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Acórdão
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APELAÇÃO CRIME Nº 108.004-2, DE PÉROLA. APELANTES : 1) ALCIDES GONÇALVES DA CUNHA (RÉU PRESO) 2) MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ APELADOS : OS MESMOS RELATOR : CARLOS HOFFMANN
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ART. 1º, V, DA LEI Nº 8137/90 - CARACTERIZAÇÃO SUPRESSÃO DE TRIBUTO - VENDAS DE MERCADORIAS TRIBUTADAS DESACOBERTADAS DE DOCUMENTAÇÃO REGULAMENTAR AUTORIA COMPROVADA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE CRITERIOSAMENTE FIXADA PENA DE MULTA NÃO REVOGAÇÃO EM FACE DA SUPRESSÃO DO BTN RECURSO DA DEFESA NÃO PROVIDO PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A venda de mercadoria tributada não acobertada por nota fiscal, com supressão de tributo referente ao ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços), com prejuízo e empobrecimento do erário público, constitui crime contra a ordem tributária. Comprovado que o réu era o proprietário de fato da empresa, por ele exclusivamente gerida, não se pode afastar sua responsabilidade penal. Se as circunstâncias do art. 59 do Código Penal foram rigorosa e corretamente analisadas no ato sentencial, não se pode vislumbrar qualquer desacerto na imposição da pena-base. O acréscimo decorrente da continuação delitiva varia de acordo com o número de crimes. Não restou abolida a pena de multa com a suspensão do denominado Bônus do Tesouro Nacional BTN.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 108.004-2,de PÉROLA, em que são apelantes ALCIDES GONGALVES DA CUNHA (Réu Preso) e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, e apelados OS MESMOS.
1. Alcides Gonçalves da Cunha foi denunciado como incurso nas sanções do art. 1º, inc. V, da Lei nº 8.137/90, na forma do art. 71 do CP, uma vez que no período de janeiro a setembro de 1999, na qualidade de gerente da empresa Antônio Carlos Santana-ME, lesou o erário público no valor de R$ 278.987,99, eis que deixou de ser recolher referida quantia a título de ICMS ao vender mercadorias sem as respectivas notas fiscais, tendo deixado de pagar a multa de R$ 529.228,02 que lhe foi aplicada, acrescida de juros de R$ 132.720,11. Apurou-se que não foram emitidas notas fiscais pela venda das seguintes mercadorias: 1.112.630 kg de café em coco (autuação nº 6.184545-3); 39.510 kg de feijão preto (autuação nº 6.184549-6); 322.090 kg de arroz em casca (autuação nº 6.184550-0); 108.580 kg de feijão carioca (autuação nº 6.184551-8). Acrescentou-se que, nos termos de depoimentos colhidos e de documentos juntados aos autos, o acusado é o proprietário da empresa em questão. 2. Recebida a denúncia (fls. 52-verso), o réu foi interrogado e apresentou defesa prévia. 3. Foram inquiridas três testemunhas (fls. 398, 413 e 420). 4. As partes apresentaram suas alegações finais, vindo o réu a requerer sua absolvição por não ter agido com dolo, de vez que não pode responder pelo crime de sonegação por cumprir ordens do proprietário da empresa. Afirma que era responsável apenas pela comercialização das mercadorias, nada tendo a ver com a contabilidade da empresa. 5. Sentenciando, o dr. Juiz de Direito julgou procedente em parte a denúncia para condenar o acusado, por violação ao art. 1º, inc. V, da Lei nº 8.137/90, c/c o art. 71 do CP, à pena de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, a ser cumprida sob o regime inicial semi-aberto. Deixou de aplicar a pena de multa por entender que a mesma está abolida em razão da extinção, pela Lei nº 8.177/91, do título BTN, sobre o qual deveria a multa ser calculada. Determinou a expedição de mandado de prisão do sentenciado. 6. Desta decisão apelam Alcides Gonçalves da Cunha e o Ministério Público. O primeiro, em suas razões recursais, requer sua absolvição. Sustentando que agiu mediante erro sobre a ilicitude do fato, afirma que não pode ser responsabilizado por crime contra a ordem tributária, por não ser o dono da empresa em questão, eis que irregularidades na emissão de notas fiscais e lançamentos nos livros não caracterizam o crime de sonegação. Caso assim não se entenda, pleiteia a diminuição da pena que lhe foi imposta, de vez que, apesar de terem sido reconhecidas circunstâncias favoráveis ao recorrente, foi fixada 62,5% acima do mínimo legal. 7. O Ministério Público apela para requerer a aplicação da pena de multa prevista no art. 1º, inc. V, da Lei nº 8.137/90, devendo o seu valor ser corrigido por índice de reajuste oficial, como o INPC por exemplo, em razão da extinção do BTN. Finaliza elaborando o cálculo do valor da multa. 8. Os recursos foram contra-arrazoados. 9. A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do apelo do Ministério Público e pelo improvimento do recurso interposto por Alcides Gonçalves da Cunha. É o relatório.
VOTO.
