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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 300.127-2, DE MARINGÁ - 6ª VARA CÍVEL APELANTE: MELO, MORA & CIA LTDA APELADO: ROGÉRIO HENRIQUE NEGRÃO DE ALBUQUERQUE LITISDENUNCIADO: ESPÓLIO DE VERA LÚCIA KUHNENN RELATOR: DES. WILDE DE LIMA PUGLIESE
AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO PELA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO CONTRATANTE REPELIDA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA (ART. 6º, INC. VIII DO CDC). VÍCIO DE CONSENTIMENTO. COAÇÃO MORAL CONFIGURADA. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. PEDIDO IMPROCEDENTE. DENUNCIAÇÃO À LIDE INCABÍVEL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. É parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda de cobrança de despesas médico/hospitalares o signatário de termo de responsabilidade e autorização de procedimentos clínicos e cirúrgicos.
2. É direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos em Juízo, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (art. 6º, inc. VIII, do CDC).
3. Não logrando o fornecedor comprovar a inocorrência de vício de consentimento, na modalidade de coação emocional, ensejador da anulação de negócio jurídico celebrado entre os litigantes, consubstanciado em contrato de prestação de serviço médico-hospitalar, a improcedência do pedido de cobrança é de rigor.
4. É incabível a denunciação à lide quando inexiste obrigação contratual ou legal entre litisdenunciante e litisdenunciado (RSTJ 67/441). VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 300.127-2, da 6ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que é apelante Melo, Mora & Cia e apelado Rogério Henrique Negrão de Albuquerque. 1. Trata-se de ação de cobrança ajuizada por Melo, Mora & Cia Ltda contra Rogério Henrique Negrão de Albuquerque, objetivando o recebimento da quantia de R$ 25.504,92 (vinte e cinco mil, quinhentos e quatro reais e noventa e dois centavos), referente as despesas de internamento e tratamento hospitalar da paciente Vera Lúcia Kunhenn dos Santos, realizado no Hospital e Maternidade Santa Rita, que lhe pertence, no período de 14 de abril de 2000 a 26 de abril de 2000. Em contestação, pleiteou o réu, inicialmente, a denunciação à lide do espólio de Vera Lúcia Kunhenn dos Santos, alegando, para tanto, existirem bens no espólio passíveis de responder por eventual condenação. Afirmou, em preliminar, ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, pois o "contrato de prestação de serviço" foi assinado em branco e elaborado de forma unilateral pela autora. No mérito, enfatizou que apenas levou a paciente ao hospital a pedido de seus familiares, bem como que a cláusula 4ª do contrato invalida os gastos e despesas sem a rubrica do contratante, não possuindo, assim, a documentação colacionada pelo requerente valor legal. Destaca, também, que acredita que o nosocômio já recebeu pelo tratamento, seja por convênio ou pelo SUS, e ainda que os valores cobrados são excessivos (fls. 38/42). Citado, compareceu aos autos o espólio litisdenunciado, oferecendo contestação (fls. 103/113), requerendo o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva, estribada na alegação de que a responsabilidade pelo pagamento das despesas reclamadas é do denunciante, pessoa que concordou com os termos e assinou o contrato de prestação de serviço. Para instrução e julgamento do feito, além da prova documental, ouvi-se o depoimento pessoal do autor e do requerido (fls. 140/141). O Ministério Público de 1º grau manifestou-se pela improcedência do pedido, com fulcro no artigo 267, inc. VI do CPC (fls. 144/152). Proferindo sentença, o MM. Juiz de Direito, julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, consoante o artigo 267, inc. VI do Código Civil, em face da carência da ação pela ilegitimidade passiva ad causam do requerido, condenando