão do art. 17, inc. II, da Constituição Estadual, afigurando-se a suplementação realizada pelo Município em relação a temas como "direito urbanístico" (art. 13, inc. I, da CE), "produção e consumo" (art. 13, inc. V, da CE) e "(...) proteção e defesa da saúde" (art. 13, inc. XII, da CE).
A esse respeito, colhe-se da jurisprudência deste Órgão Especial:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 16.649/2010. ATO NORMATIVO QUE ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DA DISPONIBILIZAÇÃO DE EMPACOTADORES NOS CAIXAS DE SUPERMERCADOS E HIPERMERCADOS QUE CONTAM COM MAIS DE 12 (DOZE) CAIXAS. 1. VÍCIO FORMAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. SUPOSTA ÀFRONTA À COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. DIPLOMA LEGAL QUE TEM EM MIRA A PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR E NÃO
23 LEGISLATIVA CONCORRENTE. POSSIBILIDADE DE SUPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL. VÍCIO FORMAL NÃO VERIFICADO. 2. VÍCIO MATERIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA. ARTIGO 139 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. ATIVIDADE DO EMPACOTADOR QUE, EMBORA SALUTAR, NÃO É ESSENCIAL À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ATO NORMATIVO QUE TORNA OBRIGATÓRIA COMODIDADE INSERIDA NO ÂMBITO DA LIBERDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. ASPECTO DA ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO SUJEITA À INTERFERÊNCIA LEGISLATIVA. Viola o princípio da livre iniciativa lei que torna obrigatória a presença de empacotadores nos caixas de supermercados, eis que compete a cada empresa a determinação das comodidades a serem oferecidas ao consumidor.3. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.(TJPR - Órgão Especial - AI - 1523423-2 - Curitiba - Rel.: Sônia Regina de Castro - Unânime - J. 21.08.2017).
Nessas condições, não identifico a alegada inconstitucionalidade formal por invasão à competência privativa da União. A lei atacada somente traz regras, no âmbito municipal, a respeito da presença de profissionais, cujas atividades já estão regulamentadas em Lei Federal, nos estabelecimentos a que se refere.
Quanto à afronta à competência do Estado do Paraná para legislar sobre segurança pública, prevenção e combate a incêndio, também sem sucesso a argumentação esposada.
Assim dispõe a Constituição do Estado:
Art. 46. A segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos é exercida, para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, pelos seguintes
24 16/10/2001) I - Polícia Civil; II - Polícia Militar; III - Polícia Científica. Parágrafo único: O Corpo de Bombeiros é integrante da Polícia Militar.
Art. 48. À Polícia Militar, força estadual, instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e disciplina militares, cabe a polícia ostensiva, a preservação da ordem pública, a execução de atividades de defesa civil, prevenção e combate a incêndio, buscas, salvamentos e socorros públicos, o policiamento de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais, além de outras formas e funções definidas em lei. (vide ADIN 117)
No âmbito do condomínio legislativo, é assegurada a competência suplementar dos municípios em relação às normas federais e estaduais, conforme consta da Constituição do Estado do Paraná:
Art. 17. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Tal previsão, que está também na Carta Republicana5 (art. 30, incs. I e II), franquia aos entes menores a edição de normas que, condizentes com a legislação dos entes maiores, tutele os interesses e as peculiaridades locais. Não se trata de exclusividade de proveito municipal, mas tão somente de sua predominância.
que se refere, primariamente e diretamente, sem dúvida, ao agrupamento humano local, mas que também atende a interesses do Estado e de todo o país.
Nesse passo, é consabido que a prevenção e o combate a incêndio é tema concernente ao direito urbanístico, matéria cuja competência legislativa é concorrente, isto é, pode ser tratada pelo município de forma suplementar. A esse respeito, valho-me da lição de ÁLVARO LAZARINI7:
(...) o Estado pode legislar concorrentemente com a União a respeito do Direito Urbanístico, que é capítulo do Direito Administrativo, podendo, portanto, legislar sobre prevenção de incêndios, ficando ao Município a competência de suplementar essa legislação, sempre atendendo ao fim social da propriedade (art. 5º, item XXIII, da CF de 1988 (...)
