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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL N.º 120.858-4 - JAGUARIAÍVA. APELANTE: SERRARIA BOM CORTE LTDA. APELADO: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ. RELATOR: Des. MENDONÇA DE ANUNCIAÇÃO.
EMENTA: EXECUÇÃO FISCAL - ICMS - AUTOLANÇAMENTO - CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA ESCOIMADAS DE QUALQUER VÍCIO - LIMITAÇÃO DE JUROS - CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 192, § 3º, E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR INAPLICÁVEIS - APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA APENAS PARA EXCLUIR A MULTA APLICADA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
1 - Não é de consumo a relação entre o fisco e o contribuinte, e por isso inaplicável o Código de Defesa do Consumidor;
2 - A norma do art. 192, § 3º da Constituição Federal, não se aplica aos créditos tributários;
3 - A sustentação de tese considerada minoritária na doutrina e na jurisprudência, por si só, não configura litigância de má-fé.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 120.858-4, da Comarca de Jaguariaíva, em que é apelante SERRARIA BOM CORTE LTDA e apelada FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ. O Dr. Juiz de Direito da Comarca de Jaguariaíva julgou improcedentes os Embargos do Devedor que SERRARIA BOM CORTE LTDA opôs à Execução Fiscal que lhe ajuizara a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ, condenando a embargante nas despesas processuais e em honorários advocatícios de R$ 1.500,00, além da multa de 01%(um por cento) por litigância de má-fé, e de 10%(dez por cento) como indenização pela protelação da satisfação da obrigação por 01(um) ano, nos termos do art. 18, § 2º do CPC, ambos calculados sobre o valor atualizado da execução. A embargante ingressou primeiramente com Embargos Declaratórios (fls. 52/57), que foram rejeitados (fls. 45/50); e posteriormente, inconformada, interpôs a presente APELAÇÃO (fls.41/49), alegando, em síntese: a) a memória de cálculo não obedeceu aos preceitos legais; b) houve excesso de execução; c) cobrança de juros abusivos em afronta à norma do art. 192, § 3º, da Constituição Federal; d) multa exorbitante de 20%, que deve ser reduzida para 2% de acordo com o Código de Defesa do Consumidor; e) cobrança de encargo legal sem a demonstração da origem; f) capitalização mensal de juros; g) descabimento da multa por litigância de má-fé. Pede o provimento do recurso com a inversão dos encargos de sucumbência. Recebido o recurso no efeito devolutivo, a apelada pugnou pelo seu improvimento (fls.53/66 ).
V O T O.
O recurso não merece provimento, se não apenas em parte, como se verá. Sustenta a apelante que a memória de cálculo não obedeceu os preceitos legais, havendo excesso de execução, com a cobrança de juros abusivos em desacordo com previsão contida no art. 192, § 3º, da Constituição Federal; multa exorbitante de 20%, contrariando as normas do CDC; cobrança de encargo legal sem a demonstração da origem; e capitalização mensal de juros. Requer, ainda, a exclusão da multa que lhe foi aplicada por litigância de má-fé, e a inversão dos encargos da sucumbência. Trata-se de execução fiscal para a cobrança de ICMS declarado pelo contribuinte em Guia de Informação e Apuração-GIA e fornecido ao Fisco, contendo as informações do tributo a ser pago, sendo a hipótese, portanto, de autolançamento ou lançamento por homologação. Isso, por si só, derruba por terra a impugnação à memória do cálculo apresentado pela apelada. No julgamento da Apelação Cível e Reexame Necessário nº 100.180-5, da 5ª Vara Cível de Londrina, esta Corte decidiu que "Não há nulidade na certidão de dívida ativa ou inexigibilidade do crédito tributário quando os valores principais são informados pelo próprio contribuinte, na modalidade de autolançamento, e os demais encargos encontram-se suficientemente discriminados, inclusive com a indicação dos dispositivos legais aplicados" (Rel. Des. MUNIR KARAM, ac. nº20.734). E, de fato, no caso em exame a certidão de dívida ativa, ao contrário do que afirma a embargante, está em sintonia com o disposto no art. 2º, §§ 5º e 6º, da Lei nº 6830/80 e art. 202 do CTN, não apresentando qualquer vício, nem podendo ser elidida por simples alegação, desacompanhada de qualquer suporte fático. Ademais, como já decidiu esta Câmara, "Até que se demonstre o contrário, a certidão de Dívida Ativa presume a existência de dívida tributária líquida e certa, que só pode ser elidida por meio de prova inequívoca de sua inexistência" (Acórdão nº 101, Apelação Cível nº 117.141-9, julg. 29.04.2002). No mesmo sentido posicionou-se a Colenda 6ª Câmara Cível, ao decidir que "Obedecidos os requisitos traçados pelo art. 2º, § 5, da Lei 6.830/80 e art. 202 do CTN, a certidão da dívida ativa goza de presunção de sua certeza e liquidez, que não pode ser ilidida por mera alegação de estar desacompanhada de demonstrativo do débito" (Ac. nº 6850, Apelação Cível nº 103.789-0, rel. Des. Leonardo Lustosa, julg. 25/04/2001). O Professor JOSÉ DA SILVA PACHECO in Comentários à Lei de Execução Fiscal, 8ª Edição Revista, São Paulo: Saraiva, 2001, pp.64/65, acentua que: "A Lei n.º 6.830/80 concebe a dívida ativa, inscrita de conformidade com o estabelecido no art.2.