a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) em favor do patrono do requerido e R$ 500,00 (quinhentos reais) em favor do patrono do litisdenunciado (fls. 155/161). Inconformada com o resultado da demanda (fls. 163/177), apela Melo, Mora & Cia Ltda, sustentando, preliminarmente, ser o apelado parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda. No mérito, alega que o contrato de prestação de serviço, instruído com todos os documentos probatórios das despesas médico-hospitalares, constitui documento eficaz a produzir efeitos no mundo jurídico, autorizando, portanto, a presente cobrança. Ressalta que não agiu de má-fé na contratação, posto que o apelado, na oportunidade da assinatura do "Termo de Responsabilidade e do Contrato de Prestação de Serviço, tomou ciência inequívoca dos direitos e obrigações decorrentes da relação contratual que pactuara com o Hospital, sem interpor qualquer objeção, eis que há época nada reclamou aos órgãos competente" (sic. fl. 168). Destaca, também, que a manifestação da vontade do contratante foi realizada de forma expressa, sem qualquer coação, bem como que está apenas cobrando os serviços prestados pelo nosocômio. Aduz que não houve cobrança em excesso pelos aludidos serviços, os quais comprovou documentalmente a prestação e, ainda, que as respectivas despesas eram comunicadas diariamente ao apelado. Acrescenta que delegou poderes a sua procuradora para subscrever o contrato (art. 1288 do CC), bem como que o prontuário médico da paciente não é documento essencial para respaldar a cobrança pretendida, como entende o magistrado sentenciante, visto que acostou aos autos as notas fiscais, faturas e recibos dos serviços prestados. Por derradeiro, alega que o apelado não logrou provar que houve vício de vontade quando da contratação e requer, por isso, a reforma integral da sentença reptada, para o fim de que o requerido seja condenado ao pagamento do crédito reclamado, ou, alternativamente, a redução da verba honorária. Foram apresentadas contra-razões (fls. 189/194) pelo espólio de Vera Lúcia Kuhnenn dos Santos defendendo a manutenção da r. sentença objurgada. Nesta instância, a Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação (fls. 201/207). É o relatório. 2. Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, seu conhecimento se impõe. Busca a autora/apelante o pagamento das despesas de internamento e tratamento hospitalar da paciente Vera Lúcia Medeiros da Silva, realizado no Hospital e Maternidade Santa Rita, de sua propriedade, no período de 14 de abril de 2000 a 26 de abril de 2000, no montante de R$ 25.504,92 (vinte e cinco mil, quinhentos e quatro reais e noventa e dois centavos). Mister, inicialmente, apreciar a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do apelado, acolhida pela r. sentença, e contrariada pela empresa apelante, fundada na contratação efetivada pelo réu, consubstanciada no "termo de responsabilidade e autorização de procedimentos clínicos/cirúrgicos e contrato de prestação de serviços" (fl. 11). Razão assiste a recorrente. Em que pese o entendimento adotado pelo i. julgador monocrático, resta patente a qualidade de contratante do apelado, posto que subscreveu o contrato enfocado, ou seja, assumiu as obrigações oriundas deste negócio jurídico, portanto, é parte legítima para responder pelo débito decorrente da prestação de serviços médicos/hospitalares. Nesse sentido: "AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR. CARÊNCIA DE AÇÃO PASSIVA. AFASTAMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Tendo a empresa hospitalar prestado o serviço médico, consoante termo de responsabilidade firmado pelo réu, descabida é a sua exclusão do pólo passivo da lide. 2. De outro lado, se o pagamento é devido pelo réu ou pelo plano de saúde, somente a decisão definitiva da ação é que poderá dizer." (TA/PR, Ac. nº 11110, Sexta Câmara Cível, Rel. Juiz Jucimar Novochadio, j. 11.12.2000).
