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Certificado digitalmente por: LUIS CARLOS XAVIER
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 1746917-1, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA ÓRGÃO ESPECIAL. AUTOR : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ INTERESSADO: CÂMARA MUNICIPAL DE UMUARAMA/PR RELATOR : DES. LUÍS CARLOS XAVIER AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE RESOLUÇÕES DA CÂMARA MUNICIPAL DE UMUARAMA/PR CRIAÇÃO DOS CARGOS EM COMISSÃO DE ASSESSOR ESPECIAL, ASSESSOR ADMINISTRATIVO, ASSESSOR DAS COMISSÕES E DA MESA DIRETORA E SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DE BENS PATRIMONIAIS CARGOS CUJO CONJUNTO DE ATRIBUIÇÕES NÃO COMPREENDEM FUNÇÕES DE CHEFIA, DIREÇÃO OU ASSESSORAMENTO ATRIBUIÇÕES GENÉRICAS, INESPECÍFICAS E DOTADAS DE CARÁTER EMINENTEMENTE TÉCNICO- BUROCRÁTICO INEXISTÊNCIA DE EXCEPCIONAL RELAÇÃO DE CONFIANÇA ENTRE A AUTORIDADE NOMEANTE E O NOMEADO OFENSA AO ARTIGO 27, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL CARACTERIZADA RESOLUÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE UMUARAMA CRIAÇÃO DA FUNÇÃO GRATIFICADA DE CONTROLADOR INTERNO ATRIBUIÇÃO PARA EXAMINAR AS CONTAS PRESTADAS ANUALMENTE PELO PREFEITO MUNICIPAL ARTIGO 18, CAPUT E § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ CONTROLE EXTERNO DO PODER EXECUTIVO É EXERCIDO, COM EXCLUSIVIDADE, PELA CÂMARA MUNICIPAL, MEDIANTE O AUXÍLIO DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL DISPOSITIVO QUE SÓ PODE SER CONSIDERADO CONSTITUCIONAL SE COMPREENDIDO À LUZ DO CARÁTER MERAMENTE OPINATIVO E NÃO VINCULANTE DAS MANIFESTAÇÕES DO CONTROLADOR INTERNO APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME COM FORMA DE RESGUARDAR A PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E PRESERVAR O SENTIDO ÚTIL DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. 1. O acesso a cargos ou empregos públicos tem como regra basilar a necessidade de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, respeitada a ordem de classificação, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão. 2. Ao excepcionar a regra do concurso público, o constituinte estadual estabeleceu que os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. 3. Fere o regime constitucional de acesso a cargos públicos disposições normativas que criam cargos em comissão, mas, ao atribuir-lhes funções genéricas, inespecíficas e de caráter 2 eminentemente técnico-burocrático, inviabilizam a aferição de sua compatibilidade com os requisitos constitucionais. Afronta, igualmente, o texto constitucional, a criação de cargos em comissão que prescindam de relação de confiança extraordinária entre a autoridade nomeante e o nomeado. Precedentes. 4. No controle concentrado de constitucionalidade é possível que se atribua interpretação conforme a Constituição quando o texto da norma se revela plurissignificativo e dele seja possível extrair interpretação que possa implicar em ofensa ao texto constitucional. Referido método de interpretação prestigia a presunção de constitucionalidade das leis, tendo como propósito, de um lado, evitar a declaração de inconstitucionalidade da lei mediante a exclusão de interpretações em desconformidade com a Constituição, e, de outro, preservar a eficácia das normas legais no ordenamento jurídico. 5. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo a ser exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado. Nesse sentido, compete às Câmaras Municipais julgarem, em definitivo, a regularidade das contas prestadas anualmente pelos Prefeitos. 6. Por revelar afronta ao regime democrático, à soberania popular e à sistemática de controle externo instituída pelo constituinte estadual, disposição normativa que atribui, ao servidor efetivo ocupante da função gratificada de Controlador Interno, o exame das contas prestadas anualmente pelo Prefeito, só pode ser considerada constitucional se compreendida à luz do caráter meramente opinativo e não vinculante dos pronunciamentos do servidor. 3 7. Ação direta de inconstitucionalidade procedente.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1746917-1 do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que figura como autor o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná.
