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Acórdão
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Digitally signed by Certificado digitalmente por: NILSON MIZUTA ROGERIO RIBAS:7866 Date: 2019.03.01 12:13:19 BRT Reason: Validade Legal Location: Paraná - Brasil APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO Nº 1686305-1 - DO FORO REGIONAL DE ARAUCÁRIA DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA. Apelante 1: MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA. Apelante 2: EDILZA NICHELE OLIVEIRA Apelados: OS MESMOS. Relator: DES. NILSON MIZUTA. APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL DE ARAUCÁRIA. PROFESSORA EM DOIS PADRÕES. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA DE TRABALHO, SEM PREJUÍZO DO VENCIMENTO, PARA CUIDAR DE FILHA COM DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÃO SOBRE REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA. NEGATIVA DO MUNICÍPIO EM CONCEDER O HORÁRIO DIFERENCIADO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI ESTADUAL Nº 18.419/15 E DA LEI FEDERAL Nº 8.112/90. APLICAÇÃO DO SISTEMA NORMATIVO DE PROTEÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI Nº 13.146/15) E ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DO ESTADO DO PARANÁ (LEI Nº 18.419/15). ARCABOUÇO DE LEGISLAÇÕES E PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO TEMA QUE DEVE SER APLICADO COM VISTAS A EFETIVAR DIREITO CONSTITUCIONALMENTE PREVISTO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A questão não atine somente ao interesse particular da servidora, que apenas de modo mediato lhe remete, mas revela-se como proteção à família, nos termos do art. 226, da CF/88. A analogia utilizada no presente caso consubstancia-se, portanto, em efetivação de direito constitucionalmente previsto. APELAÇÃO 1 - MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA NÃO PROVIDA. APELAÇÃO 2 EDILZA NICHELE OLIVEIRA PROVIDA. REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1686305-1, do Foro Regional de Araucária da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 1ª Vara Cível e da Fazenda Pública, em que são: apelantes MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA e EDILZA NICHELE OLIVEIRA e apelados OS MESMOS. RELATÓRIO Edilza Nichele Oliveira ajuizou a ação declaratória do direito à redução da carga horária com pedido de tutela de urgência contra o Município de Araucária. Alega que a autora integra o quadro de profissionais do magistério do Município de Araucária, na função de professora de séries iniciais do Ensino Fundamental, regida pelo Estatuto Municipal dos Servidores Públicos, Lei Municipal nº 1.703/2006. Sustenta que é mãe de Maria Fernanda Nichele de Oliveira, nascida em 1º de outubro de 2010, portadora de Síndrome de Down. Afirma que a filha necessita de acompanhamento permanente, realizado três vezes por semana pela APAE e uma vez por semana no Hospital Pequeno Príncipe. Em todos os atendimentos a menor é acompanhada pela mãe. Registra que é servidora pública municipal ocupante de dois cargos, portanto, não possui horário livre para acompanhar a filha nos procedimentos, utilizando-se da licença para tratamento de saúde a pessoa da família. Por isso, em decorrência desses atendimentos, protocolou pedido de redução da carga horária de um de seus cargos, sob nº 8.819/11, de 22 de agosto de 2001. Afirma que a Diretora do Departamento de Saúde Ocupacional exarou parecer favorável. Em parecer a Procuradoria Geral do Município manifestou-se pela inexistência de amparo legal para o pedido, por inexistência de lei específica. Defende o equívoco no indeferimento do pedido de redução da carga horária pelo Município de Araucária, conforme previsão no art. 103, da Lei Municipal nº 1.703/2006. Destaca que a autora preenche os requisitos para a concessão do pedido, e a regulamentação do direito é ônus do Município de Araucária. Observa que o indeferimento do pedido ocorreu sete meses depois de protocolizado, e as concessões para tratamento de saúde podem lhe ocasionar prejuízos. Por isso, defende a concessão do benefício desde a data do requerimento. Busca a antecipação dos efeitos da tutela para que a ré reduza a carga horária da autora, imediatamente, nos termos do Processo Administrativo nº 8.819/11. No mérito, pugna