Quanto ao mérito recursal, malgrado os argumentos expendidos pela recorrente, não comporta reforma a r. sentença reptada no tópico atinente ao reconhecimento do vício de consentimento, na modalidade da coação, haja vista ter restado demonstrado nos autos a ocorrência de consentimento defeituoso do apelado. Com efeito, nos negócios jurídicos em geral a presunção é de que à vontade declarada corresponde à que internamente se formou no agente. Vale dizer, presume-se eficaz o negócio, ou não viciado pelo erro, pelo dolo, pela coação, pela simulação ou pela fraude. Para que se declare a anulabilidade, a prova do vício há de ressurgir da instrução, de modo a não permitir dúvidas no espírito do julgador, invertendo-se o ônus da prova quando se tratar de relação jurídica de consumo. Prevê a Lei nº 8.078/1990 como um dos direitos do consumidor, a facilitação da defesa de seus direitos em Juízo, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência, visando estabelecer o princípio da igualdade dentro da relação processual (art. 6º, inc. VIII, do CDC). In casu, a relação jurídica entabulada pelos litigantes é de consumo e a hipossuficiência técnica do apelado perante a apelante é manifesta, dessa forma, o ônus de comprovar que inocorreu o alegado vício de consentimento, coação moral irresistível, recai sobre a recorrente, a qual não obteve êxito em se desincumbir dele. No mais, especificamente, no que tange a coação de modo a ensejar a anulação do contrato, deve ser de tal monta que seja a causa única da prática do ato, cujo temor provocado à pessoa do contratante ou de sua família, seja bastante ao ponto de influir na sua vontade, contrariando seus legítimos interesses (art. 98 CC/1916). Merece destaque a referência ao assunto extraída da obra do Prof. Washington de Barros Monteiro: "Coação é a pressão física ou moral exercida sobre alguém para induzi-lo à prática de um ato. Como expressão verbal, o vocábulo reflete com mais propriedade o meio coercitivo empregado pelo agente, de que o estado de intimidação gerado na vítima. É por isso que, do pontos de vista psicológico, a linguagem dos romanos era mais precisa. Eles empregavam o termo "metus (mentis trepidatio)", e não "vis" (violência), porque o temor infundado na vítima que constitui o vício do consentimento e não os atos externos utilizados no sentido de desencadear o medo" (Curso de Direito Civil, v. 1, parte geral, 39ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 237).
No caso vertente, verifica-se que o réu/apelado internou a cunhada enferma, Vera Lúcia Kuhmemm dos Santos (nome de solteira), no Hospital e Maternidade Santa Rita, em 14 de abril de 2000, na categoria particular, em acomodação da unidade de terapia intensiva (UTI), celebrando com a apelante negócio jurídico no momento do internamento desta, eis que a paciente estava impossibilitada fisicamente de exarar sua vontade. Pois bem. Depreende-se do verso do contrato de prestação de serviço entabulado pelas partes litigantes que as assinaturas nele consignadas foram colhidas em momentos distintos, primeiro o apelado contratante subscreveu o instrumento contratual, o qual apresenta cunho adesivo, para posteriormente a contratada e as testemunhas o assinarem. Aliás, no tocante a assinatura da representante legal da apelante é de se destacar que foi postada por pessoa diversa da indicada no verso da avença, Ana Maria Candeo dos Santos Pimenta, sendo firmado por Maria Alice Castilho dos Reis, advogada da recorrente. A par desta irregularidade constatada, a apelante não obteve êxito em produzir prova para rechaçar a tese do requerido/apelado de que confiando no representante desta, o qual afirmou ser a celebração do contrato procedimento de rotina que não lhe acarretaria conseqüência alguma, assinou o documento em branco, vindo a saber após se tratar de um termo de responsabilidade (fl. 45). Cumpre ressaltar que a apelante não arrolou qualquer testemunha ou funcionário que tenha presenciado a contratação enfocada, restringindo a prova oral ao depoimento de sua representante legal que nada esclareceu, já que não acompanhou a celebração, vejamos:
