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Acórdão
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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALI-DADE - DIREITO URBANÍSTICO - MEIO AMBIENTE - INTERESSE TURÍSTICO E PAISAGÍSTICO - COMPETÊNCIA LEGISLATI-VA CONCORRENTE DA UNIÃO E DO ESTADO, E SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - PROCEDÊNCIA. A competência municipal para legislar sobre tais matérias, é tão-somente de caráter suplementar, impondo-se que, diante das regras federais e estaduais, as disposições legais municipais a elas se acomodem, sem modificá-las ou contrariá-las.
V I S T O S, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 48.337-6, de Curitiba, em que é autor o Governador do Estado do Paraná e são interessados, a Câmara Municipal de Guaratuba, a Câmara Municipal de Matinhos, o Município de Guaratuba e o Município de Matinhos.
1. R E L A T Ó R I O.
Toma-se para tanto a exposição Ministerial de fls. 308 a 311 e 312 a 313, in verbis: Trata-se de ação direta promovida pelo Governador do Estado do Paraná, com fundamento nos arts. 101, inciso VII, alínea f e 111, inciso I, da Constituição Estadual, com o objetivo de ver declarada a inconstitucionalidade do art. 14, da Lei nº 725, de 23 de dezembro de 1.994, do Município de Guaratuba e do art. 7º, da Lei nº 462, de 11 de abril de 1.994, do Município de Matinhos, que tratam do uso e da ocupação do solo nas referidas comunas. O autor sustenta, em síntese, que as normas submetidas ao contencioso são inconstitucionais porque: a) os referidos dispositivos das leis municipais versam sobre matéria cuja competência legislativa, nos termos do artigo 13 da Constituição Estadual, é do Estado do Paraná, concorrentemente com a União; a competência municipal para legislar sobre tal matéria é tão somente de caráter suplementar, impondo-se que, diante das regras federais e estaduais havidas, as disposições legais municipais a elas se acomodem, sem modificá-las ou contrariá-las; b) a distribuição de competência estabelecida no supracitado dispositivo decorre do princípio geral que norteia a repartição de competência em nosso sistema constitucional, que é o da predominância do interesse: à União caberão os assuntos de interesse nacional, aos Estados-membros os de interesse regional e, aos municípios, por fim, os de interesse eminentemente local; c) os dispositivos indicados padecem de inconstitucionalidade porque, modificando expressa lei estadual, invadem seara legislativa destinada ao Estado, uma vez que as áreas litorâneas sobre as quais as leis municipais autorizam ocupação do solo, prevendo índices, percentuais e metragens, são consideradas de interesse turístico e paisagístico - e estas, consoante o texto das Cartas Federal e Estadual, estão sob a égide normativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal; d) da mesma forma se dá com a matéria de direito urbanístico, valendo acrescentar que já existiam normas federais, representadas pelas Leis nºs 6.513/77 e 6.766/79, recepcionadas pela Carta vigente, que conferiam ao Estado do Paraná a edição de diplomas legislativos de localização de áreas de interesse especial (Leis nºs 7.389/80 e 7.694/83 e Decretos nºs 6.274/83 e 2.722/84); e) as normas impugnadas estabelecem critérios e condições de uso e ocupação do solo em áreas lindeiras à orla marítima, na zona costeira (áreas de interesse especial para fins de proteção - de uso restrito), em total desacordo com as regras de proteção ao patrimônio turístico e paisagístico, pois estabelecem condições para a construção de edifícios a serem executados em cidades balneárias de efetivo interesse ambiental, turístico, cultural e paisagístico que, constitucionalmente, cabe ao Estado do Paraná proteger. Não se concedeu a providência na forma liminar (fls. 118/150). O Município de Matinhos, às fls. 194/198, prestou informações de estilo, onde sustentou a autonomia municipal para legislar sobre a matéria de interesse local e zoneamento urbano, tendo em conta o art. 30, incisos I e VIII, da Constituição Federal, o art. 17, inciso I, da Constituição Estadual e o art. 6º, inciso I, da Lei Orgânica Municipal; que o art. 52, do ADCT da CE, revogou as normas legais invocadas pelo autor. O Município de Guaratuba, também, às fls. 204/209, prestou suas informações, ocasião em que, preliminarmente, salientou que o art. 52, do ADCT da CE teria revogado todas as leis e decretos que interfiram na autonomia municipal; que, ainda, o presente pedido teria perdido seu objeto, na medida em que a Lei Estadual nº 12.243/98 revogou a Lei Estadual nº 7.389/80, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 2.722/84 e reafirmou a matéria anteriormente ventilada, ressaltando, ainda, que o Município tem autonomia para legislar sobre a matéria em debate.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou no sentido da procedência da ação.
