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Acórdão
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Apelação Cível nº 85.117-4, de Londrina, 6ª Vara Cível. Apelante : Banco do Estado do Paraná S.A. Apelado : Dilux Divisórias e Instalações Comerciais Ltda. Relator : Des. Cordeiro Cleve
AÇÃO ORDINÁRIA DE RESSARCIMENTO. INCENTIVO. FINANCIAMENTO. PROGRAMA ESTADUAL BOM EMPREGO URBANO. REDUÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA PELA VARIAÇÃO DA TR. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO, UNÂNIME. Na interpretação de cláusula contratual de sentido aparentemente obscuro, deve o julgador, atento ao que dispõe o artigo 85 do Código Civil e aos demais elementos de prova existentes no processo, levar em consideração a verdadeira intenção volitiva das partes, não se limitando à sua literalidade.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 85.117-4, de Londrina, 6ª Vara Cível, em que é apelante Banco do Estado do Paraná S.A., e apelado Dilux Divisórias e Instalações Comerciais Ltda. Trata-se de ação ordinária de ressarcimento cumulada com perdas e danos promovida pela empresa Dilux Divisórias e Instalações Comerciais Ltda. contra o Banco do Estado do Paraná S.A. perante a 6ª Vara Cível de Londrina, autos nº 624/96, aduzindo a requerente que seduzida por campanha publicitária celebrou com o requerido um contrato de financiamento, em razão do qual foi emitida em data de 05.7.93 uma Cédula de Crédito Industrial com vencimento estipulado para 15.7.98, no valor de Cr$ 2.017.760.000,00 (dois bilhões, dezessete milhões e setecentos e sessenta mil cruzeiros), com garantia de alienação fiduciária recaindo sobre diversos equipamentos; que a dívida, como forma de incentivo seria beneficiada com correção monetária apenas de 10% (dez por cento) sobre a variação da TR, conforme consta da cláusula 4ª (quarta) do referido contrato, valendo a título de benefício a diferença de 90% (noventa por cento); que sendo depositadas as parcelas vencidas a partir de 15.8.94, constatou que o valor da correção monetária de todo o período de carência havia sido cobrado acima do que foi pactuado, ou seja pela variação de 100% (cem por cento) da TR, cujo fato gerou diversas reclamações de sua parte e pedido administrativo de revisão do cálculo, passando o requerido a partir daí a fazer o estorno da ordem de 10% (dez por cento) mensalmente, daquela variação, o que determinou nova reclamação porque o estorno devia ser da ordem de 90% (noventa por cento), mas não obteve qualquer resultado. Discorre sobre o direito, e pede a concessão de tutela antecipada e final procedência, para condenação do requerido à devolução das importâncias recebidas em valores acima do limite de 10% (dez por cento) da variação da TR, acrescida de juros legais, devidamente atualizadas monetariamente e honorários de advogado, à base de 20% do valor da causa, e determinação no sentido de que a dedução das parcelas vincendas se faça na forma do que foi contratado. Citado, o réu apresentou contestação (fls. 53/60) alegando que a autora distorce a realidade, na sua interpretação, uma vez que levando-se em conta o incentivo oferecido pelo programa denominado Bom Emprego Urbano, conforme consta da cláusula 4ª (quarta) do contrato que celebraram, o percentual concedido foi de 10% (dez por cento) de desconto, e não de 90% (noventa por cento), como pretendido, pugnando pela improcedência do pedido. Após o oferecimento de impugnação à defesa e juntada de documentos novos e manifestação das partes, realizada a audiência de conciliação, sobreveio a sentença, julgando o magistrado aquo procedente o pedido para condenar o requerido a restituir à autora a quantia cobrada a maior, a título de correção monetária, determinando que a mesma seja equivalente a 10% da variação da TR, devendo o valor ser apurado em liquidação de sentença, e determinando que as vincendas fossem adequadas ao mesmo percentual, sujeitando o vencido ao ônus de sucumbência. Inconformado, apela o Banco do Estado do Paraná S.A., reiterando as alegações expendidas na contestação, para buscar a reforma da decisão. Com as contra-razões defendendo a manutenção do julgado, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Estando presentes os pressupostos legais de admissibilidade deve ser conhecido o recurso. Assiste razão ao apelante, no seu inconformismo. Conforme foi acima explanado, finca-se a controvérsia apenas em torno do percentual estabelecido entre as partes no contrato, atinente à redução da correção monetária pela TR, a título de incentivo, sendo que a autora defende a tese de que essa redução seria da ordem de 90% (noventa por cento) da variação pelo mencionado indexador, ao passo que o réu sustenta que a redução seria de 10% (dez por cento). A cláusula 4ª (quarta) do contrato, objeto de toda a discussão, constante do instrumento de fls. 15/19, tem a seguinte redação: Cláusula quarta: Incentivo para investimento produtivo e geração de empregos. A emitente, a título de incentivo, fará jus a 90% da correção monetária pela TR, prevista no campo 8, quando gerar e mantiver no mínimo 06 (seis) empregos diretos, os quais serão comprovados mensalmente mediante apresentação de Cópia autenticada do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), protocolada pelos Correios, com o início da comprovação 60 dias após a realização do objetivo a que se destinou o financiamento, constante do campo 9.