I. RELATÓRIO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça em face de dispositivos de resoluções da Câmara Municipal de Umuarama/PR que dispõem sobre os cargos de provimento em comissão de Assessor Especial, Assessor Administrativo, Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais, bem como sobre a função gratificada de Controlador Interno.
Sustenta o autor que os atos normativos impugnados apresentam vícios de inconstitucionalidade material, pois: a) ao criarem os cargos de provimento em comissão de Assessor Especial e Assessor Administrativo, atribuíram-lhes funções genéricas e inespecíficas, em flagrante violação do princípio constitucional da legalidade; b) ao criarem os cargos de provimento em comissão de Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais, atribuíram-lhes funções incompatíveis com as restrições constitucionais atinentes aos referidos cargos públicos; c) ao outorgarem à função gratificada de Controlador Interno o dever de apreciar as contas prestadas anualmente pelo Prefeito Municipal, atribuíram-lhe competência constitucional própria dos Vereadores. Ao final, pugna pela procedência do pedido.
Em informações, a Câmara de Umuarama manifestou-se pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade. Argumenta que a
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disciplina normativa dos cargos em comissão respeitou os pressupostos constitucionais, sendo incontroverso que todos os cargos se destinam ao exercício de atribuições de direção, chefia ou assessoramento. Defende, em suma, a conformidade dos atos normativos censurados com os dispositivos da Constituição Estadual apontados como parâmetro de controle (fls. 107/114).
A Procuradoria-Geral do Estado não quis realizar a defesa dos atos normativos atacados, considerando a indiscutível inconstitucionalidade dos dispositivos legais censurados (fls. 130/134).
A Procuradoria-Geral de Justiça reiterou os argumentos articulados na peça vestibular, opinando pela procedência da ação (fls. 120/127).
É o relatório.
II. VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça em face de dispositivos de resoluções da Câmara Municipal de Umuarama/PR que dispõem sobre os cargos de provimento em comissão de Assessor Especial, Assessor Administrativo, Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais, bem como sobre a função gratificada de Controlador Interno.
II.I. Da inconstitucionalidade material dos cargos em comissão de Assessor Especial, Assessor Administrativo, Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais
A Constituição do Estado do Paraná, em seu artigo 27, inciso II, estabelece como regra de acesso a cargos ou empregos públicos a "aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a
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natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, respeitada a ordem de classificação, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão".
Já o artigo 27, inciso V, da Carta Magna Paranaense, ao excepcionar o referido regime jurídico, dispõe que "as funções de confiança exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento".
No caso dos autos, todavia, ao disciplinarem as atribuições dos cargos em comissão de Assessor Especial, Assessor Administrativo, Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais, os atos normativos impugnados empregaram, a toda evidência, expressões demasiadamente genéricas e inespecíficas, bem como atribuíram, aos postos públicos, funções de caráter eminentemente técnico- burocrático, tudo em flagrante violação aos preceitos constitucionais supramencionados.
É inegável que atividades como assessorar o Presidente nos atos internos da Câmara Municipal; assessorar o Presidente no acompanhamento do trabalho das Comissões Permanentes e Temporárias; promover ações de interesse da Câmara Municipal; e dar orientação e assessoria institucional aos programas, planos, metas, projetos e diretrizes desenvolvidos pelo Presidente (Assessor Especial), bem como auxiliar o Secretário-Geral nas suas atribuições, digitando, encaminhando ou arquivando, quando necessário, todos os documentos que lhe forem confiados; e desempenhar outras atribuições que lhe forem determinadas pelo Secretário-Geral ou pelo Presidente da Câmara (Assessor Administrativo), quando não se mostram genéricas e inespecíficas, o que dificulta a aferição de compatibilidade com o texto constitucional, não exigem qualquer relação de confiança entre a autoridade nomeante e o nomeado.