No contexto da competência legislativa, conquanto o dever de prover a segurança pública seja estatal, não há como descaracterizar a necessidade de prevenção de incêndios como "assunto de interesse local", conforme dispõe o art. 17, inciso I, da Constituição Estadual.
Sobre o tema leciona HELY LOPES MEIRELLES8:
"O serviço de prevenção contra incêndios, principalmente em seu aspecto preventivo, é da competência do Município. As providências cautelares devem ser exigidas desde a aprovação dos projetos de construção, para os quais o Código de Obras e as normas especiais estabelecem requisitos de segurança contra fogo e impõem dispositivos de salvamento nos edifícios de utilização
estabelecimentos ou locais sujeitos a incêndio. Pode ainda o Município organizar Corpo de Bombeiros Voluntários para auxiliar o Corpo Militar de Bombeiros (este, sim, privativo do Estado, nos termos do art. 144-§6º, da CF) nas emergências que os incêndios provocam nos centros urbanos, e mesmo nas queimadas de floresta tão frequentes na zona rural na época de seca. Nessa eventualidade sempre se verifica a insuficiência de homens e de equipamento do serviço estadual, quem bem pode ser complementado pela organização local. Outro aspecto a ser provido pelo município é o da promoção de campanhas educativas da população sobre preservação e combate ao fogo, bem como a formação de corpo de bombeiros voluntários que se disponham a cooperar com as autoridades competentes nos momentos de necessidade gerados pelos grandes incêndios, urbanos ou rurais. Tal iniciativa tem sido posta em prática em muitas cidades paulistas, com resultados plenamente satisfatórios.
Alusivo ao interesse local do município para legislar sobre prevenção e combate a incêndios, cito precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei 10.478, de 24 de junho de 2013, do Município de Sorocaba, que "dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de rede de 'Sprinklers' de prevenção e combate a incêndios e dá outras providências". Alegação de usurpação de competência do Estado. Não ocorrência. Competência do Munícipio para legislar sobre assunto de interesse local. Alegação de violação do princípio da separação dos Poderes e da exclusividade de iniciativa do Prefeito. Não ocorrência. Alegação de afronta ao princípio da razoabilidade no tocante ao seu artigo 5º. Ação improcedente, extinto o processo, sem resolução do mérito, quanto ao artigo 5º do diploma legal, alterado por lei superveniente ao ajuizamento. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2035575-50.2014.8.26.0000; Relator (a): Antonio Carlos Villen; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 06/08/2014; Data de Registro: 12/08/2014).
27 Estado de Minas Gerais:
EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. NORMAS DE SEGURANÇA E PREVENÇÃO DE INCÊNDIO DO MUNICÍPIO DE ITAÚNA. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. A organização da segurança pública é de competência do Governo Estadual, sendo vedada ao Município a ingerência em questões relativas à sua estrutura e disciplina. No entanto, a Lei Complementar nº 80/2013, do Município de Itaúna, que dispõe sobre normas de segurança e prevenção de incêndio em estabelecimentos públicos e privados não afronta os princípios constitucionais, sendo mera expressão de exercício do poder de polícia. Os Municípios vêm sendo responsabilizados pelo que deixam de fazer nesta área, e o Judiciário, neste quadro de precedentes judiciais, não deve impedir as medidas que tentarem estabelecer, para depois, responsabilizá- los pelo que deveriam ter feito. V.V. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DO MUNICÍPIO DE ITAÚNA - NORMAS DE SEGURANÇA E PREVENÇÃO DE INCÊNDIO APLICÁVEIS ÀS CASAS DE ESPETÁCULO - ALEGAÇÃO DE INVASÃO DE COMPETÊNCIA ESTADUAL - MATÉRIA CONCERNENTE AO DIREITO URBANÍSTICO - COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ENTES DA FEDERAÇÃO - POSSIBILIDADE DO MUNICÍPIO LEGISLAR EM CARÁTER SUPLETIVO, DESDE QUE RESPEITADAS AS NORMAS GERAIS DA UNIÃO E COMPLEMENTARES DO ESTADO - CONTRARIEDADADE PARCIAL EM RELAÇÃO À REGULAMENTAÇÃO ESTADUAL - INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL - IMPOSIÇÃO DO DEVER DE FISCALIZAÇÃO - MATÉRIA ESSENCIALMENTE CORRELACIONADA À ATIVIDADE ADMINISTRATIVA COM REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO LOCAL - INGERÊNCIA DO LEGISLATIVO EM MATÉRIA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE RECONHECIDA. - A competência para legislar sobre direito urbanístico foi concorrentemente outorgada à União, aos Estados e aos