2. V O T O.
As normas legais em exame, apresentam a seguinte redação: Lei nº 725/94, do Município de Guaratuba: Art. 14 - Os usos permitidos, permissíveis e proibidos e índices urbanísticos incidentes nos lotes as zonas residenciais são os constantes das tabelas I e II, parte integrante desta Lei. Lei nº 462/94, do Município de Matinhos: Art. 7º - Os parâmetros de ocupação do solo para efeito de aquisição do incentivo construtivo são os constantes no quadro I em anexo para lotes com frente para a Av. Atlântica e os constantes na tabela II para os lotes com testada para a rua Paralela a Av. Atlântica.
Irrelevante para o desenredo da causa, o advento da Lei Estadual nº 12.243/98, pois a demanda persegue a declaração de inconstitucionalidade de leis e não da sua ilegalidade. No que tange ao tema de mérito, adotam-se como fundamentos para decidir, os insertos no parecer do eminente Procurador-Geral de Justiça, Doutor Gilberto Giacóia, porquanto examinou ele a questão em deslinde, com proficiência e esmero, indicando com segurança os textos constitucionais e legais, ao caso aplicáveis.
Deste seu pronunciamento, assim, destacam-se os seguintes tópicos, in verbis:
Na espécie, somente a Constituição, conforme leciona Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição Constitucional, ed. Saraiva, 1ª edição, 1.996, pág. 112), serve de parâmetro para o controle abstrato de normas, e não legislação infraconstitucional. Assim, no caso em apreço, o parâmetro dos dispositivos impugnados é o art. 13, da Constituição Estadual, e não a lei revogada, observando-se, ainda, que a Lei Estadual nº 12.243/98, ao dispor sobre a mesma matéria (definição de áreas especiais de interesse turístico), afastou, por completo, qualquer possibilidade de falar-se em vácuo legislativo (fls. 315). José Afonso da Silva é claro e incisivo quando no item da Autonomia Municipal (II), abordando as competências municipais (nº 06), no seu Curso de Direito Constitucional Positivo (RT, 5ª ed., S. Paulo, p. 540), afirma: O art. 30 da Constituição já discrimina as bases da competência dos Municípios, tais como: I - legislar sobre assuntos de interesse local, que consubstancia a área de competência legislativa exclusiva, incluindo aí, por conseguinte, a legislação tributária e financeira; II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber, aí, certamente, competirá aos Municípios legislar supletivamente sobre: 1) proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico(fls. 317/318).
... Lei Estadual nº 12.243/98, que, seguindo diretriz da Lei Federal nº 6.513, de 20 de dezembro de 1.977, veio a definir as Áreas Especiais de Interesse Turístico e Locais de Interesse Turístico, bem como relacionar localidades situadas nos Municípios de Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes e Pontal do Paraná, conforme o art. 1º, a a j, e parágrafo único,... Destaque-se, ainda, que o art. 3º, do Diploma Legal referido manteve o Conselho de Desenvolvimento do Litoral Paranaense e estabeleceu linha urbanística a ser seguida pelo Estado e pelos Municípios referidos (fls. 334). Não pode ser olvidado que o plano urbanístico litorâneo é de natureza especial, pois envolve a proteção do meio ambiente e o interesse turístico, prevalecendo, em conseqüência, o interesse maior do Estado (fls. 335). Na faixa litorânea do Estado, onde predomina o interesse público maior, em face da preservação do meio ambiente e do estímulo ao turismo, compete ao Estado e à União, repetimos, legislarem concorrentemente, motivo pelo qual, em princípio, ao editarem normas não estarão ofendendo a autonomia municipal, consoante, aliás, já decidiu, a respeito, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça nos autos de Mandado de Segurança nº 9.629/PR (98.0024.829-3) (fls. 338). Desta forma, o legislador municipal, ao dispor sobre direito urbanístico, ordenamento territorial, uso e ocupação do solo urbano, sem levar em conta a competência do Estado e o disciplinamento legal elaborado por este, entrou em colisão com os art. 13, inciso I e 17, inciso VIII, da Constituição Estadual, viciando de inconstitucionalidade o art. 14, da Lei nº 725/94 (do Município de Guaratuba) e art. 7º, da Lei nº 462/94 (do Município de Matinhos) (fls. 340).
Dest'arte, ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos legais hostilizados.
Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Senhor Relator, os eminentes Desembargadores: Oto Sponholz, Troiano Netto, Darcy Nasser de Melo, Altair Patitucci, Tadeu Costa, Accácio Cambi, Pacheco Rocha, Moacir Guimarães, Ulysses Lopes, J. Vidal Coelho, Newton Luz, Carlos Hoffmann, Telmo Cherem, Jesus Sarrão, Fleury Fernandes, Cyro Crema e Sidney Mora.
Curitiba, 18 de junho de 1.999.
DES. SILVA WOLFF - Presidente em exercício, com voto.
DES. ÂNGELO ZATTAR - Relator.
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