A redação é, como dela se verifica, sem dúvida alguma, um tanto obscura, e foi, certamente, diante da sua ambigüidade que se animou a autora à propositura da demanda, embora tendo conhecimento de que a redução concedida a título de incentivo fosse como é da ordem de 10% (dez por cento) da correção monetária que foi pactuada pelos índices da TR, conforme afirmado pelo apelante, valendo mencionar que referido fator abrange não somente a correção monetária, mas também o custo de captação do dinheiro no mercado financeiro. Conforme bem asseverou o apelante a natureza da contratação foi no sentido de que a apelada faria jus a pagar 90% da correção monetária pela TR, beneficiando-se de 10%, o que já é um grande negócio pois não seria um ato de sanidade da instituição ora recorrente conceder um desconto tão amplo, em época de custo tão alto do dinheiro (sic fls. 169). Por outro lado, não se pode menosprezar, para chegar-se a esta conclusão, que embora tivesse o contrato sido firmado em data de 05.7.93 e registrado em data de 06.7.93 no Cartório do Registro de Títulos de Documentos (v. doc. de fls. 16/19) , a contratação se desenvolveu em período que imediatamente antecedeu a publicação da Lei Estadual nº 10.352, de 08.7.93 (DOE de 08.7.93, cf. doc. de fls. 61), que alterando a Lei Estadual nº 5.515, de 15.2.67 e seu art. 29, assim dispôs no art. 2º, parágrafo 3º, inciso I:
Art. 2º (...) Par. 3º - Nas dotações referidas na alínea b do caput deste artigo, incluir-se-á, obrigatória e cumulativamente, os recursos equivalentes ao menor valor no retorno das aplicações deferidas, relativamente à rentabilidade pré-estabelecida, decorrente: I - redução de até 10% (dez por cento) na correção monetária incidente sobre as aplicações do programa Bom Emprego ou equivalente, quando do pagamento pelos tomadores, a título de incentivo.
Resta claro, portanto, que o financiamento se deu quando se discutia no âmbito do Poder Legislativo Estadual sobre a natureza, forma e alcance do incentivo - daí dizer a autora, antes do ajuizamento da inicial em 05.7.93, ter sido seduzida por campanha publicitária - que acabou por se consubstanciar na redução de 10% (dez por cento) da correção monetária pela TR, como estabelecido na norma legal supra, e que foi esse e não outro, o incentivo concedido quando da pactuação do financiamento. Note-se que na cláusula em questão não ficou definido que o tomador do empréstimo tivesse direito à redução de 90% (noventa por cento) da correção pela TR, inferindo-se, bem ao contrário, que faria jus à correção monetária neste percentual, o que implica dizer ao pagamento de correção monetária com redução de 10% (dez por cento) ou inferior a 100% (cem por cento) do seu valor global. Esta, em verdade, é a interpretação, diante do impasse, que melhor se ajusta ao espírito da Lei Estadual nº 10.352/93, que se achava em discussão no legislativo e que logo a seguir viria a ser sancionada e publicada, e cujo teor certamente já era do conhecimento público antes mesmo de seu aperfeiçoamento, haja vista a afirmação feita na inicial pela autora, no sentido de que fora seduzida por campanha publicitária em torno do programa incentivado do governo. Para concluir, consigne-se que não tem qualquer sentido, mesmo como incentivo, uma redução da ordem de 90% (noventa por cento) da correção monetária ajustada pela TR, quando se sabe do custo do dinheiro captado no mercado financeiro e, mais quando também se sabe que a correção monetária em si não representa nenhum acréscimo, senão mero mecanismo para a reposição do valor da moeda na medida em que se faz desfalcado pela inflação, donde não se pode conceber que um estabelecimento bancário, cuja única mercadoria é o dinheiro, disponha-se a emprestar sabendo que sem correção monetária e sem juros estaria fatalmente correndo o risco de receber menos do que a importância repassada ao tomador. A cláusula contratual, pois, sendo um tanto obscura e controvertida, haverá de ser interpretada em harmonia com os demais elementos de prova trazidos à apreciação nos autos, as circunstâncias que norteiam o fato e à verdadeira intenção das partes, conforme determina o artigo 85 do Código Civil, e não apenas tomando-se por base a sua literalidade, propiciadora de equívocos, como sucedido no caso. Por todos estes fundamentos, impõe-se o acolhimento do recurso e a reforma da sentença, para julgar improcedente o pedido no tocante à redução de 90% (noventa por cento) da correção monetária pela TR, com inversão do ônus de sucumbência, ficando os honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais) conforme disposição do art. 20, parágrafo 4º, do CPC. Do exposto:
ACORDAM os integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, de acordo com o voto do Relator. Participaram do julgamento, e acompanharam o Relator, o Desembargador Accácio Cambi, Presidente, e a Juíza convocada Anny Mary Kuss Serrano.
Curitiba, 23 de fevereiro de 2000.
DES. CORDEIRO CLEVE - Relator
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