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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL, N.º 108.905-4, DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE UBIRATÃ. APELANTES : JOSÉ AUGUSTO NETO E OUTROS.
APELADOS : DULCINÉIA DA SILVA ZANIN E OUTRO.
RELATOR : DES. BONEJOS DEMCHUK.
I - DEMARCATÓRIA; II - LITISCONSORTES ATIVOS CUJO DIREITO É DE TAL FORMA ANÁLOGO QUE A DECISÃO DEVE SER IGUAL PARA TODOS; III - ALIENAÇÃO A TÍTULO PARTICULAR NÃO CONFIGURA A ILEGITIMIDADE LEVANTADA; IV A QUEBRA DA HOMOGENEIDADE ENTRE OS LITISCONSORTES DEVE SER SOPESADA; V - O TRIBUNAL AD QUEM ESTÁ IMPEDIDO DE ANÁLISAR O MÉRITO EM RELAÇÃO À PARTE DOS APELANTES, SOB PENA DE DESRESPEITO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO; VI - SENTENÇA ANULADA. (a) A alienação da coisa, ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. A razão do preceito é que tal alienação não é ilegal, mas apenas ineficaz no plano processual (RSTJ 19/429); (b) Houve quebra de homogeneidade entre os demandantes no momento em que a MMa. Juíza não analisou o mérito dos proprietários do lote n.º 106 (que deveria fazê-lo), e o fez em relação aos proprietários do lote n.º 105. Frise-se que estando em condições análogas, a decisão de um necessariamente deve ser a mesma que para outro (lote) e não poderia o Tribunal, reconhecendo serem os apelantes do lote n.º 106 também partes legítimas, proferir decisão sobre estes, de cuja sentença não decidiu o mérito, sob pena de infringir o duplo grau de jurisdição; (c) A sentença deve ser anulada para que seja analisado o mérito também dos apelantes proprietários do lote n.º 106, a partir do momento em que o Tribunal poderá, em grau de recurso e se necessário for, pronunciar-se sobre a questão, de forma homogênea a todos os integrantes da ação, dentro dos limites impostos pelo duplo grau de jurisdição.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível, n.º 108.905-4, oriundos da Vara Única da Comarca de Ubiratã, em que são apelantes: José Augusto Neto e outros; e apelados: Dulcinéia da Silva Zanin e Carlos Valdecir Zanin.
1. Trata-se de ação demarcatória, autos n.º 88/1997, na qual são autores José Augusto Neto, Elias Augusto (e esposas), proprietários do lote n.º 105; e Aparecida Zirondi Gomes, Celso Antônio Gomes e Sérgio Zirondi Gomes (e esposas), proprietários do lote n.º 106. São réus Carlos Valdecir Zanin e Dulcinéia da Silva Zanin, proprietários do lote lindeiro aos dos autores.
A sentença extinguiu o feito sem julgamento do mérito, por ilegitimidade ativa, em relação aos autores Aparecida Zirondi Gomes, Celso Antônio Gomes, Leocir Aparecida Donelli Gomes, Sérgio Zirondi Gomes e Maria Odete Costa Curta Gomes haja vista terem vendido suas partes no lote n.º 106 antes da propositura da ação. Em relação aos outros autores, proprietários do lote 105, José Augusto Neto, Izaltina dos Santos Silva Augusto, Elias Augusto e Maria das Graças Ferreira Augusto, a decisão julgou improcedente o pedido em virtude dos depoimentos das testemunhas que confirmaram a existência, há muitos anos, de estrada como separação dos imóveis.
2. Os apelantes, preliminarmente, argumentam que a julgadora não poderia decidir pela ilegitimidade passiva de parte dos autores pois os apelados em momento algum a levantaram. Aduzem, ainda, que se olvidou a Juíza em observar a matrícula do imóvel.
Sustentam que não existe comprovadamente divisa entre as propriedades. A estrada construída entre os lotes era respeitada até que houvesse a verdadeira localização, o que foi feito através da perícia, a qual apontou precisamente onde devem ser cravados os marcos da linha divisória.
Ao final pedem a reforma da decisão no sentido de ser feita a demarcação na forma como indicada pelos peritos e arbitradores.
3. Os apelados, em petição de contra razões, protocolada fora do prazo, pedem a manutenção da sentença.
4. É o breve relatório.
5. A sentença merece ser anulada.
6. A decisão que considerou ilegítimos os reclamantes pelo lote n.º 106 merece reparos porque no momento da propositura da ação constavam eles como proprietários do imóvel. Mera declaração de venda perante o juízo não muda esta condição na medida em que, no direito brasileiro, a propriedade do imóvel se adquire pela transcrição do título no registro do imóvel (art. 530,I,CC).
