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Acórdão
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 301.624-0, DE LONDRINA - 2ª VARA CÍVEL AGRAVANTE: ESTADO DO PARANÁ AGRAVADA: ANA MARIA FORTUNATO PATRINHANI RELATOR: DES. WILDE DE LIMA PUGLIESE
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PARA TRATAMENTO DE DOENÇA (EPILEPSIA). DIREITO À SAÚDE. INAPLICABILIDADE DO ART. 3º, § 1º DA LEI Nº 8473/92. DEVER DO ESTADO. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 461, § 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.IRREVERSIBILIDADE. MULTA DIÁRIA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. "Conquanto o Colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em plenário da medida liminar nº 4, tenha entendido pela impossibilidade de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada com temperamentos. A vedação, assim já entendeu está Corte, não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana" (STJ, REsp 409172/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 04.04.2002).
2. Presentes os requisitos imprescindíveis estampados no artigo 461, § 3º do Código de Processo Civil, quais sejam, relevância dos fundamentos da demanda e justificado receio de ineficácia do provimento final, correta a decisão que deferiu o pleito liminar, consistente no fornecimento gratuito de medicamentos. 3."A exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina" (STJ - 2ª Turma, REsp 144.656-ES, Rel. Min. Adhemar Maciel).
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 301.624-0, de Londrina - 2ª Vara Cível, em que é agravante Estado do Paraná e agravada Ana Maria Fortunato Patrinhani.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado do Paraná, impugnando a r. decisão de fls. 20/21 (TJ.), proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Londrina, que em autos de obrigação de fazer, sob nº 187/2005, ajuizada por Ana Maria Fortunato Partinhani, houve por bem deferir a tutela específica pretendida, ordenando que o réu "forneça a autora à medicação indicada nos receituários de fls. 28/30, assinalando-se para tanto o prazo de 15 dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais) para o caso de descumprimento da medida".
Segundo argumenta, in casu, há impossibilidade legal de concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública (art. 3º, § 1º da Lei nº 8.473/92), pois o provimento jurisdicional deferido é irreversível, importando na imediata entrega do objeto a ser almejado no final do processo, tornando inócua eventual decisão desfavorável à agravada.
Enfatiza que as sentenças contrárias a Fazenda Pública submetem-se a uma condição para sua eficácia: a sua confirmação pela segunda instância julgadora, portanto, revela-se ilógico admitir que o juízo a quo possa antecipar o que mesmo na fase final do procedimento de primeira instância lhe é negado conceder, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Sustenta, também, que não se encontra presente o pressuposto da reversibilidade da medida pretendida, pois fornecido o medicamento vindicado através da antecipação de tutela e eventualmente sobrevindo a improcedência da ação, não teria a agravada condições de restituir ao erário público a benesse que lhe foi adiantada.
Ressalta, ainda, que já foi efetuado o cadastro da paciente agravada, estando os medicamentos solicitados à disposição desta desde o dia 11 de maio de 2005, ou seja, antes do prazo previsto pela decisão agravada, razão pela qual requer a exclusão da multa diária cominada.
Por derradeiro, requer a reforma da decisão agravada, a fim de que seja determinada a "cassação da liminar concedida em face da impossibilidade de tutela antecipada contra o Estado ou frente a inexistência dos requisitos necessários à concessão da tutela antecipatória". Alternativamente, pleiteia a exclusão da multa ou a sua redução para patamar de sintonia com o princípio da razoabilidade/proporcionalidade.
O recurso veio acompanhado dos documentos de fls. 17/57.
Após o encaminhamento deste recurso a Terceira Câmara Cível desta Corte foi ele remetido a esta Câmara, por determinação contida em decisão da lavra do e. Des. Vidal Coelho, dada a incompetência para processamento e julgamento por aquela Câmara (fl. 63).
Ao recurso não foi atribuído o almejado efeito suspensivo (fls. 71/72). O MM. Juiz de Direito prestou informações, esclarecendo que a decisão atacada foi mantida em sede de Juízo de retratação (fl. 75).
Regularmente intimado a parte agravada, deixo transcorrer in albis o prazo para apresentação de contra-razões (fl. 76).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido de desprovimento do recurso (fls. 80/87).
É o relatório.
2. Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, seu conhecimento se impõe.
Busca o ente público agravante a reforma da r. decisão proferida nos autos de obrigação de fazer, sob nº 187/2005, que deferiu a tutela específica pretendida (fls. 20/21 - TJ), para o fim de compelir o requerido a fornecer a agravada "à medicação indicada nos receituários de fls. 28/30, assinalando-se para tanto o prazo de 15 dias", sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais).
A despeito dos argumentos deduzidos pelo agravante, o caso vertente comporta o deferimento do pleito liminar almejado, consistente no fornecimento gratuito de medicamentos para tratamento de doença, porque a vedação legal da concessão de antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública (art. 3º, § 1º da Lei nº 8.437/92) não prevalece ao direito à vida e à saúde, assegurado constitucionalmente a todos os cidadãos.