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Pondero, ainda, que a denominação Assessor atribuídas aos precitados cargos em comissão é insuficiente para demonstrar a conformidade dos atos normativos impugnados com o regramento constitucional apresentado como parâmetro de controle nesta ação direta. Somente o exame pormenorizado do rol de atribuições dos cargos em comissão é que permitirá a realização do juízo de adequação com as funções próprias de chefia, direção e assessoramento, o que, como visto, não ocorreu no tocante aos cargos de Assessor Especial e Assessor Administrativo.
De igual modo, no que se refere aos cargos em comissão de Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais, revela-se nítido que suas atribuições são de cunho meramente técnico, burocrático e administrativo.
Isso porque, ao primeiro, incumbe responder consultas sobre interpretação de textos legais do interesse da Câmara Municipal e do Município; examinar projetos de leis e atos normativos; estudar e minutar contratos, termos de compromissos e de responsabilidade, convênios e outros atos; elaborar informações em mandados de segurança; orientar, mediante consulta, todos os atos de natureza interna e administrativa da Câmara Municipal; manter em ordem e em dia todos os procedimentos em que haja interesse da Câmara Municipal, do Poder Legislativo e do Município; desempenhar quaisquer outras tarefas compatíveis com a sua área de atuação e competência (artigo 12, inciso V, da Resolução nº 1/2008).
E, ao segundo, foram acometidas, dentre outras, as atribuições de administração dos bens patrimoniais, compreendendo os bens móveis e imóveis da Câmara Municipal, planejando, coordenando, executando e controlando o recebimento, guarda, destinação, movimentação e controle, mantendo atualizados os registros dos bens que integram o acervo patrimonial; conferir os bens patrimoniais a serem incorporados ao patrimônio da Câmara Municipal; providenciar a entrega de bens móveis nos departamentos da Câmara
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Municipal e nos gabinetes dos Vereadores, quando for o caso; controlar o uso, abastecimentos e manutenção dos veículos de uso da Câmara Municipal; controlar a vigência de seguros de bens móveis e imóveis; elaborar, no mês de dezembro de cada ano, inventário dos bens patrimoniais da Câmara Municipal; executar outras atividades inerentes (artigo 1º da Resolução nº 2/2013).
Ora, é mais que evidente que o exercício de tais funções, dada o seu caráter eminentemente técnico-burocrático, não só pode como deve respeitar o regime constitucional do concurso público, estando restritas àqueles que estejam dispostos a ingressar no quadro funcional da edilidade mediante prévia aprovação em concurso público.
Nessa direção acenam precedentes do Supremo Tribunal Federal:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. CRIAÇÃO DE CARGO COMISSIONADO SEM CARÁTER DE ASSESSORAMENTO, CHEFIA OU DIREÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULAS 279 E 280/STF. "É inconstitucional a criação de cargos em comissão que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico" (ADI 3.602, Rel. Min. Joaquim Barbosa). Para dissentir do entendimento firmado pelo Tribunal de origem quanto à natureza jurídica dos cargos, bem como saber se existe subordinação entre o servidor nomeado para a função criada pela lei e seu respectivo superior hierárquico, faz-se necessário analisar as legislação local impugnadas (Leis nºs 1.786/1998, 1.983/2001, 2.203/2005, 2.267/2005, 2.370/2007, 2.609/2009, 2.675/2010 e 2.843/2011) e reexaminar os fatos e provas constantes dos autos, providências que não têm lugar neste momento processual, nos termos das Súmulas
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279 e 280/STF. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento" (RE 820442 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/10/2014, publicado em 21/11/2014).
"Embargos de declaração em recurso extraordinário. Conversão em agravo regimental, conforme pacífica orientação da Corte. Lei distrital que criou cargos em comissão para funções rotineiras da Administração Pública. Impossibilidade.
1. A decisão ora atacada reflete a pacífica jurisprudência da Corte a respeito do tema, a qual reconhece a inconstitucionalidade da criação de cargos em comissão para funções que não exigem o requisito da confiança para seu preenchimento.
2. Esses cargos, ademais, deveriam ser preenchidos por pessoas determinadas, conforme descrição constante da aludida lei.