Logo, sendo os autores titulares de domínio no momento da propositura da ação, como de fato se verifica na certidão juntada nas fls. 09/10, são eles legítimos a demandar, não se podendo olvidar, ainda, o conteúdo do art. 42 do Código de Processo Civil.
Ou seja, A alienação da coisa, ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. A razão do preceito é que tal alienação não é ilegal, mas apenas ineficaz no plano processual (RSTJ 19/429).
Neste rumo, como houve impugnação à decisão, deve-se manter as partes originárias, até porque os adquirentes ou cessionários do bem litigioso assumem a mesma posição do alienante ou cedente, submetendo-se aos efeitos dos atos praticados por esse no curso da causa (art.42, §3º, CPC-STJ-RJ 186/56).
Os proprietários dos dois lotes formam um litisconsórcio facultativo ativo, contudo, a causa envolve liame lógico tal que o decidido para um lote deve necessariamente estender-se para outro.
E não poderia ser diferente porque, embora o litisconsórcio seja facultativo, é unitário, vale dizer a decisão deve ser homogênea a todos os autores. O perito constatou que para correção dos marcos era preciso avançar a linha divisória até então existente entre os lotes dos apelantes e o lote dos apelados para dentro das terras destes. Ou seja, da maneira como estão dispostos os terrenos, a medição feita pelo agrimensor sugere efeitos comuns para todos os apelantes porquanto a estrada utilizada como marco separa ambos os imóveis dos apelantes do lote dos requeridos, diminuindo-lhes as áreas de forma análoga, cuja eventual correção deve seguir a mesma orientação a todos os autores.
Para reforçar este raciocínio, baseio-me no ensinamento de de Ovídio A. Baptista da Silva (in Comentários ao Código de Processo Civil, RT, 2000, vol. n.º 1, pg. 254):
Nas hipóteses de litisconsórcio facultativo sujeito ao regime especial mesmo não sendo unitária a relação de direito material dado, porém, como unitário em virtude da uniformidade de tratamento de todos os litisconsortes, qualquer deles poderá desistir da ação, prosseguindo-se com os demais autores. Segundo BARBOSA MOREIRA, cria-se um problema no caso de algum litisconsorte ativo desistir do processo quanto a um dos litisconsortes passivos; ou quando o autor seja declarado carecedor da ação contra o réu, pois o litígio, no seu entender, deixaria de ser resolvido no tocante a um dos primitivos litisconsortes, com risco de quebra de homogeneidade (...) CÂNDIDO DINAMARCO também entende possível a exclusão de um litisconsorte quando o cúmulo subjetivo corresponder a um litisconsórcio unitário facultativo, mas o problema, encontrado por BARBOSA MOREIRA, não lhe preocupa, pois, segundo seu ponto de vista, a desistência que o autor fizesse em relação a um dos litisconsortes passivos, tendo apenas o efeito de excluir um ou alguns dos litisconsortes deixaria porém intacto o objeto do processo. A solução de DINAMARCO é mais coerente com o conceito do chamado litisconsórcio facultativo unitário, uma vez que, devendo ser, como dizem os que sustentam a existência desta figura, uniforme para todos a solução do litígio, em virtude de um imperativo lógico, o litisconsorte excluído seria irremediavelmente atingido pela coisa julgada, como se dá na hipótese da ação popular, que é o exemplo de que se vale DINAMARCO.
Em suma, houve quebra de homogeneidade entre os demandantes no momento em que a MMa. Juíza não analisou o mérito aos apelantes proprietários do lote n.º 106 (que deveria fazê-lo), e o fez em relação aos proprietários do lote n.º 105. Frise-se que estando em condições análogas, a decisão de um necessariamente deve ser a mesma que para outro e não poderia o Tribunal, reconhecendo serem os apelantes do lote n.º 106 também partes legítimas, proferir decisão sobre eles, de cuja sentença não decidiu o mérito, sob pena de infringir o duplo grau de jurisdição.
7. A sentença deve ser anulada para que seja analisado o mérito também dos apelantes proprietários do lote n.º 106, a partir do momento em que o Tribunal poderá, em grau de recurso e se necessário for, pronunciar-se a respeito da questão, de forma homogênea a todos os integrantes da ação, dentro dos limites impostos pelo duplo grau de jurisdição.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso e anular a sentença a fim de que outra seja proferida em seu lugar, necessariamente tocando o mérito da causa para todos os apelantes.
Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Senhor Relator, os Exmos. Desembargadores Antônio Gomes da Silva, Presidente e Ivan Bortoleto. Curitiba, 11 de dezembro de 2001.
DES. BONEJOS DEMCHUK Relator.
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