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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL n. 159.909-7 dA comarca de curitiba, 10.ª vara cível
apelante: muretama edificações e empreendimentos ltda.
APELADO: sergio meca de lima
relator: juiz convocado albino jacomel guérios CONTRATO DE promessa de compra e venda. responsabilidade do promissário-comprador inadimplente. apelação provida em parte
A promitente-vendedora tem também o dever de evitar o agravamento do dano causado pelo inadimplemento e procurar recuperar a posse da unidade, abandonada pelo promissário-comprador, o mais rápido possível. Assim não procedendo, o inadimplente não responde pelo pagamento dos meses correspondentes à inércia da compromitente.
Apelação provida em parte.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 158.909-7 de Curitiba, 10.ª Vara Cível, em que é apelante Muretema Edificações e Empreendimentos Ltda. e apelado Sergio Meca de Lima.
Acordam o Desembargador e os dois Juízes Convocados da Sexta Câmara Cível, por unanimidade de votos, em prover em parte o recurso, nos termos deste julgamento.
§ 1. Muretama Edificações e Empreendimentos Ltda. ajuizou a ação de rescisão de contrato cumulada com pedido de indenização sustentando, em resumo, que Sérgio Meca de Lima, promissário-comprador de uma unidade no Edifício Lynx, em Curitiba, deixou de honrar o pagamento das prestações contratuais a partir de maio de 1994, não adimplindo mesmo depois de notificado em 1998; sustenta que este deixou também de quitar as despesas de condomínio e o IPTU; sustenta, por fim, que o réu abandonou a posse da unidade compromissada há mais ou menos um ano.
Citado, o réu não ofereceu resposta, acolhendo-se em seguida parcialmente a demanda para condenar-se o réu ao pagamento da indenização fruição do imóvel por 67 (sessenta e sete) meses, até dezembro de 1999.
Posteriormente, em embargos de declaração, deferiu-se a reintegração da autora na posse do apartamento (fls. 81 a 82).
A autora recorre dizendo que a MMa. Juíza errou ao fixar a indenização pela privação do uso do imóvel, visto que não se pode afirmar com certeza quando ocorreu o abandono do imóvel pelo recorrido; sustenta que, de qualquer modo, apenas com a sentença é que ela conseguiu retomar a unidade compromissada; menciona, por último, que, assim, a indenização é devida até a prolação da sentença, devendo o recorrido, ainda, responder pelo pagamento do IPTU e das despesas de condomínio.
É o relatório.
§ 2. Resolveu-se a questão da reintegração da apelante na posse da unidade ainda em primeiro grau, na decisão que apreciou os embargos de declaração de fls. 53 e 54 (fls. 81 e 82), circunstância que resume o mérito do recurso a dois pontos:
a) a responsabilidade do apelado pela parcela fruição do imóvel até 7 de abril de 2003, data da prolação da sentença recorrida;
b) bem como a sua responsabilidade pelo pagamento do IPTU e das despesas de condomínio.
§ 2.1. Fruição do imóvel
A r. sentença reconheceu o direito da apelante à indenização pela privação do uso do imóvel até dezembro de 1999, mês do abandono da unidade pelo promissário-comprador de acordo com a MMa. Juíza. Sustenta-se no recurso, entretanto, que não se conhece o momento exato da desocupação, mas que algo seria certo: o recorrido teria de necessariamente colocar o imóvel à disposição da recorrente e que como isso não ocorreu, os prejuízos se estenderam até a sentença que resolveu o contrato de compromisso de compra e venda e ordenou a reintegração da promitente-vendedora na posse do imóvel.
Em princípio o argumento convence. O artigo 53, caput, do Código do Consumidor não veda a condenação do compromissário inadimplente pelo uso do imóvel prometido à venda, muito embora apenas o parágrafo 2.º do dispositivo estabeleça a compensação dos valores a serem restituídos ao consorciado com a vantagem econômica auferida com a fruição da coisa. A responsabilidade do consumidor justifica-se pela necessidade do ressarcimento de todos os prejuízos suportados pelo compromitente, conforme previsto no artigo 1.057 do velho Código Civil e no 392 do atual, e não contraria o sistema da Lei 8.078, cujo artigo 4.º, III, estabelece o princípio da harmonia: as relações de consumo devem ser equilibradas, em atenção aos princípios da boa-fé e do equilíbrio das relações entre consumidores e fornecedores e como imposição mesmo do princípio da isonomia. Havendo prejuízo, enfim, o contratante inadimplente deve ressarci-los integralmente:
O fundamento da indenização não está no caráter sancionatário da resolução, como quer Auletta, mas no princípio da equivalência, cujo equilíbrio a indenização procura restabelecer.