28 aplicação do disposto no §1º do mesmo dispositivo e das demais normas da espécie, ao Município incumbirá o múnus de editar as regras urbanísticas concernentes ao interesse local, suplementando a legislação federal e estadual, em conformidade com o disposto no art. 30, I e II da Constituição. - Os Municípios possuem competência para editar normas relativas à segurança das casas de espetáculo, na medida em que a questão consubstancia o interesse local em relação à matéria urbanística. No entanto, a atuação normativa do ente público deverá se manifestar em caráter supletivo, respeitando- se as normas gerais editadas pela União e as normas complementares elaboradas pelos Estados. - Reputa-se inconstitucional a lei elaborada mediante iniciativa parlamentar que impõe obrigações atinentes ao poder de polícia ao Poder Executivo, com aumento da despesa pública e impacto na previsão orçamentária. Nesse caso, há ofensa ao princípio da separação dos poderes, resguardado em âmbito estadual pelos art. 6º e art. 173 da Constituição do Estado. (TJMG - Ação Direta Inconst 1.0000.13.065431-2/000, Relator (a): Des.(a) Vanessa Verdolim Hudson Andrade , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Wander Marotta , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 04/02/0015, publicação da súmula em 13/03/2015).
Em âmbito federal, a Lei nº 13.425/17 estabelece as diretrizes gerais sobre as medidas de prevenção e combate a incêndio e prevê, expressamente, a atribuição municipal de editar normas especiais de prevenção e combate a incêndio e a desastres para locais de grande concentração e circulação de pessoas, desde que respeitada a normativa estadual sobre o tema. In verbis:
Art. 2oO planejamento urbano a cargo dos Municípios deverá observar normas especiais de prevenção e combate a incêndio e a desastres para locais de grande concentração e circulação de pessoas, editadas pelo poder público municipal, respeitada a legislação estadual pertinente ao tema.
29 em vigor do ato normativo ora atacado não trazia qualquer previsão quanto à atuação regulamentar dos municípios na prevenção e combate a incêndios. Posteriormente, com a edição da Lei nº 19.449/18, diploma que revogou a Lei Estadual nº 16.567/10, em relação aos municípios passou a constar que:
Art. 1ºEsta Lei regula o exercício do poder de polícia administrativa pelo Corpo de Bombeiros Militar no âmbito do Estado do Paraná e institui as normas gerais para a fiscalização e a execução das medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres nas edificações, estabelecimentos, áreas de risco e eventos temporários, com objetivo de proteger a vida das pessoas e reduzir danos ao meio ambiente e ao patrimônio em caso de sinistros. (...) § 2º O disposto nesta Lei não interfere e tampouco se sobrepõe às atribuições e competências legais atinentes aos municípios no que diz respeito ao controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Na espécie, não vislumbro que a lei impugnada tenha ultrapassado a competência suplementar, a teor do disposto no art. 17, inc. II, da Constituição Estadual. Isso porque, ao instituir a obrigatoriedade da manutenção de Bombeiro Civil para prevenção e combate a incêndios nos estabelecimentos previstos no art. 2º, da Lei nº 4.588/2017, o legislador municipal apenas pretendeu adaptar a legislação federal à realidade local.
Denota-se, pois, reforçado o aspecto supletivo da norma municipal no tocante à segurança e proteção ao patrimônio, dentro da sua esfera de competência legislativa, sendo ausente a transgressão das normas federal ou estadual que disciplinam a matéria. Não pairam dúvidas de que a municipalidade tem todo o interesse de combater o incêndio ou outro sinistro que ameace os bens e/ou interesses que ela tem responsabilidade pela tutela.
