Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 181.642-8, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 11ª VARA CÍVEL APELANTES: ADELVINO BERNADON E OUTRA APELADO: ESPÓLIO DE REGINA IHLENFELD BERNARDON RELATOR: DES. WILDE DE LIMA PUGLIESE
RESPONSABILIDADE CIVIL. DESVIO DE BENS CONJUGAIS EM FAVOR DE CONCUBINA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO REJEITADA. CERCEIO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. IMÓVEIS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO E TRANSFERIDOS PARA FRAUDAR DIREITO A MEAÇÃO. REGIME UNIVERSAL DE COMUNHÃO DE BENS. DEVER DE INDENIZAR. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 262 E 266, DO CC/1916. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. "A reprodução na apelação nas razões já deduzidas em contestação não determina a negativa de conhecimento do recurso, especialmente quanto as razões ali esposadas são suficientes à demonstração do interesse pela reforma da sentença." (STJ, REsp 74037/PR, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 13.09.05).
2. "Não pode alegar cerceamento de defesa quem concordou com o julgamento antecipado da lide e teve sentença contrária" (RTJ 118/550). 3. Os bens adquiridos, na constância da sociedade conjugal com regime de comunhão universal, a título oneroso pertencem ao patrimônio comum. Sendo assim, violado o direito a meação da esposa, mediante a transferência de imóveis para a concubina, exsurge o dever de indenizar.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 181.642-8 da Comarca de Curitiba - 11ª Vara Cível, em que são apelantes Adelvino Bernardon e Helga Ferreira e apelado Espólio de Regina Ihlenfeld Bernardon. 1. Trata-se de apelação ofertada contra sentença proferida em autos de ação ordinária de responsabilização de danos (autos nº 293/92) ajuizada por Regina Ihlenfeld Bernardon em desfavor Adelvino Bernardon e Helga Ferreira alegando que foi casada com o primeiro requerido, sob o regime de comunhão de bens durante aproximadamente 40 (quarenta) anos, sendo que este abandonou o lar conjugal no ano de 1977, para viver em concubinato com a segunda requerida. Enfatizou que desde da citada separação o réu nunca mais contribuiu para o sustento da família, tendo que arcar sozinha com tais despesas. Afirmou que durante a constância do casamento com o requerido, possuíam dois imóveis, uma na área rural de 2.1680,05 ha e um terreno com 400 ha, ambos situados no Município de Nobres - MT, os quais, após a separação de fato, foram transferidos pelo requerido de forma fraudulenta e maliciosa para concubina requerida. Com essa argumentação, requereu a condenação dos réus ao pagamento de indenização correspondente à metade do valor atual dos dois imóveis descritos, posto que presentes o dolo e a má-fé dos requeridos, o liame de causalidade e o efeito danoso. Citados os requeridos deixaram de apresentar contestação, porém, argüiram a nulidade da citação, suscitando incidente de falsidade (autos nº 322/94 - em apenso) afirmando que as assinaturas constantes no mandado citatório são falsas. Proferindo a sentença (fls. 177/183), o MM. Juiz de Direito a quo, declarando válida a citação dos requeridos, deu pela procedência do pedido, condenando-os ao pagamento de metade do valor atual dos imóveis, além de juros de mora contados da data em que ocorrem as transferências, custas processuais e honorários advocatícios, estes no importe de 15% (quinze por cento) do valor da condenação. Inconformados com a r. sentença, apelaram os vencidos pugnando pela anulação do decisum, alegando, para tanto, ocorrência de cerceamento de defesa nas duas ações: no incidente de falsidade pela obstrução da produção de provas e na ordinária pela ausência de citação (fls. 186/192). Foram apresentadas contra-razões (fls. 195/197). Subindo os autos ao extinto Tribunal de Alçada deste Estado, foram eles remetidos a este Tribunal de Justiça, em razão da incompetência para o processamento e julgamento do feito por aquela extinta Corte (fls. 206/208). Redistribuídos os autos a este Tribunal, o citado recurso foi provido, acórdão nº 19268, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Sidney Mora, anulando-se a r. sentença recorrida, sob o argumento de que houve afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, determinando-se a baixa dos autos à vara de origem, para que fosse realizada outra audiência de instrução e julgamento (fls. 222/225). Prolatada nova sentença (fls. 252/259), o MM. Juiz de Direito a quo julgou procedente o pedido, condenando os requeridos, solidariamente, ao pagamento de metade do valor atual dos imóveis, acrescido de juros de mora da data em que ocorreram as transferências dos bens. De corolário, condenou-os ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Inconformado com o resultado da demanda, apelam os requeridos, insistindo na alegação de que houve cerceamento de defesa, asseverando, para tanto, que quase nunca eram intimados, porque residiam em outro