Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
APELAÇÃO CÍVEL nº 166.213-1, DE MARINGÁ 2ª VARA CÍVEL. Apelante : Ministério Público do Estado do Paraná. Apelados: Jairo Morais Gianoto, Otávio Salvadori, Luciana Fregadolli, Jun Sukekava e Lygia Regina Paiva Leocádio. Relator : Juiz Convocado Fernando César Zeni.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DEFESA JUDICIAL DO PREFEITO PROMOVIDA POR PROCURADORES DO MUNICÍPIO. ATUAÇÃO EM DENÚNCIA CRIME REJEITADA E AÇÃO POPULAR JULGADA IMPROCEDENTE. INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS INTERESSES DO MUNICÍPIO E DO PREFEITO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA. Não caracteriza ato de improbidade, nos termos da Lei nº 8.429/92, o exercício da defesa judicial do prefeito por Procuradores do Município em processos decorrentes do exercício da função pública, mormente quando nos dois procedimentos em que foi apontada a irregularidade não foi constatada a existência de ato lesivo aos interesses do Município, tendo em vista que houve rejeição da denúncia no procedimento criminal e improcedência da ação popular.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 166.213-1, de Maringá 2ª Vara Cível, em que é Apelante Ministério Público do Estado do Paraná e Apelados Jairo Morais Gianoto, Otávio Salvadori, Luciana Fregadolli, Jun Sukekava e Lygia Regina Paiva Leocádio. Trata-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra o Prefeito de Maringá (primeiro Apelado) e procuradores do Município de Maringá (demais Apelados), sob a alegação da prática de atos de improbidade, consistentes na utilização, pelo primeiro réu, na condição de Prefeito Municipal, dos serviços da Procuradoria-Geral do Município de Maringá na sua defesa judicial em dois processos, um de natureza criminal, perante o Tribunal de Justiça, e uma ação popular que tramitou na 6ª Vara Cível de Maringá. Em julgamento antecipado da lide, o Doutor Juiz de Direito, após afastar as várias preliminares suscitadas pelos réus em suas contestações, julgou improcedente a ação. Entendeu que a defesa promovida pelos agentes da Procuradoria Geral do Município não constitui ilícito, quanto mais em processo em que se imputa a prática de ilícito na condição de agente político, ou seja, na qualidade de Prefeito municipal, como o é em ação civil pública. Em conseqüência, condenou o autor ao pagamento das verbas da sucumbência. Inconformado, o Ministério Público apelou, sustentando, em síntese, que o prefeito foi citado como pessoa física na ação popular, existindo, inclusive, conflito de interesses entre sua defesa e a do Município, configurando desvio de finalidade e de função a conduta dos Procuradores do Município, o mesmo ocorrendo no processo criminal, em que o sujeito passivo é o Município. Argumenta que os atos de improbidade restaram caracterizados, já que o primeiro réu se utilizou indevidamente de serviços de advogados do Município, enriquecendo ilicitamente, visto que deveria arcar com custas processuais e honorários advocatícios em ações propostas contra sua pessoa. Pede, por fim, a reforma da sentença, com o reconhecimento da prática dos atos de improbidade imputados e aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92. Em suas respostas, os Apelados reiteraram os argumentos já expendidos, refutaram as razões do recurso e pediram a manutenção da sentença. A Apelada Luciana Fregadolli requereu, ainda, o reconhecimento da litigância de má-fé e aplicação da penalidade respectiva ao Apelante. A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento da Apelação.