30 exercerá as atividades próprias do bombeiro militar, mas atuará como um colaborador na prevenção de incêndios, sem usurpação das funções próprias do Corpo de Bombeiros ou da Polícia Militar. Haverá o desempenho de mister paralelo e não aniquilante do dever exercido por essas corporações.
A lei municipal não afastou e nem interferiu na competência do Corpo de Bombeiros, tendo apenas incluído a exigência quanto à necessidade de Bombeiro Civil nos estabelecimentos por ela indicados, no exercício de sua competência suplementar. A esse respeito, como bem pontuou a Procuradoria-Geral de Justiça: "o município de Foz do Iguaçu, atendendo às suas peculiaridades, mais, visando promover o adequado ordenamento territorial (CF, art. 30, inc. VIII; e CE, art. 17, inc. VIII) tema afeto ao poder de polícia municipal -, somente preencheu as lacunas das legislações de regência, sem, contudo, contrariar as diretrizes nelas prefixas e/ou interferir na esfera de atuação do Corpo de Bombeiros Militar" (fls. 232).
No que tange à provável violação do princípio da livre iniciativa, não vejo aviltado o art. 139 da CE.
É o seu teor:
Art. 139. A organização da atividade econômica, fundada na valorização do trabalho, na livre iniciativa e na proteção do meio ambiente, tem por objetivo assegurar existência digna a todos, conforme os mandamentos da justiça social e com base nos princípios, estabelecidos na Constituição Federal.
31 questão, é a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA9:
(...) a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que 'liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo'. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social.
O diploma atacado não ofende a livre iniciativa, visto que impõe de modo uniforme a exigência da manutenção de equipes de Brigada Civil de Emergência, composta por Bombeiro Civil, em todos os estabelecimentos que se enquadrem naqueles parâmetros fixados em lei, quanto à metragem da edificação ou circulação de pessoas.
Ademais, o regramento imposto pela lei municipal tem como propósito tornar mais efetivos os direitos dos consumidores e a proteção da coletividade em locais com grande concentração de pessoas. Nesse sentido, a respeito da possibilidade de limitação da livre iniciativa quando a norma se destina a privilegiar outros valores de interesse público, especialmente aqueles destinados a assegurar a segurança, colaciono precedente do Supremo Tribunal Federal, o qual muito bem apontado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESNECESSIDADE DE SUBMISSÃO AO PLENÁRIO VIRTUAL, PARA EFEITO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL, QUANDO INVIÁVEL O APELO EXTREMO (RISTF, ART. 323) FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA POR TRIBUNAL
PELA CORTE JUDICIÁRIA LOCAL, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DE LEI DISTRITAL QUE VEDA A INSTALAÇÃO DE POSTOS DE COMBUSTÍVEIS EM DETERMINADAS ÁREAS, COMO ESTACIONAMENTOS DE SUPERMERCADOS REGULAÇÃO ESTATAL DA ATIVIDADE ECONÔMICA EXCEPCIONALMENTE MOTIVADA POR RAZÕES DE ELEVADO INTERESSE SOCIAL E DE SEGURANÇA DA COLETIVIDADE CIRCUNSTÂNCIA QUE LEGITIMA, EM FACE DE ATIVIDADE EMPRESARIAL DE RISCO, A ATUAÇÃO NORMATIVA DO PODER PÚBLICO NO DOMÍNIO ECONÔMICO DOUTRINA PRECEDENTES "AGRAVO REGIMENTAL" INTERPOSTO POR "AMICUS CURIAE" CONTRA A DECISÃO QUE JULGOU O PRÓPRIO RECURSO EXTRAORDINÁRIO INCOGNOSCIBILIDADE, PORQUE UNICAMENTE ADMISSÍVEL A IMPUGNAÇÃO RECURSAL PELO "AMICUS CURIAE" QUANDO DEDUZIDA CONTRA DECISÃO QUE NÃO LHE ADMITIU O INGRESSO NA CAUSA FINALIDADE E PODERES PROCESSUAIS INERENTES À FIGURA DO "AMICUS CURIAE" NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS "AGRAVO REGIMENTAL" DA ABRAS ("AMICUS CURIAE") NÃO CONHECIDO. REPERCUSSÃO GERAL E INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO A repercussão geral, para que possa ser apreciada, pressupõe a satisfação dos requisitos mínimos de admissibilidade inerentes ao recurso extraordinário ou a inocorrência de situação que, por outro motivo, inviabilize o próprio apelo extremo (RISTF, art. 323), de tal modo que, desatendidos tais pressupostos, o exame da existência da repercussão geral não será submetido ao Plenário Virtual. Precedentes. LEGITIMIDADE RECURSAL DO "AMICUS CURIAE" A legitimidade recursal do "amicus curiae" tem sido reconhecida somente na hipótese singular em que lhe seja negado o ingresso formal na causa. Situação inocorrente na espécie. Consequente incognoscibilidade do recurso de agravo por ele deduzido. Precedentes. Considerações em torno da intervenção processual do "amicus curiae" e da (desejável) ampliação, "de lege ferenda", de seus poderes processuais. Magistério da doutrina. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA ATUAÇÃO REGULATÓRIA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO O estatuto constitucional das franquias
33 a que estas estão sujeitas e considerado o substrato ético que as informa , permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica (RTJ 173/807-808), destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. A regulação estatal no domínio econômico, por isso mesmo, seja no plano normativo, seja no âmbito administrativo, traduz competência constitucionalmente assegurada ao Poder Público, cuja atuação destinada a fazer prevalecer os vetores condicionantes da atividade econômica (CF, art. 170) é justificada e ditada por razões de interesse público, especialmente aquelas que visam a preservar a segurança da coletividade. A obrigação do Estado, impregnada de qualificação constitucional, de proteger a integridade de valores fundados na preponderância do interesse social e na necessidade de defesa da incolumidade pública legitima medidas governamentais, no domínio econômico, decorrentes do exercício do poder de polícia, a significar que os princípios que regem a atividade empresarial autorizam, por efeito das diretrizes referidas no art. 170 da Carta Política, a incidência das limitações jurídicas que resultam do modelo constitucional que conforma a própria estruturação da ordem econômica em nosso sistema institucional. Magistério da doutrina. Diploma legislativo local que condiciona determinadas atividades empresariais à estrita observância da cláusula de incolumidade destinada a impedir a exposição da coletividade a qualquer situação de dano. Vedação da edificação e instalação "de postos de abastecimento, lavagem e lubrificação nos estacionamentos de supermercados e hipermercados e similares, bem como de teatros, cinema, shopping centers, escolas e hospitais públicos" (Lei Complementar distrital nº 294/2000, art. 2º, § 3º). Precedentes (RE 204.187/MG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.). (RE 597165 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 28/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 05-12-2014 PUBLIC 09-12-2014).
34 estabelecimentos enumerados pela lei não implica em ofensa ao princípio da livre iniciativa, porquanto a disciplina legal guarda pertinência com os demais princípios da ordem econômica, além de condizer especialmente com a proteção ao consumidor (art. 170, inc. V, da Constituição Federal).
A respeito da defesa ao consumidor, assim ensina Uadi Lamêgo Bulos:10
(...) ao inscrever a defesa do consumidor entre os princípios cardiais da ordem econômica, o constituinte pautou-se no seguinte aspecto: a liberdade de mercado não permite abusos aos direitos dos consumidores. Quem não detiver o poder de produzir ou controlar os meios de produção não se sujeita ao arbítrio daqueles que o detém. Praticar livremente o exercício da atividade empresarial não significa anular direitos de pessoas físicas ou jurídicas, que adquirem ou utilizam produtos ou serviços como destinatários finais. Daí o ordenamento jurídico amparar a parte mais fraca das relações de consumo, tutelando interesses dos hipossuficientes. Consumidor é o usuário ou adquirente de produtos, serviços e bens, fornecidos por comerciantes ou qualquer pessoa física ou jurídica, para seu próprio uso, de sua família e daqueles que se lhe subordinam por uma ligação doméstica ou protetiva.
