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Acórdão
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APELAÇÃO Nº 288.073-3, COMARCA DE LONDRINA, 8ª VARA CÍVEL.
APELANTE1: ALEXANDRE MODESTO CORDEIRO E OUTRO. APELANTE2: BANCO AMÉRICA DO SUL S/A. APELADOS: OS MESMOS. RELATORA: DES. MARIA MERCIS GOMES ANICETO
PROCESSO CIVIL - APELAÇÃO - CONTRATO PARTICULAR DE VENDA E COMPRA DE IMÓVEL - SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - PLANO DE COMPROMETIMENTO DE RENDA - INADMISSÍVEL O REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES COM BASE NA ALEGAÇÃO DO MUTUÁRIO DE REDUÇÃO NA SUA RENDA BRUTA DIANTE DO NÃO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RENEGOCIAÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 4º E 14, DA LEI 8.692/93 - TABELA "PRICE" - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS IMPLÍCITA - PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELO MONTANTE REMANESCENTE - SENTENÇA MANTIDA - RECURSOS DE APELAÇÃO 1 E 2 DESPROVIDOS.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de apelação nº 288.073-3, da Comarca de Londrina, 8ª Vara Cível, onde figuram como apelantes1 Alexandre Modesto Cordeiro e Outro e Apelante2 Banco América do Sul S/A, e Apelados os mesmos.
Em face do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento a ambos os recursos.
1. Tratam-se de apelações interpostas contra sentença (às fls. 170/176) proferida nos autos de Embargos à Execução (nº 126/98), em trâmite perante a 8ª Vara Cível da Comarca de Londrina, em que são requerentes/embargantes Alexandre Modesto Cordeiro e Outro e requerido/embargado Banco América do Sul S/A.
Em primeiro grau, julgou-se parcialmente procedentes os presentes embargos para fins de declarar a nulidade parcial do contrato objeto da execução em apenso, determinar a exclusão do excesso decorrente da capitalização mensal dos juros remuneratórios e condenar o embargado a pagar aos embargantes o que deles exigiram a título de capitalização, devendo o montante executado ser recalculado nestes termos, inclusive com a compensação dos créditos. Em face da sucumbência recíproca, mas pelo fato de os embargantes terem decaído em maior parte, condeno estes ao pagamento de 2/3 das custas processuais, e dos honorários advocatícios do patrono do embargado, os quais fixo em R$ 600,00, bem como condeno o embargado ao pagamento de 1/3 das custas processuais, e dos honorários advocatícios do patrono dos embargantes, os quais fixo em R$ 300,00.
Irresignados, os apelantes1, Alexandre Modesto Cordeiro e Outro interpuseram o presente recurso, aduzindo em suas razões (fls. 183/193), que a instituição financeira deixou de adequar as prestações mensais do contrato particular de venda e compra de imóvel residencial com o valor atualizado da renda do apelante, em virtude da comparação com a renda bruta declarada em 1995, no valor de R$ 3.005,62 (três mil e cinco reais e sessenta e dois centavos), sendo que esta, posteriormente, foi reduzida ao valor de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), configurando onerosidade excessiva. Após discorrer sobre as teorias da lesão e usura, alegou a existência de cláusulas abusivas que ensejariam à decretação de nulidade do contrato firmado entre as partes. Pugnou, ao final, pelo provimento do apelo com a reforma da sentença guerreada, nos termos ora esposados.
Já o Apelante2, Banco América do Sul S/A, em sua peça recursal (fls. 196/205), aduziu apenas quanto à parte em que foi sucumbente, qual seja, a inocorrência da capitalização de juros pela utilização da "Tabela Price", argumentando que os critérios adotados na formação do saldo devedor obedeceram à legislação específica; que em momento algum a perícia constatou a ocorrência dos juros capitalizados; que o uso da "Tabela Price" não implica, necessariamente, em capitalização, pois são empregados apenas os juros contratados para a apuração do valor inicial da prestação, os quais não ultrapassam o limite de 12% ao ano; que não houve eventual amortização negativa, assim como incorporação de juros em novo cálculo do saldo devedor. Nestes termos, pugnaram, pelo provimento do apelo2, com a devida condenação dos honorários advocatícios e custas processuais.