É o relatório. Deve ser afastado, desde logo, o pedido de reconhecimento da litigância de má-fé formulado pela Apelada Luciana Fregadolli (f. 910/914), visto que o motivo apontado não caracteriza o vício apontado. Com efeito, sustentar no recurso interpretação diversa daquela adotada pelo Superior Tribunal de Justiça é absolutamente normal e encontra-se dentro do exercício regular do direito de argumentação da parte, não caracterizando malícia ou falta de observância de dever processual, ao contrário do que sustenta a Apelada Luciana em sua resposta, o que conduz ao não acolhimento do pedido de aplicação de penalidade por litigância de má-fé ao recorrente. Não há vinculação a precedente jurisprudencial. Também não é o caso de se negar seguimento ao recurso, nos termos do artigo 557 do Código de Processo Civil, conforme sugerido pelos Apelados Jairo Gianoto e Lygia Regina Paiva Leocádio em suas contra-razões, visto que os precedentes citados, que tratam especificamente do assunto em pauta, não autorizam falar em jurisprudência dominante, já que são apenas dois, um do STJ e um deste Tribunal, de modo que o recurso reúne condições de ser conhecido. No mérito, observa-se, inicialmente, que não existe qualquer controvérsia sobre a prática dos atos que originaram a presente ação. Efetivamente, o primeiro réu, na qualidade de prefeito, valeu-se dos serviços judiciais da Procuradoria do Município, representada pelos demais réus, ora Apelados, em sua defesa, nos dois processos apontados na inicial, conforme é admitido por ambas as partes (destaquei). Como restou afirmado na sentença, a discussão tem seu enfoque em torno da licitude ou não da atuação dos advogados do Município nas ações envolvendo o ex-prefeito. Deve-se registrar, de início, que os dois fatos que ensejaram a presente ação civil pública - a defesa preliminar elaborada por procuradores do Município no procedimento criminal (denúncia-crime nº 70837-8) e a defesa na Ação Popular autuada sob nº 57/98 - foram objeto de denúncia oferecida em processo-crime perante este Tribunal, autuada sob nº 94.126-2. Tal denúncia foi rejeitada pelo Acórdão nº 12.599, da 1ª Câmara Criminal, em que foi relator o Desembargador Oto Luiz Sponholz e que recebeu a seguinte ementa: DENÚNCIA CRIME PREFEITO MUNICIPAL CRIME DE RESPONSABILIDADE (ARTIGO 1º, INCISO II, DO DECRETO LEI Nº 201/67) DEFESA OFERECIDA EM CRIME FUNCIONAL POR PROCURADORES MUNICIPAIS ATIPICIDADE PENAL REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - ARQUIVAMENTO CONSEQÜENTE EXEGESE DOS ARTIGOS 516 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E 6º DA LEI Nº 8.038 DE 28/05/90. 1. PREFEITO MUNICIPAL AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA IMPUTAÇÃO DE CRIME FUNCIONAL DEFESA OFERTADA POR PROCURADORES DO MUNICÍPIO FALTA DE JUSTA CAUSA. OFERECIDA A DENÚNCIA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL PELA PRÁTICA EM TESE DE DELITO FUNCIONAL, A OFERTA DA RESPOSTA PRÉVIA POR PROCURADORES DO MUNICÍPIO 'NÃO CONSTITUI USO INDEVIDO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, NÃO CONFIGURANDO TAL CONDUTA O CRIME PREVISTO NO ARTIGO 1º, INCISO II, DO DECRETO-LEI Nº 201/1967' (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 6ª TURMA, RESP Nº 119942, REL. MIN. VICENTE LEAL). 2. DENÚNCIA AGENTE POLÍTICO. É absolutamente correto que procuradores do município apresentem defesa preliminar do Prefeito, acusado de ter praticado fato dito como penalmente relevante, no exercício de sua função pública. E se a resposta preliminar acaba por impedir o juízo positivo de admissibilidade da acusação, reconhecendo o próprio Ministério Público que a denúncia não continha justa causa para seu recebimento, não há que se falar em utilização indevida de serviço público, qual seja, o trabalho profissional de advogados do município. 3. Fato penalmente irrelevante - Inexistência de crime Rejeição da denúncia Arquivamento dos autos. A inexistência de justa causa para alicerçar a acusação oferecida contra agente político obriga que o judiciário rejeite a denúncia, posto que ninguém pode ser processado por fatos que não caracterizam qualquer ilícito penal. Rejeitada a denúncia, o arquivamento dos autos é a providência lógica que se impõe. (f. 725/726) Embora esta decisão tenha servido de fundamento para a sentença, não houve, como sustenta o Apelante (f. 860), confusão entre a esfera cível e a criminal. Não poderia ser ignorada tal decisão, em que se debatia sobre o mesmo fato, o qual, não obstante tratar de acusação criminal, considerou absolutamente correto que procuradores do município apresentem defesa