O art. 6º, inc. VI, da Lei nº 8.078/1990 Código de Defesa do Consumidor prevê como direito básico dos vulneráveis na relação consumerista a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. No mesmo sentido é o §1º do artigo 55 daquele diploma, o qual estabelece o dever municipal de baixar normas que se fizerem necessárias para a preservação da vida, da saúde, da segurança e etc nas relações de consumo.
de proteção dos consumidores e aumentar a defesa à saúde e à integridade física dos cidadãos da municipalidade, em perfeito compasso com as diretrizes legislativas e principiológicas constitucionais, e também em afinidade com as normas federais e estaduais já vigentes sobre a matéria.
Por fim, quanto aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, também não vislumbro a alegada inconstitucionalidade.
Como bem leciona autorizada doutrina, o princípio da proporcionalidade é integrado por uma tríade de subprincípios, que juntos indicam o ponto de equilíbrio para aplicador o do direito. Pelo subprincípio da adequação, o meio escolhido deve efetivamente contribuir para o resultado pretendido. O subprincípio da necessidade, por sua vez, impõe a análise sobre a indispensabilidade do meio empregado para a restrição do direito, de sorte que se deve buscar o meio menos gravoso que leve à mesma utilidade prática. Por fim, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito vem em arremate aos seus pares, servindo para indicar que o meio empregado se encontra em razoável proporção com o fim perseguido; quer dizer, o proveito obtido com a restrição de um direito deve superar, em certa maneira, os danos respectivos.
Sobre o tema, LUÍS ROBERTO BARROSO11 ensina que:
"(...) o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: (a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida e de maior relevo do que aquilo que se ganha".
No caso em análise, entendo que a obrigação instituída pelo diploma municipal é adequada e necessária, porquanto os locais enumerados pelo art. 2º da Lei nº 4.588/2017 são conhecidos pela grande concentração e fluxo de pessoas, o que torna imprescindível aprimorar as técnicas de prevenção e combate a incêndios. Ademais, cumpre reconhecer a proporcionalidade em sentido estrito da norma atacada, haja visto que a presença de Bombeiro Civil nos estabelecimentos é medida que contribuiu para o aumento da segurança do público frequentador, já que tais profissionais, além de auxiliarem em questões emergenciais, seja no que diz respeito ao isolamento da área afetada por incêndio, ou ainda nos primeiros socorros prestados às vítimas, contribuem para a diminuição dos transtornos no caso de eventual acidente. Muito ao contrário de instituir obrigação exagerada para o fim almejado, a norma, conforme já enfatizei, tem, além de outros, o condão de garantir o direito fundamental preceituado no art. 5º, inc. XXXII, da CF. Rememoro trecho do parecer da Procuradoria-Geral de Justiça no qual se enfatiza que com os olhos voltados aos critérios reveladores desse prestigiado princípio [proporcionalidade], verifica-se, com facilidade, que a previsão normativa, de cunho eminentemente preventivo, fomenta a defesa mais efetiva do consumidor e, por isso, mostra-se idônea e necessária. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao apreciar legislação de conteúdo semelhante, proveniente do município do Santo André, julgou improcedente a ação direta ajuizada, ao efeito de declarar compatível com a constituição bandeirante a normativa atacada. Nos termos da relatoria, entendeu-se que, além de não haver afronta aos princípios da
37 iniciativa, tampouco violação à competência legislativa da União sobre direito do trabalho. Vejamos a ementa:
LEGITIMIDADE ATIVA Presença. "Repercussão direta da lei municipal sobre a esfera jurídica de filiados da associação requerente. Pertinência temática entre os objetivos da entidade e a matéria disciplinada. Interesse jurídico no questionamento da lei, ainda que apenas parte dos representados pela entidade seja por ela afetada. Art. 90, V, CE.". Preliminar afastada. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei nº 9.908, de 15.12.16, do município de Santo André, dispondo sobre a obrigatoriedade de manutenção de equipes de brigada de profissional, composta por bombeiro civil, nos estabelecimentos especificados. Estabelecimentos privados. Ausência de vício. Competência concorrente. Inocorrência de afronta ao princípio da separação dos poderes. Precedentes. Vício de iniciativa. Imposição da obrigação sobre estabelecimentos e locais públicos. Desrespeito à separação dos poderes. Inadmissível criação de novas obrigações à Administração Municipal. Precedentes. Ação procedente, em parte. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2027646-58.2017.8.26.0000; Relator (a): Evaristo dos Santos; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 23/08/2017; Data de Registro: 12/09/2017)
No mesmo sentido foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2157375-74.2016.8.26.000, na qual o TJSP julgou constitucional lei com conteúdo similar do município de São Roque. Assim, reputo que o meio utilizado foi proporcional e razoável à finalidade pretendida pelo legislador municipal, qual seja, a proteção ao consumidor e à saúde, inexistindo a inconstitucionalidade material da norma.