A parte embargada apresentou contra-razões.
É o relatório. Voto.
2. Apelação 1.
Em que pese a insurgência do apelante2 quanto à ausência dos requisitos previstos no art. 514, incisos I e II, ante a falta de especificação nominal de uma das partes apelantes, Ivelize Lina Hawthorne Cordeiro, assim como a falta dos fundamentos de fato e de direito, entende-se que o recurso merece conhecimento.
O inciso primeiro do art. 514 refere-se ao requisito do "nome e qualificação das partes", o qual deve estar contido na petição de interposição do recurso. Porém, configura-se excesso de formalismo, em prejuízo da prestação jurisdicional, deixar de receber o recurso apenas pela ausência de um dos nomes dos apelantes. Neste sentido, o STJ já decidiu que:
"Se no corpo da apelação há registro expresso de que todos os vencidos estão recorrendo, é prestar-se culto extremo ao formalismo, em prejuízo da entrega da prestação jurisdicional, deixar de recebê-la, apenas porque, na parte preambular, consta o nome de um só dos litisconsortes facultativos". (STJ - REsp 158.622/SC, rel. Min. José Delgado, DJU 25.05.98, p. 43)
Quanto ao requisito previsto no inciso II, do mesmo dispositivo legal, referente aos "fundamentos de fato e de direito", apreende-se que, embora as razões tenham sido apresentadas de modo intricado, o recurso merece ser conhecido, haja vista que os fundamentos expostos no apelo permitem deduzir a pretensão do recorrente. A propósito:
"EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. PETIÇÃO INTERPOSITIVA DO APELO. REQUISITOS SATISFEITOS. INVESTIDA CONTRA A DECRETAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. DISSONÂNCIA INTERPRETATIVA NÃO CONFIGURADA. - A petição interpositiva do recurso de apelação não necessita conter palavras sacramentais, sendo suficiente que esteja manifestado o intento claro de recorrer. Requisitos do art. 514 do CPC satisfeitos no caso". (STJ - REsp 293535 /MS - T4 - Ministro BARROS MONTEIRO - DJ 25.06.2001, p. 190)
"No entanto, em termos de técnica processual, embora não possa ser considerada um primor, supre, ainda que minimamente, os requisitos previstos no art. 514 do CPC: há o pedido de nova decisão, indicação do nome e qualificação das partes e, mais importante, apresentou a fundamentação. Quanto a este último requisito, verifica-se que foram expostos pela parte recorrente os pontos considerados equivocados da r. sentença e os motivos pelos quais foram assim considerados". (STJ - REsp 187326 /SP - T5 - Ministro FELIX FISCHER - DJ 07.06.1999, p. 121)
Assim, presentes os pressupostos recursais de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo e extintivo), e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), conheço da apelação1.
A pretensão do apelante1, ao menos do que se dá para entender, cinge-se na revisão das prestações, tendo em vista a redução de sua renda, pois o valor de R$ 3.005,62 (três mil e cinco reais e sessenta e dois centavos) declarado em agosto de 1995, momento da formação contratual, teria sido reduzido a um valor de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais), em razão da perda do cargo de confiança que o recorrente ocupava naquela época, na qualidade de funcionário público.
Da análise do contrato particular de venda e compra de imóvel residencial, com desligamento de garantia hipotecária e de mútuo, com pacto adjeto de primeira hipoteca e outras avenças (às fls. 06/17, dos autos de execução, em apenso), configura-se que o plano de reajustamento firmado entre as partes foi o de Comprometimento de Renda (cf. cláusula nona do contrato, à fl.10).
O Plano de Comprometimento de Renda, diferente do Plano de Equivalência Salarial, fixa um percentual limitador de 30% sobre a renda do mutuário, cujo valor não poderá ser ultrapassado pelo montante do encargo mensal. Já o Plano de Equivalência Salarial, ao invés de fixar um limite, corrige os encargos pelos mesmos índices de variação da categoria profissional do mutuário, como bem define o laudo pericial, em nota explicativa, à fl. 131.