º, como dotada de presunção juris tantum de certeza e liquidez. O documento que a certificar faz presumir que a dívida ativa, a que se refere, existe, pelos valores constantes do respectivo termo de inscrição. (...) A liquidez concerne ao valor original do principal, juros, multa, demais encargos legais e correção monetária, devidamente fundamentados em lei. (...) O interessado, todavia, quer seja o devedor, o interessado, ou o terceiro que haja dado a garantia, pode produzir prova inequívoca, no sentido de demonstrar a inexistência e, conseqüentemente, a incerteza ou a iliquidez. Prova inequívoca há de ser clara, precisa e própria, sem dar margem à dúvida. Não basta alegar, protestar por prova, fazer remissão a prova em um outro processo. preciso que fique comprovado, de modo a não gerar a menor objeção, que: a) o órgão que fez a inscrição não tinha nem lhe sobreveio competência para fazê-lo; b) não houve inscrição da dívida; c) o termo ou a certidão não correspondem ao que determina a lei, em relação aos requisitos essenciais; d) do termo da inscrição não consta o nome do devedor ou responsável; e) do termo não consta o valor, o termo inicial nem a forma de calcular os juros, a origem, natureza e fundamento, as indicações sobre a correção e seu fundamento, o numero do processo em que se baseou a inscrição; f) a inexistência do procedimento ou do auto de infração a que se refere" (COMENTÁRIOS À LEI DE EXECUÇÃO FISCAL, 8ª edição, Ed. Saraiva, 2001, pág. 64/65) Com relação aos juros, não prospera a tese da auto-aplicabilidade do limitador previsto no art. 192, § 3º da Constituição Federal, primeiramente por se tratar de norma de eficácia contida e que necessita de lei complementar, conforme reiterados pronunciamentos desta Corte e do Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4; e que já foi até revogada pela Emenda Constitucional nº 40. E em segundo lugar, porque referida norma não se ocupa de obrigações tributárias. Finalmente, é manifesta a inaplicabilidade da Lei nº 9.298 de 1º de agosto de 1996, que limitou as multas moratórias em a 2%(dois por cento) sobre o valor da prestação, porque não é de consumo a relação entre o fisco e o contribuinte. Há um precedente desta Câmara, no sentido de que "O limite de 2% da multa moratória previsto no Código de Defesa do Consumidor não se aplica às obrigações de natureza tributária" (Acórdão nº 219, Apelação Cível nº 121.620-4,TJPR, rel. Des. Mário Rau, publ. 17/06/2002). No mais, bem se posicionou o preclaro julgador monocrático ao salientar que "Além de a embargante não demonstrar a alegada capitalização de juros moratórios, os quais, a teor do art. 161, § 1º, do CTN, podem ter taxa mensal superior a 1% (um por cento) fixada por lei, como ocorreu, nos termos dos arts. 37 e 38 da Lei nº 11.580/96, a forma de cálculos dos juros é a de juros simples, somando-se, aritmeticamente, os percentuais mensais, o que descarta qualquer possibilidade de capitalização ou anatocismo...)". Correta, pois, a utilização da SELIC pela Fazenda Pública, com base no art. 38 da Lei nº 11.580/96, consoante reiterados pronunciamentos desta Corte (Ac. 20.733 - 1ª Câmara Cível - Rel. Des.Antonio Prado Filho; Ac. 20381 - 1ª Câmara Cível - Rel. Des. J. Vidal Coelho; Ac. 3185 - II Grupo de Câmaras Cíveis - Rel. Des. Sidney Mora; Ac. 6850 - 6ª Câmara Cível - Rel. Des. Leonardo Lustosa; Ac. 7896 - 5ª Câmara Cível - Rel. Des. Luiz Cézar de Oliveira; Ac. 127 - 7ª Câmara Cível - Rel. Mendonça de Anunciação) e do Superior Tribunal de Justiça (RESP/PR 335297 Rel. Min. Garcia Vieira Publ. DJ 19/11/2001 Pg. 243; "AGRESP/MG 286576 Rel. Min. Humberto Gomes de Barros Publ. DJ 04/03/2002 Pg. 190;"RESP/PR 202176 Rel. Min. José Delgado Publ. DJ 01/07/1999 Pg.138). Finalmente, e ao contrário do que entendeu o preclaro julgador monocrático, não restou demonstrado nos autos a litigante de má-fé. Por mais que as teses defendidas pela apelante não merecessem acolhimento, não se pode negar que algumas delas encontram algum amparo na jurisprudência. Nesta Corte, por exemplo, existem alguns julgados que se opõem à aplicação da Taxa SELIC. Igualmente, no Superior Tribunal de Justiça. O mesmo pode ser dito a respeito da multa reduzida de 2% prevista no Código de Defesa do Consumidor, que o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem entendido que se aplica aos débitos tributários (AC 97.005671-0, de Xanxerê, DJSC 06/10/2000, pág.22 - Bonijuris 41170; AC 97.015341-7, de Araranguá, DJSC 6/10/2000, pág. 23 - Bonijuris 41168; AC 98.007790-7, de Crisciuma, DJSC 6/10/2000, pág. 24 - Bonijuris 40860, todos relatados pelo Des. Carlos Prudêncio). Havendo suporte, ao menos razoável, para as suas teses, não se pode condenar a apelante por haver exercitado à exaustão o seu direito de defesa. Em face do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para afastar a condenação por litigância de má-fé imposta à apelante, mantida na integralidade, quanto ao mais, a respeitável sentença apelada. Presidiu o julgamento, sem voto, o Desembargador ACCÁCIO CAMBI, e dele participaram os Desembargadores MÁRIO RAU, Revisor, e DENISE MARTINS ARRUDA.
Curitiba, 19 de agosto de 2.003.
Des. MENDONÇA DE ANUNCIAÇÃO. Relator.
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