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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0218.467-4, DE CASCAVEL - 1ª VARA CÍVEL - 15ª CÂMARA CÍVEL DO TJ-PR
APELANTE 1 : MARCELO CAETANO BERTO.
APELANTES 2: ZILDA PEREIRA DA MOTTA e OUTROS. APELADOS 1 : OS MESMOS.
APELADO 2 : MUNICÍPIO DE CASCAVEL.
APELADOS 3 : PLÍNIO PADILHA e SUA MULHER.
RELATOR : JUIZ conv. LUÍS ESPÍNDOLA.
AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ARREMATAÇÃO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PEDIDO DE ANULAÇÃO PROCEDENTE. REINTEGRAÇÃO DE POSSE IMPROCEDENTE. DENUNCIAÇÃO À LIDE INDEFERIDA. APELAÇÕES CÍVEIS. REINTEGRAÇÃO DE POSSE - PROTEÇÃO POSSESSÓRIA INDIRETA DOS AUTORES - POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO EXEQÜENTE - SENTENÇA MANTIDA. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DO DENUNCIANTE AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DO PATRONO DO DENUNCIADO, AINDA QUE NÃO HAJA PEDIDO EXPRESSO. SUCUMBÊNCIA. REGRA DO ART. 20, § 3º, DO CPC. APELO DO DENUNCIANTE/APELANTE 1 NÃO PROVIDO. APELO DOS AUTORES/APELANTES 2 PROVIDO. 1. Não cabe ao Arrematante de imóvel, leiloado em executivo fiscal, que já o transferiu a terceiro, denunciar à lide o Exeqüente em demanda de anulação de arrematação, já que o inciso III do artigo 70, do CPC, exige exegese restrita, de modo a só permitir denunciação da lide quando o denunciante exerce contra o denunciado pretensão de garantia própria; não é assim quando se trata de outra espécie de direito regressivo, como dos autos (TACIV/SP, Rel. Juiz Marcondes Machado, CPC anotado de Alexandre de Paula, 5ª edição). 2. Diante do fato de que os Autores dispunham da possibilidade de fruir de todas as utilidades do imóvel, ou ainda, o direito à posse indireta, impõe-se que, uma vez decretada a anulação da arrematação, se lhes conceda a reintegração de posse, não negada pelos recorridos. 3. Considerando que os Autores lograram êxito na reforma da sentença, implicando em acolhimento total do pedido inicial, a verba honorária será fixada segundo apreciação eqüitativa do Juiz, a teor do disposto no artigo 20, § 4º, do CPC, eis que o caso não se trata de feito condenatório.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 0218.467-4, de Cascavel - 1ª Vara Cível, em que são Apelantes Marcelo Caetano Berto, Zilda Pereira da Motta e Outros e Apelados Os mesmos, Município de Cascavel e Plínio Padilha e Outros.
1. Relatório.
Da r. sentença prolatada em autos de Anulação de Arrematação cumulada com Reintegração de Posse, sob nº 1.151/98, em trâmite perante a 1ª Vara Cível de Cascavel, na qual o MM. Juiz julgou procedente o pedido de anulação da arrematação levada a efeito nos autos de execução fiscal ajuizada pelo Município de Cascavel contra Antônio José da Motta (autos nº 922/91), e improcedente a pretensão possessória, extinguindo a denunciação à lide feita pelo réu/Arrematante Marcelo Caetano Berto ao Município de Cascavel, recorrem Denunciante/arrematante e Autores. O Réu/Denunciante não se conforma com a decisão que indeferiu a denunciação à lide, por entender que o Município/Denunciado é o único responsável pelos vícios existentes no procedimento executivo, e por isso, responsável por toda e qualquer conseqüência sofrida em seu patrimônio, decorrente da frustrada arrematação levada a efeito em leilão público nos autos de execução fiscal que promoveu contra o falecido esposo e pai dos Autores. Salienta, que a improcedência da denunciação fará com que o atual proprietário do imóvel promova contra si ação indenizatória, e que certamente será condenado a devolver-lhe as quantias pagas, ou seja, o valor do imóvel; que, assim, já se precavendo de futura condenação, entende oportuno que se declare nesta ação a culpa exclusiva do denunciado pelo vício no procedimento executivo, para futuros efeitos responder pelos prejuízos que poderá sofrer em decorrência do negócio jurídico realizado.