Conclusão
38 inconstitucionalidade formal ou material da Lei nº 4.588/2017, voto pelo julgamento improcedente da presente ação direta, para que seja declarada constitucional a normativa impugnada, nos termos encimados.
III DISPOSITIVO:
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar improcedente a ação. O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Renato Braga Bettega (Presidente), com voto, e dele participaram os Desembargadores Ramon de Medeiros Nogueira; Regina Afonso Portes; Clayton Camargo; Ruy Cunha Sobrinho; Paulo Cezar Bellio; Maria José Marcondes Teixeira; Sônia Regina de Castro; Rogério Kanayama ( Corregedor- Geral); Hamilton Mussi Correa; Arquelau Araújo Ribas (1º Vice-Presidente); Carlos Mansur Arida; Luís Carlos Xavier; Lenice Bodstein; Sigurd Roberto Bengtsson; Ana Lúcia Lourenço.
Curitiba, 15 de outubro de 2018.
Assinado digitalmente Des. MARQUES CURY Relator.
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-- 1 O princípio da economia processual orienta os atos processuais na tentativa de que a atividade jurisdicional deva ser prestada sempre com vistas a produzir o máximo de resultados com o mínimo de esforços, evitando- se, assim, gasto de tempo e dinheiro inutilmente. Assim conceitua Gonçalves (2009, p. 26): "deve-se buscar os melhores resultados possíveis com o menor dispêndio de recursos e esforços". GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. Volume 1: teoria geral e processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
11
-- 2 A inconstitucionalidade forma orgânica decorre da inobservância da competência legislativa para a elaboração do ato. Para se ter um exemplo, o STF entente inconstitucional lei municipal que discipline o uso do cinto de segurança, já que se trata de competência da União, nos termos do art. 22, XI, legislar sobre trânsito e transporte. (Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 20. Ed. Ver. Atual e ampl. São Paulo. Saraiva. 2016)
21
-- 3 "(...)ao chamado princípio ou regra da simetria, que é construção pretoriana tendente a garantir, quanto aos aspectos reputados substanciais, homogeneidade na disciplina normativa da separação, independência e harmonia dos poderes, nos três planos federativos. Seu fundamento mais direto está no art. 25 da CF e no art. 11 de seu ADCT, que determinam aos Estados-membros a observância dos princípios da Constituição da República. Se a garantia de simetria no traçado normativo das linhas essenciais dos entes da federação, mediante revelação dos princípios sensíveis que moldam a tripartição de poderes e o pacto federativo, deveras protege o esquema jurídico-constitucional concebido pelo poder constituinte, é preciso guardar, em sua formulação conceitual e aplicação prática, particular cuidado com os riscos de descaracterização da própria estrutura federativa que lhe é inerente." (ADI 4.298 MC, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 7-10-2009, P, DJE de 27-11-2009.) = ADI 1.521, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 19-6-2013, P, DJE de 13-8-2013 4 Art. 25. CFRB - Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
22
-- 5 "Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;"
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-- 6 Comentários à Constituição de 1988. V. IV, Rio de Janeiro. Forense Universítária. 1990. P. 1.889. 7 Direito Administrativo e Prevenção de Incêndios, Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, 45, 1992. 8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15ª ed, São Paulo: Malheiros, 474/475.
26
-- 9 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 34ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2011, p. 796
32
-- 10 BULOS, Uadi Lamêgo. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1246
35
-- 11 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 6. São Paulo Saraiva 2017. p. 298.
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