Claro está que, havendo o compromitente prestado, ou seja, passado a posse ao compromissário, fará jus à indenização pela privação do uso da coisa. Nesta hipótese, porém, indenizar-se-á interesse ´negativo´, ou seja, o dano sofrido pela falta de conclusão do negócio. Ainda, enquanto não reintegrada na posse, a apelante não poderia dispor do imóvel, alugá-lo, por exemplo, o que ele somente veio a conseguir em 10 de fevereiro de 2004 (fls. 88 a 91).
Mas neste ponto uma circunstância influi de algum modo. Embora o contratante inadimplente cause danos com o seu comportamento, a contraparte também tem deveres, mesmo sendo vítima de um ato ilícito. Ela não pode concorrer para o agravamento dos prejuízos; tão-logo se inteire do ocorrido, deve, embora sem esforços excepcionais, procurar evitar ao máximo outras repercussões danosas, adotar prontamente as medidas necessárias à proteção dos seus interesses:
A consideração dos danos deve atender a alguns parâmetros.
Entre eles, a doctrine of mitigation recomenda que o lesado (credor, autor da ação de resolução) deve comportar-se de modo a mitigar os danos, mantendo-se nos limites imediatamente decorrentes da existência do ato ilícito. O princípio da boa-fé objetiva impõe ao lesado o dever de diligência para circunscrever o prejuízo e impedir a sua eventual expansão. Afirma enfaticamente Tunc: 'A vítima não pode assistir passiva ao desencadear das diversas conseqüências da culpa, mas deve reagir com todo o seu vigor contra suas conseqüências na medida em que elas agravariam o dano'. A jurisprudência registra caso onde se reconheceu ao lesado, adquirente de defeituosa máquina, o dever de procurar substituí-la e só suspender suas atividades pelo tempo indispensável para essa substituição. Se o credor demora em pedir a resolução, o dano daí decorrente não se inclui na indenização. Mas não é exigível do lesado atividade gravosa ou extraordinária para conter os efeitos ou impedir seu agravamento.
Se a vítima concorrer para o aumento dos prejuízos, o que muitas vezes implica em verdadeira concausa, responderá por seu ato. Ao lado do fundamento da boa-fé objetiva, um dos requisitos da própria responsabilidade civil, o nexo de causa e efeito, bastaria para justificar a imputação do agravamento à própria vítima, ao menos nas relações de consumo: a mesma razão que preside a culpa concorrente ou exclusiva da vítima na definição do dever de indenizar está presente no agravamento do dano. Também aqui há um dever de abstenção ou de agir, conforme o caso, para que os danos não desbordem de uma ordem natural atrelada à respectiva causa originária, imputável ao ofensor, mais ainda nas relações de consumo, em que a proteção do consumidor constitui um dos princípios fundamentais no Código do Consumidor e que, como desdobramento, não isente o fornecedor de responsabilidade ainda quando o consumidor proceder com culpa (existe posição doutrinária que sequer admite a minoração da responsabilidade do fornecedor mesmo na culpa concorrente); e também aqui há o mecanismo do nexo de causa e efeito: causalidade cumulativa, que ocorre quando cada um dos vários responsáveis agiu independentemente e causou (em termos de causalidade adequada) uma parte delimitada do dano total.
E de modo definitivo, abordando os dois fundamentos:
La conducta de la víctima de um dano, luego de sufrido este, em orden a impedir su agravación dirigida entonces a minorar el menoscabo o el mantenimiento de la situción perjudicial, y de la cual se puede salir no es indiferente al Derecho.
El autor puede invocar como eximente a los fines de reduzir la indenmnización el comportamiento Del dañado, que agrava su responsabilidad...
Afirma De Cupis: 'Puede suceder que el perjudicado, exclusivamente com su pomportamiento, agrave y complique la serie de daños. Por ejemplo: Ticio atropella com su auto a Caio, produciéndole uma herida y, por tanto, um dano a su integridad física. Caio no se cura la herida causada y se origina uma grave infección que pode em peligro su vida. Este dano posterior más grave encuentra su causa directa unicamente em el abandono de Caio, si bien indirectamente se deriva Del hecho de Ticio...
Nuestros tribunales se han referido em numerosos casos al comportamiento de la víctima tento de um acto ilícito como de um incumpliiento obligacional que agrava el dano o bien, siguindo la terminología de De Cupis, que causa um daño posterior.
Em um caso, se trataba de secuestro ilegal de uma máquina y se demandaba su restitución y lods daños nascidos de la privación del uso; el tribunal resolvió que los actores no pueden pretender el beneficio que hubiera producido la cosa hasta su restitución durante el lapso de privación , ' pues no es admisible que permanezcan pasivos, sin procurar remedio a ese hecho, com agravación del daño por inacción o negligencia'. A juicio del tribunal, a una altura del juicio periodo de prueba los accionantes tuvieron a su disposición elementos como para decidir qué hacer frente la privación de la máquina y, de este modo, detener la produción de danos...