Afirma, que a denunciação à lide é uma ação de garantia, e é justamente isso que espera, de que não será prejudicado simplesmente pelo fato de ter adquirido um bem através de leilão judicial promovido pelo denunciado.
Pugna, enfim, pela reforma da r. sentença, para que seja declarada a responsabilidade do denunciado sobre todo e qualquer prejuízo que venha a sofrer em face da anulação da arrematação, ou que não seja condenado ao pagamento dos ônus da sucumbência arbitrados, ao argumento que o denunciado não requereu em momento algum tal condenação, portanto, injusta se faz (razões de fls. 144/146).
Os Autores, por sua vez, não se conformam com a r. decisão, no que tange a improcedência da pretensão possessória (reintegração de posse) sob entendimento de que deverão buscá-la pelos meios próprios e adequados, e, no que tange à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, por recíproca sucumbência.
Aduzem que, ao contrário do que entendeu o MM. Juiz singular, têm direito de serem integrados, desde logo, na posse do imóvel, independentemente de serem obrigados a lançar mão de ação própria para esse fim porque, como consta dos autos, sempre tiveram a posse indireta sobre o imóvel, transmitida por sucessão, sequer contestada pelos recorridos, pelo contrário, admitida porque incontroversa.
Afirmam, que o fato de residirem em outra cidade não significa que não tivessem a posse, e que não se fazia necessário fundamentar o pedido de reintegração simplesmente porque se trata de pedido acessório, secundário, com resultado lógico, ou seja, de conseqüência do pedido de anulação.
Não se conformam, também, com o critério objetivo da sucumbência aplicado pelo Juiz singular, por entenderem que foi negada vigência ao disposto no artigo 20, do CPC, haja vista que a sentença os condenou a pagar honorários não só aos patronos do réu, mas também ao curador especial e ainda ao seu próprio advogado.
Entendem, que a tese defendida pelo MM. Juiz singular, de que teriam agido de certa forma indevidamente, e que os Recorridos não deram causa ao processo que anulou a arrematação, não deve prosperar, vez que os Recorridos têm direito de ação de regresso contra o Município que não foi bastante diligente no processo de execução, mas nunca contra os ora Recorrentes que em nada contribuíram para o problema, daí porque não há como lhes impor qualquer parcela de responsabilidade ao ônus da sucumbência.
Pugnam, enfim, pelo provimento do recurso, para efeito de se modificar a r. sentença no que diz respeito ao pedido de reintegração de posse e relativamente aos ônus da sucumbência, por terem sido vencedores da ação, impondo esta obrigação unicamente aos Recorridos, em valor a ser fixado (razões de fls. 150/155).
Contra-razões de recurso, pelos Autores, às fls. 159/161 e pelo Denunciado/Município, às fls. 163/165, transcorrendo 'in albis' o prazo para os Recorridos.
Devidamente preparados, os autos vieram a este Tribunal, onde a douta Procuradoria Geral de Justiça, instada a se manifestar, emitiu parecer pelo provimento do recurso do réu/Denunciante, para que o Denunciado integre a lide, e pelo não provimento do recurso dos Autores, por entender não se elencar fato referente ao exercício da posse e não se comprovar a sua ocorrência, de acordo com o disposto no artigo 927, do CPC. (fls. 176/181).
É, em síntese, o relatório.
2. Voto e fundamentação.
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.
Do recurso do Réu-Denunciante: O objetivo da denunciação formulada pelo Réu-Arrematante é de se resguardar do prejuízo que porventura terá em caso de ação indenizatória que o atual proprietário do imóvel arrematado (e agora anulado) poderá promover contra si, por culpa do Denunciado, no seu entender.
Acontece, que o presente litígio não trata de ação de indenização por evicção, mas apenas de pedido declaratório de anulação de arrematação judicial cumulada com reintegração de posse. Se algum pleito lhe confere, esse se verificará em demanda específica proposta pelo atual proprietário/comprador, fundada porventura na evicção.