pela procedência do pedido para declarar o direito da autora à redução da carga horária, desde 22 de agosto de 2011. O MM Juiz de Direito Dr. Evandro Portugal indeferiu o pedido de antecipação de tutela (mov. 23.1). Contra essa decisão foi interposto agravo de instrumento, autuado sob nº 973.642-9, de relatoria do Juiz Substituto em 2º grau, Dr. Rogério Ribas, que negou provimento ao recurso. Em contestação o Município de Araucária arguiu, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, defendeu a regularidade do procedimento administrativo nº 8.819/2011, que observou o devido processo legal. Sustenta a impossibilidade de concessão do pedido de redução de carga horária, por ausência de regulamentação específica. Destaca que a concessão de licença saúde não lhe trará maiores prejuízos (mov. 26.1). Contra a decisão que anunciou o julgamento antecipado do feito, a autora interpôs agravo retido (mov. 47.1). Sobreveio r. sentença em que a MMª Juíza de Direito Drª Camila Mariana da Luz Kaestner julgou procedente o pedido inicial para declarar o direito da autora à redução da carga horária de trabalho, com a conversão das licenças para tratamento de saúde em pessoa da família, concedidas desde 22 de agosto de 2001, data do pedido administrativo. Condenou o réu ao pagamento das custas e honorários fixados em R$ 3.000,00 (27.3.2015 mov. 95.1). A autora opôs embargos de declaração, alegando que a decisão deixou de estabelecer o percentual da redução da carga horária semanal e também não especificou se essa redução ocorrerá sem prejuízo dos vencimentos da autora (mov. 99.1). Os embargos foram acolhidos para "para declarar o direito da autora, inclusive em sede de antecipação de tutela, à redução de carga horária semanal de trabalho em 50% (cinquenta por cento) no turno da manhã, sem que haja prejuízo aos seus vencimentos, determinando a conversão de todas as licenças para tratamento de saúde em pessoa da família concedidas desde 22/08/2011 (data do pedido administrativo)" (mov. 113.1). O Município de Araucária opôs embargos de declaração para viabilizar a implementação correta da decisão em sede de tutela antecipada, com a redução da carga horária de trabalho da servidora, correspondente, igualmente, à redução proporcional dos seus vencimentos, sob pena da negação de vigência do todo normativo materializado pelo artigo 103, incisos I e II, e seu parágrafo único, da Lei do Município de Araucária nº 1.703/2006 (mov. 118.1). Os embargos foram acolhidos para "(...) declarar o direito da autora, inclusive em sede de antecipação de tutela, à redução de carga horária semanal de trabalho em 50% (cinquenta por cento) no turno da manhã, com a redução proporcional de seus vencimentos, determinando a conversão de todas as licenças para tratamento de saúde em pessoa da família concedidas desde 22/08/2011 (data do pedido administrativo)" (mov 124.1). Irresignado, o Município de Araucária apela para buscar a reforma da r. sentença. Defende a ilegalidade no reconhecimento do direito da autora, por ausência de lei que regulamente o direito alegado. Sustenta ofensa ao princípio da separação dos poderes, já que a regulamentação desse direito é de competência exclusiva do Poder Legislativo Municipal. Alternativamente, pugna pela redução do valor da condenação a título de honorários (mov. 102.1). Edilza Nichele Oliveira também apela para buscar a reforma parcial da r. sentença para declarar o direito da autora a ter sua carga horária reduzida em qualquer dos turnos de trabalho, não apenas no turno da manhã, previamente notificada a administração pela servidora recorrente, conforme a necessidade de horário das consultas regulares da filha. Por oportuno, requer a condenação do réu nas verbas de sucumbência estabelecidos na sentença (mov. 120.1). Em complementação às razões apresentadas, após o julgamento dos embargos opostos pelo Município de Araucária, a apelante pretende que se declare o "direito da autora a ter sua carga horária reduzida em 50% em qualquer um dos turnos de trabalho, conforme a necessidade de horário das consultas regulares de sua filha, sem que haja prejuízo aos seus vencimentos" (mov. 129.1). O feito foi convertido em julgamento para apreciação pela Douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 46/48v autos físicos).
