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Acórdão
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 144.488-4, DE CURITIBA 14ª VARA CÍVEL. Agravante: TRANSAMMONIA AG. Agravada: OVETRIL ÓLEOS VEGETAIS LTDA. Relator: Des. DOMINGOS RAMINA.
AÇÃO DE COBRANÇA. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO SEM A INTIMAÇÃO DA AUTORA. SENTENÇA PROFERIDA. ATO INEXISTENTE JURIDICAMENTE. INOCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO OU DE COISA JULGADA. ANULAÇÃO DO FEITO A PARTIR DA REFERIDA AUDIÊNCIA, INCLUSIVE. PROVIMENTO DO RECURSO.
Não constando o nome do advogado da parte, tal como exige o art. 236, § 1º, do CPC, da publicação com efeito de intimação, impende reconhecer a nulidade, que alcança os atos subseqüentes, na forma do art. 248 do mesmo Código. Cuidando-se de nulidade decretável de ofício, não há cogitar de preclusão (art. 249, parágrafo único, do CPC). (REsp. nº 100.790/DF, 3ª Turma, rel. Min. Costa Leite, julg. 10.2.98, in RSTJ 105/283).
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 144.488-4, oriundos da 14ª Vara Cível da Comarca de Curitiba, em que é agravante TRANSAMMONIA AG, sendo agravada OVETRIL ÓLEOS VEGETAIS LTDA.
Relatório
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto da decisão que, nos autos de Ação Ordinária de Cobrança proposta por Transammonia AG em face de Ovetril Óleos Vegetais Ltda, indeferiu o pedido de anulação da sentença proferida na audiência de instrução e julgamento, sob o fundamento de que sentenciado o feito e transitada em julgado a sentença, exauriu-se a atividade jurisdicional. Em suas razões recursais, a agravante alega, em síntese, que o juízo de origem designou a audiência de instrução e julgamento para o dia 25 de fevereiro de 2003, entretanto, constou da publicação que ela se realizaria em 25 de março de 2003; que devido a esse erro na publicação acabou por não comparecer na audiência realizada naquela data, ocasião, inclusive, em que fora sentenciado o feito e dada por publicada a sentença; que ciente do ocorrido, peticionou ao juízo singular para informá-lo do erro e requer a anulação dos atos posteriormente praticados, o que veio a ser indeferido pela decisão ora agravada. A agravada apresentou a contraminuta de fls. 127/135. O juízo de origem informou às fls. 138/139 que manteve a decisão hostilizada e que a agravada cumpriu o disposto no art. 526 do CPC. À fl. 140 e verso foi requisitado ao juízo a quo, por meio de ofício, que informasse também se no dia 25 de março de 2003, o agravante ou seu advogado, compareceu perante o Juízo de Direito da 14ª Vara Cível de Curitiba, com a finalidade de participar da audiência de Instrução e Julgamento, conforme a publicação no Diário da Justiça de 06/08/2002 e se a sentença proferida em audiência, foi publicada no Diário da Justiça, e se da publicação constou o nome do advogado do agravante. Esse ofício foi renovado à fl. 149, noticiando, o d. Juiz, à fl. 153, que o funcionário responsável pelas publicações não sabe afirmar acerca do comparecimento ou não em cartório, na data publicada, das partes envolvidas e que a decisão prolatada na audiência realizada em 25 de fevereiro de 2003 não foi publicada no Diário da Justiça, uma vez que foi dada por publicada no ato.
Voto
Inicialmente afasto a argüição de preclusão, formulada pela agravada, porque, tratando-se de nulidade de intimação, podia ser decretada até de ofício, a teor do disposto no art. 245, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Nesse aspecto da controvérsia, é oportuno trazer à colação o seguinte aresto do egrégio Superior Tribunal de Justiça, que, mutatis mutandis, bem se ajusta ao caso: Processual Civil. Falta de intimação. Nulidade. Não constando o nome do advogado da parte, tal como exige o art. 236, § 1º, do CPC, da publicação com efeito de intimação, impende reconhecer a nulidade, que alcança os atos subseqüentes, na forma do art. 248 do mesmo Código. Cuidando-se de nulidade decretável de ofício, não há cogitar de preclusão (art. 249, parágrafo único, do CPC). Recurso conhecido e provido. (REsp. nº 100.790/DF, 3ª Turma, rel. Min. Costa Leite, julg. 10.2.98, in RSTJ 105/283).