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual é negado provimento" (RE 376440 ED, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 18/09/2014, publicado em 14/11/2014).
E desta Corte Especial:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 6º, §§ 2º, 3º e 4º, E ANEXO III, TABELAS "A", "B" e "C", "D" e "E", TODOS DA LEI Nº 2.892/2004, DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU.
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CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO DE DIRETOR PRESIDENTE, DIRETOR ADMINISTRATIVO FINANCEIRO, DIRETOR CULTURAL, ASSESSOR DE EVENTOS, ASSESSOR DE FORMAÇÃO ARTÍSTICA, MAESTRO, MAESTRO AUXILIAR, MÚSICO INSTRUMENTISTA E MÚSICO VOCALISTA. QUADRO DE PESSOAL DA FUNDAÇÃO CULTURAL DE FOZ DO IGUAÇU. INEXISTÊNCIA DE ESTABELECIMENTO DAS ATIVIDADES ESPECÍFICAS. NECESSIDADE CONSTITUCIONAL DE QUE OS CARGOS E FUNÇÕES SE AMOLDEM ÀS ATIVIDADES DE DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO. ÔNUS DE DEMONSTRAÇÃO EFETIVA, PELO LEGISLADOR, DA ADEQUAÇÃO DA NORMA AOS FINS PRETENDIDOS, DE MODO A JUSTIFICAR A EXCEÇÃO À REGRA DO CONCURSO PÚBLICO PARA A INVESTIDURA DO CARGO PÚBLICO.VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. OFENSA AO ART. 27, CAPUT E INCISOS II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
A Constituição Estadual, em estrita simetria à Carta Federal, determina que os cargos em comissão sejam destinados a funções de direção, chefia e assessoramento (art. 27. inc. V, da Constituição Estadual), não se admitindo para áreas administrativas técnicas, burocráticas ou ordinatórias, mas sim àquelas que exijam relação especial de confiança política entre o confiante e o comissionado. A previsão legal de cargos em comissão sem que se faça a descrição minuciosa das atividades de rotina de cada uma das funções de direção e assessoramento dá causa à inconstitucionalidade material da norma, porque inviabiliza a aferição da compatibilidade dos cargos com os preceitos do art. 27, incisos II e V, da CE, que tratam, respectivamente, da regra de ingresso na função pública mediante concurso público e dos critérios de excepcionalidade a essa regra. Ação procedente, com efeitos
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da inconstitucionalidade modulados. Estado do Paraná" (TJPR - Órgão Especial - AI - 1589657-0 - Curitiba - Rel.: Jorge Wagih Massad - Unânime - J. 07.08.2017).
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXOS III E VI DA RESOLUÇÃO Nº 281/2013 DA CÂMARA MUNICIPAL DE ARAPONGAS/PR E, POR ARRASTAMENTO, DO ANEXO II DA LEI MUNICIPAL Nº 4.160/2013. DISPOSITIVOS QUE CRIARAM CARGOS EM COMISSÃO PARA AS FUNÇÕES DE CONTROLADOR, TESOUREIRO, ASSESSOR DE DEPARTAMENTO, ASSESSOR DE IMPRENSA E CHEFE DE SEÇÃO. PRELIMINARMENTE. RESOLUÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES OBJETO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO DOTADO DE GENERALIDADE E ABSTRATIVIDADE. POSSIBILIDADE. MÉRITO. ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS QUE NÃO DENOTAM RELAÇÃO DE CONFIANÇA COM A AUTORIDADE NOMEANTE E NÃO DESCREVEM ATIVIDADES DE ASSESSORIAMENTO, CHEFIA OU DIREÇÃO. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO ESTRITO PARA INDICAR AS ATIVIDADES DOS CARGOS PÚBLICOS. QUADRO DOS SERVIDORES. EXCESSIVA SUPERIORIDADE DO NÚMERO DE CARGOS EM COMISSÃO EM FACE DOS SERVIDORES EFETIVOS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E REGRA DO CONCURSO PÚBLICO. ARTS. 27, INCISOS II E V DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADES. MODULAÇÃO DOS EFEITOS QUE SE IMPÕE. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE" (TJPR - Órgão Especial - AI - 1552388-3 - Curitiba - Rel.: Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes - Unânime - J. 20.03.2017).