Foram apresentadas as contrarrazões pela autora (fls. 59/72 autos físicos) e pelo Município de Araucária (fls. 119/120v autos físicos). A Douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer, da lavra do ilustre Procurador Dr. Luiz Roberto Merlin Clève, opinando pelo não provimento ao recurso de apelação do Município de Araucária e pelo parcial provimento ao recurso de Edilza Nichele Oliveira (fls. 123/131 autos físicos). VOTO APELAÇÃO 1 MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA E APELAÇÃO 2 EDILZA NICHELE OLIVEIRA Registre-se, primeiramente, que a r. sentença foi proferida em 26 de março de 2015, portanto, sob a vigência do Código de Processo Civil de 1793. Tratam-se de apelações interpostas por Município de Araucária e Edilza Nichele Oliveira contra r. sentença que julgou procedente o pedido, para "declarar o direito da autora, inclusive em sede de antecipação de tutela, à redução de carga horária semanal de trabalho em 50% (cinquenta por cento) no turno da manhã, com a redução proporcional de seus vencimentos, determinando a conversão de todas as licenças para tratamento de saúde em pessoa da família concedidas desde 22/08/2011 (data do pedido administrativo)". Busca o apelante Município de Araucária a reforma da r. sentença, por ser ilegal o reconhecimento do direito da autora, por ausência de lei que regulamente o direito alegado. Sustenta ofensa ao princípio da separação dos poderes, já que a regulamentação desse direito é de competência exclusiva do Poder Legislativo Municipal. Alternativamente, pugna pela redução do valor da condenação a título de honorários. Busca a apelante Edilza Nichele Oliveira a reforma parcial da r. sentença para declarar seu direito a ter a carga horária reduzida em qualquer dos turnos de trabalho, não apenas no turno da manhã, previamente notificada a administração pela servidora recorrente, conforme a necessidade de horário das consultas regulares da filha, sem a redução de seus vencimentos. Por serem as razões dos recursos intimamente ligadas, passo ao julgamento das apelações em conjunto. Edilza Nichele Oliveira é servidora pública municipal, exercendo dois padrões de professora no Município de Araucária. Sua filha, Maria Fernanda Nichele de Oliveira, nascida em 1º de outubro de 2010, é portadora de Síndrome de Down. Em decorrência dessa condição, a menor necessita de atendimentos semanais na APAE e no Hospital Pequeno Príncipe, que são acompanhados pela mãe. Em 22 de agosto de 2011, a autora solicitou ao Município de Araucária a redução da carga horária, em seu padrão da manhã, conforme previsão no art. 103, da Lei Municipal nº 1.703/2006. Comprovou que a menor possui diagnóstico da Síndrome de Down, e participa na APAE nas segundas, terças e quartas-feiras, das 09:00hs às 10h30min (Processo Administrativo nº 8.819/11 mov. 1.6). A Procuradoria Geral do Município apresentou parecer em que registrara que "a requerente tem opção de solicitar licença por motivo de doença na família a qual poderá ser concedida, com vencimentos integrais, por um prazo de até 180 dias, consecutivos ou não, compreendido no período de 24 meses. Ultrapassado o período de 180 dias, a licença ainda poderá ser concedida com os seguintes descontos: 50% do vencimento quando exceder de 180 dias até 360 dias; sem vencimentos, quando exceder 360 dias até 24 meses. Diante do exposto, a PGM recomenda que a Secretaria Municipal de Gestão de Pessoas em conjunto com o Departamento de Saúde Ocupacional elabore proposta de minuta de Decreto para regulamentação da previsão contida no parágrafo único do art. 103 da Lei 1.703/2006" (mov. 1.7). A Lei nº 1703/2006, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos do Município de Araucária, assim estabelece em seu art. 103: "SEÇÃO IV DA LICENÇA POR MOTIVO DE DOENÇA EM PESSOA DA FAMÍLIA (...) "Art. 103. O servidor estatutário terá direito a esta licença com vencimentos integrais até 180 (cento e oitenta) dias, consecutivos ou não, compreendidos no período de 24 (vinte e quatro) meses. Ultrapassado o período de 180 (cento e oitenta) dias, consecutivos ou não, a licença somente poderá ser concedida com os