No presente caso, o valor da renda declarada pelo mutuário foi de R$ 3.005,62 (três mil e cinco reais e sessenta e dois centavos), conforme dispõe o item "9", do quadro resumo contratual, à fl. 08.
A Lei n° 8.692/93 que trata especificamente do Plano de Comprometimento de Renda, regula em seus artigos 4° e 14, o procedimento a ser adotado pelo mutuário nos casos de redução da renda ou alteração na composição da renda familiar. Dispõe a lei que: Art. 4º ... § 1º Sempre que o valor do novo encargo resultar em comprometimento da renda do mutuário em percentual superior ao estabelecido em contrato, a instituição financiadora, a pedido do mutuário, procederá à revisão do seu valor, para adequar a relação encargo mensal/renda ao referido percentual máximo. ... 3º Não se aplica o disposto no § 1º às situações em que o comprometimento da renda em percentual superior ao máximo estabelecido no contrato tenha-se verificado em razão da redução da renda ou por alteração na composição da renda familiar, inclusive em decorrência da exclusão de um ou mais coadquirentes.
4º Nas situações de que trata o parágrafo anterior, é assegurado ao mutuário o direito de renegociar as condições de amortização, buscando adequar novo comprometimento de renda ao percentual máximo estabelecido no contrato, mediante a dilação do prazo de liqüidação do financiamento, observado o prazo máximo estabelecido em contrato e demais condições pactuadas.
Art. 14. Não será imputada qualquer penalidade ao mutuário que paralisar o pagamento de encargos mensais desde que, tendo requerido à instituição financiadora a revisão dos encargos mensais, com a necessária juntada dos comprovantes das variações da renda, não tenha recebido resposta formal após decorridos sessenta dias da data de protocolização do requerimento.
O contrato firmado pelo mutuário contém cláusula expressa (cláusula 11, § 4°, à fl. 12) que reproduz o § 4°, do art. 4°, da Lei 8.692/93, cujo texto assegura ao devedor o direito de renegociar as condições de amortização. Sob este aspecto, considerando-se ainda o Plano de Reajustamento firmado entre as partes, confunde-se a pretensão do apelante ao requerer a adequação do valor das prestações com a atual renda por ele recebida.
Confrontando a alegação do apelante1 com a legislação acima reproduzida, entende-se incabível o reajuste das prestações mensais com os novos rendimentos declarados pelo mutuário, pois não restou demonstrado, em momento algum, o exercício do direito de renegociação. O laudo técnico corrobora tal entendimento, cf. resposta dada ao quesito "F": "não foi encontrado nos autos documento manifestando interesse do mutuário em rever as prestações por via administrativa junto ao embargado" (f. 129).
De acordo com a Lei 8.692/93, a superveniente diminuição dos vencimentos do mutuário, em contrato com cláusula do plano de comprometimento de renda, apenas possibilita o alongamento da dívida, dentro no prazo previsto no art. 14 do mesmo diploma legal. Portanto, entende-se que a r. sentença bem considerou como o valor adequado para a efetivação dos cálculos, em sede de ação executiva, a remuneração declarada pelo mutuário no momento da formação do contrato, haja vista a sua inação em exercer o direito de renegociação dos encargos em tempo oportuno. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça consagrou o seguinte posicionamento:
"A decisão ora combatida, ao recusar a possibilidade de redução das parcelas mensais, se fundou em expressa disposição contratual, ou seja, não relevam as eventuais circunstâncias que tenham provocado posteriormente a diminuição de renda. A proporção e a base estipulada continuam as mesmas. Aliás, não se poderia vislumbrar, nesse particular, ofensa à norma do art. 11 e § 2° da Lei 8.692, de 28.07.93, uma vez que seu § 1° reza precisamente que são desinfluentes as alterações posteriores da composição da renda familiar. Assim, restar-lhes-ia renegociar com o agente financeiro novas condições de amortização, consoante faculta o § 2° do referido preceito legal". (STJ - REsp 228031/RS - T4 - Min. BARROS MONTEIRO - DJ 19.03.2001, p. 114)
Cumpre ainda esclarecer que a perícia, à fl. 132, em resposta ao quesito 3.2 "06", demonstrou a observância ao limite de 30%, estabelecido no contrato de financiamento imobiliário: "tem-se que as prestações do financiamento no período analisado não excederam ao percentual de 30% de limite de comprometimento de renda contratado, portanto, os valores das prestações estão corretos".