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A propósito do tema, vale transcrever as lúcidas ponderações do Procurador-Geral de Justiça a respeito da inconstitucionalidade dos cargos em comissão supramencionados:
"[...] os preceitos questionados, porque não discriminam minuciosamente as funções/atribuições a serem exercidas pelos ocupantes dos cargos de `Assessor Especial' e `Assessor Administrativo'; mas, ao contrário, utilizam-se de expressões vagas e superficiais para defini-las (a exemplo de `orientar', `assessorar', `auxiliar' e `desempenhar'), suscitam um ambiente de subversão aos invocados mandamentos constitucionais. Não se duvida, a genérica descrição das respectivas funções, quando não corresponde à absoluta ausência de atribuições legais (aliás, como no caso, repise-se), impede (e, quando pouco, dificulta) o exame da compatibilidade desses cargos com a excepcionalidade do provimento em comissão [...] os cargos de `Assessor das Comissões e da Mesa Diretora' e `Secretário de Administração de Bens Patrimoniais' (no caso do assessor, a despeito da nomenclatura), referem-se a funções induvidosamente burocráticas, técnicas e operacionais, não se enquadrando, por isso, no perfil de cargo comissionado previsto na Constituição Estadual [...] Ademais, as funções deferidas aos supracitados cargos também não pressupõem relação de confiança com a autoridade nomeante, inferindo-se, daí, que poderiam, a rigor, ser desempenhadas por servidores que prestem concurso para os específicos cargos, sem qualquer risco de comprometimento de metas e padrões estabelecidos pelo Legislativo municipal" (fls. 6, 11 e 12, respectivamente).
Frente ao quadro acima delineado, nos termos requeridos pelo autor desta ação direta, impõe-se a declaração da inconstitucionalidade
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material dos cargos de provimento em comissão de Assessor Especial, Assessor Administrativo, Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais, incluindo, por arrastamento, toda a cadeia normativa de igual conteúdo que voltaria a vigorar em decorrência do efeito repristinatório próprio das ações diretas de inconstitucionalidade.
II.II. Da interpretação conforme a Constituição do preceito normativo que disciplina as atribuições da função gratificada de Controlador Interno
Consoante ensinamento de Alexandre de Moraes, no controle concentrado de constitucionalidade é possível que se atribua interpretação conforme a Constituição quando o texto da norma se revela plurissignificativo e dele seja possível extrair interpretação que possa implicar em ofensa ao texto constitucional.
Referido método de interpretação prestigia a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos, tendo como propósito, de um lado, evitar a declaração de inconstitucionalidade da lei mediante a exclusão de interpretações em desconformidade com a Constituição, e, de outro, preservar a eficácia das normas legais no ordenamento jurídico.
Desse modo, leciona o mencionado autor: "A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de
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inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico" (MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 33ª ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 548).
Consignados esses breves apontamentos, após examinar o teor do artigo 20, § 1º, inciso VI, da Resolução nº 1/2008, com a redação atribuída pela Resolução nº 1/2017, reputo necessário que se atribua à disposição normativa interpretação conforme a Constituição.
O texto normativo impugnado estabelece que ao servidor efetivo a que for outorgada a função gratificada de Controlador Interno compete apreciar, com o auxílio do Tribunal de Contas, as contas prestadas anualmente pelo Prefeito Municipal. Todavia, no que pertinente ao tema em discussão, o artigo 18, caput e § 1º, da Constituição Estadual, apregoa que a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo a ser exercido pela Câmara Municipal com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado.
De modo que, ao deixar de fixar o caráter meramente opinativo do exame de contas realizado pelo Controlador Interno, o ato normativo censurado acabou por possibilitar interpretação inconstitucional no sentido de subtrair dos edis o julgamento definitivo das contas prestadas anualmente pelo Prefeito Municipal, o que se afigura afrontoso ao regime democrático, à soberania popular e à sistemática de controle externo instituída pelo constituinte estadual.