seguintes descontos: I. de 50% (cinqüenta por cento) do vencimento, quando exceder de 180 (cento e oitenta) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias; II. sem vencimento ou remuneração, quando exceder de 360 (trezentos e sessenta) dias até 24 (vinte e quatro) meses, limite da licença. Parágrafo Único. Em situações avaliadas pelo serviço de saúde ocupacional, em que houver necessidades de cuidados especiais de familiares, mencionados no caput, poderá ser concedida redução da carga horária, que obedecerá regulamentação própria" (mov. 1.11). Fica claro, portanto, que a citada norma não estabelece a redução da carga horária para o caso em que se encontra a servidora. O dispositivo acima citado abarca as situações em que uma pessoa da família do servidor é acometida por uma DOENÇA e não por uma deficiência. Ademais, ao procurar o termo "deficiência" no Estatuto dos Servidores Municipais, os únicos dispositivos atinentes ao tema são os arts. 5º, §2º, e 17, que asseguram a reserva de vagas oferecidas em concurso público para as pessoas com deficiência. Ou seja, a Lei Municipal é OMISSA no que tange ao horário diferenciado para servidor que tenha parente com deficiência. Nesse contexto, imperioso destacar que o art. 98, da Lei Federal nº 8.112/90 e o art. 63, da Lei Estadual nº 18.419/15, preveem a possibilidade de que o servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência reduza a carga horária de trabalho SEM a necessidade de compensação de horário, verbis:
"Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo. § 1o Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário no órgão ou entidade que tiver exercício, respeitada a duração semanal do trabalho § 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. § 3o As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência". "Art. 63. Assegura ao funcionário ocupante de cargo público ou militar, que seja pai ou mãe, filho ou filha, cônjuge, companheiro ou companheira, tutor ou tutora, curador ou curadora ou que detenha a guarda judicial da pessoa com deficiência congênita ou adquirida, de qualquer idade, a redução da carga horária semanal de seu cargo, sem prejuízo de remuneração, nos termos desta Seção" (grifei). § 1º A redução de carga horária, de que trata o caput deste artigo, destina-se ao acompanhamento do dependente no seu processo de habilitação ou reabilitação ou às suas necessidades básicas diárias, podendo ser consecutivo, intercalado, alternado ou escalonado, conforme necessidade ou programa do atendimento pertinente, mediante requerimento formulado à Secretaria de Estado responsável pela política pública da administração e da previdência instruído com a indicação da necessidade da jornada a ser reduzida" (grifei). Por seu turno, o Decreto Federal nº 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, possuindo status de emenda constitucional, pois aprovado conforme o procedimento estabelecido no §3º, do art. 5º, da Constituição Federal, assim preceitua: "Artigo 4 Obrigações Gerais 1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a: a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que
constituírem discriminação contra pessoas com deficiência; c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência; (...)" (grifei). "Artigo 5 Igualdade e não-discriminação 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. 2. Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. (...)" (grifei). Vê-se que "adaptação razoável", nos termos do Decreto, "significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais".
Infere-se, da leitura dos dispositivos acima (os quais, repita-se, possuem status de Emenda Constitucional), que o ordenamento jurídico pátrio procura, incessantemente, assegurar os direitos das pessoas com deficiência, adotando todas as medidas apropriadas para garantir que os direitos humanos dessas pessoas se efetivem. Nesse cenário, percebe-se que as leis estadual e federal já estão em sintonia com tal entendimento, pois possibilitam ao servidor que tenha parente com deficiência a redução da carga horária, SEM necessidade de compensação e SEM redução de salários, para que este preste a assistência necessária ao deficiente. Por sua vez, o Estatuto dos Servidores Municipais de Araucária não prevê norma nesse sentido e, somado a isso, o Poder Público Municipal se recusa a conceder o horário diferenciado à apelante, mesmo quando comprovado que a filha, atualmente com 8 anos, é portadora de Síndrome de Down, necessita de acompanhamento permanente (realizado três vezes por semana pela APAE e uma vez por semana pelo Hospital Pequeno Príncipe), é altamente dependente e não possui assistência de outras pessoas que não da sua genitora. Há, nos autos, declarações de profissionais das áreas de Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e