Do voto do eminente Relator ficou explicitado ainda que o vício da intimação acarreta a nulidade dos atos subseqüentes, inclusive o julgamento da lide, nesses termos:
Sucede que não constando os nomes de seus advogados, tal como exige o art. 236, § 1º, do CPC, da publicação com efeito de intimação, para a impugnação dos embargos infringentes, resultaram contaminados pelo vício os atos subseqüentes, incluindo o julgamento, na forma do que dispõe o art. 248 do mesmo Código, não sendo dado cogitar de preclusão, em vista do que dispõe o parágrafo único do art. 245 do CPC, na medida em que o reconhecimento da nulidade em causa independia de provocação da parte, porquanto decretável de ofício.
No caso destes autos, a ora agravante argüiu a nulidade processual na primeira oportunidade em que interveio no processo, sem que houvesse qualquer intimação da sentença proferida naquela audiência que se realizou também sem o seu conhecimento (cfr. informação de f. 153), daí porque não se operou a preclusão. Pelas mesmas razões também não se pode falar em trânsito em julgado da sentença, pois esta é considerada juridicamente inexistente. A respeito, valho-me da lição doutrinária dos ilustres Professores Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, em sua recente obra O Dogma da Coisa Julgada Hipóteses de Relativização, que assim dissertam: Há certas sentenças, e há muito um dos autores deste ensaio vem defendendo este ponto de vista, que não têm aptidão para transitar em julgado. Está-se aqui diante de um grupo de sentenças, a que chamamos, segundo a terminologia que propomos, de sentenças juridicamente inexistentes. Antes de tudo é necessário que se esclareça dever adotar-se, no direito, a categoria dos atos inexistentes. Trata-se de um fenômeno que diz respeito à ausência de tipicidade. Um ato é inexistente, para o direito, quando carrega em si um defeito de tal monta, que é capaz de desfigurá-lo, e impedir que se encaixe no tipo. É um defeito de essência. Imprescindível que se reconheça que o ato juridicamente inexistente não corresponde a um nada fático. Ao contrário. O ato juridicamente inexistente é um impostor: pretende fazer passar-se pelo ato que quereria ter sido. (Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 26/27).
E mais adiante acrescentam:
No que tange ao processo civil, toda a doutrina reconhece circunstâncias em que a sentença dada deve ser considerada inexistente juridicamente. Estas circunstâncias se resumem na situação de um processo que, por alguma razão, não se constituiu juridicamente. A grande maioria dos doutrinadores menciona uma série de requisitos, que, se inexistentes, impedem a formação do processo. O processo tem pressupostos de existência (jurídica, é claro). O que ocorre, no mundo dos fatos, quando estes pressupostos não são preenchidos, é um simulacro de processo aparente. Os requisitos para que se considere um processo como sendo juridicamente existente são correlatos à definição clássica de processo, que praticamente o identifica com a relação jurídica que se estabelece entre autor, juiz e réu. Portanto, sem que haja um pedido, formulado diante de um juiz, em face de um réu (potencialmente presente, ou seja, citado) não há, sob o ângulo jurídico, propriamente um processo. Claro que uma sentença de mérito proferida nestas condições e neste contexto é, por contaminação, sentença juridicamente inexistente, que jamais transita em julgado. Portanto, não havendo coisa julgada, rigorosamente dir-se-ia neste caso não estarem presentes nem mesmo os pressupostos de cabimento da ação rescisória, descritos no caput do art. 485: sentença de mérito transitada em julgado. (ob. cit., p. 28).
Outrossim, embora a agravante pudesse ter interposto o recurso de apelação em face da referida sentença, para argüir a nulidade da audiência perante este Tribunal, nada obstava a opção por ela tomada de requerer ao próprio juiz do processo, utilizando-se por analogia o disposto pelo parágrafo único do art. 246 do Estatuto Processual Civil, verbis: Se o processo tiver corrido, sem o conhecimento do Ministério Público, o juiz anulará a partir do momento em que o órgão deveria ter sido intimado. Por tais razões, dá-se provimento ao presente recurso para anular o processo a partir da audiência de instrução e julgamento realizada em 25.2.03 (fl. 92-TJ, 202 dos autos originários), inclusive, a qual deverá ser renovada validamente, com posterior sentença de mérito a ser proferida.
Decisão
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em prover o recurso de agravo de instrumento, de acordo com o voto do Relator. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores CLAYTON CAMARGO e FERNANDO VIDAL DE OLIVEIRA.
Curitiba, 02 de dezembro de 2003. Ano do Sesquicentenário da Emancipação Política do Paraná
Des. DOMINGOS RAMINA Presidente e Relator
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