Nesse diapasão, é a orientação do Eg. Superior Tribunal de Justiça: "ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA. FAZENDA PÚBLICA. ESTADO DE NECESSIDADE. VIDA HUMANA. Conquanto o colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em plenário da medida liminar nº 4, tenha entendido pela impossibilidade de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada com temperamentos. A vedação, assim já entendeu está Corte, não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa a antecipação da tutela como condição, até mesmo de sobrevivência para o jurisdicionado. Precedentes. Recurso não conhecido" (REsp 409172/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 04.04.2002).
A par deste aspecto da vedação legal, no tocante ao ponto concernente a tutela específica, in casu, restou efetivamente demonstrada pela agravada a relevância dos fundamentos da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final (art. 461, § 3º do CPC).
Com efeito, a Constituição Federal em seu artigo 196 determina que:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitária às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
No mesmo sentido, a Lei Orgânica da Saúde, sob nº 8080/90, artigos 2º, § 1º, e 4º, dispõe:
"Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (...) Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)".
Em sendo assim, é induvidoso que o Estado tem o dever de assegurar a todos os cidadãos indistintamente, o direito à sáude, por meio do Sistema Ùnico de Saúde (SUS), provendo os meios de acesso da população às ações e serviços para proteção, promoção e recuperação da saúde, inclusive, mediante prestação de assistência farmacêutica, fornecendo medicamentos aos cidadãos quem não tem condições de adquiri-los.
Compulsando os autos, verifica-se que requisito do fumus bonis iuris resta evidente, conforme se infere das cópias de solicitação de medicamento excepcional, consistente em oxcarbazepina 300 mg e clobazam 10 mg (fl. 45), do protocolo de utilização destes medicamentos (fls. 46/47), no qual a agravada é diagnosticada como portadora da moléstia de "epilepsia com crises refratárias parciais sensoriais com evolução para PC" e das cópias do receituário prescrito pelo Dr. Walmir Garcia para o tratamento da citada doença (fls. 48/50). Quanto ao segundo pressuposto do justificado receio de ineficácia do pronunciamento final, está manifestamente configurado, vez que comprovada a necessidade dos aludidos medicamentos para garantia da saúde da agravada, sendo que eventual demora no fornecimento dos remédios poderia acarretar agravamento de sua moléstia.
Destarte, escorreito o pronunciamento judicial agravado, porquanto, previamente, demonstrada pela autora/agravada a relevância do fundamento da demanda a alicerçar a tutela específica que busca, bem como o receio de ineficácia do provimento final, razão pela qual, presente os requisitos legais, é de ser deferido o pedido dessa espécie.
Confiram-se, os seguintes precedentes das Cortes Superiores:
"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. FORNECIMENTO A PACIENTES CARENTES. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. I - Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita: obrigação do Estado em fornece-los. Precedentes. II- Agravo não provido"(STF, AI 486816 AgR/RJ, Segunda Turma, Min. Carlos Velloso, j. 12.04.05). "RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PACIENTE PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS. DIREITO À VIDA E À SÁUDE. DEVER DO ESTADO. 1. Ação rodinária objetivando a condenação do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Porto Alegre ao fornecimento gratuito de medicamento não registrado no Brasil, mas que consta de receituário médico, necessário ao tratamento de paciente portador do vírus HIV. 2. O Sistema ùnico de Saúde - SUS visa a integralidade da assistência a saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna" (STJ, REsp 684646/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 05.05.05).
"RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. SUS. LEI Nº 8.080/90. (...) O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender a cada caso em todo os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido" (STJ, REsp 212346/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 09.10.01).
Quanto ao perigo da irreversibilidade do provimento antecipado, o fato da agravada ser pessoa de condições financeiras precárias, não constitui óbice intransponível à outorga da tutela específica vindicada, posto que a exigência da irreversibilidade não pode ser levada ao extremo, sob pena de tal instituto jurídico não cumprir a excelsa missão a que se destina, ainda mais na situação fática enfocada (STJ, Segunda Turma, REsp. 144.656-ES, Rel. Min. Adhemar Maciel).
Em arremate, no tocante ao arbitramento de multa diária cominatória para o caso de descumprimento no fornecimento de medicamentos, no valor de R$ 100,00 (cem reais), mostra-se correta sua fixação, bem como adequado seu quantum, visto que o valor desta foi arbitrado de forma razoável, cumprindo, portanto, sua função coercitiva sem onerar em demasia a pessoa jurídica de direito público agravante.
Diante desta quadra de considerações, proponho o conhecimento e desprovimento do recurso.
3. Por tais razões, ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores CARLOS MANSUR ARIDA, Presidente com voto, CLAUDIO DE ANDRADE.
Curitiba, 24 de agosto de 2005.
Des. WILDE DE LIMA PUGLIESE - relator
9 Agravo de Instrumento nº 301.624-0 fl.
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