10. Restou incontroverso neste caderno processual que no período compreendido entre 01.01.99 a 30.09.99, na empresa denominada Antonio Carlos Santana ME, localizada no Município de Pérola (PR), promoveu-se a venda de mercadorias tributadas desacobertadas de documentação fiscal regulamentar, a saber: 1.112.630 kg de café em coco (auto de infração nº 6184545-3 fls. 10/11); 39.510 kg de feijão preto (auto de infração nº 6184549-6 fls. 21/22); 322.090 kg de arroz em casca (auto de infração nº 618.4550-0 fls. 20/21) e 108.580 kg de feijão carioca (auto de infração nº 6184551-8 fls. 32/33). A não emissão de notas fiscais dessas operações tributáveis ocasionou ao erário público estadual, pelo não recolhimento do imposto de circulação de mercadorias e serviços, um prejuízo na ordem de R$ 278.987,99 (duzentos e setenta e oito mil, novecentos e oitenta e sete reais e noventa e nove centavos), quantia atualizada até o dia 21.08.00 (documento de fls. 46 usque 49), sem computar os valores referentes a multa e juros. Argumenta o recorrente no recurso, para se esquivar da responsabilidade penal, que era mero procurador da empresa intermediando, tão somente, a venda das mercadorias, sendo a parte contábil de responsabilidade do titular da empresa. À vista da certidão de inteiro teor da procuração lavrada no tabelionato da Comarca de Pérola, inserida às fls. 447, tem-se como certo que o recorrente, aparentemente, não era o titular da empresa e sim Antonio Carlos Santana. No entanto, no curso da investigação e da instrução, Antonio Carlos Santana esclareceu que foi utilizado pelo réu, mediante pequena compensação financeira, como laranja, isto é, emprestou o seu nome para a constituição da empresa mas não vindo a praticar qualquer ato de comércio. De fato, e não há como negar, o proprietário da empresa era o apelante que, maliciosamente e pré-determinado, serviu-se de uma pessoa de pouca instrução, cuja atividade estava limitada a carregamento de sacos, para montar uma empresa e sonegar tributos. Afora isso, demonstra o instrumento de mandato que o recorrente recebeu amplos, gerais e ilimitados poderes para o fim especial de gerenciar a firma Carlos Santana ME, inclusive para venda de mercadorias relativas ao seu negócio. E amplamente exercia a gerência da empresa pois afirmou em seu interrogatório judicial que quando Antônio Carlos Santana ia ao estabelecimento ficava apenas conversando, mas não fazia nada e também não assinava nenhum documento, já que o interrogado tinha procuração para assinar... (fls. 55). Não se pode, assim, isentá-lo da responsabilidade pela sonegação, pois, na lição de Antonio Correa, ...aquele que dirige a atividade empresarial, dá ordens e, enfim, cuja determinação pode levar àquela situação descrita no tipo, seja pessoalmente ou por intermédio de prepostos, empregados ou não, é que responde pelos delitos, na condição de sujeito ativo (in: Dos crimes contra a ordem tributária, pág. 143, Saraiva, 2ª edição, 1996). Absolutamente inconsistente a invocação do erro sobre a ilicitude do fato, uma vez que não possível compreender que um gerente de empresa não saiba que na compra e venda de mercadorias tributáveis exige-se a emissão de nota fiscal. Nunca poderia supor que a falta de emissão de notas fiscais era ato lícito. Não houve qualquer desacerto na imposição da pena privativa de liberdade, visto que as circunstâncias do art. 59, do Código Penal, foram rigorosa e corretamente analisadas no ato sentencial, justificando a aplicação da pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, inferior a média considerando-se os limites mínimo de 02 (dois) e máximo de 05 (cinco) anos. O acréscimo decorrente da continuidade delitiva, em 6/12 (seis doze avos), o que equivale a ½ (um meio), encontra respaldo legal. O aumento varia de acordo com o número de crimes (RT. 660/311, 741/692 e RTJ 143/215) e, no caso, tendo ocorrido inúmeras infrações, justifica-se a majoração adotada pela sentença. Por outro lado, não obstante as ponderações do magistrado sentenciante, cabível se afigura a aplicação da pena de multa embora extinto o BTN (Bônus do Tesouro Nacional). Pedro Roberto Decomain, a propósito, assevera que para a aplicação da pena pecuniária deve ser levado o BTN, no seu último valor congelado em CR$ 126,86 (cento e vinte e seis cruzeiros e oitenta e seis centavos) (in: Crimes Contra a Ordem Tributária, 3ª edição, Livraria e Editora Obra Jurídica Ltda., pág. 128), posição perfilada por Antonio Corrêa que defende que ... o valor das multas será o da BTN antes da supressão, e a partir de então deverá ser atualizada monetariamente e efetuada a conversão para ser atingido o padrão monetário em vigor, denominado de REAL (ob. cit., pág. 256). Na hipótese, considerando-se, sobretudo, o elevado prejuízo causado ao erário público estadual e a situação econômica do réu (corretor de café como se intitula, pressupondo-se ganho satisfatório, e proprietário do veículo marca Ford, modelo Fiesta, alienado fiduciariamente ao Banco Bradesco S.A. fls. 429), estipulo a pena em 30 (trinta) dias-multa, cada um correspondente a 20 (vinte) BTN's. Considerando-se o último valor da BTN em CR$ 126,86 (cento e vinte e seis cruzeiros e oitenta e seis centavos), R$ 1,85 (hum real e oitenta e cinco centavos) na data do evento criminoso (01.01.1999), determino a pena pecuniária em R$ 1.110,00 (hum mil, cento e dez reais), que se mostra suficiente para reprovação e prevenção do crime. Em face dos exposto, pelo meu voto é negado provimento ao recurso do réu e provido o do Ministério Público para imposição da pena de multa. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, à unanimidade de votos, em negar provimento à apelação do réu Alcides Gonçalves da Cunha e prover a do Ministério Público, nos termos do voto do Desembargador-relator. Estiveram presentes e acompanharam o voto do Relator, os eminentes Desembargadores GIL TROTTA TELLES (Presidente) e TELMO CHEREM.
Curitiba, 23 de agosto de 2001
CARLOS HOFFMANN - Relator
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