da APAE que corroboram a necessidade de a servidora acompanhar a filha nas consultas (mov. 1.6/ fls. 04, 05, 06 e 07 e fls. 31, 32, 33, 34 e 35, dos autos físicos). Sabe-se que um filho demanda muita atenção e diversos cuidados, uma vez que crianças, por si só, dependem dos pais até para as tarefas mais simples. Não é difícil imaginar que, quando se trata de um filho com Síndrome de Down e plenamente dependente, a dificuldade é muito maior, razão por que negar o pedido da recorrente é negar a dignidade sua e de sua filha. Inclusive, nesse sentido, de minha relatoria: "APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO. AÇÃO ORDINÁRIA. PLEITO DA APELADA PELA REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM COMPENSAÇÃO E SEM REDUÇÃO SALARIAL PARA PRESTAR ASSISTÊNCIA AO FILHO DEFICIENTE. INEXISTÊNCIA DE NORMA MUNICIPAL SOBRE A MATÉRIA. NEGATIVA DO MUNICÍPIO EM CONCEDER O HORÁRIO DIFERENCIADO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI ESTADUAL Nº 18.419/15 E DA LEI FEDERAL Nº 8.112/90. APLICAÇÃO DO SISTEMA NORMATIVO DE PROTEÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI Nº 13.146/15) E ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DO ESTADO DO PARANÁ (LEI Nº 18.419/15). ARCABOUÇO DE LEGISLAÇÕES E PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO TEMA QUE DEVE SER APLICADO COM VISTAS A EFETIVAR DIREITO CONSTITUCIONALMENTE PREVISTO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. EM REEXAME NECESSÁRIO, CORREÇÃO DA FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. A questão não atine apenas ao interesse particular da apelada, que apenas de modo mediato lhe remete, mas revela-se como proteção à família, nos termos do art. 226, da CF/88. A analogia utilizada no presente caso consubstancia-se, portanto, em efetivação de direito constitucionalmente previsto" (TJPR Processo nº 0009133-30.2017.8.16.0170 5ª C. Cível Rel.: Nilson Mizuta Toledo DJ: 06/11/2018 Dje: 06/11/2018). No mesmo sentido, a 4ª C. Cível: "REEXAME NECESSÁRIO MANDADO DE SEGURANÇA SERVIDORA PÚBLICA FILHA MENOR, COM 03 ANOS DE IDADE, PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL LAUDO MÉDICO CONSTATAÇÃO NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO DA MENOR PARA REALIZAÇÃO DE TERAPIA DE ESTIMULAÇÃO NEUROSSENSORIAL CONTÍNUA - HORÁRIO ESPECIAL DE TRABALHO REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA EM 2 HORAS, 2 VEZES POR SEMANA - FALTA DE PREVISÃO LEGISLATIVA MUNICIPAL - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 98 DA LEI 8.112/1990 SEGURANÇA CONCEDIDA, SEM COMPENSAÇÃO DE JORNADA E SEM DESCONTO NOS VENCIMENTOS - SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. A Impetrante não pleiteou se ausentar do trabalho (faltar) duas vezes por semana para acompanhamento médico de sua filha, mas, tão somente, redução da sua jornada em 02 (duas) horas, duas vezes por semana, para levar a menina à terapia de estimulação, em Centro de Reabilitação. Ante a inexistência de previsão específica de horário especial para servidor público municipal estudante (fl. 90), a fim de suprir lacuna normativa impõe-se a aplicação da analogia conforme determina o artigo 4º do Decreto-Lei nº 4657/1942, sendo possível utilizar o disposto no artigo 98 da Lei 8.112/90, que estabeleceu a possibilidade de concessão de jornada diferenciada de trabalho: `Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo'" (TJPR Processo nº 1239259-3 4ª C. Cível Rel.: Regina Afonso Portes Colombo DJ: 04/11/2018 Dje: 18/11/2014). Fica claro, portanto, que o Estatuto dos Servidores do Município de Araucária não adequou seus ditames à política de inclusão social, indo de encontro à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, à Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15) e ao Estatuto da Pessoa com Deficiência do Estado do Paraná (Lei nº 18.419/15). É facilmente perceptível que negar o direito à servidora de reduzir sua jornada, sem compensação e sem redução do salário, viola frontalmente a Dignidade da Pessoa Humana. Isso porque ao filho deficiente são imprescindíveis os cuidados de sua mãe para que possa ter melhora na qualidade de vida. Por sua vez, a apelante, indubitavelmente, não realizará seu trabalho com qualidade se estiver em constante preocupação com a filha. Os dois, portanto, sofrem demasiadamente com a situação: a menina, por não ter assistência e amparo, e a mãe, por manter-se angustiada e aflita ao saber que ela não tem que lhe dê suporte. Dessa forma, fica claro que a questão não atine apenas ao interesse particular da recorrente, que apenas de modo mediato lhe remete, mas revela-se como proteção à família, nos termos do art. 226, da CF/88. A analogia utilizada no presente caso consubstancia-se, portanto, em efetivação de direito constitucionalmente previsto. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "(...) Vale observar que o caso em tela deve ser analisado sob a ótica da proteção especial conferida à pessoa deficiente e embora não haja legislação estadual a autorizar diretamente a redução da jornada de trabalho do servidor estadual em casos que tais, o arcabouço da legislação e princípios relacionados ao tema permitem a conclusão de que tal proteção é de lhe ser deferida. Embora o pedido feito pela apelante não encontre amparo legal na legislação estadual é possível o deferimento do requerido em decorrência da observância dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à família e da pessoa portadora de deficiência, bem como com apoio em nossa jurisprudência dos tribunais. (...) Assim, percebe-se que, de fato, o ordenamento jurídico pátrio consagra à pessoa portadora de deficiência devida proteção, cabendo ao Poder Público as providências necessárias. Diante de tal arcabouço e ainda que a legislação estadual não preveja o direito à redução da carga horária é de se reconhecer o direito pleiteado pela servidora, como parte da efetivação integral do direito à saúde e da proteção jurídica dos portadores de deficiência, interpretando de forma sistemática e analógica as normas federais e constitucionais. Portanto, é plenamente possível utilizar também, por analogia, a previsão do artigo 98, parágrafo 3º, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis Federais (Lei Federal nº 8.112, de 11/12/1.990) ao caso dos autos, para assegurar o pleno exercício dos direitos humanos a pessoa portadora de deficiência" (TJSP Processo nº 1039674-49.2016.8.26.0602 Relator: Ponte Neto 8ª Câmara de Direito Público Dje: 11/04/2018) (grifei). Somam-se ao referido julgado as seguintes decisões do TJSP, que concedem o horário especial (sem compensação e sem redução salarial), por aplicação analógica do Estatuto dos Servidores Federais a servidores municipais e estaduais: Apelação nº 1008064-72.2016.8.26.0114 (8ª C. de Direito Público; 21/08/17), Apelação nº 1008982-52.2016.8.26.0510 (4ª C. de Direito Público; 18/12/17) e Apelação nº 2089125-52.2017.8.26.0000 (3ª C. de Direito Público; 03/10/17). Segue a mesma linha o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: "Impende destacar a possibilidade de aplicação da legislação estadual, por analogia, em razão da aplicação direta de princípios constitucionais a amparar o direito vindicado, notadamente ante a ausência de vedação específica na legislação local. Saliento, outrossim, que esta Corte já se manifestou pela possibilidade de aplicação da legislação atinente aos servidores estaduais para os servidores municipais quando ausente legislação específica (...). Acrescento, por fim, excerto do parecer da ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Magali Ferreira Mannhart, que adoto como razões de decidir, observada a decisão proferida no RE 790913 , nos seguintes termos: (...) Com efeito, a Administração Pública, regida pelos constitucionais inscritos no caput do art. 37 da Carta Magna. O princípio da legalidade, a propósito, é base de todos os demais princípios que instruem, limitam e vinculam atividades administrativas. Ademais, o regramento do quadro dos servidores públicos estatutários municipais é matéria de interesse local, nos termos do art. 30, inc. I, da CF, devendo, pois, ser regrada pelo Município competente. Desse modo, em visão apressada, poder-se-ia concluir que, inexistindo lei local prevendo a redução de carga de servidor público municipal, sem prejuízo de sua remuneração, para o fim de atender a filho com deficiência mental, tal redução não seria possível. Contudo, no caso, a inexistência de legislação municipal legalismo estrito - acerca do assunto não pode servir de parâmetro para negar o direito de a servidora pública municipal efetiva exercer sua atividade de professora e conferir atenção devida a filho que possui necessidades especiais, qual seja, Síndrome de Down. Isso porque a democracia moderna não reserva mais ao governante a posição de soberano, podendo decidir livremente o que fazer com a coisa pública. A lei impõe verdadeiro programa de governo. A