Neste prisma, incabível aduzir a nulidade do contrato ou da execução, pois se verificou o cumprimento das cláusulas contratuais, conforme legislação específica.
2.2. Apelação 2.
Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, conheço da apelação2.
Insurge-se o apelante2 apenas em relação à ocorrência da capitalização de juros pela utilização da "Tabela Price".
Com efeito, Em que pese à fundamentação supracitada, entendo que a simples utilização da Tabela "Price" é suficiente para evidenciar a cobrança de juros sobre juros (anatocismo), conforme o disposto no enunciado nº 24, do extinto TA, in verbis: "n.º 24. O uso da Tabela Price implica na capitalização de juros. (TAPR Ac. nº 13.961, 4ª Câm. Cível)."
Portanto, diversamente do alegado pelo banco, o uso da "Tabela Price" implica em capitalização de juros.
Nesse diapasão, não pode sobreviver a amortização da dívida pela Tabela Price.
Cite-se, a título de elucidação, os seguintes acórdãos do extinto Tribunal de Alçada, onde fora pronunciado no sentido de que a Tabela Price configura anatocismo: Ac. 11083, da 1ª C.Cível, Rel. Juiz Antônio Renato Strapasson, DJ 11.06.1999; Ac. 12070, da 2ª C.Cível, Rel. Juiz Wilde Pugliese, DJ 04.02.2000; Ac. 13697, da 3ª C.Cível, Rel. Juiz Domingos Ramina, DJ 20.10.2000; Ac. 12033, da 5ª C.Cível, Rel. Juiz Augusto Lopes Cortes, DJ 18.05.2001; Ac. 10516, da 6ª C.Cível, Rel. Juiz Jucimar Novochadlo, DJ 15.09.2000; Ac. 11547, da 7ª C.Cível, Rel. Juiz Miguel Pessoa, DJ 06.10.2000; Ac. 11448, da 8ª C.Cível, Rel. Juiz Robson Cury, DJ 02.02.2001.
Assim sendo, o recurso do apelante não merece prosperar neste tópico.
Ademais, restou devidamente comprovado no feito, o que se verificou in casu, como concluiu o "Expert" às fls. 128 e 131, respostas aos quesitos 3.1 "E" e 3.2 "03", respectivamente.
Destarte, comprovada por meio de laudo pericial a ocorrência da capitalização de juros, não merece reparo a sentença objurgada, devendo a execução prosseguir em seus ulteriores termos pelo saldo remanescente, após o recálculo da dívida e exclusão dos valores indevidos.
Da mesma forma, a aplicação da taxa de juros nominal diversa da efetiva evidência a capitalização de juros.
Note-se que a sentença não trata da ocorrência da amortização negativa, desmerecendo maiores delongas acerca do tema levantado nas razões do banco.
Enfim, diante do desprovimento de ambos os apelos, não merece reparo a distribuição das verbas de sucumbência realizada em primeiro. Além do que, verifica-se que foram devidamente fixadas, segundo as diretrizes do § 3º, alíneas "a", "b" e "c", atendido a natureza da demanda, grau e zelo do profissional, trabalho realizado e o tempo exigido.
3. Por tais razões, voto no sentido de negar provimento aos presentes apelos.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores RENATO NAVES BARCELLOS e CELSO SEIKITI SAITO.
Curitiba, 19 de outubro de 2005.
DES. MARIA MERCIS GOMES ANICETO RELATORA
AC 288.073-3 2
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