"(...) disse que não presenciou a assinatura do contrato, não conheceu a paciente Vera, não sabe em que estado ingressou no hospital, se consciente ou não, que a paciente foi internada diretamente na UTI, que no momento da assinatura do contrato estavam Rogério e Maria Cristina, ele foi assinado no Pronto-Socorro, que esteve em contato com Rogério durante a internação, que teve contato com Rogério durante o tratamento, tratando de questões financeiras, que este contato foi pessoalmente na sala da depoente, no hospital (...) que houve um pagamento de despesas no valor de R$ 2.500,00, sendo que este valor foi pago pelo próprio Rogério" (fl. 146). Em relação a prova documental colacionada ao caderno processual, outrossim, revela-se insuficiente para demonstrar a regularidade e ausência de constrangimento exercido sobre o apelado na ocasião da contratação, ao revés, posto que sequer foi colacionada cópia do título executivo extrajudicial (cheque) dado em caução por ele. E, ainda, neste particular a r. sentença recorrida, de boa lavra e excelente forma, merece ênfase no seguinte trecho: "O hospital requerente, então, com vasta experiência no setor, ou pelo menos devia ter a orientação jurídica adequada, em casos como o sub judice, incumbia maior zelo e ter a contratação - se verdadeiramente particular - com a presença no momento de duas tesetemunhas funcionários, médicos, terceiros, etc, já que é fato notório que o hospital é de grande porte e fluxo de pessoas. (...) Com efeito, não juntou o requerente sequer cópia desse alegado pagamento (art. 333, inc, I do CPC), cujo documento devia vir com a petição inicial (art. 283 c.c 396, ambos do CPC), e cujo pagamento poderia ter sido efetuado a pedido de terceiros ou da família. Mas o hospital não quis trazer a juízo os funcionários que teriam presenciado o internamento, e nem mesmo arrolou como testemunha a pessoa referida nesse depoimento como Maria Cristina (...) A menção do requerido de que foi induzido a assinar o contrato como mera formalidade (porque já havia dado cheque em caução), caracteriza, na letra civil, o vício de consentimento fraude e coação, pois estando a cunhada Vera insconciente, correndo risco de vida, o requerido, a bem da verdade, para interná-la, não restava outra alternativa senão firmar um documento sob pena de não ser atendida a paciente. Tolhendo-se a vontade não há contrato perfeito. Nula é a contratação procedida desta forma" (fls.160/161).
Destarte, diante da situação fática emergencial narrada, não há como negar a existência de receio de dano eminente e grave a incolumidade física da cunhada do apelado, bem como a relação de causalidade entre a celebração do contrato pelos litigantes e a atuação inadequada da fornecedora/contratada junto ao contratante/consumidor no momento da pactuação. Não se pode olvidar, ainda, que o apelado não tinha interesse nenhum em assumir obrigação pecuniária perante ao nosocômio em nome da paciente, mesmo porque, sequer foi regularmente e adequadamente informado acerca do teor do contrato que estava assinando, o que demonstra ausência de boa-fé por parte da contratada. Enfim, dos elementos de convicção formados e pela ausência de produção de prova em sentido contrário pela recorrente, vislumbra-se que o réu/apelado foi pressionado a firmar o contrato, mediante coação emocional irresistível praticada pela apelante, posto que não lhe restava outra alternativa naquela situação aflitiva familiar. Por isso, conclui-se que o negócio jurídico entabulado entre os litigantes padece de vício de vontade, portanto, é anulável. No tocante aos honorários advocatícios arbitrados pelo magistrado a quo, de forma eqüitativa, considerando o trabalho realizado pelo patrono do apelado, o grau de zelo deste, a natutreza e a importância da causa, mostra-se adequada à fixação da verba honorária no valor de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil. Com relação a lide secundária, não merece acolhimento o pedido de denunciação a lide do espólio de Vera Lúcia Kuhnenn dos Santos formulado pelo apelado (fl. 42), porquanto inexiste qualquer obrigação contratual ou legal de garantia entre o denunciado e o denunciante (RSTJ 67/441). Por corolário, o réu/litisdenunciante deve arcar com as custas desta lide e com os honorários advocatícios do patrono do espólio litisdenunciado, arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), observado o dispositivo supracitado. Diante desta quadra de considerações, proponho que se mantenha a r. sentença recorrida, dando provimento parcial ao recurso, tão-somente, para rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva do apelado e indeferir o pedido de denunciação à lide do espólio de Vera Lúcia Kuhnenn dos Santos. 3. Por tais razões, ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso de apelação. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores CARLOS MANSUR ARIDA, Presidente com voto, e JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO. Curitiba, 09 de novembro de 2005. Des. WILDE DE LIMA PUGLIESE - relator ??
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11 Apelação Cível nº 300.127-2 fl.
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