Administração Pública, então, não se submete apenas à lei, mas ao direito como um todo, podendo o Poder Judiciário acabar por interferir no mérito administrativo. E, diante de inércia da Administração, legitima a interferência judicial como meio para atendimento de demanda. Ademais, existe, na legislação estadual, o art. 127 da Lei Complementar n. 10.098/1994, o qual autoriza a redução da carga horária de servidores para acompanhar filho portador de necessidades especiais, sem prejuízo de vencimentos e sem necessidade de cumprimento de carga mínima. Mostra-se, pois, lógico e proporcional aplicar aludida legislação, por analogia, à servidora pública municipal, inexistindo, no estatuto municipal, regra que expressamente permita a exceção de redução de carga horária, sem prejuízo de vencimentos, em face de filho com necessidades especiais. (...) Ocorre que se mostra possível a determinação para o cumprimento de medida que busca dar eficácia a normas constitucionais, mormente em se tratando de omissão do Poder Público" (TJRS Processo nº 70060092285 4ª C. Cível Rel.: Antonio Vinicius Amaro da Silveira DJ: 19/07/17). Frise-se que o apelante Município de Araucária requereu a redução do valor da condenação a título de honorários. Tal argumento, contudo, não merece acolhimento. A MMª Juíza a quo, Dra. Camila Mariana da Luz Kaestner, fixou a verba honorária em R$ 3.000,00, nos termos do art. 20, §4º, CPC. Registre-se que a ação foi ajuizada em 17 de abril de 2012, ou seja, tramita há mais de seis anos. Em atenção ao grau de zelo, à natureza e à importância da causa, ao trabalho realizado e ao tempo exigido para o trabalho do patrono da parte vencedora, entendo razoável a fixação da verba honorária em R$ 3.000,00.
Ressalte-se, em tempo, que este relator possuía entendimento diverso no que toca ao tema, isso em razão da atenção ao princípio da legalidade, que guia o proceder da Administração Pública. Todavia, devido ao arcabouço de legislações, convenções e princípios que regem a matéria relativa à proteção das pessoas com deficiência, entendo necessária a alteração de entendimento, com vistas à efetivação de direito constitucionalmente previsto e à proteção do princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o recurso de Edilza Nichele Oliveira merece provimento para declarar o direito da apelante à redução da carga horária semanal de trabalho em 50% (cinquenta por cento), nos termos da r. sentença, em horário necessário ao acompanhamento da filha deficiente, SEM a redução dos vencimentos e SEM a necessidade de compensação de horários. Em consequência, nega-se provimento ao recurso interposto por Município de Araucária. O reexame necessário restou prejudicado. Do exposto, voto no sentido de (i) negar provimento ao recurso interposto por MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA, (ii) dar provimento à apelação interposta por EDILZA NICHELE OLIVEIRA, para declarar o direito da apelante à redução da carga horária semanal de trabalho em 50% (cinquenta por cento), nos termos da r. sentença, em horário necessário ao acompanhamento da filha deficiente, SEM a redução dos vencimentos e SEM a necessidade de compensação de horários, e (iii) julgar prejudicado o reexame necessário.
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em (i) negar provimento ao recurso interposto por MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA, (ii) dar provimento à apelação interposta por EDILZA NICHELE OLIVEIRA, para declarar o direito da apelante à redução da carga horária semanal de trabalho em 50% (cinquenta por cento), nos termos da r. sentença, em horário necessário ao acompanhamento da filha deficiente, SEM a redução dos vencimentos e SEM a necessidade de compensação de horários, e (iii) julgar prejudicado o reexame necessário. Vencido o Des. Leonel Cunha, que dá provimento ao apelo do Município de Araucária, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial; nega provimento ao apelo de Edilza Nichele Oliviera e julga prejudicada a remessa necessária, com declaração de voto vencido. Declara voto convergente o Dr. Rogério Ribas. A sessão foi por mim presidida e participaram do julgamento os Senhores Desembargadores CARLOS MANSUR ARIDA, LEONEL CUNHA, LUIS MATEUS DE LIMA e Juiz Substituto de 2º Grau ROGÉRIO RIBAS. Curitiba, 26 de fevereiro de 2019.
DES. NILSON MIZUTA Relator DES. LEONEL CUNHA Vencido DR. ROGÉRIO RIBAS Voto Convergente
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