É que, como bem salientou o douto julgador singular, "...não há que se falar na hipótese vertente em garantia da evicção, já que o credor nada vendeu ao arrematante e a evicção diz respeito ao contrato de compra e venda. E se não há que se falar em garantia própria, o direito que tem o evicto de recobrar o preço que pagou pela coisa evicta, independe, para ser exercitado, de ter ele denunciado a lide ao alienante (que não se confunde com o credor), na ação em que terceiro reivindicará a coisa, consoante o artigo 1.108 do Código Civil. Observe-se, por outra, que a denunciação feita pelo réu está baseada num conceito de culpa e quiçá de responsabilidade objetiva pela falta do serviço do Município, não no de garantia, que afinal não lha deu, tendo o Estado, antes e em tese, mediante a ação oficial de venda, a oferecido. Na verdade, somente subsidiariamente se pode admitir que o credor, se insolventes os executados, poderia responder pelo preço. Logo, por inadequada, inútil e também desnecessária a denunciação da lide, o seu indeferimento, ainda que aparentemente tardio, é o que se impõe" (fls. 138/139).
Como se vê, a denunciação da lide deve ser encarada apenas nos casos de garantia e não de simples regresso, ou seja, somente é admissível, quando por força de lei ou contrato, o denunciado é obrigado a garantir o resultado da demanda, isto é, a perda da primeira ação. O inciso III do artigo 70 do CPC exige exegese restrita, de modo a só permitir denunciação da lide quando o denunciante exerce contra o denunciado pretensão de garantia própria; não é assim quando se trata de outra espécie de direito regressivo, como dos autos (TACIV/SP, Rel. Juiz Marcondes Machado, CPC. anotado de Alexandre de Paula, 5ª edição).
Acontece, que não há porque o Alienante denunciar à lide aquele que simplesmente entende responsável pela nulidade do leilão, competindo a quem de direito e em momento oportuno, porque o pedido dos autores na exordial foi simplesmente para declarar a anulação da arrematação, cancelando-se a penhora e atos subseqüentes, e para reintegrá-los na posse do imóvel.
Aqui, no caso em tela, de se ver, não há vínculo jurídico entre denunciante e denunciado e, deferir a denunciação da lide, neste caso, exige análise de fundamento jurídico novo não constante da lide originária.
É que, a denunciação da lide caracteriza-se, essencialmente, por ser uma ação de regresso embasada numa garantia a que está obrigado o denunciado perante o denunciante; o exercício dela pressupõe, pois, a preexistência de direito de regresso decorrente da lei ou do contrato; não cabe, em conseqüência, frente à mera pretensão de direito de regresso, ainda a ser reconhecido.
É o que diz a jurisprudência:
"A jurisprudência do STJ acolheu entendimento no sentido de que, não havendo relação jurídica entre litisdenunciante e litisdenunciado, não há como se admitir o pedido de denunciação da lide" (RSTJ 67/441).
Assim, o que enseja a denunciação da lide é, justamente, a existência de qualquer vínculo, seja legal ou contratual, entre denunciante e denunciado, e, uma vez inexistente tal vínculo, é descabida a prestação de denunciação. Portanto, pela ausência de pressupostos de desenvolvimento válido e regular da lide secundária, já que não é lícito ao Réu que já vendeu o imóvel denunciar à lide terceiro, para figurar como denunciado dos Autores (RTJ 108/459), mantém-se a r. sentença por seus próprios fundamentos, inclusive quanto ao dever do denunciante de pagar os honorários de advogado do denunciado, nos termos contido no artigo 20, do CPC, que impõe a condenação do vencido em favor do vencedor aos honorários advocatícios do seu patrono (RJTJESP 93/96), mesmo sem pedido expresso do sucumbente, conforme entendimento desta Corte: "Falta de pedido expresso - Irrelevância - Conseqüência da sucumbência - Fixação adequada - Apelo improvido. É dispensável pedido expresso para condenação do sucumbente em honorários de advogado. Havendo vencedor e vencido, haverá sucumbência e condenação em verba honorária, como fato objetivo da derrota. A fixação está adequada à causa e ao trabalho realizado pelo profissional" (Ext. TAPR, AC. nº 61.517-2 - 6ª CC, Rel. Jorge Massad).
Por essas razões, nego provimento ao apelo do réu-Denunciante, para manter a r. sentença por seus próprios fundamentos.
Do recurso dos Autores:
A r. sentença-recorrida julgou procedente a anulação da arrematação por evidenciar deficiência intrínseca na falta de regular e indispensável cientificação (publicidade) da praça aos proprietários do bem arrematado (sucessores de Antonio José da Motta), que deveriam estar no pólo passivo da ação, decisão essa sem insurgência das partes.