preliminar do Prefeito, acusado de ter praticado fato dito como penalmente relevante, no exercício de sua função pública. Frise-se, ainda, que tudo aquilo que foi interpretado como lícito no procedimento criminal e que pode perfeitamente ser adotado neste julgamento, foi o oferecimento da defesa preliminar pelos Procuradores do Município e não a defesa completa do prefeito em uma ação penal. No caso, não houve ação penal, daí porque nada mais justo que, num primeiro momento, em sede de defesa preliminar, o prefeito se utilize do serviço do Departamento Jurídico da Prefeitura, haja vista que a imputação relaciona-se à sua atividade como chefe do Poder Executivo Municipal. Conforme constou no Acórdão nº 12.599 da 1ª Câmara Criminal: Destaque-se, também, que a acusação constante dos autos refere-se a atos praticados pelo Prefeito no exercício do mandato popular, em seu dever, dada a confiança que recebeu do povo para o desempenho de tais funções. O alvo das acusações não é somente a pessoa física do Prefeito, mas a autoridade pública da função de Prefeito Municipal, sendo que a resposta elaborada pelos procuradores objetiva preservar não a pessoa física, mas sim o agente político, o dirigente da Prefeitura, detentor de mandato popular. (f. 732) Acertado, igualmente, o argumento utilizado na sentença: Ora, se em processo criminal, cujo réu responde pessoalmente pelo fato praticado, a defesa promovida pelos agentes da Procuradoria-Geral do Município não constitui ilícito, quanto mais em processo em que se imputa a prática de ilícito na condição de agente político, ou seja, na qualidade de Prefeito municipal, como o é em ação civil pública. Assim, tanto numa (ação penal) quanto noutra (ação popular), os procuradores do município poderiam atuar sem que estivessem cometendo qualquer irregularidade. E assim fez o primeiro réu, ao determinar que os advogados da Procuradoria promovessem a defesa naquelas ações, para proteção dos atos praticados pelo então Prefeito Municipal, na condição de agente político e exercente do cargo de Chefe do Poder Executivo local. E os demais réus, na condição de advogados, tinham o dever de cumprir a sua obrigação, promovendo tais defesas. (f. 846) Importante frisar que a Ação Popular nº 57/98, em que o réu Jairo Gianoto foi citado na condição de Prefeito, foi julgada improcedente, conforme sentença de f. 667/671, ao argumento de que a campanha para incrementação da arrecadação de IPTU não lesava os interesses do Município, seguindo, aliás, parecer do Ministério Público, que considerou legal o ato atacado na referida ação (parecer anexado às f. 559/572). Importante consignar, ainda, que da leitura da petição inicial da referida ação popular (f. 97/106), o autor dirige-se a um dos réus, Jairo Morais Gianoto, como Prefeito Municipal. Refiro-me à frase utilizada à f. 100, 3º parágrafo, que assim foi lançada: Excelência, conforme já foi abordado, a Administração Pública de Maringá, na pessoa do Sr. Prefeito....
E ainda, à f. 102: Por tudo, Excelência, não pode subsistir os efeitos do ato lesivo e ilegal da Administração Pública de Maringá, determinado pelo Sr. Prefeito.... De igual modo, o procedimento criminal também não prosperou, uma vez que a denúncia oferecida (autuação nº 70837-8) foi rejeitada após a apresentação da defesa preliminar e atendeu pedido de arquivamento formulado pelo próprio Ministério Público, conforme se extrai da certidão de f. 549/551, em que é reproduzida a ementa que entendeu inexistente o fato imputado naquele procedimento. Observa-se, portanto, que nos dois fatos imputados em que foram utilizados os serviços da Procuradoria do Município na defesa do Prefeito, o Ministério Público concluiu que a conduta do agente político não era lesiva aos interesses do Município. Desse modo, no caso concreto, não se pode antever qualquer incompatibilidade que pudesse causar prejuízo ao erário. Ainda que pudesse existir algum questionamento inicial acerca da legitimidade da atuação dos Procuradores do Município na defesa do Prefeito, posteriormente, com a constatação da inexistência dos atos ilegais imputados, tanto aqueles narrados na Denúncia-crime nº 70837-8, como na Ação Popular nº 57/98, restou demonstrado que entre o Prefeito e o Município não existiam interesses colidentes relativamente aos processos em questão. Nesse contexto, não se observa qualquer irregularidade na atuação dos Procuradores e nem na conduta do Prefeito ao se valer dos serviços jurídicos do Município, de modo a configurar ato de improbidade administrativa. Considerando as sérias e notórias deficiências do texto