Assim, é caso de se conferir interpretação conforme a Constituição ao artigo 20, § 1º, inciso VI, da Resolução nº 1/2008, para o fim de declarar que o exame das contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, realizado pelo servidor efetivo ocupante da função gratificada de Controlador Interno, só será constitucional se compreendido à luz do caráter meramente opinativo e não vinculante das suas manifestações.
Diante do exposto, voto no sentido de julgar procedente o pedido formulado na inicial para: 1º) declarar a inconstitucionalidade material do
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artigo 12, incisos VI e VIII; e Anexo II, da Resolução nº 1, de 4 de julho de 2008 (redação atribuída pela Resolução nº 2, de 21 de julho de 2010, artigo 6º; e pela Resolução nº 1, de 17 de maio de 2017, artigo 2º e Anexo II), por afronta ao disposto no artigo 27, caput e inciso V, e artigo 53, inciso VIII, ambos da Constituição Estadual, e, por arrastamento, a inconstitucionalidade do Anexo II, da Resolução nº 1, de 4 de julho de 2008 (redação original); artigo 5º, incisos II e V, e Anexo II, da Resolução nº 2, de 21 de julho de 2010; Anexo II, da Resolução nº 1, de 20 de dezembro de 2012; artigo 2º, da Resolução nº 2, de 22 de abril de 2013; e do artigo 1º, inciso III, e Anexo II, da Resolução nº 5, de 19 de novembro de 2013 cargos de provimento em comissão de Assessor Especial e Assessor Administrativo; 2º) declarar a inconstitucionalidade material do artigo 12, inciso V; e Anexo II, da Resolução nº 1, de 4 de julho de 2008 (redação atribuída pela Resolução nº 1, de 17 de maio de 2017, artigo 2º e Anexo II); e dos artigos 2º e 4º (parcialmente), da Resolução nº 2, de 22 de abril de 2013, por violação à regra constitucional insculpida no artigo 27, incisos II e V, da Constituição Estadual, e, por arrastamento, a inconstitucionalidade do Anexo II, da Resolução nº 1, de 4 de julho de 2008 (redação original); artigo 5º, inciso IV, e Anexo II, da Resolução nº 2, de 21 de julho de 2010; Anexo II, da Resolução nº 1, de 20 de dezembro de 2012; e Anexo II, da Resolução nº 5, de 19 de novembro de 2013 cargos de provimento em comissão de Assessor das Comissões e da Mesa Diretora e Secretário de Administração de Bens Patrimoniais, inexistindo efeito repristinatório no que se refere aos dispositivos de resoluções anteriores de igual conteúdo; e 3º) conferir interpretação conforme ao artigo 20, § 1º, inciso VI, da Resolução nº 1, de 4 de julho de 2008 (redação atribuída pela Resolução nº 1, de 17 de maio de 2017, artigo 5º), reconhecendo-se, nos termos do disposto no artigo 18, caput e § 1º, da Constituição Estadual, o caráter meramente opinativo e não vinculante do exame das contas do prefeito municipal realizado pelo servidor no exercício da função gratificada de Controlador Interno.
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III. DECISÃO
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar procedente a ação, nos termos do voto relator.
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Adalberto Jorge Xisto Pereira (Presidente, com voto) e dele participaram, acompanhando o Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Ramon de Medeiros Nogueira, Regina Afonso Portes, Clayton Camargo, Ruy Cunha Sobrinho, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Marques Cury, Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, Jorge Wagih Massad, Sônia Regina de Castro, Lauro Laertes de Oliveira, Paulo Roberto Vasconcelos, Arquelau Araújo Ribas, José Augusto Gomes Aniceto, Carlos Mansur Arida, Paulo Cezar Bellio, José Laurindo de Souza Neto, Luiz Osório Moraes Panza, Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Clayton de Albuquerque Maranhão, Sigurd Roberto Bengtsson, Wellington Emanuel Coimbra de Moura e Fernando Antonio Prazeres.
Curitiba, 18 de fevereiro de 2019.
Des. Luis Carlos Xavier Relator
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