Ementa
DECISÃO: Acordam os Magistrados da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, confirmar, em parte, a sentença, vale dizer, somente quanto à absolvição da acusada; reformando-a, no entanto, no que tange à internação ambulatorial desta em Clínica Psiquiátrica, certo que a internação se dará "em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico" (art. 96, I, do CP), por tempo indeterminado, avaliando-se a cessação da periculosidade da ré no prazo mínimo de dois anos (c. art. 97, § 1º, do CP), considerando a gravidade do fato praticado. EMENTA: ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. HOMICÍDIO. LEGÍTIMA DEFESA. INIMPUTABILIDADE. TRATAMENTO AMBULATORIAL. PRISÃO PREVENTIVA.
1. Invocada a referida descriminante, a absolvição sumária só se justifica quando estiver ela plenamente evidenciada, o que, no caso, não acontece. Todavia, a sentença absolutória deve ser mantida porque aqui cabalmente demonstrado, pelo exame de sanidade mental realizado, que a ré, ao tempo da ocorrência, era portadora de doença mental e, pois, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato; de sorte que sua inimputabilidade também lhe dá ensanchas à absolvição, de acordo com o art. 411 do CPP, certo que a existência de crime, além da tipicidade e da antijuridicidade do comportamento do agente, exige-lhe a culpabilidade, que lhe pressupõe a inimputabilidade. 2. Em face do que dispõem os arts. 96, I e II e 97 do CP, a medida de segurança a ser aplicada a inimputável só pode consistir em tratamento ambulatorial quando o crime a ele atribuído é apenado com detenção, o que evidentemente inocorre na hipótese de homicídio doloso. 3. Inarredável a aplicação da medida de segurança, a ré, posta em liberdade provisória no curso do processo e não mais encontrada para intimação da sentença, sendo, aliás, pessoa de endereço incerto e dificilmente localizável, deve ser detida para a respectiva internação em hospital de custódia e tratamento.
(TJPR - 1ª Câmara Criminal - REO - 310169-3 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR GIL TROTTA TELLES - Un�nime - J. 16.02.2006)
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Acórdão
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RECURSO CRIME "EX OFFICIO" Nº 310.169-3, DE LONDRINA - 1a VARA CRIMINAL AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RÉ: VERÔNICA GONÇALVES DOS SANTOS (MEDIDA DE SEGURANÇA) RELATOR: DES. GIL TROTTA TELLES
ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. HOMICÍDIO. LEGÍTIMA DEFESA. INIMPUTABILIDADE. TRATAMENTO AMBULATORIAL. PRISÃO PREVENTIVA. 1. Invocada a referida descriminante, a absolvição sumária só se justifica quando estiver ela plenamente evidenciada, o que, no caso, não acontece. Todavia, a sentença absolutória deve ser mantida porque aqui cabalmente demonstrado, pelo exame de sanidade mental realizado, que a ré, ao tempo da ocorrência, era portadora de doença mental e, pois, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato; de sorte que sua inimputabilidade também lhe dá ensanchas à absolvição, de acordo com o art. 411 do CPP, certo que a existência de crime, além da tipicidade e da antijuridicidade do comportamento do agente, exige-lhe a culpabilidade, que lhe pressupõe a inimputabilidade. 2. Em face do que dispõem os arts. 96, I e II e 97 do CP, a medida de segurança a ser aplicada a inimputável só pode consistir em tratamento ambulatorial quando o crime a ele atribuído é apenado com detenção, o que evidentemente inocorre na hipótese de homicídio doloso. 3. Inarredável a aplicação da medida de segurança, a ré, posta em liberdade provisória no curso do processo e não mais encontrada para intimação da sentença, sendo, aliás, pessoa de endereço incerto e dificilmente localizável, deve ser detida para a respectiva internação em hospital de custódia e tratamento. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso Crime "Ex Officio" no 310.169-3, de Londrina - 1a Vara Criminal, em que é autor o Ministério Público do Estado do Paraná e ré Verônica Gonçalves dos Santos (medida de segurança). I Verônica Gonçalves dos Santos foi denunciada como incursa nas penas do artigo 121 do Código Penal porque, segundo a petição inicial acusatória, em 5 de dezembro de 2000, por volta das 9 h, "... na via marginal à via Expressa, quase esquina com a Av. JK..." (fl. 2), no Município e Comarca de Londrina, "... por motivos não suficientemente esclarecidos... ", desferiu uma facada contra José Ferreira da Costa Filho, matando-o. Recebida a denúncia, o MM. Juiz de Direito, concomitantemente ao respectivo despacho, determinou a submissão da ré ao exame de sanidade mental requerido pelo Ministério Público com base no artigo 149 do Código de Processo Penal. Em conseqüência, suspenso o processo, ao reiniciar-se este, uma vez realizado o exame, a acusada, a qual havia sido presa em flagrante, requereu e obteve liberdade provisória em face do requerimento formulado na defesa prévia pelo Advogado que lhe fora nomeado. Em seguida, ouvidas três das quatro testemunhas arroladas pela Acusação, - em relação à indicada pela Defesa houve desistência, - na fase do artigo 406 do referido estatuto processual, ambas as partes requereram a absolvição sumária da ré, o que acabou acontecendo, mediante sentença na qual seu ilustre Prolator, reconhecendo-lhe a inimputabilidade, determinou-lhe a "... internação ambulatorial em Clínica Psiquiátrica, pelo tempo necessário para sua recuperação" (fl. 176). Não encontrada a acusada para a intimação pessoal da sentença, efetuada a correspondente intimação por edital, a requerimento da Promotoria, o Magistrado de primeiro grau ordenou-lhe a prisão preventiva. Os autos subiram a este Tribunal por força do chamado "recurso de ofício", previsto no art. 411 do Código de Processo Penal. A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento daquele "recurso". II 1. A versão da ré, de que tomou a faca do próprio ofendido, com essa arma tendo-o esfaqueado, por aquela dada tanto no interrogatório policial quanto no judicial (fls. 7 e 58, respectivamente), em verdade é inverossímil e não encontra apoio no conjunto probatório. A legitima defesa, tese também adotada pelo Dr. Defensor Dativo, em suas alegações finais, (além da referente à inimputabilidade), não pode ser acolhida, tanto mais que, para a absolvição sumária, seria necessária prova límpida, estreme de dúvida, acerca da excludente, o que, no caso, não acontece. Como afirmou o Ministério Público de primeiro grau ao manifestar-se na fase do mencionado artigo 406 do Código de Processo Penal, "... a alegação da legítima defesa encontra-se isolada dos demais elementos do conjunto probatório, não havendo como ser acolhida e reconhecida. "Não se extrai qualquer elemento que indique a agressão a que a ré teria repelido mediante sua ação. Em seu interrogatório ela afirmou ter entrado em luta corporal com a vítima. Porém, a testemunha Luiz Carlos Cardoso (fls. 132) em seu depoimento afirmou que no local não havia sinais de luta" (fl. 165). 2. Todavia, a própria acusada, ouvida na Polícia, disse "... que tem problemas de cabeça, pelo que chegou a ficar internada" (fl. 6); e, em Juízo, "... que estava na casa de recuperação de alcoólatras e vinha vindo do Cafezal II" (fl. 58). De sorte que, de suas declarações já decorreria pelo menos dúvida a respeito de sua sanidade mental. Do laudo de exame psiquiátrico/psicológico nela efetuado, salienta-se este trecho: "HISTÓRICO DO EXAMINANDO: A examinanda informa que nasceu na cidade de Maringá, e que ainda recém-nascida foi adotada. Analfabeta, sem endereço fixo (moradora de rua). Quando indagada sobre a cicatriz que possui na região lateral da cabeça, relata que sofreu grave atropelamento, (traumatismo crânio-encefálico), porém não sabe precisar a época. Relatou ainda que já esteve internada por cinco vezes em clínicas psiquiátricas por problemas de bebida alcoólica e uso de múltiplas drogas, e que na época do fato estava internada no Recanto Maranata, instituição religiosa para tratamento de dependentes de drogas. Detida desde 5/12/00, sem uso