legal e a gravidade das sanções previstas na Lei nº 8.429/92, deve-se ter muita cautela na sua aplicação, com respeito ao princípio da proporcionalidade e privilegiando o bom senso na sua aplicação. Portanto, conclui-se que não é qualquer deslize ou mesmo ilegalidade praticada pelo agente público que ensejará as severas punições previstas na Lei de Improbidade, conforme ficou bem esclarecido em julgamento realizado nesta Câmara: "AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES POR TEMPO DETERMINADO, SEM CONCURSO PÚBLICO. ILEGALIDADE QUE NÃO CONFIGURA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INTERPRETAÇÃO AO ART. 10 DA LEI 8.429/92. IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Não constitui cerceamento de defesa, o julgamento antecipado da lide, que é norma impositiva da lei ao magistrado, quando a questão dispensar a dilação probatória, com os fatos demonstrados nos autos. 2. O Ministério Público é parte legitima para promover ação civil pública, via adequada, em defesa do patrimônio público e da probidade administrativa, que são interesses difusos (art. 129, III da C.F.). 3. As normas que dispõem sobre a improbidade administrativa devem ser interpretadas dentro do princípio da proporcionalidade e bom senso, amoldando-as ao espírito constitucional, para evitar situações arbitrárias 4. A ilegalidade por si só não acarreta incidência da lei de improbidade, pois, segundo Fábio Medina Osório, 'Somente os atos que, além de ilegais, se mostrarem frutos de desonestidade ou inequívoca e intolerável incompetência do agente público', devem ser considerados configuradores de improbidade administrativa'. 5. Em todas as espécies do art. 10 da Lei 8.429/92, o agente realiza condutas que ensejam 'enriquecimento indevido de terceiro', pessoa física ou jurídica (Marino Pazzaglini Filho e outros). (TJPR - Ap. Cív. 78.511-1, Acórdão nº 22.094, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Airvaldo Stela Alves, j. 24.09.2002) Do corpo do acórdão, extrai-se: "No trânsito dessa mesma trilha fática e jurídica, doutrina Fábio Medina Osório que a mera ilegalidade, pura e simples, não revela a improbidade administrativa, na exata medida que esta é uma categoria do ilícito mais grave, acentuadamente reprovável, seja por dolo ou culpa do agente. Por isso, continua ele: A ilegalidade, por si só, não acarreta incidência da lei de improbidade porque tal hipótese traduziria o caos na administração pública. Veja-se que a cada julgamento de procedência de um mandado de segurança, por exemplo, seria obrigatório o reconhecimento da improbidade administrativa. Semelhante situação criaria soluções absurdas e aberrantes, gerando insegurança jurídica aos administrados e aos administradores, pois estes últimos ficariam sujeitos, em tese, à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, interdição de direitos e, mais do que tudo, à qualidade de agentes ímprobos toda vez que cometessem ilegalidade." Outro aspecto importante que merece análise é o de que a Procuradoria do Município não tem qualquer autonomia em relação ao chefe do executivo municipal, visto que os procuradores são subordinados ao Prefeito. Deste modo, a absoluta autonomia e isenção preconizada pelo ilustre Procurador de Justiça (f. 941) é absolutamente inviável na prática, de sorte que a separação das defesas não alteraria em nada a posição do Município, salvo se, à época, já se tivesse outro prefeito eleito e, mesmo assim, não afinado politicamente com seu antecessor. Desta forma, também por este ângulo, não se verifica qualquer prejuízo aos interesses do Município, em razão de sua representação judicial e a do Prefeito ser exercida pelos mesmos procuradores. Por fim, afastada a prática de ato de improbidade, com o reconhecimento da regularidade na atuação dos procuradores, não há que se falar em violação ao estatuto da OAB pela prática de infração disciplinar, haja vista que, conforme já foi examinado e concluído, não havia qualquer impedimento ou incompatibilidade na representação judicial do prefeito pelo serviço jurídico do Município. Não há, portanto, qualquer reparo a ser feito na bem lançada sentença. Diante do exposto, ACORDAM os julgadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso e rejeitar o pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pela Apelada Luciana Fregadolli em suas contra-razões. Participaram do julgamento e votaram com o Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Ulysses Lopes (Presidente e Revisor) e Rosene Arão de Cristo Pereira. Curitiba, 29 de março de 2005. Fernando César Zeni Juiz Convocado Relator
|