Todavia, os Autores/Apelantes se insurgem com a improcedência do pedido sucessivo de reintegração de posse do imóvel cuja arrematação foi anulada, e, com a condenação, em sucumbência recíproca, ao pagamento dos honorários de advogado dos patronos dos réus e de si próprios, dispensada, por ora, em face do benefício da Justiça gratuita.
Entendo que assiste razão aos apelantes, a despeito dos argumentos sustentados pela r. decisão guerreada de que a pretensão possessória não foi provada, não bastando a aquisição do domínio pela sucessão (fls. 136).
O fato é que os Apelantes se socorrem da detenção da posse indireta e a propriedade do imóvel, recebida via sucessão do executado Antônio José da Motta, não negada pelos Recorridos, donde se conclui que possuem legitimidade e interesse para requerer a reintegração de posse do imóvel, cuja arrematação foi anulada.
Sobre o tema:
"Os herdeiros de bem imóvel têm legitimidade e interesse de disputar a correspondente posse que lhes restou transmitida no momento do óbito do autor da herança, na forma do artigo 1.572 do Código Civil" (TACRJ - AC 2383/94 - (Reg. 2205-3) - Cód. 94.001.02383 - 3ª C. - Rel. Juiz Dauro Ignácio da Silva - j. 22.05.1995).
E, como não houve insurgência das partes a respeito, mister ressaltar que os requisitos exigidos para a procedência da reintegração de posse foram devidamente comprovados, ensejando a procedência da pretensão, haja vista entendimento pacificado no direito brasileiro, de que a posse é protegida por si mesma, pelo só fato que representa, não lhe obstando a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa.
Em síntese, conforme Kohler, citado por Beviláqua, 'in' Direito das Coisas, 4ª ed., Forense, § 6º, pág. 28, "numa querela possessória, vislumbra-se meramente uma proteção legal a uma situação de fato, sem a indagação de sua procedência jurídica, com objetivos de se proteger a chamada 'ordem de paz', a que se filia e identifica a idéia de posse".
E, do escólio de Azevedo Marques obtém-se a lição de que "estando uma coisa sob a atuação material da pessoa, esta deve ser respeitada como personalidade racional, de modo a não poder uma outra pessoa, fora da justiça, obrigar aquela a abrir mão da coisa possuída. Daí a proteção possessória ao fato da posse sem cogitar, preliminarmente, do direito em que ela se estriba" (Ação possessória, São Paulo, nº 9, pág. 8).
Acentue-se que, no regime do nosso Código, em que se adotou a teoria objetivista de Ihering, a posse deve ser respeitada e admitida, com ou sem o 'animus rem sibi habendi', o que levou Tito Fulgêncio a proclamar com absoluta procedência: "A posse existe com a intenção de dono, mas também pode existir sem ela e até com o reconhecimento de outro dono, e bem assim com o poder físico de dispor da coisa como sem ele; e se em geral sua defesa é exercida contra as agressões de terceiro, não raro o é contra as do dono reconhecido como tal pelo próprio possuidor" (Da posse e das Ações Possessórias).
Nesse ponto, pois, merece acolhida a insurgência dos Apelantes, para efeito de julgar-se procedente o pedido de reintegração de posse, importando ter-se por prejudicado o inconformismo relativamente aos ônus da sucumbência. Assim, considerando-se que os Autores lograram êxito na reforma da sentença monocrática, implicando em acolhimento total do pedido inicial, a verba honorária devida ao advogado dos vencedores será fixada segundo apreciação eqüitativa do Juiz, à luz dos critérios estabelecidos pelo parágrafo 4º do artigo 20 do CPC, aplicáveis ao caso, por isso entendo correto fixá-la em R$ 1.000,00 (hum mil reais), atendendo a natureza da causa e o trabalho profissional desenvolvido, cuja importância deverá ser suportada e dividida pelos Recorridos, além das custas processuais.
Pelo exposto, nego provimento ao apelo 1 (Réu/denunciante), e dou provimento ao apelo 2 (Autores), nos termos do voto.
3. Dispositivo. ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao apelo 1 e dar provimento ao recurso do apelo 2, nos termos do voto. Participaram do julgamento, presidido pelo Excelentíssimo Desembargador Hamilton Mussi Correa, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Miguel Kfouri Neto, revisor, e Silvio Dias.
Curitiba, 02 de dezembro de 2.005.
LUÍS ESPINDOLA Relator
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