de medicação" (fl. 47). No laudo em tela, concluíram categoricamente os Peritos que o subscreveram, que a ré, ao tempo da ação, era portadora de doença mental, e, pois, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato. Logo, a acusada é inimputável, sendo isenta de pena, de acordo com o artigo 26 do Código Penal. Consoante já decidiu este Pretório, no recurso crime "ex officio" e recurso em sentido estrito nº 162.059-1, da Comarca de Primeiro de Maio, Rel. o eminente Des. Oto Sponholz, "Para que uma ação seja considerada criminosa não basta que seja típica e ilícita, é necessário para a aplicação da sanção penal que seja culpável. A culpabilidade é a reprovabilidade da conduta, no entanto, pressupõe a imputabilidade, ou seja, que o autor do fato tenha a capacidade psíquica de entender a ilicitude da conduta". Aliás, no respectivo acórdão são transcritos trechos de doutrina e jurisprudência também aplicáveis à hipótese dos autos e aqui se repetem: "Se a imputabilidade é elemento da culpabilidade, ausente aquela, esta se desfaz e, não havendo culpabilidade, não há cuidar-se de aplicação da pena ou, para a doutrina tradicional não haverá crime. (...) . "Se entretanto, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o Juiz submetê-lo, simplesmente, a tratamento ambulatorial, nos termos do artigo 97 do Código Penal" (c. Tourinho Filho, "in" Processo Penal, vol. 3, 16ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 1994, p. 65). "Outra não é a lição que se acolhe junto ao Supremo Tribunal Federal: "Tanto a internação em Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico como o acompanhamento médico-ambulatorial pressupõe, ao lado do fato típico, a periculosidade, ou seja, que o agente possa vir a praticar outro crime. Tratando-se de inimputável, a definição da medida cabível ocorre, em primeiro plano, considerado o aspecto objetivo - a natureza da pena privativa de liberdade prevista para o tipo penal. Se for de reclusão, impõem-se as internações. Somente na hipótese de detenção é que fica a critério do juiz a estipulação, ou não, da medida menos gravosa - do tratamento ambulatorial. A razão de ser da distinção está na gravidade da figura penal na qual o inimputável esteve envolvido, a nortear o grau de periculosidade - artigos 26, 96 e 97 do Código Penal" (STF, HC 69.375-0, 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, j. 25/8/92, RT 693/427)". Manifesto, portanto, o equívoco do Dr. Juiz de Direito, ao determinar a "internação ambulatorial" da incriminada, porquanto, posto inarredável a absolvição da ré, com esteio no artigo 411 do Código Processo Penal, bem se verifica dos artigos 96, inciso I e II, e 97 do Código Penal que o tratamento ambulatorial só seria determinável se o crime "for punível com detenção", o que, na hipótese, não acontece. 3. No mais, correta a decretação da custódia da ré, malgrado a inimputabilidade desta, certo que, a despeito de evidenciada a sua periculosidade, achava-se em liberdade provisória, que teria de ser revogada, na forma dos artigos 310, e seu parágrafo, do CPP, visto que não encontrada para a intimação da sentença, sendo-lhe inarredável a sujeição a medida de segurança.
III Ante o exposto, acordam os Magistrados da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, confirmar, em parte, a sentença, vale dizer, somente quanto à absolvição da acusada; reformando-a, no entanto, no que tange à internação ambulatorial desta em Clínica Psiquiátrica, certo que a internação se dará "em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico" (art. 96, I, do CP), por tempo indeterminado, avaliando-se a cessação da periculosidade da ré no prazo mínimo de dois anos (c. art. 97, § 1º, do CP), considerando a gravidade do fato praticado. Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Oto Luiz Sponholz, dele tendo participado os Excelentíssimos Senhores Drs. João Domingos Küster Puppi e Dr. Mário Helton Jorge. Curitiba, 16 de fevereiro de 2006. GIL TROTTA TELLES Relator
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