Estado. Ressaltam, aliás, que não foram intimados para a audiência de instrução e julgamento, na qual pretendiam colacionar aos autos documentos relativos a medida cautelar de arrolamento de bens cumulada com alimentos tramitada na 4ª Vara da Família da Comarca de Curitiba (autos nº182/88). Enfatizam, também, que os imóveis são de propriedade da segunda requerida, a qual os adquiriu com o dinheiro da venda de outras propriedades, bem como que o requerido ao desfazer o casamento deixou todo patrimônio para apelada, conforme resta comprovado no aludido processo na 4ª Vara da Família. Asseveram que os imóveis em questão foram vendidos pela apelada e os seus proventos por ela foram recebidos. Afirmaram, ainda, que a presente demanda não serve para o fim a que se propõe, pois a matéria em discussão já foi decidida na cautelar acima mencionada. Por derradeiro, requerem a reforma da r. sentença reptada, a fim de que o pedido seja julgado improcedente, invertendo-se o ônus da prova, posto que "inobservou a ação cautelar de arrolamento de bens c/c alimentos processo nº182/88, da 4ª Vara da Família cujo teor deverá ser carreado a presente apelação a mando desta Egrégia Turma, observando que inexiste qualquer relação jurídica entre a sentença" e seus bens. Foram apresentadas contra-razões (fls. 273/276), pugnando pelo não conhecimento do recurso ante a ausência de razões objetivas. Nesta instância o feito foi convertido em diligência para regularização da representação processual do patrono do apelado (fl. 318). Cumprida a diligência (fls. 324/340), a Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso e, acaso superada a questão preliminar, no mérito, pelo desprovimento do apelo (fls. 346/350). É o relatório. 2. Mister, de início, analisar a preliminar de não conhecimento do apelo suscitada em contra-razões (fls. 264/269), fundada na alegação de que o recurso é formalmente imperfeito por falta de razões objetivas, eis que se reporta aos fundamentos da contestação, inobservando o art. 514, inc. II do Código de Processo Civil. Razão não assiste ao espólio apelado, visto que a reiteração, em sede de apelação, dos argumentos deduzidos na contestação não é motivo para o não conhecimento do recurso, máxime quando os fundamentos de fato e de direito ali esposados são suficientes para demonstrar de forma clara a inconformidade contra a sentença. Outro, aliás, não é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisprudência assim orienta: "APELAÇÃO. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MESMOS ARGUMENTOS DEDUZIDOS NA CONTESTAÇÃO. 1. A reprodução na apelação das razões já deduzidas em contestação determina a negativa de conhecimento do recurso, especialmente quando as razões ali esposadas são suficientes à demonstração do interesse pela reforma da sentença. Precedentes. 2. Recurso conhecido e provido" (REsp 74037/PR, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 13.09.05) Assim, rejeito a insurgência preliminar e conheço do recurso tendo por presentes os pressupostos de admissibilidade. Passo a análise do mérito recursal. Denota-se do exame dos autos que o pleito indenizatório teve por fundamento conduta ilícita praticada pelos apelantes, consistente na transferência de dois imóveis adquiridos na constância do casamento entre Regina Ihlenfeld Bernardon e o primeiro requerido para a segunda requerida, fraudando a meação daquela. Primeiramente, cumpre analisar a argüição de cerceamento de defesa dos apelantes, calcada na ausência de intimação para audiência de instrução e julgamento, na qual pretendiam produzir provas acerca do recebimento dos valores reclamados pela de cujus (medida cautelar de arrolamento de bens c/c alimentos - autos nº 182/88 - Quarta Vara de Família). Malgrado os argumentos deduzidos pelos apelantes, verifica-se dos autos que foram devidamente intimados da audiência de instrução e julgamento, realizada em 27 de fevereiro de 2003, conforme se infere do aviso de recebimento juntado na data de 29 de outubro de 2002 (fls. 246/247). Embora os apelantes não tenham comparecido ao aludido ato processual, foram representados por seu patrono (Dr. Borios Antonio Baitala), oportunidade em que as partes litigantes desistiram da colheita dos depoimentos pessoais e requereram o julgamento antecipado da lide (fl. 250). Por conseguinte, restando devidamente intimados os apelantes para audiência de instrução e julgamento e concordando as partes com o julgamento antecipado da causa, tanto que o requereram, não há que se falar em cerceamento de defesa. Nesse sentido é a jurisprudência, confira-se: "Não pode alegar cerceamento de defesa quem concordou com o julgamento antecipado da lide e teve sentença contrária" (RTJ 118/550; STJ 4ª Turma, REsp 6.414-MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 18.6.91, não conheceram, v.u., DJU 5.8.91, p. 10.006; STJ 3ª Turma, REsp 10.677-CE, rel. Min. Dias Trindade, j. 21.6.91, não conheceram, v.u., DJU 19.8.91, p. 10.994; STJ 2ª Turma, REsp 13.378-ES, rel. Min. Peçanha Martins, j. 18.5.92, não conheceram, v.u. DJU 29.6..92, p. 10.299) Apud NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto. Código de Processo Civil. 36ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 433. A par disso, o i. magistrado sentenciante bem dirimiu o tema, não havendo necessidade de produção de outra prova documental para o deslinde do litígio, na medida em que os elementos probatórios contidos no processo foram suficientes e hábeis a formação de seu convencimento (art. 330, inc. I do Código de Processo Civil). Passando para o mérito da questão, propriamente dito, extrai-se dos autos que Regina Ihlenfeld Bernardon e o primeiro apelante eram casados desde agosto de 1952 pelo regime de comunhão universal de bens (fl. 11), bem como que os dois imóveis em litígio - área rural com 2.168,05 ha e terreno com 400 ha - foram adquiridos na constância do vínculo matrimonial deles. Com relação ao primeiro imóvel, infere-se que foi objeto de compromisso de compra e venda firmado entre Barradas Imóveis Ltda - Assessoria e Planejamento e o primeiro apelante, em outubro de 1976 (fls. 49/52) e ainda que em 09 de maio de 1985 foi ele transferido do nome da promitente vendedora para a segunda apelante (fl. 12). Por sua vez, o outro imóvel objeto da lide foi transferido para segunda apelante em 08 de maio de 1985 (fls. 13/14). Do incidente de falsidade suscitado pelos apelantes, observa-se que o endereço domiciliar destes é o mesmo (fl. 02), o que corrobora a existência de relação de concubinato entre eles, tanto que o próprio réu admitiu conviver maritalmente com a ré faz mais de 10 (dez) anos (fl. 268). Quanto à transferência dos imóveis é de se anotar que a meeira em momento algum participou da transação negocial, tampouco exarou sua vontade, apesar dos bens serem do acervo comum do casal (art. 262 e 266 do CC/1916). Portanto, eivados de vício os aludidos negócios jurídicos entabulados, pois carecem de outorga uxória. Pois bem. Restou demonstrado, in casu, que os imóveis foram adquiridos na constância do matrimônio de Regina Ihlenfeld Bernardon com o primeiro apelante, portanto, integravam o patrimônio comum do casal; a existência de relação de concubinato entre os apelantes e a transferência dos aludidos bens para a segunda apelante, em datas próximas e sem a anuência da cônjuge meeira. Destarte, plausíveis e verossímeis as afirmações tecidas pela ex-cônjuge acerca do comportamento ilícito dos apelantes, consistente na transferência de dois imóveis pertencentes ao acervo comum do casal para a segunda apelante, na qualidade de concubina do primeiro réu, visando fraudar o direito a meação daquela. Inclusive, a r. sentença reptada analisou a questão com muita propriedade. Confira-se a sua fundamentação: "A proximidade das datas e o concubinato tornam verossímeis as alegações de a área de terra integrar a comunhão e de ter ocorrido a transferência para a ré. Existe, portanto, uma forte aparência da verdade, ou seja, as alegações da autora são perfeitamente verossímeis. (...) O regime de bens do matrimônio da autora e do réu é o da comunhão universal de bens (fl. 110); como conseqüência, todos os bens, anteriores e os adquiridos na constância do casamento, comunicaram-se (artigos 262 e 263 do Código Civil), tornando-se a demandante co-proprietária ou co-promissária compradora de cada um dos terrenos. Como meeira, a sua parte não poderia ser alienada sem o seu consentimento, sendo nulas as vendas ou doações. Vale dizer: o correto seria a autora consentir com a cessão das promessas de compra e venda à ré, consentir, e não apenas assentir, por ser ela titular do direito à metade dos bens. (...) Com a transferência dos imóveis para o patrimônio da ré, os concubinos praticaram um ato ilícito, causando um dano à autora, dano consistente na saída da meação do patrimônio dela, devendo, pois, ambos, responder pela indenização. (fl. 257)" Ademais, os apelantes não lograram êxito em comprovar fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito reclamado pelo espólio apelado (art. 333, inc. II do CPC). Aliás, sequer trouxeram aos autos qualquer documentação atinente a mencionada partilha de bens. Em sendo assim, violando os apelantes o direto a meação de Regina Ihlenfeld Bernardon, consubstanciada na conduta ilícita de desvio de bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, ocasionando redução no partrimônio daquela, é de rigor a indenização no valor da metade de cada um dos citados imóveis. Diante desta quadra de considerações, proponho o conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença recorrida, por seus próprios e jurídicos fundamentos. 3. Por tais razões, ACORDAM os Senhores magistrados integrantes da Décima Câmara Cível, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação. Participaram do julgamento o Senhor Desembargador RONALD SCHULMAN, Presidente com voto, e o Senhor Juiz Substituto em 2º Grau VICENTE MISURELLI. Curitiba, 16 de março de 2006.
|