Empero, no es el único fundamento; la doctrina moderna encuentra una base importante em la buena fe. Leemos em Betti: '... la buena fe entra en juego em la fase patológica del incumpplimiento...; el acreedor aún cuando queden insatisfechas sus expectativas, no puede considerarse, em cierto modo, como em estado de guerra con el deudor y comportarse de tal modo que aumente el daño del incumplimento, desinteresándose em las consecuencias perjudiciales que su indiferencia produce em la esfera de los intereses de la otra parte. Hay aquí uma exigencia de corrección que lê impone, incluso em esta fase, buscar el modo de limitar los daños derivados del incuplimiento. Esto no es solo uma onerosidade, sino tambiém um deber de correción hacia la outra parte...' Y concluye: 'Debe de calicificarse de culposa, indudablemente, em orden a la sanción del art. 1227, la conducta del acreedor insatisfecho, depués de comprobarse el hecho del incumplimiento, cuando no se cuida de limitar, em cuanto sea posible, los daños que se deriven de esse incumplimiento'.
Não deve impressionar, neste ponto, o antecedente comportamento antijurídico do promissário-comprador inadimplindo o contrato. O sistema tolera, sem sancionar o comportamento, situações em que existe um ato ilícito e em seguida outro causado pela vítima, no concurso de culpas ou da culpa exclusiva da vítima, onde de fato existe uma conduta ilícita do ofensor, mas que, mesmo assim, a norma não lhe atribui o dever de indenizar, em vista da conduta posterior ou concomitante do ofendido. E ao mencionar o documento de fl. 34, a apelante situou o abandono do imóvel em setembro de 2001, ou um pouco antes, cerca de um ano antes do ajuizamento da demanda. Ela também não justificou a demora na propositura da ação de resolução e nem por que não tomou antes a iniciativa de averiguar a situação da unidade (se o apartamento ainda estava ocupado ou não), embora o inadimplemento datasse do ano de 1994 e a última notificação do recorrido de 1998. Uma situação como a dos autos impunha um comportamento mais ativo da promitente-vendedora, principalmente em verificar se o promissário-comprador continuava ou não na posse do imóvel. Embora este não a procurasse ou não a notificasse formalmente para restituir-lhe a posse do apartamento, ela estava adstrita a agir, ou ao menos justificar nos autos a sua inércia, a demora em verificar o imóvel e adotar uma posição de defesa eficiente dos seus interesses e, assim, evitar o agravamento do dano. Se fosse diligente e ajuizasse a demanda prontamente, por certo teria recuperado a posse do imóvel bem antes, e nessa medida, a despeito também da atitude do recorrido, ela concorreu para a não-fruição da unidade por mais tempo. E isso influi decisivamente na determinação da indenização. Como a demora deve ser debitada à apelante, é de se excluir do ressarcimento a privação do uso por um ano, e para o cálculo da indenização dever-se-á considerar a demanda como proposta em 16 de outubro de 2001, por ficção, situando-se, portanto, o termo ad quem da indenização em 10 de fevereiro de 2003 (o que corresponde ao tempo transcorrido entre o ajuizamento da demanda e o cumprimento do mandado de reintegração de posse, 15 meses e 25 dias).
Portanto, neste ponto merece provimento parcial a apelação.
§ 2.2. IPTU e despesas de condomínio
Embora a recorrente não tenha sido ainda demandada pelo Fisco para pagamento do IPTU, o certo é que a dívida tributária não foi quitada e, assim, por ser ela responsável pelo recolhimento do tributo, ela onera o seu patrimônio; e como este é constituído pelo conjunto das relações jurídicas de cunho econômico passivas e ativas, o acréscimo de um passivo a ele representa um dano, uma redução patrimonial, podendo a apelante, nestes termos, exigir-lhe a compensação e o apelado obrigou-se contratualmente efetuar o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o imóvel (cláusula 14.03) (e na medida em que o promissário-comprador não procedeu desse modo, a promitente-vendedora sofreu um prejuízo).
O mesmo pode ser dito das despesas condominiais.
§ 3. PELO EXPOSTO, a Câmara, por unanimidade, provê a apelação em parte para: (a) condenar o apelado ao pagamento da indenização fruição do imóvel até 10 de fevereiro de 2003 e (b) ao pagamento do IPTU e das despesas de condomínio em atraso.
Participaram do julgamento o Senhor Desembargador Ângelo Zattar, Presidente, e o Juiz Convocado Francisco Rabello Filho, que acompanharam o voto do Relator.
Curitiba, 23 de agosto de 2004 Albino Jacomel Guérios Juiz Relator Convocado
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